terça-feira, 27 de novembro de 2018

IDEALIZANDO UM ESPAÇO PARA O LAZER DOS PRESIDUTRENSES

Foto ilustrativa. Lago Verde, Paragominas-PA.


José Pedro Araújo
Quando criança sentia uma enorme falta de um local permanente onde pudesse dar vazão a minha grande necessidade de brincar. Então, não havia um parque infantil na cidade de Presidente Dutra, por mais diminuto que fosse.  As verbas públicas minguadas não permitiam tamanho investimento, diziam-se. E como não possuímos um rio perene, tínhamos que aguardar o período das águas altas para uns providenciais mergulhos no riacho Firmino ou no rio Preguiça, cursos de água semi-perenes que se mantinham todo o restante do ano restritos a pequenas poças individuais e paradas, o que não significava a mesma coisa, pois precisávamos de algo que extravasem fronteiras tais quais as nossas imaginações. Nesses períodos de estiagens tínhamos que nos contentarmos com as peladas disputadas nos terrenos baldios espalhados pela cidade, ou mesmo em empinar pipas, preenchendo com suas múltiplas cores o vazio do céu curadoense.

Depois veio a mocidade e com ela a necessidade de encontrarmos parceiras para tratarmos de coisas relacionadas ao coração. Faltava-nos uma praça, porém, onde as meninas, com as mesmas ânsias que nós, desfilassem objetivando distribuírem charme e beleza para uma plateia sequiosa para apreciá-las. Isso faz parte das necessidades humanas: existe sempre alguém que deseja se mostrar; enquanto outros desejam apreciar, deliciar-se, extasiar-se com a visão do que é belo. Essa praça veio muito mais tarde, quando já não estávamos mais por ali. E hoje, observo triste que os tempos são outros, quase ninguém transita por esses logradouros quando vem a noite.

Mas a cidade continua necessitando de um espaço público onde crianças e adultos possam se exercitar, divertirem-se. Um parque, por exemplo, com pistas de caminhadas, laguinho no centro, bancos em redor e muita sombra para desfrutarmos nas nossas horas ociosas. Lá poderia ter alguns campos de futebol, quadras poliesportivas, parques infantis e um espaço para exposições artísticas, além de pequenos  quiosques para lanchonetes, e uma construção maior para um restaurante. Pensei até mesmo no local. A lagoa do Curador. Superaríamos a necessidade de um espaço público que engrandecesse a cidade, e ainda salvaríamos, de quebra, o lugar onde tudo começou.

Como angariar recursos para isso, poderia nos perguntar alguém com os olhos voltados para o apertado orçamento municipal. E eu responderia sem titubear. Lançando mão de uma ideia muito em voga por estes dias: as parcerias público-privadas. Aliás, isso tem feito com que muitos governantes se vejam livres do cinto apertado que tolhe os movimentos de quase todos eles,impedindo-os de alçarem voos mais altos.

Sem nenhum interesse que não seja o de contribuir com alguma ideia para o desenvolvimento da cidade, diria que o administrador municipal poderia fazer como fez o prefeito Juscelino Kubitschek quando criou o parque da Pampulha em Belo Horizonte.  Pensando em uma área de lazer para os habitantes da cidade pequena, mas em rápido crescimento, criou um lugar de lazer para o belo-horizontino, mas também um novo e encantador bairro para a população mais abastada. A cidade tinha na época pouco mais de duzentos mil habitantes quando a ideia surgiu. Ele, por sua vez, não tinha nenhum recurso nos cofres do município para bancar a sua ideia. Foi então que pensou em buscar o apoio da iniciativa privada.

As terras que circundam a Lagoa do Curador pertencem a particulares, bem sei. Presidente Dutra, por sua vez, não é nenhuma Belo Horizonte, sei disso também. Daí a necessidade de se buscar a cooperação dos donos desses terrenos. E tenho a impressão que eles veriam com bons olhos a possibilidade de se construir um parque temático no entorno daquela lagoa. Salvar-se-ia aquele espaço histórico do seu desaparecimento iminente e, ao mesmo tempo, isso valorizaria, sobremaneira, os terrenos em derredor. Com um planejamento bem detalhado e aprovado pelo próprio município, dentro de uma proposta maior, loteamentos com toda a infraestrutura necessária seriam realizados no entorno do parque, criando-se um bairro novo a poucos passos do centro da cidade. Ao município caberia a fração do terreno que a lei obriga que seja destinado para obras públicas. Sem se falar que o espaço da lagoa e o seu entorno, são Áreas de Proteção Permanente, não sendo permitida aos donos dos imóveis qualquer alteração na sua feição. Portanto, nenhum prejuízo adviria dai para eles. No entorno da lagoa, diques de proteção seriam construídos para represar e elevar o nível das águas, e sobre eles seriam assentados os passeios e as pistas de caminhada.  Esses recursos poderiam advir do orçamento da própria União, por meio de emendas parlamentar. A cidade ganharia outra cara, mais moderna, e seus moradores um espaço de lazer sem igual na região. Destinaria mais qualidade de vida para seus residentes. E ainda cometeria um belo e histórico gesto. Sonhar não custa nada, não é mesmo?

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Creoli do Joviniano

Velha casa em que residimos no povoado


José Pedro Araújo
As lembranças que guardo desse pequeno vilarejo encravado no centro do território do velho Curador são fortes demais para abandonarem a minha memória já tão carregada de passado. São passagens, paisagens e acontecimentos que teimam em vir à baila quando menos espero. E não poderia ser diferente. Tudo isso acontecia quando ela ainda tão vazia de anamnese, por tão nova que era, ainda estava começando a armazenar os meus acontecidos. E pelo visto possui muitos terabytes de espaço, pois ainda continua a guardar lembranças. A povoação a qual me refiro, era um simpático vilarejo com ruas bem definidas e uma população que extravasava simpatia por todos os poros e para todos os lados. E foi esse local que meu pai escolheu para instalar uma filial da sua loja. Mais que isso. Por gostar tanto do lugarejo, escolheu-o para sua morada temporária, tendo residido lá por quase dois anos.  Papai também representava politicamente a região, elegendo-se por mais de uma vez para a Câmara do município. E foi assim que ele juntou a família, três dos quatro filhos já nascidos - o mais velho(eu, no caso) precisava continuar os estudos na cidade – e realizou a mudança.
A primeira lembrança que me vem da nossa chegada ao Creoli do Joviniano, com a tarde já findando, é a de que alguns amigos do meu pai se reuniram com ele na calçada em uma roda de conversa que entrou noite adentro. Naquele instante, também criei o primeiro problema para ele resolver. Entediado com aquele converseiro sem fim, apanhei um pequeno talo de coco babaçu e comecei a brincar com ele. Foi ai que apareceu o outro protagonista da história, um pinto pelebreu. Manso e crédulo na boa índole dos circundantes, o pintinho subiu à calçada e começou a caminhar por ela. Foi nesse instante que eu, fazendo uso da pequena arte de madeira que eu tinha nas mãos, dei uma traulitada na pobre ave que a deixou prostrada, praticamente morta. Nesse instante, um dos visitantes levantou-se de um salto e reclamou comigo bruscamente. Não sabia que eu era filho do amigo que visitava. Foi um constrangimento total quando o meu pai ralhou comigo e pediu desculpas ao dono do pequeno pinto. Depois, respondi pelo mal feito ,apesar dos meus pouco mais de seis anos.
Mas nem só de lembranças ruins, a minha memória está repleta. A melhor delas diz respeito ao açude que já foi objeto de uma crônica minha também. Era o maior ajuntamento de águas que eu já havia visto. Para mim, com aqueles olhos de menino guloso por novos descobrimentos, era um mar sem fim. Um oceano bravíssimo. Havia ainda uma bela lagoa, dita do Creoli. Cercada por uma vegetação alta e luxuriante, aquele brejo virou local de intensas visitações minha. Todos os dias, saía a passear em volta dela, sob a sua sombra reconfortante, baladeira ao pescoço, à caça de passarinhos. No seu entorno fiquei conhecendo a árvore frutífera que lhe emprestou o nome: o Creoli (Mouriri surinamensis Aubl.). Trata-se de uma árvore frondosa que tem preferência por áreas úmidas e que produz uma frutinha amarela comestível. Essa lagoa ficava muito próxima da minha casa, dai a facilidade que eu tinha de brincar nas suas margens. E possuía, também, uma quantidade de sapos tão grande como jamais vira. As noites escuras do Creoli eram tomadas pela volumosa e estridente sinfonia daquele coral aquático.
A propósito disto, aquele primeiro ano foi marcado por uma temporada de chuvas muito intensas, algo quase fora do normal(vivíamos o ano de 1960). Todas as noites a tempestade se abatia sobre a povoação, e isso provocou um problema adicional para a minha mãe: uma avalanche de rãs invadiu as casas mais próximas à lagoa. E como ela tinha pavor desses bichinhos visguentos e frios, quase não dormiu por um bom período. Os sapinhos surgiam de todos os lugares, se metiam entre as telhas e saltavam para dentro da casa. Como não havia luz elétrica naquele tempo, a escuridão das ruas favorecia o aparecimento dos bichos em profusão, expulsos do alagadiço próximo devido à elevação das águas. Amedrontada, a minha mãe deixava lamparinas acesas em todos os cômodos, mas nem isso impedia que a multidão de rãs pululasse pela casa. Mamãe contava ainda apavorada, muitos anos depois, que algumas delas saltavam sobre as lamparinas e apagavam as chamas. E causavam um verdadeiro transtorno para ela.
Mas o Creoli não era só isso. Era um lugar agradabilíssimo, um local em que imperava a concórdia, e era habitado por de pessoas amáveis e amigáveis. Anos atrás, retornei àquela vila e quase não a reconheci. O açude se achava muito assoreado e tomado por uma vegetação aquática sinalizando que as suas águas também estavam muito poluídas. Quanto à lagoa do Creoli, nem sinal dela. Um desmatamento desenfreado ceifou das suas margens o belo arvoredo, e suas águas fugiram do local para sempre. Até mesmo a velha capela havia sido demolida e mudaram de local. De uma fileira de flamboyants em chamas, posto estarem sempre floridos, que existia em uma das entradas do povoado, não tive notícia. Mas o povoado continua atraente e convidativo. Suas ruas agora estão asfaltadas, e a luz elétrica, e também a água encanada, são serventia para seus moradores.

sábado, 17 de novembro de 2018

LEMBRANÇAS DE UMA ESTRANHA CASA



(Chico Acoram Araújo)*

Era uma casa muita estranha! De portas e janelas sempre fechadas.
Plantas e flores viçosas, bem cuidadas. Um belo jardim!
Morava gente. Não recordo os rostos daquela gente, perto de mim.
Soturno solar, sempre triste! Vozes da casa, dentro de mim ressoam, veladas.

Morada de gente, nela não vagueiam crianças. Fantasmas! Escuto roucas vozes.
O portão de madeira, sempre fechado. Sem ruído; sequer um ranger de dente!
Lembranças da insólita casa, habitada, silenciosa, com invisíveis figuras atrozes!
Casa sem gente, em minha memória de criança, secularmente ausente.

Anos depois, a estranha casa – uma deplorável tapera. Plantas e flores, não existem mais.
A cerca da velha casa, em ruína, tomada de mato e cupins. O portão quebrado.
Sem Portas e janelas - a sinistra casa! Agora sempre aberta. E aquela gente? Aqui, jaz.

Estranha casa que habita no recôndito de minha memória, de gente que não conheci,
Traz-me lembranças de infância -  relíquias da casa velha de Machado.
Da tristeza que passou, da felicidade que se perdeu, da gente que não senti.

(*) Chico Acoram Araújo é Contador, Funcionário Público Federal e Cronista.



sexta-feira, 9 de novembro de 2018

A HISTÓRIA DE PRESIDENTE DUTRA(A Economia Regional)



  
O boi abre o caminho – A ocupação das áreas com pastagem natural abundante, os chamados “campos gerais”, foi feita em um período relativamente curto, empurrado pelo crescente aporte de novos criadores de gado que desciam o nordeste rumo ao norte em busca de terras férteis, livres e com abundante presença de água. Nem mesmo a necessidade de consideráveis investimentos na preparação das terras para cultivar as pastagens com que deveriam alimentar seus rebanhos, era impedimento suficiente para barrar essa corrente migratória ininterrupta.

Afinal, o problema maior para esses criadores sempre fora as constantes faltas de chuvas na caatinga nordestina. E por ser este um obstáculo impossível de ser superado, não temiam distâncias na preservação da própria vida e manutenção de seus rebanhos, ambos ciclicamente atingidos por esse terrível fenômeno natural.

            Povo destemido e desbravador, os nordestinos foram tantas vezes atingidos pela escassez de chuvas, que se viam obrigados a abandonarem sua própria terra para buscar abrigo em  regiões distantes. E por esta razão, são responsáveis pelo desbravamento e colonização de todo o norte do país.

Atingidos a cada três anos por este fenômeno climático aterrador, a história aponta para a seca de 1777 – 1779, como a mais devastadora que se têm notícia desde a colonização do Brasil pelo europeu. Nesse período de grande aflição, quando a terra sequiosa não consentia que brotasse praticamente nada, houve uma intensa migração de pessoas de Estados como o Ceará, o Rio Grande do Norte, a Paraíba e o Piauí, em direção ao interior maranhense.

Também conhecida como “seca grande”, teriam perdido a vida mais de 500.000 nordestinos em decorrência da terrível sequidão que assolou os campos e as cidades sertanejas, trucidando pessoas e rebanhos, salvando-se apenas aqueles que buscaram refúgio em regiões mais úmidas, como o vale do Carirí, no Ceará, ou os Vales do Parnaíba e Gurguéia, no Piauí, além das terras maranhenses mais a oeste e norte.

Existem relatos dantescos de que vilas inteiras desapareceram do mapa.  E diante de flagelo tão grande, somente não morreu quem juntou a família, e os poucos animais que restaram, e empreendeu uma fuga desesperada rumo ao desconhecido em busca de água e comida. E mesmo destes, muitos ficaram pelos caminhos, alguns sem o direito a uma cova rasa como sepultura, tal era o desânimo e a falta de força dos que restaram vivos.

O Padre Joaquim José Pereira testemunhou no Rio Grande do Norte um destes terríveis períodos de seca no período compreendido entre 1790/1793, quando a fome e a sede se abateu com tanta violência contra o sertanejo, que transformou a caatinga nordestina num grande cemitério de corpos insepultos. Seu relato à Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro(Tomo LXII), ficou registrado como uma dos mais tenebrosos já publicados naquele periódico. Com a alma dilacerada, Padre Joaquim derramou seu pungente lamento, registrando com tintas de sangue a tristeza que insistia em consumi-lo, dizendo assim:



“Ah! Quem pensara que estas creaturas haviam de servir de pastos as aves nocturnas amigas do sangue? Ellas pousavam em seus próprios aposentos, e correndo pelo chão trepavam sobre as creaturas, que já estavam prostradas pela fraqueza, e a vista das mesmas pessoas que as cercavam, lhes bebiam o sangue”. (PEREIRA, Pag. 179).



           A seca de 1877/1879, um século depois, também comportou relatos de magnitude igual ou maior, obrigando o império a tomar as primeiras providências para minorar os seus efeitos. Consta que D. Pedro II foi às lágrimas quando presenciou a gravidade do problema que dizimou a economia da região e provocou terrível mortandade, especialmente de crianças e velhos.

Ferido na sua dignidade, teria ele proferido a famosa frase que ficaria para sempre gravada na memória do povo da região: “nem que eu tenha que me desfazer da última jóia da Coroa, não permitirei que tal flagelo se abata outra vez sobre esse povo sofrido".

Consta também que foi essa a primeira promessa não cumprida de terminar com a seca na região. Até porque a seca é um fenômeno natural que não pode ser exterminada ou evitada, e sim combatida nos seus efeitos.

            Foi durante esse período que aconteceu também a maior corrente migratória de nordestinos ao nosso estado, habitando lugares dantes nunca ocupados, trazendo consigo, além dos membros da família que resistiram à grande caminhada, a experiência do trato com o gado e uns poucos animais que conseguiram concluir a longa jornada.

E para quem já havia empreendido tamanha caminhada, as distância entre o local onde haviam situado suas fazendas e o mercado no qual deveriam comercializar seus produtos, não passava de coisa insignificante. Empreendiam caminhadas de centenas de quilômetros tangendo tropas e rebanhos, como se estivessem se dirigindo ao armazém da esquina, debaixo de chuva ou sol, sobre terrível lamaçal ou debaixo de nuvens de poeira vermelha.

E assim transformaram a incipiente vila de Caxias em uma feira importante para a comercialização dos animais por eles criados. A boiada era tocada durante dias e dias, seguindo por caminhos abertos pelos vaqueiros a golpes de foice e machado, até chegarem nas áreas de campo aberto, já próximo ao Itapecuru, em cuja margem a povoação crescia a olhos vistos. Caxias iria se transformar em breve no mais importante entreposto de comercialização de gado do interior maranhense, e um dos maiores do nordeste, igualando-se à Feira de Santana, na Bahia.

            Foi nesse tempo que a região do Japão passou a contar com muitas fazendas de gado espalhadas pela vastidão do seu território, mesmo não havendo nenhuma vila em condições de ser apelidado por esse nome. Fazendeiros foram se situando nas regiões da Lagoa de Dentro, Canafístula, Taboa, Fortaleza e Varjão, derrubando a mata virgem e situando suas moradas de forma isolada uma das outras. Com o tempo, começaram a sentir a necessidade de organização de uma vila, um arruado pequeno que fosse, lugar onde pudessem instalar uma pequena área de comércio ou de prestação de serviços. Foi assim que surgiu a povoação do Curador. Na encruzilhada em que já se instalara o Curandeiro que atendia ao povo da região do Japão maranhense que vinha em busca de cura para seus males.

Diferentemente de Barra do Corda, cujo fundador, Manoel Rodrigues de Melo Uchôa, havia recebido a incumbência das autoridades da capital de criar uma povoação em um lugar no centro da região, recebendo depois o pagamento pelos seus serviços, aqui, a vila se formou espontaneamente, sem o caráter de oficialidade que marcou Barra do Corda. O Curador nasceu da necessidade e da coragem de seus primeiros aventureiros em se agrupar como aglomerado urbano, quebrando a característica de individualidade e isolamento que havia imperado até ali.

Nasceu daí a certeza de que o Curandeiro foi, de fato, o primeiro ser humano a habitar as terras desconhecidas até então, sendo, de fato, o fundador do povoado do Curador. Depois dele vieram aqueles bandeirantes que aqui ergueram pequenas choupanas, que mais se pareciam com ocas indígenas, para protegerem a si e aos seus das intempéries e do ataque de animais selvagens.

            E assim, esses homens destemidos que antes haviam varado a caatinga espinhenta atrás de bois fujões em suas terras pretéritas, não tiveram muitas dificuldades para se adaptarem às matas fechadas do Japão maranhense, superando com destemor o receio que a floresta lhes impunha antes. Mostrando a força que possuíam, devassaram a selva fechada com seus machados predadores, e logo já havia uma rede de caminhos intercomunicantes que se ligavam uns aos outros, e aos centros maiores onde se podiam adquirir ou vender seus produtos.

            O gado mestiço que trouxeram consigo, continha bom percentual do sangue das primeiras reses trazidas dos Açores pelos portugueses. Eram animais de porte pequeno e com reduzida capacidade de produção de leite. Contudo, eram rústicos o bastante para suportar as diferenças climáticas locais, além das muitas pragas que infestavam a região. Pragas como o berne, o carrapato, as mutucas e as moscas que provocavam a doença chamada de mal-da-mosca-do-chifre, passaram a se constituir em inimigos a serem superados também.

À falta de açougues, praticavam suas próprias charqueadas e preparavam as peles em curtumes simples, utilizando o couro obtido para a confecção de selas, cordas, malas, perneiras, gibões, e até mesmo portas e janelas, além de uma infinidade de outros utensílios para o uso doméstico. Até mesmo nas camas, as tiras de couro eram usadas como substitutas das molas metálicas, transmitindo um certo conforto ao local em que o incansável trabalhador deitava para descansar da dura labuta diária.

            O leite era aproveitado na confecção de queijos, manteiga, coalhadas e doces, que usavam tanto para o consumo doméstico como para a venda. De modo que o boi garantiu a sobrevivência desses bravos pioneiros, servindo até mesmo de meio de transporte, puxando o famoso carro-de-boi que animou o sertão com seu gemido característico e saudoso.