Elmar Carvalho é poeta, prosador, historiador e membro da APL.
No sábado, dia 07/12/2019, foi lançada a Obra Reunida, da
autoria do Padre Cláudio Melo (Campo Maior, 1932 – Teresina, 1998), sacerdote católico,
professor universitário (UFPI) e notável historiador do Piauí, talvez o mais
importante do período colonial. É quase a sua obra completa, pois ficaram de
fora do monumental volume único, de mais de 850 páginas, apenas um ou dois
livros e vários artigos esparsos, muitos dos quais tive a satisfação de lhe
solicitar e publicar na revista Cadernos de Teresina, quando fui o presidente
do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, órgão da
Prefeitura Municipal de Teresina. O livro faz parte da Coleção Centenário
da Academia Piauiense de Letras, onde pode ser adquirido. Tive a subida honra
de lhe fazer breve apresentação na solenidade de lançamento. Segue abaixo o
prefácio que lhe fiz.
1
Guardo com zelo e ciúme o pequeno e precioso livro
Bernardo de Carvalho, da autoria do padre Cláudio Melo, meu conterrâneo,
editado pela Universidade Federal do Piauí em 1988. É uma brochura simples,
humilde, desguarnecida de enfeites e ilustrações, em que se percebem
imperfeições tipográficas ao longo de suas 61 páginas. Na folha de rosto, em
letra miúda, mas bem legível, vê-se a seguinte dedicatória, sem data: “Ao
Elmar, com a estima do Pe. Cláudio”.
Em 1993 assumi a presidência do Conselho Editorial da Fundação Cultural
Monsenhor Chaves, órgão da Prefeitura de Teresina, que homenageia o ilustre
historiador e nosso também conterrâneo Joaquim Raimundo Ferreira Chaves. Desde
então passei a solicitar matérias historiográficas ao Pe. Cláudio Melo. Disso
tiro a conclusão de que travei amizade com ele a partir do final dos anos 80 ou
começo dos 90. Na segunda edição de meu opúsculo Cromos de Campo Maior,
encontra-se desvanecedora apresentação de sua lavra, datada de 7 de setembro de
1995.
Recordo que quando ele me entregou o livro Bernardo de Carvalho, advertiu-me
para que eu não o deixasse de ler e observou que o grande e último mestre de
campo das Conquistas do Piauí e do Maranhão, fundador de cidades e igrejas, era
a mais ilustre figura do Piauí colonial. Em seu livro constatei que ele fora
“uma das mais gloriosas figuras de nossa História e o verdadeiro criador da
unidade piauiense”, classificando-o como “herói das Conquistas e consolidador
do Piauí”. Por conseguinte, lançou as bases administrativas e militares do que
viria a ser a capitania, a província e o estado do Piauí.
Sem dúvida nas suas inovadoras e percucientes pesquisas, o padre Cláudio
contribuiu para tirar do injusto esquecimento o velho e heroico marechal de
campo. Contudo, tempos depois, verifiquei que o próprio livro do ilustre
historiador já estava caindo no olvido, em virtude de sua edição acanhada e de
reduzida tiragem, a que não se seguiu nenhuma reedição. Por esse motivo e
também por causa da iconoclastia e menoscabo que se cometeram contra o grande
Bernardo, fundamentado nessa obra pioneira e nas de outros historiadores,
publiquei em 2012 o livro Bernardo de Carvalho – o fundador de Bitorocara.
Ao surgir uma obra que contrariava a tese de padre Cláudio, afirmando que a
Fazenda Bitorocara, que dera origem a Campo Maior, não ficava situada no
entorno dessa cidade, na confluência dos rios Surubim e Longá, reeditei o meu
livro, em edição revista, melhorada e aumentada, pois tive acesso a novas obras
e documentação. Foi uma bela edição da Editora da Universidade Federal do Piauí
- EDUFPI, com a chancela da Academia Campomaiorense de Artes e Letras, em que
tive o apoio das professoras Sílvia Melo e Jacqueline Dourado, na profícua
gestão do reitor Arimatéia Dantas.
Acresci-lhe
dois novos capítulos, um dos quais específico sobre a localização da velha
fazenda de Bernardo, em que julgo haver demonstrado de forma peremptória e
cabal, reforçando os argumentos de Cláudio Melo, que ela ficava mesmo nos
arredores de onde hoje se ergue a imponente catedral de Santo Antônio do
Surubim, cuja primeira igreja fora erguida por Bernardo, a pedido de seu
parente, o padre Tomé de Carvalho.
2
A presente obra foi idealizada e organizada por
Teresinha Queiroz, e contou com o apoio do conterrâneo Raimundo Nonato Monteiro
de Santana, que conseguiu ajuda financeira da Prefeitura de Campo Maior para a
sua digitação, na gestão de João Félix de Andrade Filho. Teresinha, além da
notável obra de sua autoria, mormente no campo da história social, tem se
empenhado em resgatar importantes obras de há muito esgotadas, entre as quais a
de Clodoaldo Freitas, R. N. Monteiro de Santana e mais recentemente as
coligidas neste tomo.
Não sendo possível, no momento, a publicação da
obra completa de Pe. Cláudio Melo, por diferentes motivos, foi concebido o
vertente volume único de seus mais significativos trabalhos, quais sejam: O
mártir dos Tacarijus, O povoamento do Piauí, O último berço dos Tacarijus, Os
construtores de nossa história, Os jesuítas no Piauí, Os primórdios de nossa
história, Arquidiocese de Teresina, A Diocese de Parnaíba – 50 anos de
história, A prioridade do norte no povoamento do Piauí, As sesmarias da Casa da
Torre no Piauí, Bernardo de Carvalho, Caxias no tempo das Aldeias Altas e Fé e
civilização. Foram mantidos os prefácios e apresentações de todos os
originais.
Desde que ingressei na Academia Piauiense de
Letras, no ano de 2008, passei a reivindicar sua publicação. Na gestão do
confrade Reginaldo Miranda e contando com a sua total anuência, tentei uma
parceria com o Banco do Nordeste do Brasil, tendo feito algumas gestões nesse
sentido, mas a excessiva exigência burocrática para a elaboração do projeto
terminou inviabilizando esse objetivo.
O presidente Nelson Nery Costa, dando continuidade
à Coleção Centenário, iniciada por Reginaldo Miranda, com vista à comemoração
dos cem anos de nosso Sodalício, incluiu a vertente Obra Reunida de Pe. Cláudio
Melo nessa importantíssima coleção de obras-primas da Literatura Piauiense.
Como eu viesse “cobrando” com certa insistência a sua publicação, encarregou-me
de lhe fazer a revisão.
Temi tão melindroso conquanto honroso encargo. Por
isso, adotei alguns critérios para esse mister. Em transcrições, sobretudo de
documentos, optei por não fazer a atualização ortográfica de vocábulos, exceto
nos que já estão consagrados e dicionarizados. Contudo, mantive, como não
poderia deixar de ser, as atualizações feitas pelo próprio autor, bem como não
lhes substituí as palavras em desuso.
Na medida do possível, cotejei o material digitado
com os originais que me foram entregues, para evitar erros de nomes de pessoas,
de localidades e de datas. Todavia, julgo compreensível que alguma coisa possa
ter fugido a esse cuidado.
Por outra parte, não foi possível localizar os
originais de duas ou três obras, de modo que lhes fiz apenas uma revisão
gramatical do material digitado, só lhes revendo o conteúdo em um ou dois casos
de evidente equívoco historiográfico.
Deixo claro, portanto, que numa obra dessa dimensão
e complexidade é quase impossível uma perfeita revisão, que talvez possa ser
alcançada numa próxima edição, tendo esta como parâmetro.
3
Despojado de vaidade, embora tenha elaborado a
biografia de ilustres personalidades da História do Piauí, Cláudio Melo nunca
escreveu a sua própria, nem mesmo de forma sintética, nem tampouco, do meu
conhecimento, concebeu obra autobiográfica, memorialística ou confessional.
Também desprovido de egoísmo, socializava as suas
pesquisas, permitindo que outros historiadores utilizassem as suas anotações e
registros, fruto do sacrifício de seu demorado labor em acervos sem conforto e
muitas vezes remotos, de difícil acesso a piauienses. Estimulava os estudantes
e pesquisadores a escreverem novas obras, inclusive contraditando-o, se fosse o
caso, ou indo além do que ele alcançara desvendar. Todavia, sempre propugnava
pela verdade, pelo apego ao conjunto de documentos, e não a meras ilações ou
suposições, sem fundamento em fontes idôneas e aceitáveis.
Nasceu na cidade de Campo Maior, em 2 de março de
1932. Além de sacerdote e historiador, foi professor da Universidade Federal do
Piauí. Doutor em Sociologia pela universidade romana de São Tomás de Aquino.
Foi membro do Conselho Estadual de Cultura e do Conselho do Projeto Petrônio
Portela. Exerceu a chefia do Patrimônio Artístico e Cultural do Piauí.
Pertenceu à Academia Piauiense de Letras. Fora outras obras e artigos
publicados em diversos periódicos (que dariam um belo volume), publicou os
livros aqui enfeixados. Exerceu seu mister sacerdotal nos municípios de São
Miguel do Tapuio, Campo Maior, São Pedro do Piauí e Teresina. Sobre os dois
primeiros, escreveu importantes obras historiográficas, desde os seus
primórdios.
Pe. Cláudio Melo é um historiador que prezava,
sobretudo, a verdade e o contexto da época em que os fatos aconteceram, para
não cometer injustiças e insolências com a figura histórica, ante eventuais
anacronismos. Também não admitia certos modismos metodológicos e injustas
iconoclastias. Assim, se insurgiu com altivez contra certos anacronismos,
quando alguns afoitos “historiadores” detrataram e defenestraram importantes
figuras históricas, sem levarem em conta a realidade, as leis, os costumes, as
crenças, as crendices e as superstições da época em que essas pessoas viveram.
Em busca da verdade histórica sacrificou sua saúde,
seu tempo e cabedais. Segundo se sabe, mergulhou em desgastantes consultas a
documentos, numa época em que eles não eram disponibilizados na internet. Por
conseguinte, os consultou em diferentes e longínquos arquivos e acervos, entre
os quais os de Portugal, Belém – PA e São Luís do Maranhão, fora os existentes
em diferentes cidades do Piauí, tanto públicos, como eclesiásticos e
particulares.
De inteligência arguta, sua capacidade
argumentativa era invejável. Contudo, suas conclusões não eram tiradas de meras
suposições e hipóteses, mas do cotejo de vários documentos. Como suas
pesquisas, leituras e releituras se prolongaram por vários anos, desenvolvia e
aperfeiçoava suas teses e ilações em obras posteriores, daí a enorme
importância dessa Obra Reunida, porquanto o leitor e pesquisador poderá
observar o conjunto e o progresso do seu importante trabalho historiográfico.
Tornou-se, com o avançar de suas pesquisas e obras,
um dos mais importantes historiadores de nosso estado, quiçá o mais ilustre de
nossos primórdios e de nossa historiografia colonial. Lançou luzes sobre muitos
fatos desconhecidos ou obscuros, sobre muitos dos quais pairavam dúvidas e controvérsias,
trazendo novos esclarecimentos e reinterpretações, mas, como disse,
fundamentado em documentos, cuja localização indicava, transcrevendo-os em
muitos trechos de sua vasta obra ou em seus anexos. Por via de consequência,
muitos intelectuais que lhe torceram o nariz, no início de sua brilhante
jornada historiográfica, passaram a lhe acatar as teses e tiveram que se curvar
ante os seus incontrastáveis argumentos.
O ilustre historiador não se preocupou em fazer um
trabalho de mera divulgação (que também é importante), mas em trazer à luz da
história fatos desconhecidos ou não perfeitamente desvendados de nosso passado
mais remoto. Porfiou em esclarecer dúvidas, em desfazer equívocos e
interpretações controvertidas. Portanto, foi à procura de documentos esconsos,
ainda não manejados por nossos pesquisadores, que jaziam esquecidos em
empoeirados e quase inacessíveis arquivos e acervos.
Com a publicação desta magnífica obra é feita
justiça ao ilustre historiador Pe. Cláudio Melo, cujos livros se encontravam
esgotados há mais de duas décadas. Tirou-se do esquecimento um dos maiores
pesquisadores de nosso estado, ele que tirou do olvido os mais notáveis feitos
e personalidades históricas do Piauí colonial.
Por conseguinte, a Coleção Centenário, nesta profícua
gestão do presidente Nelson Nery Costa, atingiu um de seus muitos pontos áureos
e culminantes.