terça-feira, 24 de dezembro de 2019

É NATAL!


José Pedro Araújo

Não há quem não sinta a alma se elevar e o espírito ganhar um sentido mais reflexivo nesse momento do ano tão importante para os cristãos, quando comemoramos o nascimento de Cristo. O Toque dos sinos, as músicas e os cânticos alusivas ao período nos trazem recordações que nos transportam até os longínquos dias da nossa meninice. Eu, por exemplo, já tive a oportunidade de relatar essa autêntica viagem ao passado lá no meu interiorzinho em que não tínhamos panetone, chocolates, uvas passas ou perus de pesando dez quilos ou mais (ou o Chester, Blesser, e até mesmo o pernil já pronto para ir ao forno). Lá, quem podia engordava o seu próprio peru, sacrificava o pobrezinho e o enchia com farofa com seus próprios miúdos para o levar ao forno da padaria.

Na minha casa comemorávamos diferente. Acorríamos à Igreja Cristã Evangélica para nos juntarmos à grande família cristã que festejava o verdadeiro sentido natalino entoando cânticos e assistindo belas performances teatrais em que o verdadeiro homenageado era incensado e louvado. Tudo sob as luzes brilhantes de uma bela árvore natalina feita a partir de um frondoso galho de pitombeira. Nada de sacrificar o peruzinho de basta plumagem e cabeça avermelhada, porém. Ou entornar litros e mais litros de vinho.

Aliás, o galináceo em seu estado selvagem era originário das regiões geladas da América do Norte, e atribuem a ele esse nome por se achar em Portugal durante o século XVI que o bípede emplumado ali consumido provinha do País sul americano. Mas a ave tal como a conhecemos hoje, foi domesticada no México, e virou um dos símbolos do natal.

Mas nem todos comemoram da mesma forma o período que para nós é tão importante. Os Islamitas árabes em sua quase totalidade), consideram Jesus apenas um dos cinco profetas que vieram para divulgar a palavra de Deus aos homens. E, apesar de respeitarem a data, não a comemoram como os cristãos.  Os Budistas também não comemoram o evento. Apenas respeitam a tradição, mas consideram Jesus apenas um ser de sabedoria elevada. Para os Judeus, conterrâneos de Cristo, até reconhecem a sua existência, mas não o cobrem da mesma santidade que nós. Lá, eles comemoram o Hanukah, a festa das luzes, e relembram as vitórias contra a opressão e a perseguição. Para os Hindus é tempo de festejar as luzes e adorar a energia divina.  Para os Xintoístas japoneses o 25 de dezembro é apenas uma festividade comercial, e, finalmente, para os Taoistas chineses, não tem qualquer significado divino. Louvemos nós ao Senhor Jesus Cristo pelo seu aniversário de nascimento!

FELIZ NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO A TODAS AS NAÇÕES DA TERRA!

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

PE. CLÁUDIO MELO EM TRÊS TEMPOS




 Elmar Carvalho é poeta, prosador, historiador e membro da APL.

No sábado, dia 07/12/2019, foi lançada a Obra Reunida, da autoria do Padre Cláudio Melo (Campo Maior, 1932 – Teresina, 1998), sacerdote católico, professor universitário (UFPI) e notável historiador do Piauí, talvez o mais importante do período colonial. É quase a sua obra completa, pois ficaram de fora do monumental volume único, de mais de 850 páginas, apenas um ou dois livros e vários artigos esparsos, muitos dos quais tive a satisfação de lhe solicitar e publicar na revista Cadernos de Teresina, quando fui o presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, órgão da Prefeitura Municipal de Teresina. O livro faz parte da Coleção Centenário da Academia Piauiense de Letras, onde pode ser adquirido. Tive a subida honra de lhe fazer breve apresentação na solenidade de lançamento. Segue abaixo o prefácio que lhe fiz.



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Guardo com zelo e ciúme o pequeno e precioso livro Bernardo de Carvalho, da autoria do padre Cláudio Melo, meu conterrâneo, editado pela Universidade Federal do Piauí em 1988. É uma brochura simples, humilde, desguarnecida de enfeites e ilustrações, em que se percebem imperfeições tipográficas ao longo de suas 61 páginas. Na folha de rosto, em letra miúda, mas bem legível, vê-se a seguinte dedicatória, sem data: “Ao Elmar, com a estima do Pe. Cláudio”.

            Em 1993 assumi a presidência do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, órgão da Prefeitura de Teresina, que homenageia o ilustre historiador e nosso também conterrâneo Joaquim Raimundo Ferreira Chaves. Desde então passei a solicitar matérias historiográficas ao Pe. Cláudio Melo. Disso tiro a conclusão de que travei amizade com ele a partir do final dos anos 80 ou começo dos 90. Na segunda edição de meu opúsculo Cromos de Campo Maior, encontra-se desvanecedora apresentação de sua lavra, datada de 7 de setembro de 1995.

            Recordo que quando ele me entregou o livro Bernardo de Carvalho, advertiu-me para que eu não o deixasse de ler e observou que o grande e último mestre de campo das Conquistas do Piauí e do Maranhão, fundador de cidades e igrejas, era a mais ilustre figura do Piauí colonial. Em seu livro constatei que ele fora “uma das mais gloriosas figuras de nossa História e o verdadeiro criador da unidade piauiense”, classificando-o como “herói das Conquistas e consolidador do Piauí”. Por conseguinte, lançou as bases administrativas e militares do que viria a ser a capitania, a província e o estado do Piauí.

            Sem dúvida nas suas inovadoras e percucientes pesquisas, o padre Cláudio contribuiu para tirar do injusto esquecimento o velho e heroico marechal de campo. Contudo, tempos depois, verifiquei que o próprio livro do ilustre historiador já estava caindo no olvido, em virtude de sua edição acanhada e de reduzida tiragem, a que não se seguiu nenhuma reedição. Por esse motivo e também por causa da iconoclastia e menoscabo que se cometeram contra o grande Bernardo, fundamentado nessa obra pioneira e nas de outros historiadores, publiquei em 2012 o livro Bernardo de Carvalho – o fundador de Bitorocara.

            Ao surgir uma obra que contrariava a tese de padre Cláudio, afirmando que a Fazenda Bitorocara, que dera origem a Campo Maior, não ficava situada no entorno dessa cidade, na confluência dos rios Surubim e Longá, reeditei o meu livro, em edição revista, melhorada e aumentada, pois tive acesso a novas obras e documentação. Foi uma bela edição da Editora da Universidade Federal do Piauí - EDUFPI, com a chancela da Academia Campomaiorense de Artes e Letras, em que tive o apoio das professoras Sílvia Melo e Jacqueline Dourado, na profícua gestão do reitor Arimatéia Dantas.

Acresci-lhe dois novos capítulos, um dos quais específico sobre a localização da velha fazenda de Bernardo, em que julgo haver demonstrado de forma peremptória e cabal, reforçando os argumentos de Cláudio Melo, que ela ficava mesmo nos arredores de onde hoje se ergue a imponente catedral de Santo Antônio do Surubim, cuja primeira igreja fora erguida por Bernardo, a pedido de seu parente, o padre Tomé de Carvalho.     

2

A presente obra foi idealizada e organizada por Teresinha Queiroz, e contou com o apoio do conterrâneo Raimundo Nonato Monteiro de Santana, que conseguiu ajuda financeira da Prefeitura de Campo Maior para a sua digitação, na gestão de João Félix de Andrade Filho. Teresinha, além da notável obra de sua autoria, mormente no campo da história social, tem se empenhado em resgatar importantes obras de há muito esgotadas, entre as quais a de Clodoaldo Freitas, R. N. Monteiro de Santana e mais recentemente as coligidas neste tomo.

Não sendo possível, no momento, a publicação da obra completa de Pe. Cláudio Melo, por diferentes motivos, foi concebido o vertente volume único de seus mais significativos trabalhos, quais sejam: O mártir dos Tacarijus, O povoamento do Piauí, O último berço dos Tacarijus, Os construtores de nossa história, Os jesuítas no Piauí, Os primórdios de nossa história, Arquidiocese de Teresina, A Diocese de Parnaíba – 50 anos de história, A prioridade do norte no povoamento do Piauí, As sesmarias da Casa da Torre no Piauí, Bernardo de Carvalho, Caxias no tempo das Aldeias Altas e Fé e civilização. Foram mantidos os prefácios e apresentações de todos os originais.   

Desde que ingressei na Academia Piauiense de Letras, no ano de 2008, passei a reivindicar sua publicação. Na gestão do confrade Reginaldo Miranda e contando com a sua total anuência, tentei uma parceria com o Banco do Nordeste do Brasil, tendo feito algumas gestões nesse sentido, mas a excessiva exigência burocrática para a elaboração do projeto terminou inviabilizando esse objetivo.

O presidente Nelson Nery Costa, dando continuidade à Coleção Centenário, iniciada por Reginaldo Miranda, com vista à comemoração dos cem anos de nosso Sodalício, incluiu a vertente Obra Reunida de Pe. Cláudio Melo nessa importantíssima coleção de obras-primas da Literatura Piauiense. Como eu viesse “cobrando” com certa insistência a sua publicação, encarregou-me de lhe fazer a revisão.

Temi tão melindroso conquanto honroso encargo. Por isso, adotei alguns critérios para esse mister. Em transcrições, sobretudo de documentos, optei por não fazer a atualização ortográfica de vocábulos, exceto nos que já estão consagrados e dicionarizados. Contudo, mantive, como não poderia deixar de ser, as atualizações feitas pelo próprio autor, bem como não lhes substituí as palavras em desuso.

Na medida do possível, cotejei o material digitado com os originais que me foram entregues, para evitar erros de nomes de pessoas, de localidades e de datas. Todavia, julgo compreensível que alguma coisa possa ter fugido a esse cuidado.

Por outra parte, não foi possível localizar os originais de duas ou três obras, de modo que lhes fiz apenas uma revisão gramatical do material digitado, só lhes revendo o conteúdo em um ou dois casos de evidente equívoco historiográfico.

Deixo claro, portanto, que numa obra dessa dimensão e complexidade é quase impossível uma perfeita revisão, que talvez possa ser alcançada numa próxima edição, tendo esta como parâmetro.

3

Despojado de vaidade, embora tenha elaborado a biografia de ilustres personalidades da História do Piauí, Cláudio Melo nunca escreveu a sua própria, nem mesmo de forma sintética, nem tampouco, do meu conhecimento, concebeu obra autobiográfica, memorialística ou confessional.

Também desprovido de egoísmo, socializava as suas pesquisas, permitindo que outros historiadores utilizassem as suas anotações e registros, fruto do sacrifício de seu demorado labor em acervos sem conforto e muitas vezes remotos, de difícil acesso a piauienses. Estimulava os estudantes e pesquisadores a escreverem novas obras, inclusive contraditando-o, se fosse o caso, ou indo além do que ele alcançara desvendar. Todavia, sempre propugnava pela verdade, pelo apego ao conjunto de documentos, e não a meras ilações ou suposições, sem fundamento em fontes idôneas e aceitáveis.

Nasceu na cidade de Campo Maior, em 2 de março de 1932. Além de sacerdote e historiador, foi professor da Universidade Federal do Piauí. Doutor em Sociologia pela universidade romana de São Tomás de Aquino. Foi membro do Conselho Estadual de Cultura e do Conselho do Projeto Petrônio Portela. Exerceu a chefia do Patrimônio Artístico e Cultural do Piauí. Pertenceu à Academia Piauiense de Letras. Fora outras obras e artigos publicados em diversos periódicos (que dariam um belo volume), publicou os livros aqui enfeixados. Exerceu seu mister sacerdotal nos municípios de São Miguel do Tapuio, Campo Maior, São Pedro do Piauí e Teresina. Sobre os dois primeiros, escreveu importantes obras historiográficas, desde os seus primórdios.

Pe. Cláudio Melo é um historiador que prezava, sobretudo, a verdade e o contexto da época em que os fatos aconteceram, para não cometer injustiças e insolências com a figura histórica, ante eventuais anacronismos. Também não admitia certos modismos metodológicos e injustas iconoclastias. Assim, se insurgiu com altivez contra certos anacronismos, quando alguns afoitos “historiadores” detrataram e defenestraram importantes figuras históricas, sem levarem em conta a realidade, as leis, os costumes, as crenças, as crendices e as superstições da época em que essas pessoas viveram.

Em busca da verdade histórica sacrificou sua saúde, seu tempo e cabedais. Segundo se sabe, mergulhou em desgastantes consultas a documentos, numa época em que eles não eram disponibilizados na internet. Por conseguinte, os consultou em diferentes e longínquos arquivos e acervos, entre os quais os de Portugal, Belém – PA e São Luís do Maranhão, fora os existentes em diferentes cidades do Piauí, tanto públicos, como eclesiásticos e particulares.

De inteligência arguta, sua capacidade argumentativa era invejável. Contudo, suas conclusões não eram tiradas de meras suposições e hipóteses, mas do cotejo de vários documentos. Como suas pesquisas, leituras e releituras se prolongaram por vários anos, desenvolvia e aperfeiçoava suas teses e ilações em obras posteriores, daí a enorme importância dessa Obra Reunida, porquanto o leitor e pesquisador poderá observar o conjunto e o progresso do seu importante trabalho historiográfico.

Tornou-se, com o avançar de suas pesquisas e obras, um dos mais importantes historiadores de nosso estado, quiçá o mais ilustre de nossos primórdios e de nossa historiografia colonial. Lançou luzes sobre muitos fatos desconhecidos ou obscuros, sobre muitos dos quais pairavam dúvidas e controvérsias, trazendo novos esclarecimentos e reinterpretações, mas, como disse, fundamentado em documentos, cuja localização indicava, transcrevendo-os em muitos trechos de sua vasta obra ou em seus anexos. Por via de consequência, muitos intelectuais que lhe torceram o nariz, no início de sua brilhante jornada historiográfica, passaram a lhe acatar as teses e tiveram que se curvar ante os seus incontrastáveis argumentos.

O ilustre historiador não se preocupou em fazer um trabalho de mera divulgação (que também é importante), mas em trazer à luz da história fatos desconhecidos ou não perfeitamente desvendados de nosso passado mais remoto. Porfiou em esclarecer dúvidas, em desfazer equívocos e interpretações controvertidas. Portanto, foi à procura de documentos esconsos, ainda não manejados por nossos pesquisadores, que jaziam esquecidos em empoeirados e quase inacessíveis arquivos e acervos.

Com a publicação desta magnífica obra é feita justiça ao ilustre historiador Pe. Cláudio Melo, cujos livros se encontravam esgotados há mais de duas décadas. Tirou-se do esquecimento um dos maiores pesquisadores de nosso estado, ele que tirou do olvido os mais notáveis feitos e personalidades históricas do Piauí colonial.

Por conseguinte, a Coleção Centenário, nesta profícua gestão do presidente Nelson Nery Costa, atingiu um de seus muitos pontos áureos e culminantes.