sexta-feira, 29 de março de 2019

CRÔNICAS VIVIDAS - MELHOR PROFESSOR DO MUNDO

Imagem by Google



José Ribamar de Barros Nunes*

Anualmente, vários países, ou melhor, o mundo cultural celebra um concurso com o objetivo de escolher o melhor professor, o maior ícone do processo educativo e didático. Louvável iniciativa.
Devaneando sobre o assunto, resolvi fazer uma seleção imaginária, imaginosa e verdadeira dentro de minha mente, com perspectiva pessoal e individual. Pensei, pensei, pensei... Posso até decepcionar algum leitor, porém, digo a verdade. Afirmo com toda sinceridade que não encontrei a resposta cabal, inconteste, incontestável. Não encontrei...
Percorrendo a longa estrada da minha vida, em grande parte, dedicada ao magistério, não encontrei essa pessoa, esse líder mundial. E olha que principiei antes dos vinte anos... Na condição de ex-Seminarista, lecionei a domicílio, Português, Francês e Latim.
Confesso que, no fim de minha pesquisa de seleção, não encontrei uma pessoa que, sozinha, fosse o ícone mundial da atividade magisterial. Mas reconheço que existem, pelo mundo a fora, dezenas, talvez centenas de paradigmas da carreira magisterial, embora não acredite que esse número atinja o milhar...
Heureca... Tive um estalo de Vieira. Achei o melhor professor em nível universal. Não se trata de uma única pessoa. Trata-se de uma comunidade internacional de pessoas, universal, atuante, pluralíssima. Seu nome? Simplesmente, “sabedoria popular”, escola da vida, encontradiça em toda parte.
Bato o martelo... Digo que o ser humano é um eterno aprendiz, como reza a prosa e a poesia.  A sabedoria popular comanda o saber na escola sem férias, escola da vida. Em sendo assim ela é o melhor professor do mundo... Alguém duvida? Se existir, quero ouvir a resposta...

(*)José Ribamar de Barros Nunes é autor de “Duzentas Crônicas Vividas”


sexta-feira, 22 de março de 2019

O Curador em Fotos Históricas

Foto nº 1 - população do Curador ajuda a construir a capela de São Sebastião em 1929


José Pedro Araújo

Tenho passado os últimos anos da minha vida a garimpar informações que possam contribuir para registrar em singelos textos a história do velho e querido Curador. Como já tive a oportunidade de externar, é uma caminhada difícil, para trás, procurando os rastros deixados pelos antepassados que, a custa de muito suor, sangue e, muitas vezes, lágrimas. Procurar seguir a pisada desses heróis anônimos é uma tarefa ingrata, vez que pouco se registrou na celulose. E, mesmo esses documentos de época, quando existem, estão espalhados por vários lugares, dormitando em poeirentas gavetas que, muitas vezes, nunca mais serão abertas.
Entretanto, vez por outra, alguma coisa emerge e vem a lume, evidenciando passagens da nossa história que já havíamos perdido a esperança de reencontrar. Como aconteceu agora, recentemente. O ativo professor Jean Carlos Gonçalves, enviou-me duas fotos extraídas de um livro lançado em comemoração ao Centenário dos Capuchinhos em Barra do Corda, livro esse lançado em 1994 pelo Convento do Carmo em São Luís. Veio sobre mim uma alegria indizível, sobretudo pelas recordações trazidas de certas pessoas que foram tão importantes na minha vida.
A Primeira foto é de 1929, e retrata frei Heliodoro Inzago - intitulado “O Pobrezinho de Cristo”, em razão de ter dedicado a sua vida aos pobres – à frente de um grupo de moradores do Curador de então. Cada um deles trazia sobre a cabeça um tijolo que seria utilizado na construção da Capela de São Sebastião, pequeno templo que antecedeu à igreja atual. Mas outra coisa que observei na foto me fez aflorar a emoção em borbotões: a imagem das residências construídas no entorno da Praça São Sebastião: todas de palha. Além disso, a visão dos pés de tamarindo tantas vezes relembrados por minha avó Zezé, e repetida por minha mãe e por tia Felicinha, em momentos em que a saudade de épocas distantes avultava suas lembranças.

Foto nº 2 - Capela de São Sebastião sendo erigida

A foto Nº 2, por suas vez, retrata a Capela em construção, uma imagem do trabalho desenvolvido com a ajuda da comunidade: populares estão envolvidos na ereção do vetusto templo, enquanto jumentinhos e carros de mão carregavam o material que seria usado para elevar as paredes suas paredes. São imagens que nos remetem aos primórdios do velho Curador antes que os políticos resolvessem lhe trocar o nome. 

Foto 3 - Igreja de São Sebastião substituiu a Capela anos depois
Na foto acima, temos o templo já construído em substituição à capelinha que vemos na foto numero dois, e ainda com as muretas no seu entorno, perfazendo um conjunto perfeito no estilo Lombardo evoluído. A supressão do muro para postar em seu lugar o gradil de ferro, tal como hoje vemos, descaracterizou o belo conjunto. Atesta mal gosto e descompromisso com a história.

sábado, 16 de março de 2019

AS DESVENTURAS DE FREI ADRIANO DE ZÂNICA

Frades Capuchos em Desobriga pelo sertão


José Pedro Araújo

Em visita ao velho e querido Curador, encontrei-me com o Professor Jean Carlos Gonçalves, jovem pesquisador que vive de “escarafunchar” velhos arquivos e tomar depoimentos de pessoas gradas que acompanharam a marcha da ocupação da região que se convencionou chamar “Japão maranhense”. Já esclareci em outra crônica, que a região central do estado do maranhão ficou conhecida por esse epíteto em razão da dificuldade de acesso a ela, por se constituir em algo praticamente inalcançável, posto estar localizada no mais profundo da mata indevassável.  É naquele espaço geográfico, que estão localizados os municípios de Presidente Dutra, Tuntum, Dom Pedro, Graça Aranha, Gonçalves Dias, São Domingos, Santa Filomena, São José dos Basílios, entre outros. Coletar fragmentos da história dessa região passou a ser uma missão de vida do jovem professor, assim como para mim também. E todos sabem que barreiras um pesquisador tem que superar para encontrar o que procura. A falta de informações confiáveis, aliada ao descaso com a preservação dos documentos que retratam a história desses municípios, fica patente a cada passo dado na busca pela reconstituição da história regional, portanto.
O encontro com professor Jean Gonçalves se constituiu em um dos momentos em que a bateia do garimpeiro faiscador arremata uma luminosa pepita valiosa. Diz-se nesses momentos, que o indivíduo “bamburrou”. E foi como eu me senti naquele momento. Explico. Estávamos em animada conversa, quando veio à baila a informação sobre uma carta escrita pelo frei capuchinho Adriano de Zânica ao seu superior na Itália, relatando a odisseia da sua viagem de Gênova, no velho continente, a Barra do Corda, no centro do estado Maranhão.  Foram doze dias de aventuras inimagináveis realizadas pelo religioso, tempo gasto somente entre a capital do estado nordestino e a cidade eleita como ponto final da viagem. E onde está a importância desse evento para a história? Está, sobretudo, no fato de encontrar um depoimento tão valioso sobre a travessia empreendida por alguém desde a capital do estado, trespassando a mata do Japão maranhense, e em um tempo em que o país enfrentava mais uma revolução civil, a chamada revolução de 1930. Mas, e principalmente, porque não existem registros de como esse acontecimento foi recebido pelos interioranos, sobretudo os da região em causa.
Dias depois do nosso encontro, como havia me prometido o nosso professor-pesquisador, enviou-me uma cópia da tal carta. Fiquei deslumbrado com o que li ali. O texto da missiva se constitui em história pura, e repleta de novidades para nós outros.  Traz, como já afirmei, informações até então nunca abordadas sobre a deflagração da Revolução de 30 em regiões tão afastadas. Todos os estudos sobre esse período da história do Maranhão que lancei olhos têm se restringido aos reflexos da chamada derrubada da república velha, apenas e tão somente no âmbito da capital maranhense. Daí a importância desse documento para a história da região e, de resto, do estado. Em outra oportunidade falaremos sobre isso. Hoje, trataremos apenas das aflições e desconfortos vividos pelo nosso aventureiro capuchinho que transitou por caminhos para tropeiros no selvagem hinterland maranhense, uma verdadeira epopeia para alguém recém-chegado do velho continente.
Frei Adriano saiu do porto de Gênova com idade que não posso precisar, mas ainda jovem, a julgar pelas fotos da época, e apesar da longa barba que era uma marca registrada dos frades daquela ordem religiosa. Todavia, se partimos da informação dada por ele de que 14 ou 15 anos atrás havia servido como bersalheiro (componente das forças armadas italiana), deveria ter, no máximo, 35 anos quando aportou no Brasil. Fez a travessia do Atlântico no navio Júlio César, que classificou de “bela embarcação”, em direção à América desconhecida. Em São Luís, abrigado no Carmo, o Convento da Ordem a que pertencia, tomou aulas de português para completar a sua aprendizagem teórica sobre a língua da terra, e foi escolhido, juntamente com outro frade, frei Abraão, para ministrar a palavra de Deus aos índios da região centro-sul do Maranhão. Segundo suas próprias palavras, ficou imensamente feliz com a escolha do seu nome: “Ele(o superior, Frei Estevão de Sexto São João), entrega-nos somente duas Obediências. Abrimo-las trepidantes pelo medo de não encontrar nelas o nosso nome. Uma era para frei Abrão, destinado a Imperatriz, e outra justamente para mim, destinada a Barra do Corda. Louvado seja Deus! Também desta vez estou entre  os eleitos”. Feliz com a escolha, portanto, o religioso nem desconfiava que seus próximos dias fossem de dura provação. A começar pela viagem da capital até a distante cidade cordina, encrava no sertão profundo e quase inalcançável do Maranhão.
Por sua vez, as démarches da revolução que atingia o país naqueles dias, e que se atrasara para ser deflagrada no estado, aconteciam justamente naqueles dias. E isso provocou atraso de alguns dias no deslocamento dos dois frades para suas áreas de atuação, “o campo destinado ao apostolado”. Chegado o dia ansiado, embarcaram eles no trem que fazia o percurso São Luís-Teresina. O destino deles era a cidade de Codó, situada a meio caminho entre as duas capitais, onde deveriam encontrar outro meio de transporte que os levasse até o destino final.
Embarcar na Maria Fumaça já foi motivo de certa gozação, posto consideraram o trem uma réplica das primeiras locomotivas usadas pelos europeus nos idos do século XIX. Nem sabiam o que lhes esperava mais a frente. Debruçado na janela do trem, ia o missivista nominando as povoações por onde passavam, e os lugares onde paravam para abastecer a locomotiva com água e lenha. Confessou-se cada vez mais extasiado com a bela e luxuriante vegetação que ia encontrando pelo caminho, paisagem muito diferente do ambiente encontrado na sua velha Itália. A viagem durou dois dias, visto terem parado em Coroatá para pernoitarem, no dia seguinte, e só retomarem viagem às seis horas da manhã do outro dia, chegando a Codó no meio da manhã. Terminava aí o trecho de relativo conforto. Mas eles ainda nem desconfiavam disso.
Em Codó, dois dias depois, conseguiram vaga em um caminhão pertencente a um comerciante de Dom Pedro, e foram acomodados na carroceria junto à mercadoria e a outras cinco pessoas que iam para a mesma cidade do empresário. Começava ai uma viagem cheia de percalços, tanto pelo desconforto do caminhãozinho, quanto pela qualidade da estrada que não passava de um caminho para carro-de-bois, alargado agora para dar passagem a veículos automotores. Só conseguiram sair da cidade, apesar de terem embarcado quatro horas antes, quando a tarde já chegara ao fim, às dezoito horas. Pela descrição feita, tomaram a estrada que passa pelo povoado Dezessete, segue para o Triângulo, e depois vai até a Mata do Nascimento, nome antigo pelo qual Dom Pedro era conhecido. Chamar aquele caminho de estrada é faltar com o respeito com as estradas verdadeiras, pois nunca uma máquina havia aplainado aquele carreiro aberto em meio a uma densa floresta. E mesmo assim, os passageiros tinham que se manterem sempre atentos para não serem atingidos por galhos de árvores ou mesmo receber picadas de marimbondos. Depois de algumas paradas em casebres de palha na beira da estrada, quando os outros passageiros aproveitavam para “molhar o bico” com talagadas de cachaça, chegaram finalmente ao povoado Santo Antônio dos Pretos, à beira do rio Codozinho(a povoação, que dista 60  km de Codó,  hoje é um Projeto Quilombola. Historiadores contam que os antepassados dos habitantes atuais receberam aquelas terras através de doação do Imperador Pedro II, logo após o advento da Lei Áurea).
Era meia-noite, e a ideia inicial era pernoitarem ali, pois a viagem à frente havia ficado muito difícil em razão de uma chuva torrencial caída um pouco antes. Não se atreveram, contudo. Os habitantes do lugarejo, adeptos do Terecô, estavam em festa e se embriagavam em volta de alentadas fogueiras. Decidiram seguir em frente, mesmo correndo sérios riscos. E os riscos não demoraram a aparecer. A estrada estava em péssimas condições e o pequeno caminhão começou a atolar seguidamente. Foi, segundo o autor da missiva, uma noite de horrores.
Empurrar o caminhão, passou a ser uma tarefa distribuída entre todos os passageiros. Uma coisa não passou também despercebida pelos religiosos: apesar dos esforços, das muriçocas, da escuridão, ninguém blasfemava contra a má sorte. E assim, para encurtar a história, foram prosseguindo até próximo a Mata do Nascimento, quando tiveram que parar devido a notícias recebidas de que os revoltosos se encontravam na vila e que, certamente, requisitariam o caminhão para deslocamento das tropas ali aquarteladas. Depois de muito relutar, o proprietário do transporte resolveu chegar até a cidade. E, de fato, teve o caminhão requisitado, recebendo a ordem de voltar para Codó com os revoltosos. Alguns dos passageiros, inflamados, resolveram se incorporar ao movimento revolucionário naquele instante. Um deles, por obra da providência divina, seria de grande importância para os religiosos no dia seguinte, como veremos logo à frente.
A questão agora era como seguir viagem. Mas o proprietário do caminhão não os deixou totalmente na mão. E como aquele veículo deveria ser o único existente na cidade, contratou um tropeiro para levar os dois religiosos até a cidade de Barra do Corda, distante dali cerca de 170 quilômetros. Os religiosos ficaram alarmados. Frei Adriano, por exemplo, confessou nunca ter se utilizado de alimárias como montaria. Mas, o que fazer? Era mais uma provação, mas estava dentro dos desígnios de Deus, conjeturou. E, no dia seguinte, às oito da manhã, começou a sua via-crúcis. Mesmo o tropeiro tendo lhe afirmado que escolhera para ele o animal mais manso e estradeiro, o pobre religioso teve que ser puxado pelo cabresto por longos trechos, visto o animal se negar a seguir viagem. E o olhar de riso que ia encontrando pelo caminho por parte das pessoas que encontrava o fazia se sentir mais oprimido ainda. Mas seguiram mesmo assim.
Uma hora e meia, depois da partida, chegaram ao cume da serra da Boa Vista, limite dos municípios de Codó e Barra do Corda à época. Ali também terminava o território da Arquidiocese do Maranhão, e começava o campo da Prelazia de Grajaú. Vejam com que palavras eles comtemplaram aquela bela visão: “Desta altura, com indizível emoção, como outrora Moisés do cimo do Monte Nebo pode contemplar finalmente a tão suspirada Terra Prometida, nós também pudemos admirar o campo destinado ao nosso apostolado. Uma extensa interminável floresta se oferece aos nossos olhares como um imenso tapete verde-escuro, levemente ondulado”. O Cimo da Serra da Boa Vista, hoje é limite dos municípios de Presidente Dutra e Dom Pedro.
Já quase chegando ao povoado do Curador, foram alcançados por dois caminhões cheios de revolucionários. Confessaram ter passado por um susto imenso. Mas, felizmente, não foram molestado, tendo os caminhões seguido em frente. Já passava das oito da noite quando chegaram à povoação do Curador que descreveram como “um pequeno povoado que faz parte do município de Barra do Corda. Aqui nossos missionários deixaram marcos consoladores do seu zelo incansável. Aqui Frei Heliodoro (Heliodoro de Inzago), Superior atual em Barra, com indizíveis sacrifícios, erigiu uma bela igrejinha, a primeira que encontramos depois de um percurso de mais de 150  km... Quando chegamos, o pequeno povoado(Curador) parece ter estado tomado de assalto. Os habitantes, tomados de forte terror, atravancaram-se em suas casinhas, fechadas também as janelas, as luzes apagadas. A rua estava deserta. Somente aqui e acolá núcleos de revolucionários armados estão de sentinela, enquanto algumas escoltas, de lanterna na mão, passam de uma habitação para outra, obrigando com modos autoritários a abrir as portas”.  
No povoado do Curador, dia 25 de outubro, os religiosos receberam abrigo em um casebre de palha na praça da igreja, onde descansaram a noite e se alimentaram frugalmente, como já vinham fazendo. Pretendiam seguir viagem no dia seguinte. Mas, quando descarregavam a bagagem, foram abordados por um dos revolucionários que queria saber a identidade deles e o que pretendiam fazer por ali. Alertado quem eram, o homem ainda tentou tirar-lhes as redes, sendo nessa hora impedido por outro engajado, exatamente um dos rapazes que haviam viajado de caminhão com eles de Codó até a Mata do Nascimento( Dom Pedro). Na defesa dos dois religiosos, o rapaz, recém-integrado ao movimento revolucionário, pelo visto, teve que apontar arma para o colega, e assim lograr sucesso na sua defesa.
Seus problemas não haviam acabado ainda, durante suas estadias no Curador. Dia seguinte, cedo da manhã, foram abordados novamente quando preparavam os animais para continuar a viagem. E mesmo após mostrarem as credenciais com autorização para viagem até o destino final, emitidas pelos novos mandatários do estado, só foram liberados para prosseguirem no final da tarde. Mesmo com a noite se aproximando, decidiram seguir em frente. Temiam novos problemas.
Pernoitaram na localidade Canafístula (Canafístula dos Pacas), em um casebre onde, coincidentemente, havia falecido, seis anos antes, um Capuchinho, frei Carmelo de Brescia,  em decorrência de febres palustres. Na manhã seguinte, já no povoado de Tuntum, viram quando alguns revolucionários armados abordavam as residências em busca de armamentos. E, mesmo cansados, e estando frei Abraão acometido de forte gripe e muito alquebrado, decidiram seguir viagem imediatamente a fim de evitarem problemas com aqueles homens.
O restante da viagem transcorreu dentro do mesmo diapasão: fome incontrolável, sede, cansaço extremo, picadas de mutucas e muriçocas, sol e calor inclementes; desconforto pela marcha dos burricos, mas animados por uma variação de paisagens deslumbrante e uma algaravia de pássaros que enchia o ambiente de beleza e alegria. No último dia da viagem, 28/03, encontram um emissário do Frei Heliodoro que os conduziu até a sua humilde morada e lhes ofereceu uma refeição em regra. A primeira em muitos dias. E, perto do final do dia, encontraram-se com o próprio padre superior, Frei Heliodoro, que veio ter com eles no meio do caminho. Estavam quase no final da jornada empreendida desde a Itália. A alegre recepção deu novo alento aos aventureiros que, doze dias passados, e depois de muitos sofrimentos e medos, estavam finalmente perto de apearem de suas mulas para descansar. Às 23:00 horas desse mesmo dia entraram na pequena Barra do Corda, que nesse tempo contava com cerca de 3.000 almas.

segunda-feira, 11 de março de 2019

TUNTUM – O Topônimo(a origem do nome)

Foto do blog Bate Tuntum.com)




Por Jean Carlos Gonçalves*

Todos já ouvimos a frase: "No Coração do Maranhão bate TUNTUM". Sem dúvida o enunciado é uma forma de identificar nossa cidade e também de nos auto reconhecermos tuntuenses. Mas por que TUNTUM? Qual a origem do topônimo? Há uma única versão para sua origem? Ou várias? Em caso de várias, alguma pode ser considerada correta? Ou todas possuem sua lógica? 
Na busca de contribuir para uma melhor compreensão, ou mesmo incitar o debate acerca dessas questões é que compartilho aqui uma síntese de algumas investigações.

Bem...

Há várias para a origem do topônimo “Tuntum”, dentre as quais, existem duas que são mais aceitas. A primeira, atribui à origem da palavra “Tuntum”, ao som produzido por caçadores que batiam um cajado no chão para atrair caça. Ideia bastante aceita devido à abundância de animais na região: 
“A Srª. Maria do Anunciato Borges afirmou em entrevista concedida em 1995, que o pai dela, o Sr. Manoel José Pereira, dizia que o nome Tuntum é resultante do modo primitivo utilizado pelos caçadores para atrair animais. Consistia em bater no solo fofo com um pedaço de madeira, produzindo o som Tum...Tum...Tum... Truque muito repetido no mesmo local. (GAZETINHA DE TUNTUM, Ano I, nº. 3)”. 
O Srº Vicente Paiva Noleto, relatou que em 1965, José Sarnay, então candidato ao governo do Maranhão, em primeiro comício aqui na Cidade, teria iniciado seu discurso assim: “Povo de Tuntum! Das gameleiras do Tuntum de Cima às gameleira do Tuntum de Baixo! De onde os pioneiros caçadores com seus cajados atraiam as caças [...]". 

Outra versão seria o som produzido, a partir de uma queda d’água existente no riacho que banha a cidade e produzia (tum, tum, tum...). Esta sobrevive no imaginário popular e consta, inclusive, na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros editada pelo IBGE, em 1959: “[...] produzido pela queda de água de um riacho de igual nome e que banha a cidade.”

O Sr. José Costa Carvalho, o Deco, residente em Tuntum desde 1951, afirmou em depoimento que não só conheceu o referido “olho d’água”, mas que ajudou construir, ainda na década de 1950, um tanque em suas imediações para as pessoas tomarem banho, pois não havia serviço de abastecimento de água às habitações do povoado. Deco relatou que no local onde o veio d’água atingia a rocha se formou uma cratera em forma de vasilha, resultado de muito tempo da ação da água na rocha. O mesmo afirma que a fonte d’água se localizava acima da ponte metálica que liga atualmente, o bairro Campo Velho ao centro e que desapareceu por causa da ação erosiva em função do desmatamento da mata ciliar do riacho, assim como aconteceu com a Cacimba da Otília e está ocorrendo com a Mucuíba, a Agogô, o Pinga, o Poção, o Pubeiro e tantos outros pontos do riacho Tuntum, ou melhor, lugares de diversão, lazer e hoje também habitam a memória de várias gerações e relutam em sobreviver no imaginário coletivo. 

Há também quem afirme que o topônimo tenha origem nos batuques dos tambores indígenas que teriam ocupado o lugar antes dos colonizadores. Esta tese é bastante controversa, pois há tanto quem a defenda quanto quem a refute. 

O Sr. Raimundo Santos, nascido em 1908 e pertencente à família Carneiro Santos, uma das pioneiras no povoamento da sede, indagado sobre a existência de silvícolas na região, afirmou que quando sua família chegou a Tuntum não havia índios e que o topônimo não tinha qualquer relação com os “caboclos”, atribuindo o nome som da água que caía sobre as lajes do riacho. 

Entretanto, o já citado artigo do Professor Geovane Alves, fundamento na literatura oral discorre sobre vestígios como: 
“[...] mangueiras e laranjeiras de aparência centenária; instrumentos de trabalho, utensílios para o preparo de alimentos e cerâmicas. Tudo cultivado e trabalhado bem ao modo dos índios Guajajaras, que, conforme corroboram os estudos realizados pela Professora Doutora Maria Elisabete Coelho, Universidade Federal do Maranhão, apresentados no livro A Política Indigenista do Maranhão Colonial, e pelo Antropólogo Édson Soares Diniz, da Universidade Federal do Pará, no livro Os Tenetehara-Guajajara e a Sociedade Nacional.” (GAZETINHA DE TUNTUM op. cit).

Alves cita informações concedidas pelo Sr. Nito, neto de José Naziozeno, considerado o primeiro morador da sede municipal: 
“Dizia esse migrante cearense que ao chegarem (ele, pai e avô) ao local denominado Engenho do Caboclo, encontraram na grota lá existente, um pequeno dique, feito com toras de madeira roliças, cujas frestas estavam vedadas com cera de abelhas. Indícios fortes de que na área, além de índios, habitavam negros, provavelmente, fugidos de fazendas escravocratas de outras regiões.” (GAZETINHA DE TUNTUM, Ano I, Nº 3). 
O ex-prefeito Hélio Araújo, em trabalho monográfico advoga a tese de que Tuntum fora habitada inicialmente por silvícolas da tribo Gaviões, que teriam sido os primeiros habitantes do bairro Tuntum de Cima. Enquanto que no centro (Tuntum de Baixo) “agrupavam-se os índios Canelas” (ARAÚJO, 2013, p.58). 

Também presente na memória coletiva local, há a versão de que o nome TUNTUM teria originado do barulho produzido pela quebra de cocos nas pedras por cutias à margem do riacho. Esta tese é uma das menos aceitas, pois se trata de um animal de pequeno porte. Pois qual o tipo de coco era quebrado? O aqui existente babaçu? Tucum? Macaúba? Muito improvável. 

O Srº Paulo Andrade, antigo morador de Tuntum, 90 anos, atribui o topônimo às batidas produzidas em pilões para descascar arroz, atividade esta realizada por suas irmãs. O saudoso Paulo Andrade, afirma ainda que alguns quiseram mudar o topônimo para Babaçulândia, devido a grande quantidade de palmeiras de babaçu na região, ideia esta que não foi aceita pela maioria. No entanto, esta pesquisa não identificou outros que confirmassem tal versão. 

Por outro lado, uma coisa parece certa: o topônimo “Tuntum” não fora atribuído ao lugar imediatamente após a chegada dos primeiros moradores e, portanto, há necessidade de investigação mais aprofundada para se ter uma ideia mais precisa de quando o lugar passou efetivamente a ser denominado como tal. Pois, as moradas dos primeiros ocupantes tinham nomes específicos: os Naziozenos – Engenho do Caboclo ou Brejo do Caboclo; os Carneiros Santos – Alto dos Carneiros (atual bairro Vila Mata); os Siriácos, no Siriáco; os Benvidos e Borges, no lugar Pacas, próximo ao olho d’água da Mucuíba. 

Assim, cabe indagar: A partir de que momento o lugar passou a ser denominado Tuntum? Ou teria sido uma localidade cujo topônimo prevaleceu em relação às suas contemporâneas? Em caso positivo, o que teria levado os antigos habitantes a aceitarem um termo comum? Questões que não querem silenciar, entretanto, passíveis de uma investigação mais profunda.

(*) Jean Carlos Gonçalves, é professor, historiador, cronista e coordenador do blog “Ecos de Tuntum”.

quinta-feira, 7 de março de 2019

Poema da Mulher Amada

Imagem by Google


Elmar Carvalho*

Amada mulher fatal
O teu amor embora servido
Em pequeninas doses é letal.
Mas eu o tomo lentamente
Como um néctar de veneno
Em longos e lentos goles (sereno)
Como um ópio em lenta mente.

Mulher amada, o teu amor
Conquistador e guerreiro me toma de assalto
E nem me deixa a oportunidade
De esboçar o meu espanto
E ensaiar o meu sobressalto
De acrobata perdido em pleno salto
                                                    mortal.
Mas que antes de um desfecho trágico
Como que por milagre se salva
Entre magia, sortilégio e quebranto.
Pelo gesto carismático de um mágico.

Amada mulher fatal
O teu amor devastador
Não me deu a chance de optar
Entre te querer ou não querer.

(*) Elmar Carvalho é poeta, historiador, cronista e ficcionista. É membro da APL.