sexta-feira, 22 de julho de 2022

A casa do morro.



Horizontina à partir do Açude(Foto: Araújo Neto)

 

José Pedro Araújo (*)

A compra das terras da Horizontina foi uma das boas alegrias que meu pai teve na sua abençoada e curta vida. Coberta por uma vegetação virgem e densamente abundante, a propriedade estava no seu estado original, não possuía casa, cerca, curral, pastagem, nada que pudesse lhe conferir o título de fazenda. Situada às margens da BR 226, distava poucos quilômetros de cidade, talvez cinco. E apesar disto, ainda se mantinha inexplorada. Tenho quase certeza de que foi isso o que mais agradou ao meu pai. Ou talvez o fato de possuir no seu centro geográfico, uma fileira de belas elevações no seu sentido longitudinal, acompanhando o traçado da rodovia. O conjunto da área era de uma beleza ímpar, e por isto meu pai passou a denominá-la de Horizontina. Com vagar e cuidado, respeitando o seu orçamento apertado e a proteção natural da terra acidentada, foi fazendo o necessário para que a propriedade pudesse receber o nome de fazenda. Fazenda Horizontina. Ergueu as cercas do seu perímetro, providenciou a derrubada de uma pequena fração de luxuriante e intocada mata e a semeou com capim com gosto. A área era perfeita para a criação de gado, porque, além da fertilidade inigualável do seu solo, possuía alguns olhos d’águas perenes que serviriam para mitigar a sede dos animais, e que também foram protegidos. Deste modo, logo algumas cabeças de gado vacum já pastavam mansamente nas quintas verdejantes estalando de novas. Só ficou faltando uma casa sede. Por este tempo, meu pai morava com a família na cidade piauiense de Piracuruca, e as dificuldades de administrar o seu imóvel dos sonhos, deixando-o do jeito que sempre imaginou, ficou mais difícil ainda. Foi quando a providência divina agiu mais uma vez favoravelmente, e parte dos seus familiares que residiam no Piauí, mudou-se para Presidente Dutra. E dentre estes, um sobrinho que ganhava a vida cuidando de rebanhos desde a sua infância. Estava resolvida a questão e a propriedade passou a seguir a sua fase de mudança com mais rapidez.

Vista da cidade à partir do morro

 

Faltava construir a sede, como já afirmei linhas atrás. Deste modo, passou o meu pai a planejar a sua construção a partir de Piracuruca, onde estava residindo, tudo meticulosamente imaginado. E quando retornou para a cidade, achou que já era hora de dar cumprimento ao seu intento.  Com este propósito, família toda reunida na cidade, fomos convidados por ele para irmos até a Horizontina para escolhermos o local da construção da casa tão ansiada por ele. A comitiva era formada pelos cinco filhos, a minha mãe, uma nora, minha esposa, e meu filho pequeno, de cerca de três ou quatro anos. As duas opções apresentadas por ele: construção da casa no alto do morro, com vista esplêndida de toda a área e da cidade, ou na parte baixa, mais próximo da rodovia. As duas propostas foram discutidas apaixonadamente. Entretanto, depois de muitas discussões sobre as qualidades dos dois locais, não se chegou a um veredito final. Então meu pai resolveu partir para uma votação rápida. E, contados os votos de cada um dos presentes, restou o pleito empatado com o placar estabelecendo quatro votos para cada opção. Nada resolvido, portanto, e ele não queria usar o seu voto de minerva, em respeito aos demais votantes. Papai coçou a cabeça, ajeitou os óculos, deu uma olhadinha de lado, e avistou o meu filho, o pequeno e irrequieto Bruno. O menino acompanhava as discussões como se tivesse entendendo tudo o que se passava. Então meu pai se dirigiu aos demais presente e falou: falta o voto do Bruno. Ele é quem vai decidir o local onde construiremos a casa.

A casa do morro em construção

Dito isto, passou a responsabilidade para o garoto. Convencido, quando indagado qual o lugar que achava ideal para a construção da sede, ele respondeu de pronto: aqui onde estamos! Por que você acha que aqui é o melhor lugar, Bruno? – indagou o meu pai - Porque lá em cima é difícil de subir – foi a resposta convicta da criança. De fato, para se chegar ao topo do morro, havia uma subida íngreme e cansativa, apesar de ser possível chegar até lá de carro. Com o voto do Bruno, ficou decidido o lugar onde a casa ficaria situada. E assim foi feito, apesar da vontade do meu pai de construí-la no alto do morro, na esplanada belíssima que existe lá em cima cercada de mata virgem, e com uma maravilhosa vista da cidade de Presidente Dutra.

Foi-se o tempo, a casa foi erguida no local determinado, a Horizontina precisou ser dividida entre os herdeiros, uma vez que o meu pai já havia partido para a Glória, mas a ideia de construir uma casa lá no alto permaneceu viva. E a um irmão, Jonas, coube a parte das terras com a sede, e ao fundo dela, o local em que meu pai um dia sonhou em ver a casa-grande construída, mas perdera a eleição por um voto. E como a ideia não estava morta, muito anos depois meu irmão resolveu construir uma bonita casa lá no alto, como era desejo do seu genitor.

Horizontina à noite (Foto: Araújo Neto)

Sempre que vou a cidade, passo um tempo admirando a paisagem que se tem lá de cima. Sem falar que, ao cair da tarde, uma brisa suave vem presentear a quem se dar ao trabalho de subir aquela bela elevação. Por sua vez, o irmão caçula, Josélio, transformou a parte que lhe tocou em uma bela Chácara, cuja sede fica também plantada sobre a elevação central do terreno, bem próximo ao belo açude, por cuja parede transita-se para chegar até ela.  Continuo na torcida para aparecer uma grana extra para que eu faça o meu ranchinho no alto e com vista para a cidade.

A Horizontina, nos dias de hoje, tem uma parte localizada no perímetro urbano da cidade, situando-se à cerca de trezentos metros do IFMA (Instituto Federal de Educação do Maranhão) e de um condomínio de casas em construção. Tem um valor inestimável para todos nós, posto que as lembranças dos nossos pais estão entranhadas em cada pequeno pedaço daquela terra, recheada por lembranças muito caras para nós. 

(*) José Pedro Araújo, é engenheiro agrônomo, funcionário público aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.