José Pedro Araújo
Interrompo a calma do meu exílio para observar
os transtornos causados pelo vírus maldito ao mundo, especialmente à Europa, berço
das civilizações, e fico penalizado de ver as ruas de Roma, Paris, Lisboa,
Barcelona e Londres completamente desertas e sem o afluxo de pessoas que
parecem contribuir para o embelezamento dessas cidades, como a lhes dar vida. Observar
a praça de San Marco completamente vazia de gente e até mesmo de suas cadeiras
coloridas, entristece-me. Ou a Fontana di Trevi, em Roma, sem um vivente que
seja para admirar a beleza milenar de suas águas expelidas por belíssimas obras
de arte esculpidas pelos arquitetos Salvi & Panini, é doloroso. Ou mesmo a
avenida que nunca adormece, La Rambla, em Barcelona, vazia e sonolenta, como se
o povo tivesse se cansado de bater pernas pela sua alameda arborizada, parece o
fim dos tempos. Isso me leva a pensar em como é bom viajar, conhecer outros
povos, outras paisagens, outros costumes e outros climas, enfim. Ficar sem
isso, abrir mão disso, é um retrocesso para a humanidade que tanto batalhou
para aproximar as principais regiões do planeta com a descoberta de meios viários
mais rápidos e eficientes.
Mesmo sabendo que, às vezes,
pequenos atrapalhos surgem nesses bater de pernas por cidades e países daqui e
de além mar. Senões que nos acontecem quanto menos esperamos, que sempre pegam
de surpresa, fico a imaginar nas delícias de uma viagem de conhecimento. E que
os problemas que, às vezes, nos ocorre, são meros obstáculos que elevam o nível
de adrenalina no nosso sangue. Fazem parte do pacote. E se alguns problemas são
de seriedade preocupante, outros são mais hilários do que propriamente causadores
de grandes preocupações. Se uns são de pequena monta, enfim, outros mais
preocupantes, e nos trazem desassossego. Uns podem ocorrer aqui perto de casa,
outros em cidades distantes da nossa. É por essa razão que toda viagem deve ser
precedida de um planejamento cuidadoso para que tudo possa sair a contento, sem
grandes atropelos ou riscos. Entretanto, mesmo assim, situações que nos fogem
inteiramente ao controle acontecem. São naturais e, tempos depois, ficam apenas
como casos esdrúxulos na história de nossas vidas.
Uma dessas situações de viagem nos
causou mais desconforto do que propriamente tenha se caracterizado em um grande
problema. E aconteceu bem perto de casa,
a pouco mais de trezentos quilômetros, mais precisamente no litoral piauiense.
Planejamos uma viagem com dois cunhados e seus familiares para um feriado prolongados
desses, que não sei bem se de Semana Santa ou Carnaval. Fui encarregado de
alugar uma casa na Praia do Coqueiro pertencente a um colega de trabalho. Ele havia
me oferecido o imóvel por um preço relativamente bom. Falou-me com entusiasmo
da casa, tanto que, quando me pediram que encontrasse uma casa para alugar por
alguns dias, não pensei duas vezes, lembrei-me imediatamente da do colega e a
aluguei sem nenhuma dificuldade. Pagamento antecipado, é lógico. Amigos,
amigos, negócio à parte. E lá fomos nós, as tralhas atulhando os automóveis em
volume equivalente ao de uma mudança definitiva. Seis crianças e seis adultos
felizes com a possibilidade de dias soberbos em praias do litoral piauiense
partiram de Teresina no começo da tarde de um esplendoroso dia de sol.
Pouco depois das quatro horas da
tarde estacionamos em frente ao restaurante Alô Brasil, na Praia do Coqueiro,
para um almoço com cara e hora de jantar. E ali já começou meu infortúnio. Comi,
ou bebi, algo que não me caiu bem, de modo que passei aquela noite, e o dia
seguinte, sofrendo de tormentosas dores de barriga que me tiraram um pouco a
minha alegria. Permanecemos no restaurante até o final da tarde e fomos em
busca da casa onde nos hospedaríamos. E para chegarmos lá, nos deparamos com a
primeira dificuldade. Tivemos que seguir pela praia e depois subir uma duna bem
elevada. A nossa hospedaria ficava lá no alto. Quase não consegui fazer o meu
carro chegar lá em cima. E isso só aconteceu depois de algumas tentativas e
quando a noite já havia chegado completamente.
Entretanto, os nossos problemas
não terminaram aí. Logo ao estacionarmos, verifiquei que existiam muitas
pessoas no alpendre. Cerca de seis a oito pessoas, para ser mais preciso. Era o
caseiro, com a mulher e filhos, e muito mais gente, todos chegados no dia
anterior. Para aproveitarem o feriado, havia vindo seus sogros, alguns cunhados,
e o avô cego da mulher do caseiro. Em suma: os quatros quartos da casa já
estavam todos ocupados. Meu colega havia me dito que havia somente o caseiro e
a mulher, mas que eles ocupavam tão somente as dependências de empregada da
casa.
A visão de tanta gente nos causou
terrível desassossego. Voltar para casa àquela altura do dia, seria quase
impossível, mesmo que não tivéssemos ingerido algumas cervejas já por conta do
feriadão. E o que dizer da distância. Não. Isso estava fora de questão,
concluímos. Só nos restava fazer valer o nosso direito.
Fomos conversar com a caseiro que
estava aflito e desnorteado. E depois que ele nos disse que não tinha como
mandar de volta para casa o seu pessoal, por hão haver mais ônibus àquela hora
da noite, decidimos procurar outra saída para o problema. Depois de muita
conversa, chegamos ao que nos pareceu a saída mais sensata: ficaríamos com dois
dos quartos da casa. E também com o alpendre.
Depois disso, decidimos que as
mulheres e as crianças dormiriam nos dois dormitórios e os homens no alpendre. Foi
a saída salomônica encontrada, uma vez que não pretendíamos criar problema para
aquelas pessoas que, afinal, não haviam sido informadas da nossa chegada pelo
dono do imóvel.
A primeira noite, foi pavorosa
para alguns dos que dormiram fora da casa. Um vento frio e forte açulou as
nossas redes a noite inteira e nos impediu de dormir por períodos longos. A minha
rede parecia uma barra de gelo, não deu para fazer muito nessa noite. No dia
seguinte procuramos alternativas. Protegemos bem as nossas redes, pus a minha
em um lado do alpendre que ficava mais protegido do vento e o problema foi em
parte debelado. Deu para nos adequarmos e nos acomodarmos melhor nas noites
seguintes.
Mas ainda tinha o fato de a casa
estar regurgitando de gente. O velho cego ficava o dia inteiro sentado em uma
cadeira, mascando fumo e cuspindo no chão e, vez ou outra, acertava uma
cusparada em uma das nossas crianças que passavam inadvertidamente pela sua
frente naquele momento do cuspe. Nesses momentos as mulheres ameaçavam partir
para uma guerra civil contra a outra turma, e até mesmo arrumar as trouxas para
voltarmos para casa. Mas já estávamos nos acostumando e até gostando dali.
Afinal, a praia era belíssima e nos convidava a permanecermos mais uns dias por
ali. E assim, fomos ficando, ficando, até que, quando chegou o dia do retorno
para casa, partimos saudosos. Meus cunhados até já haviam deixado de me olhar
atravessado, culpando-me por todos os problemas decorrentes ao aluguel daquela
casa.
Mas me deparei com problema de
outra natureza, e até mais grave. Surgiu em uma viagem que fizemos a Portugal e
a Espanha. Formamos um grupo de doze pessoas e eu, juntamente com outro colega,
ficamos responsáveis pelo planejamento da viagem. Pretendíamos fazer algo
diferente das outras, sem o assédio ditatorial dos guias de viagem a nos dizer
a hora de fazer tudo, desde o acordar. E foi assim que nos responsabilizamos
por todas as etapas da empreitada, deixando apenas a contração de um hotel em
Barcelona por conta de uma agência de viagem. E isso mesmo porque não estávamos
conseguindo contratar um hotel que pretendíamos por ser achar localizado exatamente
em La Rambla, a principal e mais alegre avenida da cidade. Estava sendo a
viagem mais agradável de todas já feitas. Tudo vinha acontecendo dentro do
nosso planejamento, para nossa felicidade. E foi assim, até chegarmos a
Barcelona, onde passaríamos os cinco dias restantes. Seria a cereja do nosso
bolo, o ponto alto da nossa viagem. Mas eis que...
Fiz o meu check-in e subi para o
quarto para descansar por alguns minutos, para depois enfrentar o primeiro
passeio para reconhecimento da belíssima cidade. Todavia, mal havíamos desarrumado
as malas, o telefone tocou. Era da portaria. Estavam me requisitando para
solucionar um grave problema que estava ocorrendo com duas colegas que deveriam
ocupar juntas o mesmo apartamento. Mas a empresa de turismo responsável pela
contratação não havia informado que seria apartamento duplo. E o quarto
destinado pelo hotel daria apenas para uma delas. Mas havia notícia pior. Nem
pagando por fora seria possível resolver o problema, uma vez que não havia mais
quarto disponível. Existindo mesmo até lista de espera. Tive uma discussão
séria com uma atendente grosseira que não admitia nem pensar em uma solução
para o problema. Dizia que o hotel não tinha nada com o nosso problema e
pronto. Era caso solucionado para ela. E quando lhe perguntei se não seria
possível instalar outra cama de solteiro no quarto, ela achou que era possível
fazer. Mas não disse porquê.
Depois fiquei sabendo que o
quarto era tão pequeno que não daria para acomodar outra cama. E essa
informação fiquei sabendo quando exigi a presença do gerente do hotel, já que
estava ficando impossível conversar com a funcionária irredutível. Por fim, depois
de muita negociação, conseguimos que disponibilizassem um quarto duplo para o
dia seguinte. Uma das nossas colegas dormiria em um dos apartamentos ocupados
por nós naquela primeira noite. Por um custo altíssimo foi solucionado o
problema. Mas as duas colegas tiveram que pagar quatro diárias em quarto duplo
e por um valor sem desconto e que era o preço normal do hotel para acertos feitos
diretamente no balcão da recepção.
No final, tudo resolvido. Mas
quase tivemos a nossa estada em Barcelona prejudicada. Depois de tudo veio o
melhor, como sempre acontece, desfrutamos de dias paradisíacos na cidade de
Gaudí, aproveitando tudo de bom que aquela bela metrópole catalã pode
apresentar para seus felizes visitantes.
Um outro problema, que considero
de gravidade máxima, quase fez com que uma viagem fosse interrompida ainda na
metade do seu desenrolar. Estávamos em Paris e resolvemos passear em Champs
Elysees, iniciando uma manhã que pretendia ser uma das melhores da viagem que,
até ali não havia nos apresentado nenhum problema. Café tomado, alegria a nos
contagiar, fomos orientados por um funcionário do hotel que seria fácil e
rápido tomar o metrô para o nosso destino. Sem falar na oportunidade de
conhecer o sistema de transporte de massas da cidade Luz, que era um dos mais eficientes
e convidativos do mundo. E lá fomos nós, para um dia de pernadas por Paris. De
fato, a estação ficava perto, e nosso metrô chegou exatamente na hora prevista.
Embarcamos tagarelando em uma composição quase lotada, de forma que tive que
ficar em pé, no centro da composição, de frente para a minha mulher e mais
alguns colegas. Outras pessoas ficaram próximas de mim, também seguras na mesma
barra vertical. Inclusive duas mocinhas. Uma de um lado, outra do outro, e
sempre que o metrô acionava os freios para parar em uma estação, as moças se
aproximavam mais de mim. Achei normal, não me preocupei.
Devo dizer que já havíamos sido
informados que haviam muitos punguistas (batedores de carteira) dentro dos
trens. E por essa razão, a minha mulher havia insistido comigo para que eu
colocasse o dinheiro naquela sacolinha que se usa para guardar valores em espécie
e que depois fica escondida dentro das nossas roupas. Teimei e disse que
colocaria o dinheiro em duas partes nos bolsos da frente da calça. Que até
mesmo eu tinha dificuldade de meter a mão lá. Não haveria problema. E por mais
que ela insistisse comigo, teimei e fiz como havia planejado.
Pois bem, as duas moças que
estavam ao meu lado no metrô eram duas ladras ciganas que passavam o dia
roubando os passageiros. Batedoras de carteira profissionais, em uma das vezes que
o maquinista acionou os freios para parar em uma estação, elas conseguiram, ao
mesmo tempo, introduzir as mãos em meus bolsos e subtrair todo o dinheiro que
eu levava comigo. Só não contavam com uma moça que estava sentada junto à minha
mulher e que tentou alertá-la para o problema. E como não conseguiu se fazer
entender, levantou-se e agarrou na gola do casaco da cigana e, depois de alguns
safanões, e um tapa no rosto da ladra, fez com que deixasse o dinheiro
suprimido cair no chão do metrô. Depois disso, a moça apanhou o dinheiro e me
entregou. E somente então, pressenti que o outro bolso devia ter sido atacado
também.
De fato, ele também estava vazio.
Virei-me a agarrei a outra mulher que já ia se afastando de mim, puxei e mandei
que devolvesse o meu dinheiro. Ela reagia e dizia que não tinha feito nada. Eu
a sacudia e insistia que me devolvesse o dinheiro, e nada. Meu irmão, levantou-se
do lugar onde estava e agarrou no outro braço da ladra e deu-lhe algumas
sacudidas até que ela, vendo-se em maus lençóis, soltou no chão o dinheiro que
tinha em uma das mãos. As duas malandras haviam me aliviado de quase todo o
dinheiro que me restava para o restante da viagem. 1.200 euros. Seiscentos de
um bolso, 600 do outro. Escapei de boa. Só não escapei da gozação dos colegas e
das admoestações da minha mulher. Um dos colegas dizia, gozando-me, que eu
havia lucrado na brincadeira, que eu havia ficado com todo o dinheiro do
apurado das duas punguistas naquele dia.
E o pior é que já havia passado
por problema quase idêntico no metro de Roma anos antes, mas não havia reforçado
minha segurança e os meus cuidados.
O último caso que conto, para não
me alongar mais do que já fiz, e são vários os casos, se deu de um modo mais
engraçado do propriamente com o estresse dos outros já contados. Certa vez,
estando no aeroporto de Lisboa para uma conexão, resolvemos procurar um
restaurante para comer uma bacalhoada, já que voltávamos para casa naquele
mesmo dia. O Aeroporto de Lisboa, para quem não o conhece, é enorme, e
precisamos andar alguns quilômetros até chegarmos ao restaurante que um dos
colegas afirmou conhecer. Lá chegando, enfrentamos uma fila considerável. Funcionava
também como Self Service.
Apanhei um prato e fui direto
para a moça que servia a iguaria pretendida. Disse-lhe que queria bacalhau e um
pouco de arroz. Ele olhou rispidamente para mim e me disse que não combinava.
Eu insisti que queria mesmo assim. E ela voltou a me dizer que não combinava
arroz com bacalhau, e me mandou seguir em frente pois já estava atrapalhando
quem vinha atrás. Falei que estava acostumado a comer bacalhau com arroz, mas
mesmo assim ela me disse grosseiramente que não ia me servir. Que bacalhau se
comia com batatas. Me chateei e gritei com ela que queria ver o gerente. O
clima ficou pesado e, nesse momento e gerente apareceu, alertado pelo discussão.
Havia ouvido de longe a discussão, e mandou que ela me servisse da maneira que
eu quisesse.
O Gerente, depois de me pedir desculpas,
afirmou que já havia trabalhado no Rio de Janeiro, e que adorava o Brasil e a
comida dos brasileiros. Não foi uma situação com muito agravante, mas prova
apenas que passamos por algumas situações quando estamos viajando, que tira um
pouco o brilho das viagens. Nada, contudo, que nos impeça de pensar em voltar
tantas vezes quanto tivermos a oportunidade de empreender uma bela viagem
turística.