José Pedro Araújo
Talvez tenha que esclarecer o
significado da palavra acima, sobretudo para os mais jovens e pouco afeitos às
coisas do interior. Podem alguns até achar que esse termo já saiu há muito do
hinterland e chegou às cidades, sendo até comum o seu uso em conferências ou
coisa que o valha. Mesmo assim, vou pôr em prática a minha teimosia e dizer que
o Dicionário Aurélio o define como sendo “Auxílio gratuito, que prestam uns aos
outros os lavradores”. Paro por aqui, pois este é o verdadeiro sentido que
quero explorar com o vocábulo.
Hoje cedo acordei com essa
palavra a ribombar na minha mente. Mais que isto. Acordei com as lembranças dessa
prática entre os mais humildes. Tudo porque vi a minha vizinha fazendo reparos
no telhado da sua casa. Reparos que durou muitos dias, e que me causou uma
aflição verdadeira quando vi que uma chuva torrencial começa a cair e flagrava
a sua casa destelhada em alguns pontos. E eu não pude fazer nada para oferecer
a minha ajuda. Em primeiro lugar, porque não havia ninguém na dita residência.
Estavam todos viajando para o litoral. Depois, por não saber fazer nada que
diga respeito ao ato de retelhar uma casa. E por fim, por não conseguir mesmo
subir naquele telhado. Já não me acho mais em condições disso.
Antes de prosseguir com essa
conversa, devo dizer para os mais preocupados, que os estragos oferecidos pela
chuva não foram tão grandes assim. A laje suportou bem e reteve a água que caiu
naquela noite. Mas, mesmo assim, fiquei
incomodado em ver que o trabalho de reparo prosseguiu lentamente por alguns
dias ainda. Menos mal que a chuva que veio no dia seguinte foi bem rápida e
muito mais moderada. E que tudo terminou bem, afinal. Mas aquela situação
permaneceu na minha mente por algum tempo ainda. A ponto de me lembrar dos
mutirões que presenciei no meu interior para a cobertura das casas simples de
muitos moradores.
Lá, a prática é adotada com muita
frequência. Ou era, não sei mais. Não tenho mais notícia. Mas, acredito que em alguns
locais, ainda seja praticada com muita frequência. E o evento termina se transformando
em um momento festivo, alegre.
Na minha terra, quando se
aproxima o período das chuvas torrenciais, aí pelo mês de dezembro, as pessoas
costumam fazer reparos nos telhados de suas casas para evitarem goteiras ou
coisas que o valha. Quem possui casa com cobertura de telha cerâmica, sobe lá e
substitui as que estão quebradas ou rearruma as que estão afastadas do lugar
correto. Para quem possui casa coberta de palha (e são muito ainda, sobretudo nos
povoados), o trabalho é maior. Precisam, na maioria das vezes, trocar todas as
palhas da cobertura. E é aí que entra a figura do mutirão.
Com o material já preparado
antecipadamente, um grupo de pessoas se junta para realizar o trabalho com a
maior presteza, pois a casa não pode permanecer descoberta por muito tempo.
Esse tipo de moradia não possui laje ou mesmo forro que possa reter os raios
solares, ou mesmo a água da chuva. Daí a rapidez que precisam serem recobertas.
E é nesse momento que, enquanto uns se postam no teto, outros ficam em baixo
para arremessar as palhas. É tudo feito com a maior alegria e desprendimento,
de forma que, em um período curto de tempo, todo o serviço de retirada das
palhas velhas, e a sua troca por outras novas, é feito. Terminada a operação,
todos se juntam para comer uma galinha caipira, ou mesmo beber algumas doses de
cachaça da terra. O que era trabalho para alguns dias, termina sendo feito em
uma tarde, às vezes.
O mesmo acontece nas roças. Ou na
colheita do arroz, do feijão ou do milho. O ritual é o mesmo. E o proprietário da casa
ou do roçado, fica devendo um dia de mutirão para cada uma daquelas pessoas que
participaram do seu ajuntamento. Em breve terá a oportunidade de pagar a sua
dívida.
E é feito também na conservação
de estradas vicinais, já cansados da espera pelo poder público que nunca chega
(nesse caso ninguém fica devendo o dia de serviço para ninguém, visto terem
trabalho em prol do interesse comum), nas farinhadas, e até mesmo nos trabalhos
de queimada e aceiramento quando da preparação do terreno para nova roça.
Ultimamente tenho visto o emprego
desse tipo de ação também nas cidades. Como por exemplo está acontecendo no presente
momento para a limpeza das praias nordestinas depois do criminoso derramamento
de óleo. Em todos os estados, grupos de pessoas estão trabalhando em conjunto
para evitar que o dano ambiental seja maior ainda. É um exemplo que precisa ser
seguido por todos em outros tipos de catástrofes. Como quando cai um prédio,
como ocorreu agora recentemente em Fortaleza, no Ceará. Ou nas queimadas (também
criminosas, ocorridas na Amazônia).
Até mesmo na religião esse tipo
de ação vem sendo adotado. Certa vez fiquei sabendo a respeito de um grupo de
jovens estudantes americanos ligados à Igreja Cristã Evangélica, haviam desembarcado
no Maranhão para realizarem mutirões de reforma e construção nas casas de uma
comunidade muito pobre da capital. Aqueles universitários usariam dos conhecimentos
obtidos em suas universidades para porem em prática de um jeito louvável. E
todo o material era adquiro também com recursos dos seus próprios bolsos, não
gastariam apenas o tempo de descanso das suas férias escolares. Um belo tipo de
mutirão.
O fato, é que esse tipo de ação
denota que o ser humano ainda age prontamente para defender o próximo, ou a uma
causa comum, quando a situação se apresenta. E isso só denota que nem tudo está
perdido. O exemplo dos mutirões em defesa da vida, que são adotados na África,
por exemplo, é algo que enobrece o ser humano e o eleva ao patamar mais elevado
na escala dos animais criados na natureza.
Precisamos adotar isso também nas
nossas cidades em relação à limpeza dos nossos rios, ruas e praias. Somente o
fato de se deixar de jogar lixo pelas ruas da sua comunidade, já é uma forma de
ação coletiva de grande impacto. Os governos também devem fazer a sua parte. Se
deixarem de jogar o esgoto dentro dos rios Parnaíba e Poti, já estarão fazendo
um grande trabalho para a posteridade. E essa também poderia ser um trabalho
coletivo deflagrado pelos governos federal, estadual e municipal. Seria o
mutirão do bem!
Pensando bem, como estamos no
final de outubro, nesse momento muitas pessoas já devem está correndo pelos babaçuais em busca de
palha nova para realizarem os seus mutirões. E nos chiqueiros, os frangos e os suínos já estão
sendo engordados para a festança em que tudo acaba se transformando. A pior parte dessa história sempre
sobra para eles!
E eu, que não posso contar com
nenhum mutirão para fazer o retelhamento da minha casa, já estou passando da hora de ir
atrás de um profissional para fazer isso por mim. Afinal, as nuvens já estão se
agrupando no céu e não tardarão a chegar por aqui. Vejo alguns nimbos no
horizonte. Elas nunca falham, e atestam benfazejas chuvas à mãos cheias! Que venham logo, pois
o calor está terrível!