sábado, 27 de agosto de 2022

EU VOLTEI, PORQUE AQUI É MEU LUGAR


 

Imagem ilustrativa

 

                                                                                            (Chico Acoram)*

 

            Na manhã do domingo passado, minha esposa estava muito alegre. Disse-me que gostaria de ouvir músicas de Roberto Carlos. Para satisfazer sua vontade, tive a ideia de ligar a TV e procurar no YouTube o repertório do eterno Rei, uma vez que esse tipo de equipamento (moderno) nos permite assistir a filmes de épocas passadas ou ouvir nossas canções prediletas. Logo mais, dona Adilina estava a cantarolar as canções antigas com aquele consagrado cantor romântico. Eu, naturalmente, também entrei nesse clima nostálgico.

            Dentre as várias canções de Roberto Carlos que o YouTube reproduziu naquela bela manhã de domingo uma delas era “O Portão”, gravada, salvo engano, no ano de 1974. Essa canção muito me marcou quando eu era muito jovem. Em janeiro desse mesmo ano, eu havia voltado para casa de meus pais. Depois de três longos e pesarosos anos morando no Rio de Janeiro, sem o convivo dos meus queridos familiares e amigos. Com menos de dezenove anos, fui embora para a Cidade Maravilhosa para estudar e vencer na vida. Depois voltar e dizer: “Veni, vidi, vici”.

            Vim, vi e não venci. Essa é a verdade. Mas, trouxe na bagagem apenas a experiência, as mãos calejadas e a vontade enorme de recomeçar a vida.

            Quando cheguei ao Rio de Janeiro, no início de 1971, fiquei arranchado não mais que dois dias no apartamento de uma tia, irmã do meu pai, que morava naquela cidade há muitos anos. O apartamento ficava no décimo primeiro andar de um prédio localizado na Rua Riachuelo, centro, próximo aos Arcos da Lapa. A morada consistia de um dormitório de casal, um quarto onde uma sobrinha do marido dormia, uma sala de estar, uma pequena cozinha, um banheiro e uma pequena sacada, que dava para rua. Ali pernoitei. Dormi no sofá da sala. Minha tia era casada com um sargento da Marinha. Eram primos, ambos nascidos em Barras do Martaoã.

            No dia seguinte, pela manhã, minha tia me levou a um banco comercial localizado na praça da Cinelândia, no centro da cidade, ao lado do Teatro Municipal, com o objetivo de eu entregar uma carta a um funcionário daquela instituição bancária, filho de um compadre e conterrâneo do meu pai. Na antiga rodoviária de Teresina, antes do embarque, meu pai me pediu que eu fosse o portador daquela missiva, alertando-me para não a extraviar.

Fomos caminhando mesmo, uma vez que o banco não ficava tão longe da Rua Riachuelo. Chegando lá, perguntamos ao vigilante da portaria se o funcionário Francisco, destinatário da mencionada correspondência, encontrava-se na agência. —Sim – respondeu ele. —Acompanhem-me, por favor. Seu Francisco, visitas para você; são do Piauí! Aproximou-se de nós um moço que aparentava ter uns trinta e dois anos de idade. Pelas suas características físicas logo observei ser o filho do compadre de meu pai. Apresentamo-nos. Identifiquei-me como filho do Chico Maroca; e a minha tia, como irmã deste. Entreguei a carta ao destinatário, ao tempo em que informava que o emitente era seu pai.

            Ao pegar o envelope, observei que o moço ficara um pouco emocionado. Ali mesmo, leu a carta. Pelo seu sorriso contido, tive a impressão que o conterrâneo havia ficado muito feliz ao ler os parágrafos iniciais do papel. Depois eu soube que seu pai, há algum tempo, deixará de se comunicar com o filho. A relação entre eles estava um pouco estremecida por conta da humilde moça que o filho escolhera para viver até o final de sua vida. A família, com exceção de alguns irmãos, não aceitava aquela união. Com as palavras iniciais daquela carta, o filho entendeu que seu pai tinha o perdoado. Portanto, uma reconciliação com a família.

Concluindo a leitura da correspondência, o rosto do conterrâneo mudou de feições. Ficou um pouco sério e pensativo. Voltando a sorrir, falou gentilmente para minha acompanhante:  —­­ Depois do expediente da tarde, quando eu sair do banco, pegarei o rapaz aqui em seu apartamento. Nesse momento, compreendi que aquela carta tinha, também, como objetivo recomendar ao destinatário para socorrer o portador, no caso de este encontrar dificuldade de moradia no Rio de Janeiro.

Por volta das dezoito horas e meia desse mesmo dia, toca a campainha do apartamento. Minha tia abre a porta. — Boa noite! Era o nosso conterrâneo, Francisco, que já aguardávamos. Olhando para mim disse: — O rapaz está pronto? Sim – respondi-lhe. Sem demora, descemos pelo elevador, eu carregava uma enorme e pesada mala de papelão grosso que minha mãe havia comprado para mim no Mercado Central de Teresina.

Com aquela engraçada mala quadrada, eu acompanhava, trôpego, o meu novo anfitrião que caminhava a passos largos rumo a uma parada de ônibus que ficava ao lado daquele prédio da Rua Riachuelo. Alguns minutos depois das dezenove horas, estávamos descendo do ônibus na Rua da Glória. Em seguida, dobramos à direita na Rua Benjamin Constant. O novo amigo vendo que eu caminhava com dificuldade devido ao peso da mala pediu-me para carregá-la um pouco. Ao sentir o peso, ele exclamou: — Chico, o que tem dentro desta mala? Respondi: — Minhas roupas, objetos pessoais e uns dez livros (didáticos e de literatura). Subindo aquela rua, andamos cerca de duzentos metros até chegarmos a um edifício localizado do lado direito da via. Pelo elevador, chegamos ao andar onde ficava o apartamento, denominado “república dos barrenses”. Ali, foi a minha primeira e efêmera moradia na Cidade Maravilhosa. Fui apresentado aos conterrâneos residentes nesse apartamento. — Este é o Chico, que chegou agora do Piauí. Ele vai ficar aqui até que o dono da cama (que não recordo o nome) retorne de Barras. Depois, verei outro lugar para o Chico – falou o meu anfitrião, que já fora líder e morador daquele apartamento, até que decidiu casar-se com uma bela pernambucana. Nessa “república dos barrenses” eu era chamado de “Chico Preto”.

Os dias seguintes ao da minha chegada foram dedicados ao reconhecimento territorial: das ruas e de outros logradouros no centro da cidade. Caminhando, descia a Benjamin Constant até à esquina da Rua da Glória. A partir desse local, eu seguia, sempre a pé, em direção ao centro comercial e cultural, cruzando a Cândido Mendes e a Rua Taylor. Depois, percorria a Rua Lapa, Rua do Passeio até chegar à Av. Rio Branco onde se localizavam a Cinelândia, o Teatro Municipal, a Câmara Municipal, os bancos comerciais etc. Mas no primeiro dia, de volta para a “república dos barrenses”, fui quase atropelado por um fusquinha/táxi na esquina da Rua da Glória com Cândido Mendes. Distraído, não percebi que essa última rua era de mão dupla. Olhava só para os carros que desciam à minha direita. Ao pisar com o pé direito na via, só escutei o barulho forte com a frenagem do carro que, concomitante, dobrava a Cândido Mendes. Pulei para trás, mas meu pé destro ainda foi tocado pelo pneu dianteiro direito do fusquinha. Não foi nada grave. Apenas uma leve torção no dorso do pé, que me deixou caxingando por alguns dias.  

      Não passou muito tempo para que eu andasse pelas ruas do centro com desenvoltura e tranquilidade, mas agora mais atento ao trânsito do Rio de Janeiro.

No dia dez de janeiro de 1971, fui ao Ministério do Exército, 1ª RM, receber o meu Certificado de Dispensa de Incorporação em razão de ter sido incluído no Excesso de Contingente, em que pese ter passado em todos os exames realizados no “25º BC”, em Teresina.

Depois, com todos os meus documentos pessoais, bem como a documentação de transferência escolar me dirigi até a então Escola Técnica Federal Celso Suckow da Fonseca, localizada no Bairro Maracanã, próxima ao famoso estádio de futebol de mesmo nome. A secretária da Escola, uma senhora muito educada e gentil, agilizou minha matrícula no segundo ano do Curso de Eletrotécnica daquela instituição. O primeiro ano desse curso eu havia concluído no ano anterior, em dezembro de 1970, na Escola Técnica Federal do Piauí. Efetivada a matrícula, a secretária me informou a data do início das aulas, e que estas seriam realizadas no turno da manhã. — Turno da manhã! – exclamei em silêncio. Fiquei desapontado, uma vez que em sua congênere em Teresina esse curso era realizado no turno da noite.

Retornei pensativo para a “república dos barrenses”. Um dilema: estudar ou trabalhar. Estudar? Muito difícil. Meus pais não tinham condições financeiras para me sustentar e custear outras despesas pessoais, de locomoção para a escola etc. Abandonar os estudos? Não estava nos meus planos. Seria decepcionante para mim, e também para meus genitores. Meu projeto de vida, meus sonhos – interrompidos? Voltar para casa, o filho pródigo? Não! Seria humilhante. — Tinha que ter uma solução – matutei durante todo o percurso do ônibus.

De volta para a Glória, decidi descer do ônibus para conversar sobre o assunto com a minha já mencionada tia. A Rua Riachuelo era parte do itinerário daquele coletivo. Ciente do meu dilema, minha parente me falou para ter paciência, ao tempo que se prontificou em procurar um emprego com o horário compatível de modo que eu pudesse continuar com meus estudos.  — Daqui a dois dias, você vem aqui – disse-me. Após ter filado a boia (almoço), retornei, saciado e mais aliviado, para o apartamento dos meus conterrâneos.

Conforme o combinado, dois dias depois, no mesmo horário, estava eu na residência da minha tia. — Tenho boas notícias para você, meu sobrinho – disse-me ela. — Falei com um ex-colega de trabalho. Ele me assegurou que na próxima segunda-feira haverá entrevistas para colocação de emprego de escriturário na empresa em que trabalhei tempos atrás. Nessa empresa, tem um horário de trabalho que começa na parte da tarde e encerra à noite. Caso seja selecionado, o problema de horário da sua escola ficará resolvido. Procure chegar na empresa antes das oito horas da manhã, ouviu rapaz? – advertiu-me minha tia.

Antes das oito horas da segunda-feira, estava eu e mais uns vinte candidatos em frente de uma conhecida empresa de departamentos no ramo de eletrodomésticos, localizada no centro comercial do Rio. Metido dentro de um paletó preto emprestado de um conterrâneo mais alto e mais forte do que eu, aguardava a minha vez de ser entrevistado. Chegado a minha hora, o entrevistador olhou para mim, e logo percebeu que eu era um “baiano” ou “paraíba”, desprovido totalmente de “boa aparência”. Deu uma brevíssima olhada na minha documentação, inclusive no meu paupérrimo currículo que constava além dos meus dados pessoais e escolaridade, apenas um curso de datilografia, sem nenhuma experiência de trabalho. Em seguida, o funcionário me pediu que eu olhasse umas figuras surreais, e o informasse o que eu estava vendo nas mesmas. Falei algumas bobagens que de imediato vieram à minha mente. Finalizada a entrevista, aquele senhor me comunicou que, caso eu obtivesse êxito nesta primeira etapa, o setor de pessoal da empresa entraria imediatamente em contato comigo. Pediu-me que aguardasse um telefonema. Ansiosamente, esperei a tal ligação que jamais aconteceu.

Alguns dias depois, minha tia soube por seu ex-colega de trabalho que eu não fora selecionado em razão de não possuir experiência mínima exigida por aquela empresa comercial. Tudo voltava à estaca zero. O dilema persistia.

Uma semana antes de começar o ano letivo da Escola Técnica Celso Suckow da Fonseca, minha atuante parente mandou me chamar para me informar que havia conseguido uma colocação de emprego, no turno da noite, em uma firma de empacotamento de açúcar e outros produtos. Esta ficava localizada na zona norte da cidade, na mesma região onde ficava a Escola Técnica. — Esse trabalho, me parece, ser um pouco pesado para você – ressaltou minha tia. — Posso tentar, não custa nada – respondi.

No primeiro dia de aula adentrei na minha sala, já atrasado, com aspecto de cansado, desnutrido, e com a cara típica da gente do sertão nordestino. Todos os presentes olharam para mim admirados com aquele estranho estudante vindo sei lá de onde! Foi uma gargalhada geral. Fiquei um pouco espantado com a reação da turma. Se naquela época existia “bullying”, fui uma vítima. No intervalo, resolvi de imediato ir embora para casa pensando em nunca mais voltar para aquela famosa instituição de ensino. Aliás, voltei no mês seguinte para pegar minha documentação escolar. Também não retornei para o emprego de empacotamento de açúcar, que sequer havia assinado minha carteira profissional. Por fim, os meus sonhos se dissiparam tais quais às nuvens nos dias de verão da “Cidade Maravilhosa”.

Há um provérbio que diz assim: “além da queda, o coice”. Foi o que aconteceu comigo. Além de não poder continuar com os meus sonhados estudos na Escola Técnica, o conterrâneo que estava de férias em Barras retornou para o apartamento da Rua Benjamin Constant, que imediatamente ocupou a cama que até o momento me servia de leito. Nessa noite, tive que dormir em um cantinho do quarto em cima de papelões. Além dessas calamidades, uma “moça velha”, que aparentava ter uns cinquenta anos de idade e que dormia em um quarto separado nos fundos do apartamento resolvera implicar comigo. Salvo engano, acho que era irmã do dono da cama que acabava de chegar de viagem. — Chico Preto, pega o cesto de lixo que está na cozinha e joga no depósito, que fica ao lado do elevador – me falou a tal criatura, com rispidez. E disse mais:  — Aqui, não tem essa de moleza, pois até doutor faz limpeza nesse apartamento. Fiz o que ela mandou. O que me magoou não foi o fato de executar o serviço, mas a forma como ela me tratou.

No dia seguinte, recebi um recado do conterrâneo Francisco, filho do compadre do meu pai, dizendo que eu arrumasse a mala, pois depois das 18 horas passaria na “república dos barrenses” para me pegar. Ele decidiu, em comum acordo com a esposa, que eu seria seu hóspede por algum tempo até que eu conseguisse um emprego. No horário marcado, o meu bom amigo chegou ao apartamento para me levar para sua residência que ficava localizada em São Gonçalo, cidade metropolitana da grande região do Rio de Janeiro, distante de Niterói aproximadamente dez quilômetros.  Descemos a Rua Benjamin Constant até chegar na Rua Glória, onde pegamos um ônibus para Rua Primeiro de Março, ao lado Estação das Barcas da Praça XV. Chegando na estação, subimos imediatamente em uma grande barca que atravessava a Baía de Guanabara, no sentido Rio–Niterói. Fiquei admirado com o  grande porte desse tipo de transporte, de dois andares e com a capacidade para até 2000 passageiros. A travessia foi tranquila; apenas 20 minutos. Naquela época, a ponte Presidente Costa e Silva (Ponte Rio­–Niterói) estava sendo construída, vindo a ser inaugurada em março de 1974, após cinco anos do início da obra.

Na Praça Araribóia, em Niterói, embarcamos em um coletivo para a cidade de São Gonçalo. Cerca de 20 minutos depois chegamos no bairro Mutuá, onde o meu amigo residia com sua esposa. Fui bem recebido pela a esposa de meu anfitrião. A jovem senhora também era nordestina, aparentava ter uns trinta anos de idade; olhos claros, gestos humildes e era muito dedicada ao lar. Tentei ser um bom hóspede. Conquistei a confiança do casal, me tornando uma espécie de irmão mais novo do chefe da casa. Ficamos muitos amigos. E eu muitíssimo grato pela acolhida e atenção que tiveram para comigo em terras tão distantes. Morei com essa bondosa família por cerca de três ou quatro meses.

Mais uma vez minha dedicada tia conseguiu para mim uma colocação de emprego, graças a um conhecido seu, chefe em um escritório de advocacia, especializado em cobranças comerciais. Em 03 de maio de 1971, fui admitido nessa firma no cargo de Auxiliar de Escriturário, o que na prática eu desenvolvia mesmo era as atividades inerentes à função de office boy, em que pese eu ter na época bom manejo na arte de datilografar. O horário de trabalho era diurno. A remuneração de um salário mínimo. Eu aceitara esse emprego porque estava desempregado a alguns meses, e também, por conta do cancelamento da minha matrícula na Escola Técnica Celso Suckow da Fonseca.

Como office boy, meu trabalho durante a semana consistia em entregar correspondências de cobranças de contas não pagas por clientes inadimplentes das lojas comerciais do Rio de Janeiro. Não era raro, meu chefe me mandar pegar dinheiro nas residências dos devedores que concordavam em quitar seus débitos, após negociações com os advogados do mencionado escritório de cobrança. Neste caso, levava comigo a duplicata ou a nota promissória e mediante pagamento em espécie é que eu entregava o referido documento ao cliente devedor, quitando assim sua dívida com a loja vendedora. Obviamente, o escritório recebia sua comissão sobre o montante recebido. Mas, certo dia uma cliente me trapaceou. Ela me convencendo de que iria quitar a sua dívida, ingenuamente lhe entreguei as duplicatas antes de receber o dinheiro. Com as duplicatas em mãos, a mulher virou uma fera. Rasgando, retirou da papelada o espaço reservado para a assinatura do cliente. Feito isso, me devolveu o que restou daqueles títulos de créditos, dizendo alguns impropérios dirigidos ao meu chefe, ao tempo em que me mandava sair do seu apartamento. No elevador, pensei: — Estou demitido. O chefe compreendeu a situação, ou ficou com pena de mim. Continuei trabalhando no escritório por vários meses. Dias depois, meu chefe me falou que a mulher zangada havia quitado a dívida na própria loja em que comprara as caríssimas peças de roupas. Pedi demissão dessa firma em 29 de fevereiro de 1972.  

Por esse tempo eu já não morava mais na casa do casal que me dera acolhida no Rio de Janeiro. Desde meados do ano anterior, a convite de um amigo de Teresina, que por acaso encontrei no centro da cidade, decidi morar em  sua “república”. Era um quarto alugado em um “cortiço”, um velho e sombrio casarão assobradado localizado na Rua Lapa,  no centro, próximo à Igreja Nossa do Carmo. Esse quarto servia apenas como dormitório. Saíamos cedo da manhã para nossos respectivos empregos, e voltávamos à noitinha. Antes porém, em uma padaria próxima, a gente tomava uma “média” (leite e café) e um pão francês. Nosso almoço era sempre nos restaurantes modestos e mais baratos. Para o jantar, comumente, comprávamos na mesma padaria um saco de leite pasteurizado (bem gelado) e três ou quatro “bisnagas” (espécie de pão francês de tamanho grande, crocante e muito saboroso).  

No primeiro trimestre de 1972, resolvemos alugar um quarto maior e melhor em um sobrado localizado na Rua Monte Alegre, Bairro de Fátima, também no centro da cidade, próximo dos nossos respectivos empregos. O número de residentes da nova “república” agora passara para quatro, sendo três do Piauí e um do Ceará.

Um senhor aposentado que morava no mesmo sobrado, muito solícito, pediu a um amigo seu, que trabalhava em uma grande fábrica industrial, para me apresentar como candidato a um cargo para trabalhar no departamento de manutenção de elevadores. Nesse tempo, eu estava a procura de emprego. Dias antes, conversando com esse vizinho, que se tornara nosso amigo, ele soube por mim mesmo que eu tinha concluído o primeiro ano do Curso de Eletrotécnica, e que havia cancelado a minha matrícula na Escola Técnica Celso Suckow da Fonseca. Daí, a razão do vizinho ter solicitado ao amigo para me conseguir uma entrevista nessa indústria de elevadores onde trabalhava há muitos anos. Consegui um bom resultado na entrevista. Em 13 de junho de 1973, fui admitido naquela empresa no cargo de Ajudante de Eletricista, com remuneração superior ao salário mínimo e mais horas extras trabalhadas.

Estava indo muito bem nesse meu novo emprego, prosperando, inclusive recebendo algumas promoções e, consequentemente, tendo aumentos salariais. Conquistados pelo desempenho como ajudante de eletricista e pelo bom conceito que usufruía na empresa. Mas não estava totalmente feliz. A vontade de estudar e ser “alguém na vida” estava latente em meu ser. Estudar no Rio de Janeiro se tornou inviável. Em janeiro de 1974, solicitei minha demissão da empresa. Voltei para minha terra, parodiando o grande poeta Manuel Bandeira:

 

 

Vou-me embora p’ro meu lar.

Lá no Piauí, sou gente;

Lá não sou feio, nem triste,

E tampouco um indigente.

Lá tenho cama macia,

Minha mãe me acaricia,

Lá estou sempre contente.

 

Como uma Fênix, a ave fabulosa, renasci das minhas próprias cinzas deixadas na “Cidade (des)Maravilhosa”. Retomei meus estudos e concluí o Curso de Eletrotécnica. Passei em concurso público federal e, também, no vestibular da Universidade Federal do Piauí. Constituí família. Hoje, tenho uma boa esposa, quatro filhos e sete netos. Amealhei bons amigos. Tornei-me até escritor e poeta!

Certo dia, ao pôr do sol, proseando com meu saudoso pai sobre o assunto acima exposto, ele olhou ternamente para mim, e disse-me: “essa tua viagem para o Rio de Janeiro te fez muito bem. Hoje tu és um homem realizado. Estou muito orgulho de ti, meu filho.” 

(*) Chico Acoram, é poeta cordelista, cronista, funcionário público federal e autor do livro “O menino, o rio e a cidade.