José Pedro Araújo
Algumas atividades profissionais que
foram tão importantes para as comunidades em tempos passados, talvez não sejam
nem mesmo do conhecimento das gerações mais recentes, mas que, caso viessem a
faltar no nosso dia-a-dia estaríamos todos no maior embaraço. Esse assunto me
veio à mente quando passei a noite quase inteira sem energia elétrica um dia
desses, em razão de uma chuvinha despretensiosa, mas que terminou por me afetar
duramente. Estava eu assistindo a um filme quando, no melhor momento deste, a energia
foi embora. Socorri-me com umas luminárias que uma mente fértil inventou para
nos tirar desses apertos nesses períodos. Se não tivesse prevenido com elas, teria
passado a noite em completa escuridão, pois lamparinas não temos mais, pelo
simples fato de não saber onde comprá-las. Quanto ao meu filme, só vi o seu
final no dia seguinte, mas já havia perdido a emoção que sentia naquele
instante em que fiquei a ver navios.
Em minha meninice, lá no Curador,
é claro, não podíamos prescindir de uma lamparina, ou de várias delas, para
espantar a escuridão daquele sertão quando a noite derramava sua negritude sobre
nós. E foi então que eu lembrei do profissional que fabricava as tais candeias,
e que hoje quase ninguém lembra mais da sua enorme importância naquela época.
Certo dia, fui com o meu pai ao
bairro da Mangueira (a região ficou conhecida por esse nome em razão de alguns
pés dessa fruta que ficavam bem na bifurcação da rua Grande com a conhecida
hoje como Graça Aranha), em busca de algumas dessas lâmpadas à querosene.
Encontramos um senhor moldando uns pedaços de lata que ele havia cortado para
fazer alguns dos artefatos que fôramos em busca. Fiquei admirado com a desorganização
do local. Era pedaço de chapa, latas de
querosene, de biscoito, e de tudo o mais amassadas e empilhadas em todos os
cantos da ampla sala transformada em oficina. Lá fabricava-se quase todos os utensílios
de cozinha, da bacia ao prato, da rude cafeteira à lamparina. Nunca esqueci da
azáfama existente naquele local. E pelo visto a atividade era lucrativa, uma
vez que, durante os poucos minutos que lá estivemos, algumas pessoas procuraram
o funileiro para adquirir seus produtos. Especialmente as tais lamparinas.
Pouco tempo depois o homem se mudou. Havia chegado a luz elétrica na cidade e a
sua bem remunerada atividade tinha sido enormemente afetada com a novidade.
Apesar de ainda haver comunidades
interioranas sem energia elétrica nesse imenso e desigual país, nunca mais me
deparei com algum profissional desse ramo em atividade. Hoje aproveita-se de
tudo para fazer uma candeia. Até mesmo as latas de refrigerante ou cerveja
servem à finalidade. Certa vez quis comprar uma lamparina para fazer uma fotografia
de época para emoldurar um trabalho, fui ao mercado velho de Teresina e me
deparei com diversos locais que ainda vendia o produto. Fiquei surpreso. Ainda tinha
muita saída, afirmou-me o proprietário do comércio que eu procurei. Sai de lá
com uma lamparina fabricada a partir de uma lata de ervilhas. Passei um bom tempo lixando a minha luminária
para apagar a marca do produto que era ali envasado a fim de não contaminar a
minha ideia retrô de foto.
Tinha também um ferreiro
conhecido situado na praça do mercado, esquina onde bem mais tarde veio se
instalar a Delegacia de Policia do município. Era um profissional muito
importante. A primeira vez que fui lá, encontrei um senhor forte, musculoso,
apesar da idade, suado e todo lambuzado de fuligem, malhando em uma bigorna um
pedaço de ferro incandescente. Ferro que ele mergulhava em uma forja ao lado
logo que perdia a cor avermelhada, e, deixando o martelo de lado, acionava uma
espécie de objeto sanfonado que servia como abanador e que mantinha as brasas
em seu teor máximo de calor. Aquele homem
ocupava uma profissão das mais importantes, pois fabricava as ferramentas de
trabalho dos lavradores, criadores e tropeiros. Fazia desde a enxada, facões,
foices, enxadecos, até as esquadrias de metal ou materiais para os assessórios dos
animais de montaria ou de carga. Não sei qual o tempo, mais um dia ele
desapareceu de lá, não soube mais notícia do seu paradeiro. Foi superado pelos
novos tempos e novos costumes ou procurou outro local para estabelecer o seu
negócio? Não sei se abandonou completamente a profissão, pois ainda hoje
existem muitos desses profissionais em atividade e ganhando um bom dinheiro com
a atividade artesanal. Mas que mudou muito, isso mudou.
E como sempre acontece nesses casos,
logo me veio a imagem de um outro profissional que se encontra quase
desaparecido nos dias de hoje: o Sapateiro. Lembro de um (e até mesmo do nome:
Beato) que apareceu na cidade e alugou um casebre de um tio meu para se
instalar. Sua oficina ficava próxima da minha residência, e por isso andava
sempre por lá observando o trabalho realizado pelo Mestre Beato, que além de um
profissional tarimbado, era um prolífico contador de histórias. Entre uma história e outra, o entre um acesso de tosse e outra, o velho Beato ia malhando
o martelo em um pedaço de sola (de sola pura, com aquele cheiro
característico), sobre um Pé-de-ferro já bem gasto. E lá ele fazia de tudo. Consertava
sapatos com o solado gasto, trocava o salto, pintava, colava, pregava com
tachinhas, fazia cintos, cabeção para animais, cilhas para selas de montaria ou
cangalhas, trabalhava com tudo a partir do couro. E minha mãe morria de medo da
tosse do seu Beato. Era um artesão importante e que prestava um trabalho
imprescindível naquela época. Não sei que rumo tomou depois que as lojas
passaram a vender os sapatos trazidos das fábricas de outras regiões mais
desenvolvidas. Deve ter perdido parte considerável do seu faturamento, disso
não tenho dúvidas. O meu primeiro cinturão largo e à moda Jovem Guarda foi
feito por ele. Mas como fedia a couro cru. Não consegui retirar o seu forte e
nauseabundo cheiro e logo tive que abandoná-lo.
O vendedor de lenha também era
uma figura presente nas ruas e de uma importância sem tamanho. Quando criança
recebia ordem da minha mãe de ficar na janela para ver quando algum vendedor deles
vinha subindo a rua tocando o seu jumentinho com uma carga de lenha cortada e no
ponto para o uso. E quando eu avistava algum, entrava correndo para avisar para
a minha mãe. A concorrência era pesada entre os consumidores, por isso tinha
que ser ágil. Ainda bem que residíamos na entrada da cidade e podíamos comprar
dos primeiros que penetravam na rua. Essa atividade foi destroçada pela chegada
do gás de cozinha na cidade. Primeiro se transformaram em carvoeiros, é bem
verdade, depois não tiveram mais como concorrer com a novidade e procuraram
outra atividade mais lucrativa. Ou mudaram de rua ou região e ficaram ainda um
tempo pela periferia da cidade. Mas foram, durante uma vida, profissionais
importantes nas comunidades interioranas, o nosso voluntarioso vendedor de lenha
Os bons alfaiates deixaram
saudade. Não possuíam mais clientes fiéis e assíduos, e por isso se foram.
Perderam espaço para as lojas de confecção pronta onde a gente entra e, minutos
depois, sai com uma calça, pijama, camisa ou mesmo cuecas novas e prontas para
uso. Hoje são muito restritos e possuem freguesia reduzida, mas sempre fiel exigente.
Quanto ao faturamento dantes, não sei.
Sumiram também os vendedores de
leite in natura, de frutas, de pão, os vendedores de peixe pescados nos riachos
da região; de doce leite, de milho verde, sumiram ainda os meninos com seus tabuleiros
de cocada sobre a cabeça, e também os de pirulito, sumiram todos.
As cidades perderam o charme com
a saída de cena dos profissionais talentosos e que faziam a diferença em outras
épocas. E olha que não chegamos a ter os acendedores de lampião, caçadores de
ratos, os que prestavam serviço de despertador e tantos outros que viram suas profissões
serem soterradas pelos novos costumes desse dito mundo moderno.