sábado, 11 de outubro de 2025

A infância é uma coleção de memórias

 

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Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)

 

Há dias tenho me pego com a cabeça no passado. O tempo, esse senhor indomável, que leva tudo para a frente, tenta apagar coisas vividas. Ainda bem que existe a memória, que teima em trazer para trás as boas recordações. O tempo leva todas as coisas, tudo na vida é passageiro e impermanente, e o tempo é o fator que transforma, destrói e apaga tudo ao seu redor, inclusive memórias e momentos que parecem eternos. Mas, “a gente tem sede de infinito e de permanência, então, esse ser que assegura a permanência das coisas, é que eu chamo de Deus. É o absoluto”, Adélia Prado.

Por se aproximar do final do ano, desacelerei um pouco, me isolei. Sempre que posso, faço meditação, para acalmar a mente. Tenho me lembrando da época em que fui menino. Resgatei, por uns instantes, a criança que há dentro de mim. Lembrei de minha mãe, que partiu cedo. De sua vida agitada, três turnos de trabalho como professora. De sua correria com os seis filhos. Dos presentes que ganhávamos nesta época do ano. Da alegria de desembrulhar: carro de fricção, bola, ferrorama, forte apache, soldadinhos de chumbo, futebol de botão.

Recordei tempos felizes, em que o quintal de casa era o meu mundo, de tão grande. Nele cabiam todos os meus sonhos. Lá, apanhava fruta no pé, criava coelhos, preás, codornas, peixes e jandaias. Além do cachorro pastor alemão, Ringo. Fui menino com “bicho no pé”, de tanto andar descalço. Gosto do cheiro de terra molhada, gosto de chuva. Na enxurrada, colocava barco de papel, que seguiam na sarjeta da rua. Empinei papagaio. Construí pipas, com papel de seda e talos de bambu; joguei bolinha de gude e pião.

Quantas vezes me deitei no chão, a observar o céu; e em noite de lua cheia, vi “as três marias”, estrelas a iluminar o infinito. Sempre tive os olhos voltados para o azul do céu. Gostava e ainda gosto de olhar para o céu e imaginar os desenhos que surgem com o balé das nuvens. Sou sonhador, minha matéria prima são os sonhos. No outono da vida, no dia que não sonho, não existo. Hoje, sei que riqueza mesmo é ter tempo para parar, e viajar nas recordações de um tempo, que para mim era sem pressa.

"A infância não é um tempo, não é uma idade, é uma coleção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. Não é apenas um estágio para maturidade. É uma janela que, fechada ou aberta, permanece viva dentro de nós, cito Mia Couto.

Quando menino, pensando como seria o futuro, adiantei o tempo, querendo ser adulto. Foi o desejo mais estúpido que tive. Como é sagrado ser criança.

Mesmo velho, sigo feliz, pois o menino que existe em mim, teima em revisitar-se sempre. Como o tempo só anda para frente, neste 12 de outubro, convencionado “Dia das Crianças”, vejo em meu neto Heitor, de nove meses, a vida seguir seu curso. Oxalá, meu neto usufrua de cada momento mágico chamado infância.

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Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”

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terça-feira, 7 de outubro de 2025

Viajar é viver

 

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Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)

 

Setembro se despede, - um mês ameno, um mês a menos. Calçadas de minha Ilha do Amor estão coloridas, forradas com as flores que caem dos ipês e flamboyant. Gosto de setembro, época do ano que o vento sopra mais forte. “Ventos alísios que sopram das altas pressões subtropicais em direção à baixa pressão equatorial”, escutei da moça do tempo no jornal matinal de TV. Caminho pelo centro histórico de São Luís, sentindo o vento açoitar meu rosto e desalinhar a cabeleira. Paro em uma sorveteria, para degustar um sorvete de coco queimado. Verdadeira iguaria. 

No mormaço de uma tarde quente, do interior da sorveteria vejo transeuntes apressados, e me indago: para que tanta pressa, se o futuro é o encontro com a libertina. Observo jovens senhoras a segurarem saias e vestidos para o vento não revelarem intimidades. 

Gosto de setembro, pois começo a desacelerar, pela aproximação do final de mais um ano, quando nos preparamos para as festas natalinas. 

No derradeiro dia de setembro recebi uma mensagem do jovem português, Natanael P. Ribeiro, que conheci em uma noite fria de setembro, em 2019, em Malta, pequeno país europeu. 

Havia desembarcado em Vatetta, capital da charmosa Malta, no início da tarde. Fazia um frio gostoso, especialmente para um nordestino que não gosta de calor. 

O transfer levou-me do aeroporto para o hotel no centro da cidade. No check in, fui informado que não havia mais apartamento disponível para pessoa com deficiência. 

Enquanto estava na recepção do hotel, um jovem se aproximou. Falando português, disse para a recepcionista que poderia trocar de cômodo, já que estava em um apartamento adaptado. Logo entabulamos conversa. Enquanto guardava a bagagem no apto, ele saiu e trouxe cervejas, que tomamos, regadas a muitas e boas conversas. Natanael, nascido em Pinhão, Vila Real, norte de Portugal, trabalhava na Alemanha, e assim como eu, ama viajar. “Foi conversa pra mais de metro”, como dizia meu saudoso pai, Luiz Magno. 

Desde então não tive mais notícias de Natanael. Mas, no último dia 30 de setembro, ele me enviou uma mensagem dizendo que estava em Katmandu, Nepal. 

Conheço Katmandu. Lá estive em 2018, em uma trip pela Ásia. Quando comecei a viajar pelo mundo, uma das cidades que mais gostaria de visitar era a capital do Nepal. Ainda adolescente li um livro, cujo protagonista era um jovem nepalês, que foi para a Inglaterra estudar medicina. E, o mais interessante que, ao concluir a faculdade, retornou para o Nepal, pois tinha dívida de gratidão com seus patrícios. Aquela história nunca me saiu da cabeça. Quando finalmente pisei em Katmandu, homem feito, aos 60 anos, a emoção foi enorme. Quantas boas memórias me assaltaram. Lembrei do livro, me revisitei menino outra vez. 

Aos 32 anos, a amigo Natanael, está desde janeiro em viagem pela Ásia. Com mochila nas costas, desapegado e despojado, vive sonho de descobridor, dos antigos portugueses, desbravadores dos sete mares. 

Tailândia, Filipinas, Malásia, Laos, Camboja, Vietnã, Mianmar, Índia, Sri Lanka, Nepal, Bangladesh, países por onde Natanael tem andado, visitei tempos atrás, antes da pandemia. Lugares fascinantes e surpreendentes, que sempre me alegra quando volto. Em outubro embarco para a Ásia, onde visitarei novos países. Com as bençãos de Papai do Céu, e com planejamento rígido, minhas muletas e eu, vamos caminhar pelo Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão e Mongólia, terra de Genghis Khan. 

Viajar é colecionar memórias e registrar tudo com os nossos corações ao longo do caminho. Viajar é viver. 

(*)

Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”

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