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Palácio do Planalto em construção |
José Pedro Araújo
Estou lendo o último volume dos
três livros que compõe a biografia do grande Juscelino Kubitscheck de Oliveira,
intitulado “Meu Caminho para Brasília”. Trata-se de uma obra muito importante e
que mostra passagens da vida do grande homem público desde a sua infância pobre
em Diamantina, vetusta cidade mineira, até os últimos dias do seu mandato
presidencial, em 1961. Este último
volume, que trata sobre o período relativo ao seu mandato presidencial, retrata
também, entre outras coisas, a sua obstinada luta para construir Brasília. Do
mesmo modo, retrata também a dificuldade encontrada por ele para transferir o
poder político do país da bela cidade do Rio de Janeiro para o isolado planalto
central do Brasil. De leitura imperdível, sobretudo nesses tempos em que um
novo mandatário assume os destinos da nação – e tenta apontar a sua bússola
rumo ao progresso -, temos uma noção exata da luta empreendida por um homem
destemido para tirar o país do atraso secular em que se encontrava, combatendo
quase sozinho contra forças poderosas do coronelismo que mantinha a nação
subjugada e agarrotada.
Certa vez, das muitas que fui a
Brasília, visitava o monumento em homenagem ao seu fundador, um belo mausoléu
onde o seu corpo está sepultado, quando um jornalista me convidou para assistir
a apresentação de um filme original com cenas da construção da cidade. O
profissional era um dos muitos remanescentes dos primeiros a chegarem à cidade
e agora expunha cenas filmadas por ele por colegas seus. Fiquei extasiado com o
que vi. Cenas inesquecíveis das máquinas pesadas rasgando o cerrado virgem
inundavam a tela; caminhões despejando na porta das pensões os novos candangos
que chegavam à região; esqueletos de prédios que logo ficariam famosos, como as
instalações legislativas e os palácios que abrigariam o poder, estavam saindo
do chão como por encanto, moldados pelas mãos dos pioneiros. Fiquei mais fã
ainda do homem que deu origem a tudo aquilo: Juscelino, o JK.
Nesse período ao qual me refiro,
eu era uma criança com pouco mais de quatro anos ou cinco, mas lembro-me bem
das notícias animadoras que chegavam até a minha aldeia vindas, sobretudo, do
interior de Goiás, onde a nova capital do país estava sendo construída. Por
tudo o que li depois sobre o homem do “Peixe Vivo”, realmente fortes ventos
progressistas varreram o país naqueles dias levando a esperança para regiões há
muito condenadas ao atraso. E o velho Curador não ficou imune aos efeitos
desses ventos benfazejos. Cidadezinha escondida no mais profundo hinterland
maranhense, sua população debatia-se em meio à pobreza reinante e a
desesperança.
E as notícias que chegavam do
planalto goiano, davam conta de oportunidades de trabalho, e enchiam de
esperança muitos jovens que já se achavam em idade de laborar, mas não
vislumbravam qualquer perspectiva de encontrar um trabalho que o remunerasse de
modo a fazer frente às suas necessidades mais básicas. Foi como se uma energia
contagiante banhasse as ruas poeirentas da cidadezinha e infundisse a esperança
naqueles rapazes e moças, de maneira que logo começou uma revoada humana em
busca de um futuro melhor. Gente com alguma formação, mas, e principalmente,
pessoas sem qualificação mínima, mas com uma vontade imensa de romper as amarras
da pobreza e da desesperança. Brasília reservava lugar para todos, e abraçaria
aqueles que buscassem uma colocação no serviço público, mas também, e,
sobretudo, para aqueles que se dedicariam ao pesado trabalho braçal de erguer
uma cidade no meio do nada.
Também havia possibilidades para
aquelas pessoas que tinham por experiência o comércio. Para abrigar essa leva
imensa de trabalhadores que chegavam à região, logo surgiu uma cidade, toda ela
construída de madeira, chamada Núcleo Bandeirante, ou Cidade Livre, onde foram
sendo erguidas as casas simples que dariam guarida às famílias que chegavam,
mas também para instalação das mercearias, padarias, farmácias, pousadas, e
toda sorte de negócios que sempre surgem quando uma nova comunidade se forma.
Acompanhei a saída de um grupo de
três rapazes que iriam à busca do sonho no novo eldorado. A imagem da despedida
emocionada, lacrimosa, nunca me saiu da mente.
Abraçados aos amigos (todos bêbados, fruto das comemorações de despedida
que se estenderam noite à dentro), e dos parentes, lágrimas de saudades
antecipadas escorriam pelas faces dos que ficavam, e também dos que partiam. As
despedidas se deram na saída da cidade, no largo que ficaria depois conhecido
com Praça da Bomba, onde tomaram o transporte em direção a Porto Franco, cidade
encravada na margem do rio Tocantins, de onde seguiriam pela nova
Belém-Brasília para o destino final, a nova cidade construída a partir do nada.
O meio de transporte era um caminhão, e a estrada que percorreriam ainda estava
sendo rasgada na mata virgem, o que diagnosticava um grande desconforto durante
os dias necessários até a sua conclusão. Nada que intimidasse aqueles rapazes,
porém, visto estarem acostumados a fazer longos trajetos em lombo de animais, à
falta de veículos automotores na região. Andar na carroçaria de caminhão,
portanto, seria uma tranquilidade.
Anos depois, dois desses rapazes
voltariam para a cidade natal e de lá nunca mais se ausentariam por longos
períodos. O terceiro jovem fincou residência definitiva na capital do país. De
um desses jovens que retornaram, ouvi, certa vez, histórias engraçadas sobre a
maneira como se estabeleceram em Brasília. Uma das histórias contada por ele
dava conta de que ele e o outro colega que retornou ao Curador, à falta de
maior grau de estudo, somente conseguiram trabalho como atendente de serviços
gerais do hotel mais famoso de Brasília, naquela começo, o Hotel Nacional. Isso
depois de abandonarem os canteiros de obras onde o trampo era pesadíssimo,
principalmente para eles que só serviram como ajudante de pedreiro. No hotel
também tinham que fazer de tudo, desde o transporte de bagagem dos hospedes até
mesmo o carrego de móveis de um aposento para o outro. Nada, porém, que se
comparasse com a tarefa de empunhar uma pá ou uma picareta. Vestidos com
aquelas fardas características da função, os dois amigos logo encontraram uma
maneira mais fácil de tungar uma gorjeta extra dos hóspedes mais importantes. Empresários,
políticos, gente da nata empresarial do país se hospedava por ali. Deste modo,
os rapazes planejaram, como já falei, uma forma de arrancar umas gorjetas a
mais dos hóspedes mais pródigos. A coisa se dava mais ou menos assim: os dois
rapazes se postavam em pontos diferentes de um corredor, munidos de uma lata de
talco e de uma escova, própria para passar em paletós e remover alguma sujeira
que tenha se alojado nele. Assim, quando um hóspede passava por um deles, o
rapaz se postava às suas costas e jogava um pouco de talco sobre o paletó
escuro da vítima escolhida. Logo mais na frente, o outro se aproximava e
mostrava ao sujeito que o seu paletó estava com alguma sujeira. E,
incontinente, sacava a escovinha do bolso e aplicava uma bela escovada para
remover o pó colocado ali pelo amigo. Agradecido, o hóspede metia a mão na
algibeira e sacava uma boa gorjeta e repassava para a mão já estendida do
malandro.
A coisa ia muito bem, e tanto
fizeram que o gerente do hotel descobriu a trapaça e os pôs no olho da rua.
Estavam despedidos sumariamente. Depois dessa, os rapazes resolveram retornar
para a terra natal. No que fizeram muito bem. Na terrinha se restabeleceram bem e logo estavam esquecidos dos tempos brasilienses. Valeu muito a
experiência adquirida na nova capital. A maioria dos que partiram do Curador,
contudo, ficou por lá. Aproveitou bem as oportunidades surgidas na nova capital
de todos os brasileiros e formou família, nunca mais retornando ao velho
Curador, a não ser a passeio.
As oportunidades também surgiram
para os agricultores pobres e sem terra da região também. Com a construção da
Belém-Brasília, da floresta amazônica e dos cerrados do planalto central muitas
terras livres de títulos de posse foram postas à disposição dos trabalhadores
rurais, principalmente do nordeste brasileiro. De povoados agrícolas como o
Crioli do Joviniano, por exemplo, dezenas de famílias abandonaram suas casas e
foram em buscas de opção ao longo da Belém-Brasília. Muitos se deram bem,
outros continuaram a sua saga de pobres ofertadores de mão-de-obra barata. O fato é que, com a criação de Brasília, e
abertura de eixos rodoviários em toda a região norte nordeste, houve uma
crescente movimentação migratória de populações. E isso se deu também com o
velho e querido Curador.
Excelente Dr. Araújo. Muito bom lembrar desses tempos de aventuras, pelos quais passaram, maranhenses, piauienses e outros. Melhor ainda com estas histórias engraçadas. Fui passar o ano novo em Parauapebas (PA), passando no Curador. E lá no Pará encontrei gente do Curador. Boa noite.
ResponderExcluirFoi uma época que gerou um êxodo muito grande nos estados nordestinos, sobretudo naqueles que faziam limite como Goiás, como é o caso do Maranhão, e também do Piauí.
ExcluirLembrei de um Sr. que conheci há umas cinco anos, em um encontro da Maçonaria (SEBASTIÃO PEREIRA LOPES), que falou ser do Curador. Ele falou que era aposentado como Procurador do DF.
ExcluirVou verificar quem é. Em princípio não me recordo. O certo é que muita gente saiu da região nos anos 60 e 70 e o destino era sempre Brasília. Vou procurar saber sobre ele. Se tiver alguma informação a mais, por favor, me repasse.
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