Montagem fotográfica do autor |
Por: Orfileno Gomes(*)
Com naturalidade e humildade foi
permitida sua entrada para formalizar o convite especial para conhecer o
terreiro fundado por sua mãe — um espaço envolto em mistério, consagrado às
tradições do Tambor de Mina, Terecô e Macumba. Aceitei o convite com respeito
e, como exigia o ritual, preparei-me com vestes inteiramente brancas. Fui só.
Mãe Toinha havia solicitado que eu comparecesse desacompanhado.
O terreiro, localizado na
periferia de um grande bairro de Presidente Dutra, não é fácil de encontrar — e
essa dificuldade parece fazer parte do processo espiritual. A localização
exata, aliás, é mantida em segredo por determinação da própria Mãe Toinha, o
que reforça o caráter reservado e sagrado do lugar. Terreiros como esse,
enraizados nas matrizes africanas e nas heranças indígenas do Maranhão,
costumam se manter em silêncio discreto, guardando com zelo sua ancestralidade
e resistindo à intolerância histórica.
Cheguei ao local por volta das
18h30, no dia 22 de abril. Fui acolhido com seriedade. No centro do terreiro,
uma cadeira confortável havia sido especialmente disposta para mim, diante de
um altar rústico, mas cuidadosamente ornamentado com elementos das divindades
ali cultuadas.
Mãe Toinha, embora de idade avançada, apresentou-se com firmeza, identificando-se como um Espírito de Luz. Nas mãos, segurava um ramalhete perfumado. Com voz serena, pediu que eu depositasse sobre a mesa todo o dinheiro que havia levado. Antes de ir ao terreiro, retirara R$ 500,00 no Banco do Brasil, e pretendia deixar apenas R$ 300,00 como oferenda. No entanto, percebi que ela sabia exatamente quanto eu carregava — e ali se confirmou que, naquele ambiente, nada se oculta aos olhos do sagrado.
À sua frente, repousavam recortes
de jornais com fotos de diversas figuras da política local. Reconheci os
rostos: Valeriano (a quem ela chamou de Vavá), Lindomar Lucena (apelidado de
Vira-lata), Remy Soares (o Rei do Gado), Joaquim Figueiredo (Tião Galinha),
Irene Soares (a Pipira), Juran Carvalho (o Pato) , Raimundo Carvalho —
apelidado de Cururú) e, para minha surpresa, também havia uma foto minha, com a
alcunha de “Rapozão”.
Segundo Mãe Toinha, esses
apelidos que o povo concede aos políticos não são simples brincadeiras, mas
dons espirituais. São sinais de predestinação. “Ninguém recebe um apelido sem
que isso tenha origem espiritual”, afirmou ela. Com um gesto lento e firme,
estendeu o ramalhete sobre minha cabeça e declarou: “Você será ungido
prefeito.”
Disse mais: que já recebera, de
seu guia espiritual, a revelação do ano do meu mandato e até da minha morte — a
qual, segundo ela, virá em idade avançada. Recusei-me a saber tais datas. Que o
futuro cumpra seu papel no tempo certo, sem precipitar ansiedades.
Logo em seguida, manifestou-se no
espaço o Espírito Eliodoro, patrono do terreiro. Um homem negro, de voz mansa,
que serviu em vida ao Coronel Honorato Gomes, segundo ela, como seu ajudante de
ordem. Em sua manifestação, revelou lembranças da minha infância — citando com
precisão gestos de afeto e generosidade que eu, menino, dedicava a ele e à sua
família. A memória veio viva: Eliodoro, quando passava pelo pequeno comércio do
meu pai, sempre me presenteava com doces antes de seguir para o antigo terreiro…
(*)
Orfileno Gomes, é poeta, administrador de empresas, jornalista, advogado e concluinte do Curso de Medicina.
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