José Pedro Araújo (*)
Hoje cedo li uma mensagem de
WhatsApp, enviada pelo meu dileto amigo Fernando Fontenelle. Trazia ela, em anexo,
fenomenal notícia a respeito da maior mina de ouro já descoberta no país, quiçá
no mundo atual. E mais, que a área em que ela fora encontrada se situava na
região de Currais, município encravado no sul piauiense, próxima ao município
de Bom Jesus do Gurgueia.
Prontamente me veio à memória a
história de Serra Pelada, gigantesca mina de ouro à céu aberto, descoberta no
Pará, sendo, até então, a maior do mundo. Em inícios dos anos 80, quando ela
surgiu, não se falava de outra coisa no Brasil, os jornais e as televisões
davam ampla e total cobertura ao fenomenal acontecimento. Espetacular
descoberta, a mina foi um portento que atraiu para a região, no auge da sua
exploração, um contingente impressionante de garimpeiros, muitos deles profissionais
calejados, mas a maioria composta de amadores que nunca havia escavacado o solo
em busca de qualquer metal, fantástico número que beirou as cem mil almas
sequiosas e atraídas pelo amarelo do ouro.
A região onde a mina gigante se
inseria, até então, era completamente desabitada, pois se achava encravada em
uma fazenda de criação de gado, cercada pela densa e quase inexplorada floresta
amazônica. Em questão de pouco tempo, uma fantástica multidão ocupou a região,
sem pedido de licença ou autorização dos donos daquelas terras, devastando tudo
e levando o caos a uma área que até então era dominada pelo silêncio e pelos
animais selvagens. Acompanhava os recém-chegados, todos os tipos de gente,
desde comerciantes de medicamentos ou gêneros alimentícios, até foragidos da
justiça, ladrões pés-de-chinelo, prostitutas, rufiões, além de outros
personagens só encontrados nos folhetins de autores de histórias mirabolantes.
Naquela época eu trabalhava no
INCRA em uma pequena cidade por nome Araguatins, situada às margens do rio
Araguaia. A sede do município distava pouco mais de duzentos quilômetros da
zona em que se descobrira a portentosa mina, e de lá também partiram muitas
centenas de aventureiros em direção ao local em que a fortuna que se alardeava,
oferecia-se facilmente na flor do solo para quem se aventurasse a sujar as mãos
com a terra escura do lugar. Muitos dos meus colegas de trabalho abandonaram
seus empregos na instituição a qual servíamos e foram em busca do ouro que
seduzia tanta gente.
Eu, de minha parte, como nunca
acreditei em facilidades desse tipo, declinei do convite que me fizeram e
continuei no meu posto só observando os acontecimentos e filtrando no meu
íntimo as notícias mirabolantes que vinham lá da rica serra. Algumas vezes,
quando ia a Marabá, sede da nossa coordenação, deparava-me com personagens que
participavam intensamente do roteiro daquela fantástica história de riqueza e
ostentação. Em qualquer local público que se estivesse, especialmente nos finais
de semana, sempre se dava de cara com alguns personagens reais que usufruíam
intensamente o sonho do eldorado. Eles tomavam conta de todas as mesas dos
restaurantes, botecos e cabarés da cidade, depois de estacionarem seus carros
de altíssimo luxo, recentemente adquiridos, de qualquer maneira. Os mesmos veículos
que dirigiam com enormes dificuldades, uma vez que só havia se deparado com a
direção de um carro de passeio poucos dias antes. E nesses locais, esses novos
ricos não se cansavam de ostentar, mostrando para os curiosos o tamanho dos
seus ganhos. Alguns fechavam os ambientes e pagavam a conta do que era
consumido por todos que estivessem por ali, não importando o tamanho das
despesas que lhes cairia nas mãos. As farras que advinham daí varavam a
madrugada e, às vezes, continuavam pelo dia seguinte. As demonstrações de riqueza
eram inúmeras e de todos os tipos. Lembro de um caso em que um garimpeiro, que
nunca havia posto os pés dentro de um avião, foi até Imperatriz, maior cidade da
região, e onde havia um aeroporto, e lá alugou um jato comercial com o
propósito de ir conhecer a cidade do Rio de Janeiro. O passeiro embarcado
naquele dia era um só, o deslumbrado contratante. Viagem realizada com toda
pompa e circunstância; despesa paga com dinheiro vivo, acondicionado em maçudos
pacotes.
Quanto mais o tempo passava,
chegava ao garimpo uma leva crescente de garimpeiros experientes, e o ouro saia
da terra aos montes. E quando um dos exploradores do rico solo bamburrava, encontrando
uma grande pepita, ainda dentro do buraco, sacava o revólver e disparava para o
alto, mostrando toda a sua alegria para os outros garimpeiros. Naquele momento,
os que estavam à sua volta chafurdando também o chão, também sacavam suas armas
e disparavam para o alto, e logo um tiroteio ensurdecedor tomava conta do
local.
Um rapaz, que morava próximo à
nossa paupérrima república que também havia partido para Serra Pelada à
procurado do metal dourado. E ele, por chegar tão tarde ao local não havia se
apropriado de um barranco para si, e passara a trabalhar para o dono de um dos
lotes mais promissores. Recebendo magras bonificações, logo vislumbrou a
possibilidade de ganhar mais dinheiro em outra atividade: a de vendedor de
balas para armas de fogo. Com esse propósito, ele voltou para a cidade e
comprou algumas caixas de projéteis no mercado negro, e retornou rapidamente para
região da fabulosa mina. Teve que adentrar à mata fechada para fugir ao
controle do policiamento, mas isso não foi empecilho para ele. E lá chegando
carregado com a mercadoria, vendeu tudo em uma velocidade estonteante. Ele
então passou a realizar viagens amiúde, carregado cada vez mais com o material
tão procurado. Não demorou muito, e logo o rapaz chegou à sua cidade dirigindo
um carro zero quilômetro. E passou a ser o assunto predileto na cidade, a sua
fortuna adquirida. Diziam mesmo que ele, sempre que retornava, trazia com ele fabulosos
maços de dinheiro para depositar no único banco de Araguatins. A atividade
abraçada por ele havia se transformado em uma nova mina de ouro, era o que se
propalava.
Contudo, não demorou muito, e o
governo resolveu tomar conta daquele filão maravilhoso, instalando um posto avançado
para administrar o local e prover a compra do mineral extraído do chão. A
partir de então, a Vale do Rio Doce passou a ser o local obrigatório de venda
de tudo o que era retirado da terra. Mandou também o governo, um destacamento
militar para o local, sob o comando de um certo major do exército, chamado Sebastião
Curió, com o propósito de pacificar a região que, vez por outra, fabricava as
suas tragédias. E ele logo tomou conta de toda a região. Desde então, nada mais
se fazia sem a orientação e fiscalização dele. O tal major conhecia bem a
região em que se situava a grande mina, pois fora um dos principais combatentes
do exército no confronto havido com os guerrilheiros do Araguaia, anos antes. Anos depois, Curió, elegeu-se deputado federal,
obtendo a maioria dos votos junto aos garimpeiros. E teve como um dos seus feitos
mais conhecidos, a elevação da povoação de faiscadores à condição de município,
com o sugestivo nome de Curionópolis. Foi aquele o seu único mandato para a
Câmara Federal, pois não conseguiu se reeleger para o mesmo cargo nas eleições
seguintes, obtendo apenas uma primeira suplência.
Sebastião Curió voltou para lá,
anos depois, e se elegeu prefeito do município que havia sido batizado com o
seu codinome. Nesse tempo, Serra Pelada já havia perdido o seu fabuloso brilho,
uma vez que a esplendorosa mina havia quase se exaurido, provocando a evacuação
de milhares de garimpeiros para outras regiões em que o ouro se mostrava mais
presente, sobretudo para as áreas indígenas da região amazônica.
Hoje, Curionópolis conta com uma
população de pouco mais de seis mil moradores, muito distante daquela população
que chegou perto das cem mil almas. Entretanto, vez por outra, os garimpeiros
ensaiam um retorno a Serra Pelada, alegando que a mina ainda possuí outros
veios tão importantes quanto aquele que gerara tanta riqueza. Por sua vez, a
história oral da região acusa ainda que muitos espertalhões fabricaram
verdadeiras fortunas com o ouro extraído de lá, todo ele contrabandeado para
fora do estado, e até mesmo do país. E que eles não foram poucos.
Agora fomos surpreendidos com a
notícia de que uma mina gigantesca fora descoberta na região sul do Piauí,
especificamente no município de Currais. Estima-se que 7.100 toneladas de ouro se
acham ali ocultadas nas terras dos cerrados. A Agência Nacional de Mineração
até já autorizou estudos geológicos para confirmar se a descoberta é verdadeira
ou não. Contudo, os debates na região já começaram, a respeito das vantagens ou
desvantagens de se ter milhares de garimpeiros chafurdando no solo local,
provocando crimes ambientais monstruosos como o que se viu no hoje município de
Curionópolis. Que, da riqueza monumental extraída do solo da região, no final
das contas, ficou com a parte mínima, quase insignificante.
Discute-se ainda que a situação
agora é bem outra, muito diferente daqueles anos. Dizem ainda, os contrários à
exploração do ouro alardeado, que logo teríamos facções criminosas se
estabelecendo no local, manobrando tudo e amealhando quase toda a riqueza que
se fosse extraindo da terra. E não mais a fantasiosa repetição do que ocorreu
no passado nas famosas minas de ouro do oeste americano, e que também havia
acontecido em Serra Pelada. Agora, os tiros ali disparados, não seriam mais
para cima, como aconteceu no sul paraense na maioria dos casos. Mas sairiam das
armas dos faccionados diretamente para o peito daqueles que se insurgissem
contra as suas ordens.
Por sua vez, os que militam no outro lado da questão, entendem que o ouro encontrado trará o progresso que a região espera desde os tempos esquecidos dos desbravadores daqueles sertões. Esperamos poder assistir ao final dessa história. Quem estará com a razão?
(*)