quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Serra Pelada – Opulência e ocaso da maior mina a céu aberto do mundo



 
Multidão de garimpeiros em Serra Pelada (Google)


José Pedro Araújo (*)

Hoje cedo li uma mensagem de WhatsApp, enviada pelo meu dileto amigo Fernando Fontenelle. Trazia ela, em anexo, fenomenal notícia a respeito da maior mina de ouro já descoberta no país, quiçá no mundo atual. E mais, que a área em que ela fora encontrada se situava na região de Currais, município encravado no sul piauiense, próxima ao município de Bom Jesus do Gurgueia.

Prontamente me veio à memória a história de Serra Pelada, gigantesca mina de ouro à céu aberto, descoberta no Pará, sendo, até então, a maior do mundo. Em inícios dos anos 80, quando ela surgiu, não se falava de outra coisa no Brasil, os jornais e as televisões davam ampla e total cobertura ao fenomenal acontecimento. Espetacular descoberta, a mina foi um portento que atraiu para a região, no auge da sua exploração, um contingente impressionante de garimpeiros, muitos deles profissionais calejados, mas a maioria composta de amadores que nunca havia escavacado o solo em busca de qualquer metal, fantástico número que beirou as cem mil almas sequiosas e atraídas pelo amarelo do ouro.

A região onde a mina gigante se inseria, até então, era completamente desabitada, pois se achava encravada em uma fazenda de criação de gado, cercada pela densa e quase inexplorada floresta amazônica. Em questão de pouco tempo, uma fantástica multidão ocupou a região, sem pedido de licença ou autorização dos donos daquelas terras, devastando tudo e levando o caos a uma área que até então era dominada pelo silêncio e pelos animais selvagens. Acompanhava os recém-chegados, todos os tipos de gente, desde comerciantes de medicamentos ou gêneros alimentícios, até foragidos da justiça, ladrões pés-de-chinelo, prostitutas, rufiões, além de outros personagens só encontrados nos folhetins de autores de histórias mirabolantes.

Naquela época eu trabalhava no INCRA em uma pequena cidade por nome Araguatins, situada às margens do rio Araguaia. A sede do município distava pouco mais de duzentos quilômetros da zona em que se descobrira a portentosa mina, e de lá também partiram muitas centenas de aventureiros em direção ao local em que a fortuna que se alardeava, oferecia-se facilmente na flor do solo para quem se aventurasse a sujar as mãos com a terra escura do lugar. Muitos dos meus colegas de trabalho abandonaram seus empregos na instituição a qual servíamos e foram em busca do ouro que seduzia tanta gente.

Eu, de minha parte, como nunca acreditei em facilidades desse tipo, declinei do convite que me fizeram e continuei no meu posto só observando os acontecimentos e filtrando no meu íntimo as notícias mirabolantes que vinham lá da rica serra. Algumas vezes, quando ia a Marabá, sede da nossa coordenação, deparava-me com personagens que participavam intensamente do roteiro daquela fantástica história de riqueza e ostentação. Em qualquer local público que se estivesse, especialmente nos finais de semana, sempre se dava de cara com alguns personagens reais que usufruíam intensamente o sonho do eldorado. Eles tomavam conta de todas as mesas dos restaurantes, botecos e cabarés da cidade, depois de estacionarem seus carros de altíssimo luxo, recentemente adquiridos, de qualquer maneira. Os mesmos veículos que dirigiam com enormes dificuldades, uma vez que só havia se deparado com a direção de um carro de passeio poucos dias antes. E nesses locais, esses novos ricos não se cansavam de ostentar, mostrando para os curiosos o tamanho dos seus ganhos. Alguns fechavam os ambientes e pagavam a conta do que era consumido por todos que estivessem por ali, não importando o tamanho das despesas que lhes cairia nas mãos. As farras que advinham daí varavam a madrugada e, às vezes, continuavam pelo dia seguinte. As demonstrações de riqueza eram inúmeras e de todos os tipos. Lembro de um caso em que um garimpeiro, que nunca havia posto os pés dentro de um avião, foi até Imperatriz, maior cidade da região, e onde havia um aeroporto, e lá alugou um jato comercial com o propósito de ir conhecer a cidade do Rio de Janeiro. O passeiro embarcado naquele dia era um só, o deslumbrado contratante. Viagem realizada com toda pompa e circunstância; despesa paga com dinheiro vivo, acondicionado em maçudos pacotes.

Quanto mais o tempo passava, chegava ao garimpo uma leva crescente de garimpeiros experientes, e o ouro saia da terra aos montes. E quando um dos exploradores do rico solo bamburrava, encontrando uma grande pepita, ainda dentro do buraco, sacava o revólver e disparava para o alto, mostrando toda a sua alegria para os outros garimpeiros. Naquele momento, os que estavam à sua volta chafurdando também o chão, também sacavam suas armas e disparavam para o alto, e logo um tiroteio ensurdecedor tomava conta do local.

Um rapaz, que morava próximo à nossa paupérrima república que também havia partido para Serra Pelada à procurado do metal dourado. E ele, por chegar tão tarde ao local não havia se apropriado de um barranco para si, e passara a trabalhar para o dono de um dos lotes mais promissores. Recebendo magras bonificações, logo vislumbrou a possibilidade de ganhar mais dinheiro em outra atividade: a de vendedor de balas para armas de fogo. Com esse propósito, ele voltou para a cidade e comprou algumas caixas de projéteis no mercado negro, e retornou rapidamente para região da fabulosa mina. Teve que adentrar à mata fechada para fugir ao controle do policiamento, mas isso não foi empecilho para ele. E lá chegando carregado com a mercadoria, vendeu tudo em uma velocidade estonteante. Ele então passou a realizar viagens amiúde, carregado cada vez mais com o material tão procurado. Não demorou muito, e logo o rapaz chegou à sua cidade dirigindo um carro zero quilômetro. E passou a ser o assunto predileto na cidade, a sua fortuna adquirida. Diziam mesmo que ele, sempre que retornava, trazia com ele fabulosos maços de dinheiro para depositar no único banco de Araguatins. A atividade abraçada por ele havia se transformado em uma nova mina de ouro, era o que se propalava.

Contudo, não demorou muito, e o governo resolveu tomar conta daquele filão maravilhoso, instalando um posto avançado para administrar o local e prover a compra do mineral extraído do chão. A partir de então, a Vale do Rio Doce passou a ser o local obrigatório de venda de tudo o que era retirado da terra. Mandou também o governo, um destacamento militar para o local, sob o comando de um certo major do exército, chamado Sebastião Curió, com o propósito de pacificar a região que, vez por outra, fabricava as suas tragédias. E ele logo tomou conta de toda a região. Desde então, nada mais se fazia sem a orientação e fiscalização dele. O tal major conhecia bem a região em que se situava a grande mina, pois fora um dos principais combatentes do exército no confronto havido com os guerrilheiros do Araguaia, anos antes.  Anos depois, Curió, elegeu-se deputado federal, obtendo a maioria dos votos junto aos garimpeiros. E teve como um dos seus feitos mais conhecidos, a elevação da povoação de faiscadores à condição de município, com o sugestivo nome de Curionópolis. Foi aquele o seu único mandato para a Câmara Federal, pois não conseguiu se reeleger para o mesmo cargo nas eleições seguintes, obtendo apenas uma primeira suplência.

Sebastião Curió voltou para lá, anos depois, e se elegeu prefeito do município que havia sido batizado com o seu codinome. Nesse tempo, Serra Pelada já havia perdido o seu fabuloso brilho, uma vez que a esplendorosa mina havia quase se exaurido, provocando a evacuação de milhares de garimpeiros para outras regiões em que o ouro se mostrava mais presente, sobretudo para as áreas indígenas da região amazônica.

Hoje, Curionópolis conta com uma população de pouco mais de seis mil moradores, muito distante daquela população que chegou perto das cem mil almas. Entretanto, vez por outra, os garimpeiros ensaiam um retorno a Serra Pelada, alegando que a mina ainda possuí outros veios tão importantes quanto aquele que gerara tanta riqueza. Por sua vez, a história oral da região acusa ainda que muitos espertalhões fabricaram verdadeiras fortunas com o ouro extraído de lá, todo ele contrabandeado para fora do estado, e até mesmo do país. E que eles não foram poucos.

Agora fomos surpreendidos com a notícia de que uma mina gigantesca fora descoberta na região sul do Piauí, especificamente no município de Currais. Estima-se que 7.100 toneladas de ouro se acham ali ocultadas nas terras dos cerrados. A Agência Nacional de Mineração até já autorizou estudos geológicos para confirmar se a descoberta é verdadeira ou não. Contudo, os debates na região já começaram, a respeito das vantagens ou desvantagens de se ter milhares de garimpeiros chafurdando no solo local, provocando crimes ambientais monstruosos como o que se viu no hoje município de Curionópolis. Que, da riqueza monumental extraída do solo da região, no final das contas, ficou com a parte mínima, quase insignificante.

Discute-se ainda que a situação agora é bem outra, muito diferente daqueles anos. Dizem ainda, os contrários à exploração do ouro alardeado, que logo teríamos facções criminosas se estabelecendo no local, manobrando tudo e amealhando quase toda a riqueza que se fosse extraindo da terra. E não mais a fantasiosa repetição do que ocorreu no passado nas famosas minas de ouro do oeste americano, e que também havia acontecido em Serra Pelada. Agora, os tiros ali disparados, não seriam mais para cima, como aconteceu no sul paraense na maioria dos casos. Mas sairiam das armas dos faccionados diretamente para o peito daqueles que se insurgissem contra as suas ordens.  

Por sua vez, os que militam no outro lado da questão, entendem que o ouro encontrado trará o progresso que a região espera desde os tempos esquecidos dos desbravadores daqueles sertões. Esperamos poder assistir ao final dessa história. Quem estará com a razão? 

(*) 

José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.    


quarta-feira, 27 de agosto de 2025

O Feliz Mister de Cuidar de Flores

Mamãe e tia Felicinha - as melhores jardineiras da cidade


José Pedro Araújo(*)

Tenho a impressão de que os dois jardins mais caprichados da cidade era os da minha mãe, Teresinha, e outro, da minha tia, Felicinha. Estou me referindo à pequena cidade de Presidente Dutra, urbe encravada no interior profundo do estado do Maranhão. As duas irmãs, agiam como se disputassem a primazia de ter o melhor e mais belo horto do lugar, e se esmeravam nos cuidados com dezenas de plantas floríferas logo às primeiras horas da manhã, antes mesmo de se servirem do café da manhã. Mas isso era só impressão. Em verdade, elas eram aficionadas com o cultivo de flores.  E tudo teve começo em um tempo em que a cidade não possuía água encanada, recurso natural vital também para os vegetais. E por não o obterem nas torneiras, elas tinham que coletar água de poços cacimbões, puxando manualmente o líquido precioso de uma profundidade de mais de quinze metros.

Não sei se elas falavam também com as suas plantas, ou se somente as acariciavam revirando as suas folhas e flores em busca de ácaros, fungos ou percevejos. O fato é que elas, sempre que tinham um tempo livre, voltavam às suas amigas e as vistoriavam uma por uma outra vez. E não estou falando de poucas plantas. Espalhadas cuidadosamente em dezenas de jarros, as mais necessitadas de sol eram posicionadas de modo a banharem-se por, pelo menos, seis horas diárias com os raios incandescentes do astro-rei. Enquanto isso as mais sensíveis, e menos exigentes, eram postadas mais à sombra. O fato era que os dois jardins estavam sempre repletos de flores, que elas sabiam nominar uma por uma.

Hoje esses jardins não existem mais, certamente em razão das suas duas cuidadoras também não estarem mais presentes. E eu, apesar de apreciar a beleza das suas flores, nunca tive muitas plantas na minha casa. Até que a pandemia do coronavírus maldito nos forçou a ficar em cárcere privado. Foi um período dos mais difíceis, se não o pior deles, aquele tempo em que todos nós passamos a ficar trancados, sem poder sair à rua. Ficar em casa, como no meu caso, é prazeroso, desde que não seja por obrigação. Gosto de passar um tempo com os meus livros, e até me arrisco a escrever alguma coisa. E para exercer esses ofícios, de leitor e escrevinhador, nada melhor do ficar em meu lar e, se possível, em um lugar isolado do barulho doméstico. Mas, naqueles dias tenebrosos, eu já não encontrava o mesmo prazer que desfrutava anteriormente. E o resultado é que passei a ficar um pouco circunspecto, acabrunhado mesmo com o isolamento obrigatório.

O jardim da mamãe

Foi quando uma das minhas noras, observando o meu desânimo, trouxe um jarro da Rosa do Deserto (Adenium obesum) para que eu tentasse reabilitar. Uma planta que ela havia ganho do seu pai. Eu não conhecia a Rosa do Deserto, apesar de ela já estar na crista da onda, e não ter jardim que preze na cidade que não tivesse pelos menos algumas variedades desta roseira. A alegação da minha nora era de que eu, agrônomo por formação, deveria saber como fazer para restabelecer a saúde daquela planta cultivada em um jarro de cerâmica, e com um belo suporte de metal fabricado pelo seu genitor que, em suas horas vazias, dedica-se ao trabalho com metais, em uma serralheria que ele montou no seu próprio quintal.

Pelo visto, como a minha nora residia com a família em um apartamento, a sua plantinha não era servida com a quantidade de sol diário que ela necessitava, e estava por isso entrando em processo de morte lenta. Essa foi a desculpa que ela me deu. Mas, a verdade mesmo, era que ela queria me repassar uma ocupação que me tirasse do meu estado de lassidão, pondo as minhas mãos em contato com a terra. O que é verdadeiro ainda, é que eu consegui reabilitar a plantinha e logo ela estava vigorosa e florificando outra vez. E ela, a minha nora, por conta disto, passou a me trazer toda semana um jarro com uma rosa de uma variedade diferente. Ela até conseguiu me levar a um sítio nas imediações da cidade para adquirir mais algumas dessas plantas.


algumas espécies do meu jardim

Hoje tenho muitas delas no meu jardim, cada uma mais bonita que a outra. E, pasmem, passei a comprar algumas outras Rosas do Deserto que produzem flores diferentes das que tinha. E passei a estudar bastante sobre o assunto também. quanto a isto, devo acrescentar que encontrei poucas referencias acadêmicas sobre essa planta da família das suculentas.

Essa história me levou a recordar uma passagem da minha vida de estudante de agronomia na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Certa vez, em tempos de matrícula das disciplinas para aquele semestre, fui abordado por uma colega com uma proposta que considerei estapafúrdia. Ele chegou com uma lista de nomes de alguns colegas, e me indagou se eu não aceitava me matricular na disciplina de jardinagem. Tomei um susto, pois tinha a convicção de que aquela era uma matéria mais afeita às mulheres, e não para mim. E ele, sorrindo com a minha reação, e talvez com a minha ignorância, contou-me a história verdadeira sobre o seu interesse pela disciplina. Disse-me que fora ao Departamento de Horticultura à procura de uma disciplina optativa para se matricular, e se deparou com a cadeira de jardinagem na grade curricular. E como nunca tivesse ouvido falar que existisse uma turma que cursasse essa matéria, falou para o funcionário que o atendeu sobre o seu estranhamento. E ele então lhe respondeu que a disciplina era ofertada sim pela universidade, só que nunca se formara nenhuma turma, apesar de existir um professor contratado para dar aulas sobre a matéria. E isso tinha uma explicação, ele continuou. Uma turma precisaria ter, pelo menos, doze ou quinze alunos, não me recordo bem a quantidade necessária. E como existiam pouquíssimas mulheres no curso de engenharia agronômica, nunca havia se formado uma turma completa. O colega então lhe perguntou se o professor a que ele se referia recebia salários para ministrar uma matéria que nunca havia tido uma só aula. E recebeu como resposta um sim, e há muitos anos, tantos que ele não se recordava desde quando esse professor recebia seus salários religiosamente.

Foi então que o colega passou a arrebanhar alunos para se matricularem na disciplina optativa. E conseguiu juntar um grupo de mais de vinte pretendentes. Muita gente estava curiosa para participar da primeira aula ministrada por aquele professor imprestável, depois de tanto tempo recebendo seus salários sem trabalhar.

Contudo, para encurtar a história, informo que não foi ainda daquela vez que a disciplina foi ministrada na UFRPE. Pois, o tal professor, rebelou-se frontalmente e falou que não iria ministrar aulas para aquele grupo. Talvez tenha chegado aos seus ouvidos a história completa sobre a formação extemporânea da turma. Entretanto, acredito que tenha pesado mais o fato de ter que frequentar a universidade para dar aulas, depois de mais de uma dezena de anos de inatividade. E não teve jeito. Os alunos tiveram que procurar outras disciplinas para preencher a grade curricular obrigatória, porque o professor inoperante não arredou pé. Encerro aqui a história dizendo que eu não fiz parte daquela turma que nunca chegou a ter um só dia de aula de jardinagem. Não topei fazer parte da lista nem por brincadeira. Afinal, já estava matriculado em oito cadeiras naquele semestre. Já viram se eu tivesse que tomar aulas três vezes por semana em uma disciplina que não fazia a menor razão para mim? E agora estou aqui, cultivando plantas e me sentido imensamente feliz por exercer este mister.  

(*) 

José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.    





 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

O Terreiro de Mãe Toinha: Mistério, Fé e Destino em Presidente Dutra!

 

Montagem fotográfica do autor


Por: Orfileno Gomes(*)

 Durante minha última visita a Presidente Dutra, em abril de 2025, o acaso — ou quem sabe um chamado ancestral — conduziu-me a um encontro singular. Estava na (deckconvenienciapk), quando fui informado pelo atendente, que havia na parte externa do ambiente, uma senhora de modos humildes que se identificou como filha de Mãe Toinha, célebre liderança espiritual da cidade que desejava falar com o Rapozão (alcunha quando fui candidato em 2012) sobre o aniversário de existência de 94 anos de sua mãe.

Com naturalidade e humildade foi permitida sua entrada para formalizar o convite especial para conhecer o terreiro fundado por sua mãe — um espaço envolto em mistério, consagrado às tradições do Tambor de Mina, Terecô e Macumba. Aceitei o convite com respeito e, como exigia o ritual, preparei-me com vestes inteiramente brancas. Fui só. Mãe Toinha havia solicitado que eu comparecesse desacompanhado.

O terreiro, localizado na periferia de um grande bairro de Presidente Dutra, não é fácil de encontrar — e essa dificuldade parece fazer parte do processo espiritual. A localização exata, aliás, é mantida em segredo por determinação da própria Mãe Toinha, o que reforça o caráter reservado e sagrado do lugar. Terreiros como esse, enraizados nas matrizes africanas e nas heranças indígenas do Maranhão, costumam se manter em silêncio discreto, guardando com zelo sua ancestralidade e resistindo à intolerância histórica.

Cheguei ao local por volta das 18h30, no dia 22 de abril. Fui acolhido com seriedade. No centro do terreiro, uma cadeira confortável havia sido especialmente disposta para mim, diante de um altar rústico, mas cuidadosamente ornamentado com elementos das divindades ali cultuadas.

Mãe Toinha, embora de idade avançada, apresentou-se com firmeza, identificando-se como um Espírito de Luz. Nas mãos, segurava um ramalhete perfumado. Com voz serena, pediu que eu depositasse sobre a mesa todo o dinheiro que havia levado. Antes de ir ao terreiro, retirara R$ 500,00 no Banco do Brasil, e pretendia deixar apenas R$ 300,00 como oferenda. No entanto, percebi que ela sabia exatamente quanto eu carregava — e ali se confirmou que, naquele ambiente, nada se oculta aos olhos do sagrado.

À sua frente, repousavam recortes de jornais com fotos de diversas figuras da política local. Reconheci os rostos: Valeriano (a quem ela chamou de Vavá), Lindomar Lucena (apelidado de Vira-lata), Remy Soares (o Rei do Gado), Joaquim Figueiredo (Tião Galinha), Irene Soares (a Pipira), Juran Carvalho (o Pato) , Raimundo Carvalho — apelidado de Cururú) e, para minha surpresa, também havia uma foto minha, com a alcunha de “Rapozão”.

Segundo Mãe Toinha, esses apelidos que o povo concede aos políticos não são simples brincadeiras, mas dons espirituais. São sinais de predestinação. “Ninguém recebe um apelido sem que isso tenha origem espiritual”, afirmou ela. Com um gesto lento e firme, estendeu o ramalhete sobre minha cabeça e declarou: “Você será ungido prefeito.”

Disse mais: que já recebera, de seu guia espiritual, a revelação do ano do meu mandato e até da minha morte — a qual, segundo ela, virá em idade avançada. Recusei-me a saber tais datas. Que o futuro cumpra seu papel no tempo certo, sem precipitar ansiedades.

Logo em seguida, manifestou-se no espaço o Espírito Eliodoro, patrono do terreiro. Um homem negro, de voz mansa, que serviu em vida ao Coronel Honorato Gomes, segundo ela, como seu ajudante de ordem. Em sua manifestação, revelou lembranças da minha infância — citando com precisão gestos de afeto e generosidade que eu, menino, dedicava a ele e à sua família. A memória veio viva: Eliodoro, quando passava pelo pequeno comércio do meu pai, sempre me presenteava com doces antes de seguir para o antigo terreiro…

(*)


Orfileno Gomes, é poeta, administrador de empresas, jornalista, advogado e concluinte do Curso de Medicina.


sábado, 16 de agosto de 2025

MINHA TERESINA

 

Imagem do Google


                                           Luiz Duailibe Fernandes (*)

Teresina, Teresina!

Cidade Verde – Menina -

Princesinha do Brasil!

Fonte de luz e calor,

Berço de paz e amor

Terra de belezas mil!

 

Teresina, eu te saúdo,

Eu te saúdo por tudo

Que diz tua tradição...

Pelo teu calor tão quente,

Que tosta a pele da gente,

Palpitando coração!

 

Pelo teu céu azulado,

Mais lindo, mais estrelado

Da Constelação Divina;

Donde o sol - com mais fulgor –

Derrama luz e calor

Por sobre ti – Teresina!

 

A lua plena, bonita,

Da passarela infinita

As noites vai clareando!

E a chapada cor de prata

Sua beleza retrata –

O agreste – prateando!

 

Pelo piscar do corisco,

Brilhando no céu – em risco...

Chuva em temporal caindo!

A Capital irrigando,

A população rezando,

Proteção a Deus pedindo.

 

Pelos trovões malcriados

Que quando são disparados

Treme a terra n’amplidão

Num eco triste... profundo...

Parecendo que o mundo

Vem caindo sobre o chão!

 

Pelos rios caudalosos

Que te abraçam...vagarosos

Correm correm para o mar...

O Parnaíba, o Poty,

Orgulho do Piauí,

Riqueza imensa – sem par!

 

No calor do teu abraço,

Na verde paz do regaço

Comemoram lindo feito!

O Poty, vindo de longe,

Encontrando o “Velho Monge”,

Adormeceu no seu leito!

 

Tesouro que a Natureza,

No seu poder de grandeza

Deixa-te como legado.

E desse enlace que fascina,

Tu nasceste Teresina -

Capital Verde do Estado!

 

Diferente das demais

Litorâneas Capitais

Do Nordeste brasileiro.

Lindamente planejada

Sobre esta verde chapada,

Num projeto pioneiro.

 

Ruas, praças, avenidas,

Previamente definidas

Com detalhes de riqueza,

Aviventando a cultura

Na arte da arquitetura,

Num cenário de beleza!

 

Teresina eu te saúdo,

Eu te saúdo por tudo

Que quis dizer mas não pude...

Por tudo que há de novo

Pela proteção do povo,

Na cultura da saúde

 

Pelo verde da esperança,

Do progresso, da bonança,

Verde que te faz brilhar

Pela força do calor,

Do trabalho e do amor,

Que o Piauí sabe dar!

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Luiz Duailibe Fernandes é poeta, piauiense de Gilbués, formado em Direito pela Faculdade de Direito do Piauí, Contador, formado pela UFPI, Procurador Federal da UFPI, aposentado.


domingo, 3 de agosto de 2025

O silêncio é um luxo

 

Imagem extraída do Google


Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)

Em um mundo cada vez mais barulhento, há silêncios que não são rendição, mas escolha. Escolher entre gritar, se posicionar, se fazer notar, ou permanecer calado, apenas a observar seu entorno. Nem sempre quem cala é fraco ou sem argumentos — às vezes, está apenas cansado de gritar para quem não ouve. Falar para ausentes, para quem não quer entender o que se quer dizer. Inúmeras vezes, mesmo sabendo que estamos certos, pregamos no deserto. Quantas vezes mostrando o óbvio, o interlocutor não quer ouvir.

É preciso coragem para não reagir, sabedoria para não se explicar a todo instante,

e maturidade, para deixar o que não merece resposta seguir seu rumo.

O silêncio fala. O silêncio diz muito. E, muitas vezes, diz exatamente o que precisa ser dito: que a paz vale mais do que o orgulho, que nem toda guerra vale a batalha, e que a melhor resposta é a leveza de quem segue em frente.

O mundo em que nos insere é dual: complexidade e aparente simplicidade, um enigma tecido em camadas de transparência e opacidade. Há, sob a aparente banalidade do cotidiano, uma profundeza abissal, quase metafísica, que exige do sujeito uma escuta rara, uma atenção quase contemplativa, para ser intuída. A realidade, portanto, não é aquilo que se mostra à superfície, mas aquilo que pulsa por baixo dela, um subterrâneo de significados que só a sensibilidade desperta é capaz de decifrar. Viver é, nesse sentido, uma arte hermenêutica, que exige interpretação, nuance, abertura ao mistério. Viver é arte do compreender, do aceitar o que não se pode mudar. É saber ressignificar o dia a dia, mesmo diante das circunstâncias. Viver é remendar o tênue do tecido da vida, continua e permanentemente. “O que a vida quer de nós é coragem”, Guimarães Rosa.

Somos simultaneamente espectadores e agentes do real, atores em um palco que se dobra sobre si mesmo, onde o enredo se escreve enquanto o representamos. Neste duplo estatuto de ser e perceber, desenha-se a gênese da autoconsciência. Não nos compreendemos como entidades isoladas, mas como seres móveis e mutáveis em uma rede de forças simbólicas e afetivas, que nos atravessam e nos constituem.

Há um mundo que sobrevive sustentado por ilusões frágeis, tão frágeis que um sopro de consciência é suficiente para fazê-las ruir. Ilusões que não se sustentam por sua beleza, mas pela covardia que teme confrontar o concreto. Nesse mundo, o que se sonha não se crê, o que se deseja não se assume, e o que se pensa se disfarça de leveza para não carregar o peso do comprometimento.

A arte, nossa salvadora contumaz, não é apenas ornamento, mas resistência. É o grito que o silêncio entoa quando não há mais espaço para o óbvio. Cada palavra escrita, cada forma moldada, cada nota composta, constitui um ato de desobediência contra a ditadura da normalidade. A rotina é a liturgia do conformismo, e a repetição, seu cântico fúnebre. Mas, quem pensa, dança fora do compasso, tropeça de propósito, cai em abismos voluntários, apenas para encontrar, lá no fundo, uma verdade que escapa aos olhos acostumados à luz rasa. Porque pensar, também, é ato de transgressão.

O isolamento, longe de ser clausura, é um espaço mágico. Não é fuga, mas mergulho. Um retorno a si, ao âmago onde a dúvida germina como semente fértil. Ali, o ser se reinventa, e o pensar não é mero exercício cognitivo, mas sacerdócio interior. A dúvida, então, não é veneno, mas elixir que alimenta o espírito, o protege da decomposição pela rotina.

Em tempos de muitos decibéis, de máxima exposição, o silêncio é um bálsamo.

(*)




Luiz Thadeu Nunes e Silva é 
Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

Instagram: @luiz.thadeu

Facebook: Luiz Thadeu Silva

sexta-feira, 18 de julho de 2025

CÁ ENTRE NÓS

Foto do autor por ocasião 40 anos da turma de 1972

Aroucha Filho (*)

 

Agosto de 1972, passado as festividades alvoroçadas dos trotes, evento de praxe para receber os calouros do curso de Agronomia, chegou o dia, de reunidos em sala de aula, iniciarmos o nosso S1.

A primeira leitura que fiz dos colegas, em rápida observação, era de jovens ávidos e interessados pelo curso que escolheram.

De outra banda, o perfil de cada um, eram contrastantes, no vestir, no corte do cabelo, etc....  Uns tímidos, outros extrovertidos, apresentavam uma grande heterogeneidade, de indumentárias e de comportamentos.

Ao correr do tempo, a socialização natural da turma foi expandida, formaram-se equipes de estudos, no entanto o entrosamento era amplo e unificado.  No entretenimento, na prática do futebol, foi formado um time forte em valores individuais e coletivo.

Nos tornamos uma turma homogênea e fisiologicamente orgânica, talvez tenha contribuído para isso as soluções químicas com dosimetrias de NOLETO, aliada à fisiologia da Professora DULCE.

O curso seguia, e todos inspirados nos ensinamentos de TRAJANO, já desenhavam seus futuros. O tempo, senhor do destino, com a facilidade didática de VLADIMIR, era possível vislumbrar como tempo firme, sem previsões de trovoadas.

As metas eram fixadas, o norte de cada um era guiado pela topografia de JOSÉ ROBERTO. Sim, nesse seguir rumo ao norte da vida, seriam necessárias várias deflexões, ora à direita, ora à esquerda, conforme a necessidade do momento para corrigir rumos.

No avançar dos períodos, definidos por S1, S2....S8, o estudo das probabilidades indicava: seria um percurso sem grandes desvios padrão, onde a moda se mostrava clara no gráfico de desempenho da turma, dedutível pela percepção estatística tão bem ensinada pelo REINALDO LIRA.

Pisávamos forte o solo em nosso caminhar, conhecíamos seus horizontes, sua acidez, sua fertilidade, se alguma aridez surgisse, os ensinamentos de CÉSAR VIANA nos proporcionariam ferramentas para torná-lo fértil.

A época de produzir com o nosso labor se aproximava com rapidez, tínhamos que ser firmes e competentes. É certo, que nessa hora vem a timidez, a insegurança, daí é preciso sem temor buscar os experimentos do JAIME, os cultivos da TOINHA, a precisão matemática do MUNIZ, e nada poderia ser afetado pela patologia do GILSON. Por isso, uma boa genética, lembremos CARROCA, faz a diferença.

Na zootecnia de MOREIRA LIMA, definiria o plantel como de pelagem variada, porém de caráter PO.

Agora a colheita, as flores, não esqueci a taxonomia do Dr. PLINIO, que me permite, de maneira sistemática classificar essa robusta árvore formada pela TURMA DE JULHO/76, com morfologia perfeita, bela anatomia, excelente genética e de hierarquia linear e horizontal.

Dos ramos que já se desprenderam, minhas saudades e o meu póstumo afeto.

Aos galhos que persistem, florindo e frutificando, o meu carinho, o meu forte abraço e, a minha alegria de compor com humildade essa grande árvore. 1

7/JULHO/2025.

(*)


José Ribamar Aroucha Filho é engenheiro agrônomo aposentado do INCRA, cronista e compositor.

    


 

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Não sabemos a força que temos até precisarmos dela

 

Imagem extraída do Google


Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)

“A vida é aquilo que acontece, enquanto estamos ocupados fazendo planos”, disse John Lennon, assassinado em 08 de dezembro de 1980, em frente ao edifício Dakota, onde morava em NY. O ex-Beatles, foi morto a tiros pelo fã que o perseguia, Mark David Chapman. Lennon não esperava que perderia a vida, de forma trágica, aos 40 anos; ele estava vivendo bom momento da vida, e certamente, não constava em seus planos, morrer tão jovem.

Conto essa história para falar de como as coisas mudam, rapidamente, sem que possamos ter alguma ingerência sobre elas. Papai do Céu não nos deu o dom de sabermos o que vem pela frente.

Manhã de 11 de julho de 2003, abri a janela do apartamento em que hospedava, com vista para o mar, em João Pessoa, PB, e agradecido, fiz uma oração por tudo de bom estava acontecendo. Tomei café, rumei para rodoviária; embarquei para Natal. Meu destino final naquele dia seria Fortaleza, CE.

Ao desembarcar em Natal, o ônibus que me levaria a Fortaleza passara. Fiquei alguns minutos aguardando o próximo ônibus. Começou a chover, embarquei em uma van, na esperança de pegar o ônibus que perdera. A van quebrou e tive que pegar um táxi de linha, comum na região. Próximo da cidade de Mossoró, RN, na BR 304, o motorista do táxi atendeu uma ligação telefônica, perdeu o controle do carro, jogando-o para o lado onde estava sentado. Colidimos com uma carreta, que vinha em sentido contrário. Ao acordar, após o acidente, todo quebrado e ensanguentado, não tinha ideia de que minha vida mudaria para sempre.

Havia planejado encontrar com minha mulher, e meus filhos, Rodrigo e Frederico, para jantarmos naquela noite, em Fortaleza. Com o acidente, tudo o que havia planejado, mudou. Acordei e vi que havia sido roubado, tinham levado: mochila, carteira com documentos e dinheiro; até os sapatos. Ao voltar a mim, não sabia da gravidade do acidente, e o que me esperaria pela frente. Minha vida, a partir dali, não seria mais a mesma.

Removido para Natal, durante a madrugada, fui operado. Houve erro médico, que desencadeou uma série de cirurgia. Durante cinco anos fiquei preso a leitos hospitalares: em Natal, São Luís e São Paulo. Usei aparelho Ilizarov na perna esquerda. Passei por 43 cirurgias, transplante ósseo, cem horas de câmeras hiperbáricas, até debelar a infecção na perna.

Em 2009, livre das cirurgias, adaptado às muletas, sai pelo mundo.

Quando que eu, em minha insignificância, poderia pensar que minha vida daria uma mudança de rota tão radical? Nunca estamos preparados para mudanças bruscas em nossa caminhada, mas elas acontecem a todo momento.

Tinha 44 anos quando ocorreu o acidente. Foram anos difíceis, de muitas provações, de inúmeras adaptações. Mas nós seres humanos somos adaptáveis a tudo.

Após os anos de convalescença, criei um novo mundo, e nele sigo em frente. A vida não dá macha ré, só anda para frente.

Não sabemos a força interior que temos até precisar dela. A necessidade é a mãe da precisão. Caro leitor, amiga leitora, caso você não precise de algo novo, não sentirá necessidade de mudar. Basta colocar no piloto automático e seguir em frente. Agora, se precisar, você encontrará um meio de continuar a jornada.

Viver é arte de superação, de se adaptar às coisas, pessoas e situações, que em tempos normais nem lhe passaria pela cabeça.

Como as andanças pelo mundo, já pisei, com minhas inseparáveis muletas, em 151 países em todos os continentes da Terra. Em outubro, com fé em DEUS, vou conhecer onze diferentes países da África. Assim sigo em minha sina de conhecer esse mundão que Papai do Céu criou.

A vida nos surpreendente a cada instante, não tem roteiro, nada é seguro, quem não tem medo do inesperado, tem que ter asas para voar.

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Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”

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