quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

A Beleza do Natal na Minha Aldeia



 
Presidente hoje - (Imagem de Carlos Magno)


José Pedro Araújo (*)

 

A decoração natalina de Teresina este ano é uma das mais belas que já presenciei na cidade. Encanta-me, sobretudo, o embelezamento das diversas pontes sobre o rio Poty, decoradas com zelo e encanto, cujas luzes multicoloridas refletem nas águas do rio quando a noite chega. E essa quadra, que começa a bem dizer no primeiro dia do mês de dezembro, já nos arrasta para o que chamamos de período natalino, introduzindo a paz no nosso interior que, acalentada pelas músicas natalinas que ouvimos aqui e acolá, só vai se encerrar quando distribuímos os nossos presentes na véspera do dia oficial do Natal. Aí então começa a preparação, emocional, e de fato, para a virada do novo ano que se aproxima.

Presidente Dutra hoje - (Foto de Carlos Magno)



Contudo, as lembranças que inundam a minha mente, são reminiscências de outros natais, e vêm lá do meu torrão natal, do tempo em que a cidade pequenina, pobre, e carente de energia elétrica, restringia as comemorações natalinas, que se davam somente em um dia:  a virada do dia 24 para o 25 de dezembro. A cidade não contava com belas e feéricas decorações como hoje vemos, com gigantescas árvores natalinas instaladas nos principais balões de retornos das avenidas, e coloridas decorações em linha instaladas nos galhos das árvores dos canteiros centrais. Também, não tínhamos luz elétrica, como já falei no início desse parágrafo!

Não são lembranças de grandes ceias natalinas, com fartura de perus com farofa, castanhas, vinhos e outros comes-e-bebes que hoje empurram esses jantares lá para perto da meia-noite, e tornam os mesmo em um dos pontos altos das comemorações. Naqueles tempos aos quais me refiro, o jantar saia no horário de sempre, antecedendo a preparação para nos deslocarmos para a Igreja Cristã Evangélica. A ceia especial daquele dia continha iguarias simples, às vezes perus ou frangos criados nos próprios quintais ou adquiridos através dos vendedores ambulantes que inundavam a rua Grande com suas aves dependuradas em cangas carregadas sobre os seus ombros. Isso acontecia em pouquíssimas casas, porque nas mais pobres, o jantar frugal não mudava muito a sua composição.  

Assim, as lembranças que me veem vívidas e saudosas, são do interior da nossa igreja que, arrumada com antecedência, apresentava-se decorada com extremo bom-gosto e simplicidade.  A árvore de Natal, enorme e muito bem decorada, não continha o brilho das lâmpadas coloridas e piscantes, mas eram tão belas que enviavam os nossos pensamentos para o polo norte; tão atraentes, que esperávamos que, a qualquer momento, Papai Noel adentrasse ao recinto conduzindo o seu trenó arrastado pelas suas renas e soltando o seu característico Oh! Ho! Ho! As árvores natalinas eram fabricadas com frondosas pitombeiras trazidas do campo no dia anterior com cuidados extremos para que mantivesse as suas folhas verdes e brilhantes, tal qual as dos pinheiros dos natais que vemos nos postais. Possuíam de altura, pelo que me recordo, dois metros ou um pouco mais. E ali se transformavam em verdadeiras obras de arte e decoração. As borlas natalinas, só para exemplificar, aquelas mesmas que simbolizam os frutinhos da prosperidade, eram substituídas por cachos de pitomba maduras, amarelos e verdes. As luzes dos Petromaxes irradiavam-se nas fitas e laços espalhados por toda a árvore e, no alto, no topo da árvore natural, simbolizando a Estrela de Belém, brilhava dourada e iridescente uma réplica da estrela em papel laminado, na cor do ouro verdadeiro. O único problema que se tinha, era que a árvore precisava de um vigia para protegê-la da meninada, que tentava, a todo o custo, antecipar a retirada dos cachos de pitomba e os pacotinhos em formato de presentes. Enfim, tínhamos uma belíssima árvore natalina para alegrar a nossa festa, utilizando somente o material simples que tínhamos à nossa disposição.

Entretanto, o ponto alto das comemorações era mesmo o auto-de-natal, uma representação teatral cujos atores e atrizes eram membros da própria igreja. Os ensaios desses autos levavam dias e dias, às vezes meses, de modo a ficarem impecáveis, sem falhas. Eu mesmo fui ator em algumas dessas apresentações, em uma delas, vesti-me de mendigo, para deslumbramento ou compaixão da minha mãe que chorava na paleteia. Ela, aliás, era uma das produtoras das peças apresentadas na igreja, tanto no Natais quando no Dia das Mães.

Naquelas ocasiões, a população da cidade acorria quase na sua maioria para o templo iluminado e festivo, deixando o seu interior, e o exterior à sua volta, repleto de gente feliz. Uma grande cortina ocupando toda a largura do templo, controlada por dois operadores, um de cada lado, abria e se fechava entre um ato e outro, como verdadeira cortina-de-boca. E no alto, sobre a plataforma onde nos cultos normais se estabelecia o púlpito, utilizada para dar visibilidade para todos os presentes na plateia, os atores representavam os seus personagens, orgulhosos e emocionados, trajando munidos dos seus figurinos característicos, representavam os personagens descritos na história bíblica no nascimento de Jesus. A plateia delirava e se deleitava com a beleza do espetáculo que durava horas até, sem que ninguém arredasse o pé para não perder nenhum ato da encenação. Tudo isso abrilhantado por um coral que entoava cânticos de Natal durante os entreatos, impondo mais beleza ao espetáculo que acontecia. Que delirante e belo espetáculo!

São essas lembranças que me ocorrem todos os anos neste período de festividades em honra ao menino Jesus! Não tínhamos neve, nem muito menos luzes fosforescentes e coloridas para enfeitar a nossa pequena cidade, mas tínhamos um Natal tão lindo e emocionante quanto o que se vê nas cidades mais frias mundo afora. FELIZ NATAL para todos!

Presidente Dutra hoje - (Imagem de Nardone)
(*) 


José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.


sábado, 20 de dezembro de 2025

Sou passageiro do tempo

 



Luiz Thadeu Nunes e Silva (*) 

Aprendi com o tempo que a coisa mais importante da vida é o tempo da existência.

Por isso, fiz um pacto silencioso com ele; deixei de tratá-lo como inimigo ou divindade, e ele, em retribuição, deixou de medir meus dias com a régua da pressa. Tê-lo como um inimigo é perda de tempo. Como não posso vencê-lo, aliei-me. Já não o imploro nem o temo, apenas o escuto respirar no intervalo entre um pensamento e outro. O tempo, compreendi, não passa, ele habita: está nas frestas das horas, nas rugas que se abrem como margens de um rio antigo, nas pausas em que o instante se reconhece eterno.

Embora vivo de olho no calendário, procuro aproveitar melhor sua presença. Cada segundo, quando vivido por inteiro, contém uma eternidade invisível. Não busco alongar o dia, busco alargar a consciência dele. E assim, entre a serenidade e o espanto, caminho em direção ao desconhecido com a leveza de quem já se reconciliou com a finitude. Isso é sabedoria e me acalma. Coisas aprendidas no outono da vida, quando a testosterona arrefece.

Quando, enfim, o tempo e eu nos encontrarmos, não haverá ajuste de contas, apenas um aceno cúmplice, como dois viajantes que se reconhecem por terem partilhado o mesmo silêncio.

Tento viver o presente, embora tênue e fugidio. O presente é fugaz. É como água que pego com as mãos e escorre entre os dedos.

No amanhã, invisível e desconhecido, moram milhares de possibilidades, e eu não digo 'nunca' pra nenhuma delas. Eu escolho alguns caminhos, evito outros. Preferencialmente os mais leves e doces. Sou homem de fé. Nasci otimista. Eduquei o olhar para as belas coisas da vida. Mesmo diante das adversidades, que são inúmeras, mantenho a fé no DEUS vivo. Sempre creio que dias melhores virão. Tudo passa: o bom e o ruim. Premente ter equilíbrio para não ficar eufórico nos dias bons, e sorumbático nos dias ruins.

“Ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância”, cito Simone de Beauvoir. Acrescento, também, as minhas necessidades e minhas relações. A minha cultura e as mudanças em meu corpo, tudo devo ao tempo. Desfaço o meu passado hoje, deixando em mim a liberdade e o livre arbítrio para seguir em frente, na vã esperança de que não sou escravo dele.

Não sou projeto pronto, sou construção e aprendizado constante. No outono da vida, continuo sedento de conhecimentos. Me encanta o novo. Meu tempo é hoje.

Tudo muda a cada esquina. “Só eu sei as esquinas por que passei…..

Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar”, cantou Djavan.

Hoje, com a serenidade e segurança que só a passagem do tempo me trouxe, digo: não cheguei até aqui para ser cópia simplificada e reduzida de mim mesmo. Chego aos 67 anos, completado hoje, 07 de dezembro, como minha melhor versão, atualizada e revisada.

Quando alguém me pergunta quanto anos tenho, respondo: depende. Tem dias que acordo com 80 anos, em outros com 20. Sei, apenas, que habita em mim, uma criança, um garoto, um adulto e um velho, que aprenderam a conviver em harmonia e respeito na mesma jornada, cada um a seu tempo.

Como Giramundo, ando pelo mundo, como forma de superar os cinco anos sem caminhar, e 43 cirurgias que tive que me submeter após o grave acidente que sofri em julho de 2003. Gosto do mundo, dos humanos que encontro por onde ando. Tenho olhos de “Poliana”, enxergando sempre o belo. Sou rico, muito rico: tenho saúde, tempo para aproveitar as boas coisas da vida, dinheiro para realizar desejos, amigos generosos e amáveis. Filhos sadios, Rodrigo e Frederico, partícipes e cúmplices. Um neto lindo, Heitor, que aos onze meses, está descobrindo o mundo, e me fascina acompanhar suas descobertas. Heitor é a renovação de minha genética. Enfim, tenho tesão pela vida, essa coisa mágica, bárbara, fascinante, surpreendente e misteriosa.

Coisa boa de se envelhecer é não precisar ser perfeito, não querer agradar a todos, não ser dono da razão. Precisa apenas aceitar as coisas como são. “Quando não podemos mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos”. Viktor Franki, neurologista austríaco.

Todos os dias, aprendi, mesmo com os altos e baixos, é obrigatório: refazer, recomeçar, reconstruir, resinificar e seguir em frente.

A vida, esse enigma que se desdobra em silêncios e tumultos, “o que exige de nós é coragem” João Guimarães Rosa.

O tempo não envelhece a alma de um sonhador. Todos os dias, ele me manda desistir, mas como sou teimoso, desobedeço. Aos 67 anos, a vida não me cansa porque ainda tenho muita coisa boa para fazer, aprender e realizar.

Vamos em frente! Um brinde à vida.

(*)


Luiz Thadeu Nunes e Silva é 
Engenheiro agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

Instagram: @luiz.thadeu

Facebook: Luiz Thadeu Silva

E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br


sábado, 29 de novembro de 2025

Despedida do frio

 

Leusden - Holanda (Google)

Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)

 

 

Tarde fria do outono europeu. Estou em Leusden, pequena cidade holandesa. Faz 3° graus lá fora. Da janela do quarto vejo uma garoa fina que começou pela manhã. Árvores desfolhadas, folhagem por calçadas e ruas.

Arrumei a mala; amanhã começa meu retorno para o Brasil, após trinta e três dias visitando países da Europa e da Ásia. Como Giramundo, pisei em 15 países, sendo onze novos, que ainda não conhecia. Chego à marca de 162 países visitados em todos os continentes.

A Holanda, derradeiro destino desta epopeia, é um país fascinante e surpreendente. Com pouco mais de 20 milhões de habitantes, é um dos países mais densamente povoados do mundo, com mais de 400 habitantes por km².

Fugi dos grandes centros, estou hospedado em Leusden, pequena cidade cercada por fazendas. Hoje acordei com o cantar do galo, algo que não ouvia fazia tempo. Terra das bicicletas, minha anfitriã, Fernanda, vai buscar leite, ovos, queijo, de bike. Maravilhoso. Algo especial para mim que fui criado junto à natureza, no sítio dos meus avós paternos, e que perdeu esse ar bucólico com o tal “desenvolvimento”.

Quando comecei a planejar a viagem no meu período de férias, a ideia inicial era visitar 13 países da África.

Mapa mundi nas mãos, juntamente com o amigo Ivan Zanella, íamos traçando o roteiro dos países a serem visitados. Durante uma semana, quebramos cabeça para montarmos o roteiro. Mas as complicações fizeram desistir da África e optar pela Europa e Ásia. Era preciso tirar muitos vistos para os países africanos, além de guerrilhas, o que gera insegurança, e do problema do ebola. Com tudo contra, optamos pelo roteiro que fiz nestes trinta e três dias.

Visitei países fantásticos, que não sabia que iriam me surpreender. A ideia Islândia, último país europeu que faltava para fechar todos do Velho Mundo. Desembarquei em Reykjavik, temperatura de 1°, após uma nevasca dias antes. Ruas cobertas de gelo.

Embarquei para a Ásia. Dos 15 países que formavam a ex-União Soviética: Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Estônia, Geórgia, Quirguistão, Letônia, Lituânia, Moldávia, Rússia, Tajiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão, -esses países tornaram-se independentes após a dissolução da URSS em 1991. Já visitei 14 países, só não conheço o Turcomenistão.

Nesta maratona visitei Baku, Azerbaijão; Dushanbe, Tajiquistão; Tashkent, Uzbequistão; Bishkek, Quirguistão; Almaty, Cazaquistão.

Além de visitar Ulan Bator, Mongólia, a capital mais fria do mundo. Peguei frio de 18 graus negativos, quando a temperatura, em algumas épocas do ano, chega a 40 graus negativos.

Agora é hora de voltar para casa. Sigo de trem de Leusden para Amsterdam, onde embarco para Lisboa, apenas conexão. Atravesso o Atlântico e desembarco em Fortaleza. No dia seguinte sigo viagem para São Luís do Maranhão, minha caliente Ilha do Amor, terra de encantos e magia. Me esperam 32°. Frio é bom, mas nordestino gosta mesmo é de calor.

Como uma viagem nunca acaba, agora é viajar nas lembranças e memórias de dias que já entraram para a história.

(*)

Luiz Thadeu Nunes e Silva  é Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

Instagram: @luiz.thadeu

Facebook: Luiz Thadeu Silva


quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Outros verões virão

 

Imagem extraída do Google

José Pedro Araújo (*)

 

Esses dias que correm são de uma malvadeza tremenda. Refiro-me ao tempo, não a outros problemas da vida atual. E então me pergunto se o tempo já era assim, tão desumano, quando eu ainda era uma criança. No velho Curador, correndo descalço pelas ruas incandescentes e poeirentas, ou embrenhado na mata em busca de passarinhos, não me lembro de meu corpo padecer tanto quando nos dias atuais. O calor terrível que hoje me martiriza, já era tão grande assim, quando não havia a presença do ar-condicionado, e nem mesmo de um ventilador? Não sei responder a essa pergunta, pois as imagens que me vem à mente são de um frescor consolador. Além do mais, quando o sol castigava demais, sempre havia o riacho Firmino ou mesmo as pequenas lagoas que se formaram às margens da rodovia recentemente construída, a nos fornecer as suas águas dadivosas, espantando para longe o calor.

Dávamos como certo, que neste mês de novembro, as primeiras chuvas já apareciam por lá. Esparsas, talvez três ou quatro borrifos que mal dava para aplacar o calor do vento e faziam com que a terra se tornasse mais agradável de se pisar. Mas elas sempre estavam por ali. Dois de novembro, então, Dia de Finados, quando choramos os nossos que partiram, era um desses dias em que já se saia de casa com um guarda-chuvas nas mãos, pois havia a certeza de que o céu derramaria água sobre a terra. Pois os últimos dois de novembro têm fugido a essa regra. Nada de chuvas, apesar de algumas nuvens escuras terem ocupado espaço no firmamento, para depois seguirem mansamente em direção ao oeste, sem derramar uma gota sequer.

Nesse tempo também, os agricultores da minha região já haviam preparado as suas roças, feito a derrubada de praxe da mataria, e até aproveitavam-se do tempo seco para atochar fogo na galharia ressecada. Quanto aos retardatários, aqueles que não confiavam na regra imposta, arrependiam-se de não terem tido a cautela de praxe, e se preparavam para os próximos dias de estio, quando então também tacavam fogo nas suas derrubadas. Era isso, ou corriam o risco de perderam o tempo ideal, pois as chuvas do final do mês já vinham mais intensas e amiudadas, impedindo que as árvores caídas secassem e aceitassem o fogo que iria contribuir para a limpeza do terreno, preparando-o para receber as sementes.

Hoje em dia, não sabemos ao certo quando as chuvas cairão, molhando a terra e refrescando o ar. Os meteorologistas até já se aproveitaram do You Tube para divulgar as suas notícias sobre o clima, mas nem sempre acertam. Estão sempre procurando explicações nas condições climáticas para justificar os seus erros. Hoje, por exemplo, teríamos um pouco de chuva aqui em Teresina, diziam, coisa leve, mas que deixaria o ar mais respirável. Até vi algumas nuvens brigando contra o sol desde o começo da manhã, mas não creio que as minhas plantas venham a receber a dádiva da água caindo sobre elas ainda no dia de hoje. E à tarde, e até na primeira parte da noite, o calor vai se acentuar e nos torturar. Essa é outra diferença que sinto. Parece que a cidade se aquece muito mais quando o sol vai embora e a noite se derrama sobre ela. Nunca vi nada igual. O calor às oito da noite é mais intenso do que a temperatura que tivemos às três da tarde. Por quê? A pergunta que faço é para mim mesmo, não quero uma resposta dos ambientalistas ou de seus contrários. Já chega de ouvir sandices de um e de outro lado. Mas de uma coisa eu tenho certeza: a manhã esteve um pouco mais fresca que as dos dias anteriores. Bastou uma ameaça de chuva para o calor amainar e o vento derramar sobre nós um leve frescor.

A cada ano que passa clamo mais pela chegada das chuvas. Olho para o nascente com a esperança de que de lá venha uma nuvem carregada de gotas de água para serem derramadas sobre a cidade que se debate tristemente entre o calor e a esperança. Enquanto isso, vamos sofrendo também para honrar os elevados boletos que a empresa energética depositou na nossa caixa de correspondência. A conta da água também sofre uma grande elevação nesse período, chegando quase a dobrar. Ainda bem que não precisamos ligar o aquecedor de água, pois o líquido já desce do chuveiro tão quente que temos que praticar um grave desperdício, deixando que ela escorra por um bom tempo até se tornar mais acessível. 

Voltando ao meu velho Curador, recordo-me ainda de que a água que usávamos para tomar banho, e que era coletada no poço que tínhamos no nosso quintal, era mais fresca e não nos queimava o cocuruto como a que sai da tubulação que abastece a nossa rua. Eram tempos difíceis, sem água encanada, sem energia elétrica durante o dia, mas parece que convivíamos mais facilmente com o clima.

É certo que o período de chuvas, ou os invernos, como chamamos por aqui, trazem também os seus infortúnios, como as nuvens de muriçocas que invadem as nossas casas, a queda da energia que nos deixa no escuro, os alagamentos, até mesmo as ventanias que muitas das vezes nos causam sérios problemas. Mas nada rivaliza com as temperaturas escaldantes que nos afligem nos dias atuais. E é por isso que olho para o levante todos os dias na esperança de que aquela nuvenzinha fraca que se forma se junte às suas colegas e formem nébulas carregadas de água. Conto os dias para que isso aconteça.

E quando o inverno vem, fico a contar o tempo, preocupado de que o verão logo voltará. Teremos novos verões em breve, é o que me vem à cabeça. E olha que eu não planto roças, não crio animais, não faço nada disso. Imaginem só se eu me preocupasse com a sede dos meus animais ou com a secura dos meus roçados!

Acontece, como dá para notar, que sou um admirador da chuva, daqueles que invocam um dia chuvoso como “um belo dia”, e não como um “dia feio”, como costumam proferir os sulistas.  Daí, também, ir na contramão dos irmãos Goncourt, escritores franceses citados por Montello no seu ótimo Diário Completo, quando dizem que “Na província, a chuva é uma distração”, para destacar o tédio ou falta de ocupação dos provincianos. De minha parte, prefiro humildemente admirar o fenômeno natural como uma das mais belas oferendas da natureza para os seres humanos. Para mim, é como se gotas de prata estivessem sendo lançadas do alto para enriquecer os meus dias.

Porém, as notícias que acabo de ler no jornal local é de que Teresina terá uma semana de intenso calor e baixa umidade. Porque eu fui dirigir o meu olhar para o You Tube!

(*)


José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.    


sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Pelo mundo; um café em Varsóvia

 



Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)

Luiz Thadeu em Varsóvia, Polônia.

                                                                                                          Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)


Terça feira, 04/11, desembarquei em Varsóvia, Polônia, vindo de Reykjavík. Este é o quarto país que visito nesta trip. Já passei por Lisboa, Portugal, Amsterdam, Utrecht, Leusden, Haia, na Holanda; Reykjavík, Islândia. Tive sorte no curto tempo que estive na Islândia. Dois dias antes de desembarcar na gélida Reykjavík, teve uma nevasca, com 50 centímetros de neve, coisa que não ocorria no país, neste mês de novembro, há 50 anos. Caminhei por uma Reykjavík com gelo derretendo em ruas e calçadas. Cuidado redobrado para quem se locomove com muletas. O aeroporto de Reykjavík fica a 60 km do centro da fascinante cidade. Deu para conhecer a grande ilha, os lugares mais distantes conhecerei em uma próxima viagem. O Velho mundo me fascina. A Europa com seus 50 países, tem arte, história, gastronomia, experiências e pessoas interessantes. Como diz o amigo Francisco Brandão, português com coração brasileiro, “A Europa é um grande museu”.

Na Holanda, visitei Haia: almocei com amigos queridos, visitei a Casa de Maurício de Nassau, que tem muito a ver com nossa história.

Varsóvia, com seus dois milhões de habitantes, cosmopolita e efervescente, pulsa o moderno ao lado do passado. Musical, tem artistas de rua, espalhados pela cidade. A Polônia, localizada ao lado da Ucrânia, já recebeu mais quatrocentos mil ucranianos, que se refugiaram em suas cidades, fugindo da famigerada guerra com a Rússia. Em 2018 tive a oportunidade de visitar Kiev, e andei por praças, ruas e avenidas arborizadas e bem cuidadas. Nunca imaginei tamanha barbárie por causa de uma mente doentia como a de Wladimir Putin. Assistir pela TV as cenas horripilantes da guerra é muito triste. Escrevo de um Café, no centro comercial e econômico de Varsóvia, que em nada lembra que tenha uma guerra sangrenta tão perto.

Observo o frenesi das pessoas, aturdidas em seus afazeres. Um casal à minha frente, a sorrir, com o frescor da jovialidade. Um senhor solitário, a ler calmante o seu jornal, atualizando-se sobre as mazelas de dias loucos. Uma senhora com seu cachorro, ambos agasalhados do frio, não parecem preocupados com o seu entorno. Um jovem, cabelos ruivos, alargados nos lóbulos das orelhas, Piercing no nariz, lembra índios da Amazônia. O termômetro marca 8 graus. Gosto de frio, vou tomar mais um café e checar a planilha das novas viagens que planejei.

Gosto do Velho mundo, da calmaria de sentar-se em um Café, sem a neurose com preocupação que toma conta de nós brasileiros, inseguros em qualquer lugar de país chamado “Brasil”, abençoado por Deus e bonito por natureza, mas que a cada dia fica mais violento. As mazelas do Brasil vistas de longe nos tornam cada vez mais feios.

Amanhã me despeço da Europa, sigo para a Ásia, o continente exótico e populoso, que mais me encanta. Primeiro vou para Azerbaijão, com sua capital Baku, planejada e cada vez mais ocidental. Depois visito oitos novos países.

(*)

Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter, autor do livro “Das muletas fiz asas”.

Instagram: @luiz.thadeu

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sábado, 11 de outubro de 2025

A infância é uma coleção de memórias

 

Imagem by Google

Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)

 

Há dias tenho me pego com a cabeça no passado. O tempo, esse senhor indomável, que leva tudo para a frente, tenta apagar coisas vividas. Ainda bem que existe a memória, que teima em trazer para trás as boas recordações. O tempo leva todas as coisas, tudo na vida é passageiro e impermanente, e o tempo é o fator que transforma, destrói e apaga tudo ao seu redor, inclusive memórias e momentos que parecem eternos. Mas, “a gente tem sede de infinito e de permanência, então, esse ser que assegura a permanência das coisas, é que eu chamo de Deus. É o absoluto”, Adélia Prado.

Por se aproximar do final do ano, desacelerei um pouco, me isolei. Sempre que posso, faço meditação, para acalmar a mente. Tenho me lembrando da época em que fui menino. Resgatei, por uns instantes, a criança que há dentro de mim. Lembrei de minha mãe, que partiu cedo. De sua vida agitada, três turnos de trabalho como professora. De sua correria com os seis filhos. Dos presentes que ganhávamos nesta época do ano. Da alegria de desembrulhar: carro de fricção, bola, ferrorama, forte apache, soldadinhos de chumbo, futebol de botão.

Recordei tempos felizes, em que o quintal de casa era o meu mundo, de tão grande. Nele cabiam todos os meus sonhos. Lá, apanhava fruta no pé, criava coelhos, preás, codornas, peixes e jandaias. Além do cachorro pastor alemão, Ringo. Fui menino com “bicho no pé”, de tanto andar descalço. Gosto do cheiro de terra molhada, gosto de chuva. Na enxurrada, colocava barco de papel, que seguiam na sarjeta da rua. Empinei papagaio. Construí pipas, com papel de seda e talos de bambu; joguei bolinha de gude e pião.

Quantas vezes me deitei no chão, a observar o céu; e em noite de lua cheia, vi “as três marias”, estrelas a iluminar o infinito. Sempre tive os olhos voltados para o azul do céu. Gostava e ainda gosto de olhar para o céu e imaginar os desenhos que surgem com o balé das nuvens. Sou sonhador, minha matéria prima são os sonhos. No outono da vida, no dia que não sonho, não existo. Hoje, sei que riqueza mesmo é ter tempo para parar, e viajar nas recordações de um tempo, que para mim era sem pressa.

"A infância não é um tempo, não é uma idade, é uma coleção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. Não é apenas um estágio para maturidade. É uma janela que, fechada ou aberta, permanece viva dentro de nós, cito Mia Couto.

Quando menino, pensando como seria o futuro, adiantei o tempo, querendo ser adulto. Foi o desejo mais estúpido que tive. Como é sagrado ser criança.

Mesmo velho, sigo feliz, pois o menino que existe em mim, teima em revisitar-se sempre. Como o tempo só anda para frente, neste 12 de outubro, convencionado “Dia das Crianças”, vejo em meu neto Heitor, de nove meses, a vida seguir seu curso. Oxalá, meu neto usufrua de cada momento mágico chamado infância.

(*)


Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”

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E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br


terça-feira, 7 de outubro de 2025

Viajar é viver

 

Imagem do Google

Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)

 

Setembro se despede, - um mês ameno, um mês a menos. Calçadas de minha Ilha do Amor estão coloridas, forradas com as flores que caem dos ipês e flamboyant. Gosto de setembro, época do ano que o vento sopra mais forte. “Ventos alísios que sopram das altas pressões subtropicais em direção à baixa pressão equatorial”, escutei da moça do tempo no jornal matinal de TV. Caminho pelo centro histórico de São Luís, sentindo o vento açoitar meu rosto e desalinhar a cabeleira. Paro em uma sorveteria, para degustar um sorvete de coco queimado. Verdadeira iguaria. 

No mormaço de uma tarde quente, do interior da sorveteria vejo transeuntes apressados, e me indago: para que tanta pressa, se o futuro é o encontro com a libertina. Observo jovens senhoras a segurarem saias e vestidos para o vento não revelarem intimidades. 

Gosto de setembro, pois começo a desacelerar, pela aproximação do final de mais um ano, quando nos preparamos para as festas natalinas. 

No derradeiro dia de setembro recebi uma mensagem do jovem português, Natanael P. Ribeiro, que conheci em uma noite fria de setembro, em 2019, em Malta, pequeno país europeu. 

Havia desembarcado em Vatetta, capital da charmosa Malta, no início da tarde. Fazia um frio gostoso, especialmente para um nordestino que não gosta de calor. 

O transfer levou-me do aeroporto para o hotel no centro da cidade. No check in, fui informado que não havia mais apartamento disponível para pessoa com deficiência. 

Enquanto estava na recepção do hotel, um jovem se aproximou. Falando português, disse para a recepcionista que poderia trocar de cômodo, já que estava em um apartamento adaptado. Logo entabulamos conversa. Enquanto guardava a bagagem no apto, ele saiu e trouxe cervejas, que tomamos, regadas a muitas e boas conversas. Natanael, nascido em Pinhão, Vila Real, norte de Portugal, trabalhava na Alemanha, e assim como eu, ama viajar. “Foi conversa pra mais de metro”, como dizia meu saudoso pai, Luiz Magno. 

Desde então não tive mais notícias de Natanael. Mas, no último dia 30 de setembro, ele me enviou uma mensagem dizendo que estava em Katmandu, Nepal. 

Conheço Katmandu. Lá estive em 2018, em uma trip pela Ásia. Quando comecei a viajar pelo mundo, uma das cidades que mais gostaria de visitar era a capital do Nepal. Ainda adolescente li um livro, cujo protagonista era um jovem nepalês, que foi para a Inglaterra estudar medicina. E, o mais interessante que, ao concluir a faculdade, retornou para o Nepal, pois tinha dívida de gratidão com seus patrícios. Aquela história nunca me saiu da cabeça. Quando finalmente pisei em Katmandu, homem feito, aos 60 anos, a emoção foi enorme. Quantas boas memórias me assaltaram. Lembrei do livro, me revisitei menino outra vez. 

Aos 32 anos, a amigo Natanael, está desde janeiro em viagem pela Ásia. Com mochila nas costas, desapegado e despojado, vive sonho de descobridor, dos antigos portugueses, desbravadores dos sete mares. 

Tailândia, Filipinas, Malásia, Laos, Camboja, Vietnã, Mianmar, Índia, Sri Lanka, Nepal, Bangladesh, países por onde Natanael tem andado, visitei tempos atrás, antes da pandemia. Lugares fascinantes e surpreendentes, que sempre me alegra quando volto. Em outubro embarco para a Ásia, onde visitarei novos países. Com as bençãos de Papai do Céu, e com planejamento rígido, minhas muletas e eu, vamos caminhar pelo Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão e Mongólia, terra de Genghis Khan. 

Viajar é colecionar memórias e registrar tudo com os nossos corações ao longo do caminho. Viajar é viver. 

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Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”

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