segunda-feira, 25 de novembro de 2024

LAMPIÃO NÃO MORREU?

 

Lampião, Maria Bonita e seu bando (Fotografia extraída do Google)

José Pedro Araújo(*)

Estive anos atrás em Serra Talhada, município pernambucano no qual nasceu o rei do cangaço, e verifiquei que a imagem de Lampião está cada vez mais viva, especialmente entre os mais jovens. E se no passado os fãs do rei da caatinga eram pessoas pobres, desprotegidas e acossadas pelos coronéis, hoje seus adoradores são pessoas bem postadas na sociedade, esclarecidas, a algumas até mesmo portadoras de diploma universitário. Um desses cidadãos, Anildomá Wilians de Souza, é escritor e vivia da exploração da imagem e da venda de seus livros sobre o maior bandoleiro nordestino. Além disto, percorria os sertões ministrando palestras sobre o seu tema predileto, enquanto continuava suas pesquisas por todas as cidades e povoados por onde andou Lampião. Presentemente, até mesmo um filme sobre a morte de Lampião foi produzido, com roteiro do escritor Anildomá, denominado O Massacre de Angicos – A morte de Lampião.

A bela e pujante cidade de Serra Talhada, assim como outras cidades como Piranhas, em Alagoas, e Angicos, em Sergipe, até já conta com um museu sobre o rei do cangaço. Ali, além de uma monumental exposição de fotos e de alguns adereços do cangaceiro, são também comercializados livros, chaveiros, literatura de cordel e pequenos objetos de cerâmica com a imagem do mais famoso bandoleiro da caatinga. Existe até mesmo uma fundação (Fundação Cultural Cabras de Lampião) cujo objetivo único é perpetuar a imagem do cangaço e de seus principais líderes, notadamente os mais famosos e conhecidos, como Jesuíno Brilhante e Sinhô Pereira, e de seus precursores, Lampião e Maria Bonita, Corisco e Dada, seus sucedâneos mais importantes. Esse grupo de divulgação, composto por jovens serra-talhadenses, apresenta-se nas cidades nordestinas do interior, e até mesmo em algumas capitais, paramentado com vestes de cangaceiro e dança o popular xaxado, ritmo musical apreciado pelos bandoleiros na época. Têm feito esses jovens muito sucesso por onde andam. A pré-citada fundação também desenvolve uma vasta programação sobre o tema cangaço, como Tributo a Virgulino, com apoio do Ministério da Cultura, programação esta levada a efeito em Serra Talhada em julho de 2024.

A minha surpresa foi maior porque, há mais de quarenta anos, visitei Serra Talhada pela primeira vez e nessa época não ouvi uma só referência ao famoso bandoleiro. Notei até mesmo um misto de repúdio e vergonha quando se citava o nome do conterrâneo famoso. O que mudou daquele tempo para cá? Qual a razão dos jovens de hoje venerarem tanto a figura do rei do cangaço, se não conhecem ninguém que tenha pertencido ao bando dele?  Talvez esteja em andamento um processo para tentar resgatar a imagem do bandoleiro, uma revisão da sua história sendo construída. É certo também que algumas pessoas têm se assenhorado da imagem do cangaceiro com o intuito de obter vantagens econômicas e políticas. Somente assim posso entender por que tantas pessoas têm se empenhado no resgate da imagem do cangaceiro bem melhorada, e tantos jovens passaram a se interessar hoje pela história do cangaço e de seus principais personagens. Mas, pelo que entendi, não somente os jovens têm se interessado pelo tema, uma prova cabal desta afirmação, é que em 1991, no dia 07 de setembro, a população de Serra Talhada foi às urnas em plebiscito para decidir uma questão simples: era Lampião herói ou bandido? A pergunta surgiu porque um vereador da cidade queria que o município mandasse erigir uma estátua do cangaceiro. E como estátua só se manda erigir para os heróis, decidiram-se lançar mão de uma consulta pública para responder à pergunta. E lá se foram os cidadãos às urnas para responder à questão.

E, pasmem: 79% dos votantes decidiu que Lampião era um herói das caatingas nordestinas. As atrocidades cometidas por ele pelo seu grupo de cangaceiros sanguinários, com a invasão de várias cidades e povoados para saqueá-los, e a morte de tantos inocentes tombados por ocasião dessas refregas, havia caído no esquecimento, e somente a nova matriz com a sua imagem de pobre homem perseguido pelos poderosos veio à tona e passou a vigorar entre os mais novos cidadãos de Serra Talhada.

Chama atenção nesse assunto, que a quantidade de livros lançados com esse tema vem aumentando muito nesses últimos anos. Pesquisadores famosos como Frederico Pernambucano de Mello, da Fundação Joaquim Nabuco, autor, a nosso ver, do melhor livro sobre o cangaço e suas motivações, intitulado Guerreiros do Sol, tem se dedicado sem descanso em busca de novas pistas e de respostas para o tema que tanto atrai o povo nordestino. Acredito que sejam esses novos autores, que vieram se somar às dezenas de outros mais antigos, a principal razão do florescimento da história do cangaço no seio do público jovem nordestino. É bem verdade que o tema é por demais instigante, uma vez que esses “bandoleiros das selvas nordestinas”, como tão bem cantou o poeta, são parte da nossa história, e sua saga não deve ser esquecida. Antes, deve-se tirar dela exemplos importantes de como não se deve proceder em relação às classes menos favorecidas.

Se fizermos uma comparação com o passado, encontraremos também em outros países, bandoleiros famosos que tiveram a sua imagem reconstruída, banhada e enxaguada, até deixarem-nas com um aspecto mais aceitável, e até mesmo com um brilho épico. Uma história atraente, por fim, e que fosse levada àqueles que não viveram à época de suas estrepolias perversas. Vejam-se o caso de Robin Hood, bandoleiro que, conforme se passou a divulgar, habitava as selvas da Inglaterra (Floresta de Sherwood). Diz a lenda, que assim como Lampião, esse indivíduo entrou para o mundo do crime para vingar a morte do pai, passando a roubar dos ricos para distribuir com os pobres. Billy the Kidd, Jesse James e seus irmãos, além de Bufallo Bill e Doc Hollyday, são bandoleiros famosos que foram incensados pelo cinema americano até se transformarem em heróis da colonização do velho oeste. Viraram mitos. Quanto às suas vítimas, esses nem se lembram aonde seus corpos estão sepultados.

Do mesmo modo, os nossos historiadores passaram um corretivo na história manchada com muito sangue e transgressão das leis vigentes, para dar nova vida, agora com mais glamour, aos personagens do cangaço. E assim ressuscitaram o velho bandoleiro da caatinga. Encerro dizendo que, em apenas dois estados nordestinos, Lampião e seus cangaceiros armados, nunca puseram os pés: Piauí e Maranhão. Se bem que tempos atrás alguém andou publicando textos na imprensa piauiense para afirmar que Lampião andou certa época pela região de Picos. Não apresentaram, porém, provas fidedignas das suas novas descobertas. E nunca mais se falou sobre o assunto.

(Texto publicado anteriormente em 19/01/2015. Ampliado e corrigido).

(*) José Pedro Araújo, é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.

 


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