segunda-feira, 30 de julho de 2018

A HISTÓRIA DE PRESIDENTE DUTRA – O Curador muda de nome (Parte 18)




Antes mesmo de terminar o primeiro ano de mandato, e em decorrência de projeto de lei apresentado pelo Deputado José Martins Dourado, cunhado de Ariston Léda, o município de Curador teve o seu topônimo alterado através da Lei 208/48, de 18 de dezembro de 1948, para Presidente Dutra. O Governador do Estado, com o apoio do Prefeito municipal do Curador, homenageava assim o Presidente da República Eurico Gaspar Dutra que visitava o estado pela primeira na qualidade de Presidente da Republica.  Foi uma tentativa de angariar recursos para o Estado e para o próprio município. A imprensa noticiou na época que o Presidente da República havia enviado a planta de um grupo escolar para o município, além da soma de duzentos e cinquenta mil cruzeiros.
Portanto, é certo que o município recebeu recursos para a realização de diversas obras de infraestrutura. Ganhou ainda um jipe Willys que, afirmam os oposicionistas da época, foi utilizado de uma forma diferente daquela para a qual fora destinado.
O Presidente Eurico Dutra destinou ainda a importância de cinquenta mil cruzeiros através de doação do Presidente do Banco Nacional de Descontos, Radler Aquino, para a construção do Campo de Aviação de Presidente Dutra. Para a conclusão do Convento das Irmãs, que passava por grandes dificuldades financeiras para concluir a obra. E outros dez mil para a paróquia de São Sebastião, na pessoa de Frei Carmelo.
Ao primeiro prefeito eleito sobrou a responsabilidade de começar tudo do zero, como a aquisição do prédio onde iria funcionar a prefeitura municipal, por exemplo, e a instalação dos serviços do novo município. Instalou ainda as agência Postal-Telegráfica e a Agência Municipal de Estatística, e trabalhou na abertura de novas ruas e estradas ligando os principais povoados à sede. Foi na sua administração também que se construiu a ponte sobre o rio Preguiças, na antiga estrada que ligava Presidente Dutra a Tuntum, principal povoado do município, além da construção da pista de pouso de aviões da cidade, cujos recursos já informamos acima a sua origem.
Governava o país depois do longo período ditatorial denominado “Estado Novo”, o General Eurico Gaspar Dutra, escolhido através de sufrágio direto e secreto. Ficaria no poder de 01.02.1946 a 31.01.1951.
O Maranhão era governado pelo industrial codoense Sebastião Archer da Silva, empossado no dia 14 de abril de 1947. Todavia, devido a uma das muitas licenças em que se beneficiou o Governador Archer, coube ao presidente da Assembleia Legislativa do Estado, Alcindo Cruz Guimarães, sancionar a lei 208/48 com a mudança de topônimo do município de Curador.(Abaixo, texto da lei com a mudança do topônimo).

LEI Nº 208, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1948

                                   Dá outra denominação ao atual município de Curador.


O Governador do Estado do Maranhão.
Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembleia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º - O atual município de Curador, passará a denominar-se Presidente Dutra.
Art. 2º - Revogam-se todas as disposições em contrário.

Mando, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da presente lei pertencerem, que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nela se contêm. O Secretário de Estado dos Negócios do Interior, Justiça e Segurança a faça imprimir, publicar e correr.

Palácio do Governo do Estado do Maranhão, em São Luís, 18 de Dezembro de 1948, 127º da Independência e 60º da República.


ALCINDO CRUZ GUIMARÃES

Alfredo Duailibe


sexta-feira, 27 de julho de 2018

VIDA DE AGRÔNOMO (2) – Um caso de Priapismo.

O autor no início da carreira vistoriando um plantio de milho

José Pedro Araújo

Vou continuar o texto do lugar onde parei na sua primeira parte. Estava sendo apresentado à cidadezinha de Lago Verde, meu primeiro local de trabalho, em um final de tarde dos mais belos que já presenciei, com o sol declinando rapidamente no horizonte. Envergonhado por estar encarapitado sobre um monte de malas que a carroça transportava, desci e me comportei como as demais pessoas que seguiam atrás do veículo. A rua comprida e empoeirada parecia não ter fim e, serpenteando entre duas fileiras de casas pobres, a maioria de taipa, seguia rumo ao centro da povoação. Até que, em dado momento, o veículo estancou, e o seu condutor anunciou o final da viagem. Olhei em volta e vi que estava em frente a uma pensãozinha humilde, que depois soube ser a melhor da cidade. E foi ali que obtive a informação de que o escritório da EMATER ficava a poucos metros de distância, o que muito me alegrou.
Até então não sabia em que local iria me alojar. Tentei negociar com a dona da pensão, e não fiquei satisfeito em saber que ela não poderia disponibilizar um quarto somente para mim, uma vez que somente existia um - e que era grande o suficiente para alojar cerca de quatro a cinco pessoas - destinado a receber seus hóspedes costumeiros: representantes comerciais ou viajantes que precisavam pernoitar na cidade. Portanto, caso aceitasse permanecer ali, teria sempre a companhia de estranhos. Resolvi pensar um pouco, antes de fechar contrato.
 Em seguida fui conhecer o escritório da empresa. Na verdade se tratava de um amplo salão, com uma pequena divisória ao fundo, que ficava ao lado da residência do seu proprietário, junto à sua mercearia. Com este senhor obtive as chaves do escritório e observei que poderia me instalar por lá mesmo até conseguir outro lugar mais adequado. No quartinho do fundo ele deveria ter instalado um sanitário, conforme havia ficado acertado no ato do contrato, coisa que ele não fez, optando por construir um no quintal, conforme era hábito na localidade. Vi que o tal banheiro ficava ao lado de um poço de onde seria captada a água utilizada para as minhas abluções. Foi o meu segundo contratempo em pouco menos de uma hora em que eu estava na cidade.
Mas ele justificou a quebra de contrato alegando que na cidade não havia água encanada e a energia elétrica só havia sido instalada na comunidade uma semana antes. Assim, não tivera tempo para adquirir e instalar uma bomba para retirar a água do poço. Bom, apesar de já está bem habituado com a água brotando de uma torneira ou de um chuveiro, não seria a primeira vez que eu teria que captar água de poço com um instrumento que chamávamos de gangorra (sarilho). Voltei à pensão para apanhar a minha bagagem e contratei apenas a alimentação mensal com a dona do estabelecimento.
Instalei-me no próprio escritório, e passei a organizá-lo, uma vez que os móveis estavam todos jogados a um canto, posto que eu seria o primeiro técnico a trabalhar ali. Posicionei a minha mesa de frente para a porta de entrada, a do técnico que viria me fazer companhia de frente para a minha, de costas para uma janela contígua à porta, e a terceira mesa, que deveria ser ocupada pela extensionista social, posicionei-a ao lado da parede divisória com a casa do proprietário do prédio, ao lado do fichário. Esses dois servidores somente chegariam dias depois para assumir seus encargos. O jipe que iria me proporcionar o acesso às comunidades agrícolas que eu iria atender, só chegou também na semana seguinte, posto estar sendo preparado em uma oficina da sede, em Bacabal.
Aos poucos fui me acostumando com o local, fazendo amizade com as pessoas, e tomando conhecimento sobre o município, suas povoações, estradas, principais culturas exploradas, suas atividades econômicas mais importantes, enfim. E nesse meio tempo fiz amizade com o delegado de polícia e com seus dois auxiliares, um cabo e um soldado, que também eram comensais na mesma pensão. E esses três personagens, ao serem perguntados onde se divertiam na cidade, informaram-me que a diversão por ali se restringia a um lugarzinho que eles chamavam de “Boate”, aonde iam quase todas as noites tomar cerveja e ouvir música. Logo passei a ser cliente assíduo do lugar simples como de resto era a cidadezinha: paredes de taipa, cobertura de palha de babaçu e piso de chão batido. Nada mais que isso. Mas ostentava o pomposo nome de “Boite Night and Day”.
Certo dia estava terminando de organizar o fichário com os verbetes de cada um dos clientes no município, antes atendidos pelo escritório de Bacabal, quando ouvi um grande murmúrio na rua. Fui observar o que se passava, e verifiquei que uma espécie de procissão acabava de adentar à cidade, proveniente do interior. E no centro do grupo uma pessoa estava sendo conduzida em uma rede pendurada a uma longa vara de madeira roliça. No momento em que passava em frente ao escritório, a pessoa que ia sendo conduzida, desceu da rede e, gemendo alto e se contorcendo, passou a caminhar junto ao grupo que o transportava. O jovem, que não deveria ter superado a barreira dos vinte anos, vestia uma longa camisola de tecido branco, que lhe ia até aos pés. Para as pessoas que não são muito afeitas às coisas do interior, explico que era daquela maneira que se transportava as pessoas doentes do interior para a cidade, antes da popularização dos meios de transporte a motor: em uma rede atada a uma longa vara para transportar os doentes, e também os já falecidos. Nessas ocasiões, várias pessoas seguiam atrás, em procissão, à espera para substituírem aqueles que transportavam o paciente quando se sentiam cansados. Daí o cortejo que seguia atrás.
Chamei um dos que seguiam com o grupo, e perguntei-lhe o que estava acontecendo. Ele me respondeu que o rapaz que eles traziam, desde um povoado distante cerca de dez quilômetros dali, estava com um problema grave: padecia de uma ereção do aparelho reprodutor masculino que já durava mais de um dia. Estava justificada a vestimenta esquisita do infeliz mancebo, que não conseguiria mesmo vestir uma calça ou qualquer outra roupa que fosse.
Fiquei impressionado com a informação. Imaginei a dor que o pobre rapaz sentia naquele instante, daí andar daquela forma, contorcendo-se e gemendo. A procissão passou - ia em busca do  posto de saúde - ou do único veículo de transporte que havia na cidade: um velho jipe. A intenção última era levar o doente para o hospital em Bacabal, pois ali não havia médico. Apenas uma auxiliar de enfermagem promovia o atendimento às situações mais simples.
Como eu nunca antes havia ouvido falar em um caso assim, logo que encerrei o expediente daquele dia, fui ao posto médico que não ficava muito distante da minha pensão. Queria saber notícia do pobre paciente. E a atendente, que àquela hora acabava de encerrar também suas atividades, informou-me que o rapaz havia sido transportado para Bacabal, uma vez que ali não havia recursos para o seu tratamento. Perguntei-lhe se ela já havia tido algum outro caso como aquele, e ela respondeu que não. Mas já ouvira falar de casos iguais. Disse-me ainda que a doença era conhecida como Priapismo. Ou algo parecido com isso. Como sempre carregava comigo o meu dicionário, além de alguns livros técnicos, outros literários, voltei ao escritório para ver se o verbete constava no meu velho companheiro. Estava lá.
Nunca mais vi ninguém padecendo do mesmo mal. Ainda bem. A visão daquele rapaz se contorcendo em dores ficou para sempre na minha mente.

terça-feira, 24 de julho de 2018

Coordenador do Folhas Avulsas concede entrevista ao Programa Sarau 16


Entrevista que concedi ao Programa Sarau 16, da TV Assembleia, canal 16, ao entrevistador Otávio César. Na ocasião discorremos sobre a origem de Presidente Dutra, bem como outros temas ligados a história e a literatura. Na mesma entrevista falamos sobre minhas publicações sob a forma de livro digital(E-book) no amazon.com.

sábado, 21 de julho de 2018

BÊBADOS QUERIDOS DA MINHA TERRA!

"Bêbados", do Pintor português José Malhoa


                     José Pedro Araújo
Todos nós temos perdida na mente a lembrança de algum bêbado famoso. O assunto, que pode ser considerado como uma verdadeira tragédia para os familiares do indigitado beberrão, pode se constituir em situações verdadeiramente hilariantes para outros. Da minha infância, guardo a imagem do velho João Tufo a perambular pelas ruas do nosso Curador, amedrontando as crianças com a sua figura caricata, suja, corpo cheio de feridas, abertas e purulentas. Esse pobre homem andava rua acima, rua abaixo, cambaleante, cofo nas costas, a pedir esmolas mal o dia começava. Na minha ótica, parecia já estar embriagado quando o sol nascia no horizonte. Nada sei da sua origem, apesar de dizerem ser ele uma espécie de Quincas Berro D’Água, o rei dos vagabundos da Bahia, relatado nos escritos de Jorge Amado. Mas, lembro-me que quando morreu causou grande comoção na sociedade local, já acostumada com a sua figura inofensiva e bonachona.
 Vem da mesma época também outro personagem marcante. Era um negro velho, carapinha branca qual chumaços de algodão, chamado Preto Olegário. Não sei da sua origem também, mas era figura conhecidíssima na cidade. Passava os dias em total estado de embriaguez, batendo às portas de todos os bares da cidade em busca de quem lhe pagasse um copo da cruel para beber. Era comum vê-lo no final da tarde caído em alguma calçada, abraçado com alguns trapos que sempre carregava consigo. E onde caía, ali passava o resto da noite, ao relento e sob o orvalho. Ou banhado pelas torrenciais chuvas que caiam no período invernoso. Vem desse período uma frase com viés racista que se usava quando era colocada uma espiga de milho verde para assar, e ela ficava queimada, deixando à mostra aquela crosta escura: “Ih! o Olegário passou o pé”, afirmavam as crianças, numa alusão à cor da pele do pobre homem. Vez por outra, quando estava incomodando demais, o velho Olegário era recolhido pela polícia e passava a noite em uma das celas da cadeia velha, situada na Praça Diogo Soares. Ali, certa vez, o nosso conhecido “beberraz” dormiu para nunca mais acordar. Foi velado na própria delegacia, onde o vi prostrado sobre uma porta de madeira arrancada de um portal. Foi enterrado como indigente. Ninguém veio lhe reclamar o corpo ou chorar por ele.
Certa época apareceu em Presidente Dutra um homem robusto, alvo de tez, conhecido pela alcunha de Créu. Veio das bandas de Sergipe, me parece, e foi acolhido por importante empresário presidutrense, que o contratou como vigia do seu posto de gasolina. O homem começava também a beber logo que o dia amanhecia, de maneira que quando a noite chegava, já o encontrava completamente embriagado. Nessa ocasião, inflamado pela branquinha, subia na marquise do prédio onde hoje funciona um hotel e despejava sobre a cidade seus discursos intermináveis e furiosos. Por esse tempo, vivia-se o início do governo militar que governou o país por mais de vinte anos. Naquele momento as garantias individuais estavam totalmente suspensas e o cala-te boca era a tônica do momento. Nem mesmo este aspecto era impedimento para o falastrão Créu despejar a sua fúria sobre tudo e sobre todos, nas noites do Curador.
Lembro-me, entretanto, que seus principais inimigos eram os Comunistas e Integralistas (que ele chamava de intregalistas). Inflamado, atacava os adversários do regime getulista, implantado lá pelos anos 30, estendendo-se até o ano de 54. Do alto do seu púlpito improvisado, todas as noites o bebum despejava discursos desconexos, misturando datas e fatos, para desgosto das famílias que moravam no entorno do local da sua oração, incomodadas com a voz forte do orador notívago. Certa noite, depois de alguns anos de zangados discursos, a voz do orador se calou. Assim como surgiu, desapareceu sem deixar um adeus.
Em Presidente Dutra, mais precisamente no povoado Canafístula, era fabricada uma pinga que ganhou fama entre os bebedores contumazes, e também entre os apreciadores esporádicos de uma purinha. Sem marca própria, passaram a chamá-la de Beltroina, numa referência ao dono do engenho, o fazendeiro Beltrão Campelo. A Beltroina possuía uma coloração dourada e seus apreciadores diziam ser de uma qualidade extraordinária. Talvez por conta disso, alguns rapazes da cidade se afeiçoaram tanto a aguardente que viviam entornando grandes quantidades dela até beijarem o pó vermelho das ruas. Alguns desses jovens, pertencentes à burguesia local, entravam em tal estado de êxtase que saiam aprontando pela cidade. Um deles, figura conhecidíssima de todos, bonachão, conversa agradável, melava-se amiúde com a Beltroina, para desespero dos familiares e amigos. O contato do rapaz com a marvada se tornou tão corriqueiro que era comum encontrá-lo “tangendo galinha” pelas ruas da cidade ainda na parte da manhã. A propósito disto, os amigos de farra, confirmando aquela máxima de que “o macaco não olha para o próprio rabo”, decidiram que o rapaz precisava arranjar uma cara-metade para cuidar dele. Somente assim, conjeturaram, sairia daquele estado constante de embriaguez.
A escolha recaiu sobre uma jovem muito bonachona e prendada, namorada antiga, mas esporádica do nosso bebum. Honesto também é acrescentar que o rapaz não era nenhuma criança também; já estava ultrapassando a casa dos trinta e cinco anos, de modo que se equivaliam no quesito idade. E além do mais, a moça era prendada e de boa família, formada professora - se não me falha a memória. Cuidaria dele muito bem. Mas o plano só daria certo se a moça concordasse com ele. Aí veio a surpresa. A moça aceitou sem impor condições o casamento, e ainda afirmou que nutria grande paixão pelo candidato que lhe foi ofertado. Foi a sopa no mel. Uma parte do futuro casal concordava inteiramente com o casório. A outra parte, por sua vez, só precisava ser convenientemente preparada!
Mas otimismo tem limites. Foi difícil conseguir convencer a outra cara-metade. Sempre que o assunto era iniciado, o rapaz, naquele momento ainda sóbrio, pulava fora e dizia ao interlocutor poucas e boas, taxando-o de amigo-da-onça. Notaram, porém, que quando o rapaz já havia tomado algumas a mais, o assunto era mais bem recebido, aceito até mesmo com certa simpatia. Combinaram com a noiva realizar o casório quando ele estivesse completamente embriagado. E assim foi feito. No dia do casório, o nosso protagonista estava radiante, apesar de não se manter de pé sozinho. Aparentava também não saber do que se tratava aquela solenidade tão animada. Não importava, já que a cachaça estava rolando solta e a felicidade dos amigos era total. Mas no dia seguinte, quando acordou e deu de cara com a nova sócia ali do lado, o homem irrompeu em um choro descontrolado; não podia acreditar que aquilo estivesse acontecendo com ele.
Poucos dias depois, encontrei-o em um sítio da família. Estava sóbrio e ainda muito magoado com a presepada que haviam aprontado pra ele. Mais tarde, depois de relembrarmos o episódio do casamento, julguei ver brotar de seus olhos algumas lágrimas teimosas.    

quinta-feira, 19 de julho de 2018

MARÍTIMA

Mar de Luis Correia e o pôr-do-sol


Elmar Carvalho, é poeta, cronista e romancista,  e membro da APL.

Do mar eu trouxe
o vento que dança
em torno de meus cabelos.
Trouxe este meu cheiro
de sal, mariscos e maresia.
Vaqueiro fui e fazendeiro
de estrelas-do-mar que
subiram ao céu para formar
constelações e galáxias.
Nas pontas agudas de meus dedos
cintilam fogos-de-santelmo.
Meus olhos têm o brilho
que roubei das ardentias.
Os relâmpagos das procelas
pousaram nas minhas mãos
e nelas se aninharam.
Do ritmo do mar eu trouxe
os meus gestos e o meu jeito de falar.
Num lance de búzios
joguei minha cartada final
em que fui anjo terminal.
Do mar eu trouxe a cantiga
do vento na voz dos búzios.
Sobre o dorso de alados cavalos-marinhos
pesquei sereias malévolas que me
encantaram e depois fugiram.
No vai-e-vem das ondas
busquei o meu gesto de
posse e devolução.
Trouxe o meu beijo temperado
no salamargo de suas águas.
Trouxe tesouros sepultos
nas covas do coração.
Com o mar aprendi meu modo
de caravela: meus dedos
são filamentos que machucam
sem querer, que ferem
sem ter por quê.
Trouxe caracóis que se (con)fundiram
com os caminhos labirínticos que trilhei.
Louros, nunca os tive,
exceto algas em meus cabelos.
Arrebatado por navios fantasmas
conheci várias e inefáveis dimensões.
Nadei contra as correntes marinhas,
mas a elas cansado me entreguei,
despojado da púrpura e do cetro
com que havia lutado.
Trouxe do mar as conchas ilusórias
     – multiformes e multicores –
com que minha vida enfeitei.
Mas sobretudo trouxe a vida
na alegria das chegadas
e na tristeza das despedidas.