O autor no início da carreira vistoriando um plantio de milho |
José Pedro Araújo
Vou continuar o texto do lugar
onde parei na sua primeira parte. Estava sendo apresentado à cidadezinha de
Lago Verde, meu primeiro local de trabalho, em um final de tarde dos mais belos
que já presenciei, com o sol declinando rapidamente no horizonte. Envergonhado
por estar encarapitado sobre um monte de malas que a carroça transportava,
desci e me comportei como as demais pessoas que seguiam atrás do veículo. A rua
comprida e empoeirada parecia não ter fim e, serpenteando entre duas fileiras
de casas pobres, a maioria de taipa, seguia rumo ao centro da povoação. Até
que, em dado momento, o veículo estancou, e o seu condutor anunciou o final da
viagem. Olhei em volta e vi que estava em frente a uma pensãozinha humilde, que
depois soube ser a melhor da cidade. E foi ali que obtive a informação de que o
escritório da EMATER ficava a poucos metros de distância, o que muito me
alegrou.
Até então não sabia em que local
iria me alojar. Tentei negociar com a dona da pensão, e não fiquei satisfeito
em saber que ela não poderia disponibilizar um quarto somente para mim, uma vez
que somente existia um - e que era grande o suficiente para alojar cerca de
quatro a cinco pessoas - destinado a receber seus hóspedes costumeiros:
representantes comerciais ou viajantes que precisavam pernoitar na cidade.
Portanto, caso aceitasse permanecer ali, teria sempre a companhia de estranhos.
Resolvi pensar um pouco, antes de fechar contrato.
Em seguida fui conhecer o escritório da
empresa. Na verdade se tratava de um amplo salão, com uma pequena divisória ao
fundo, que ficava ao lado da residência do seu proprietário, junto à sua
mercearia. Com este senhor obtive as chaves do escritório e observei que
poderia me instalar por lá mesmo até conseguir outro lugar mais adequado. No
quartinho do fundo ele deveria ter instalado um sanitário, conforme havia
ficado acertado no ato do contrato, coisa que ele não fez, optando por
construir um no quintal, conforme era hábito na localidade. Vi que o tal
banheiro ficava ao lado de um poço de onde seria captada a água utilizada para
as minhas abluções. Foi o meu segundo contratempo em pouco menos de uma hora em
que eu estava na cidade.
Mas ele justificou a quebra de
contrato alegando que na cidade não havia água encanada e a energia elétrica só
havia sido instalada na comunidade uma semana antes. Assim, não tivera tempo
para adquirir e instalar uma bomba para retirar a água do poço. Bom, apesar de
já está bem habituado com a água brotando de uma torneira ou de um chuveiro,
não seria a primeira vez que eu teria que captar água de poço com um
instrumento que chamávamos de gangorra (sarilho). Voltei à pensão para apanhar
a minha bagagem e contratei apenas a alimentação mensal com a dona do
estabelecimento.
Instalei-me no próprio
escritório, e passei a organizá-lo, uma vez que os móveis estavam todos jogados
a um canto, posto que eu seria o primeiro técnico a trabalhar ali. Posicionei a
minha mesa de frente para a porta de entrada, a do técnico que viria me fazer
companhia de frente para a minha, de costas para uma janela contígua à porta, e
a terceira mesa, que deveria ser ocupada pela extensionista social,
posicionei-a ao lado da parede divisória com a casa do proprietário do prédio,
ao lado do fichário. Esses dois servidores somente chegariam dias depois para
assumir seus encargos. O jipe que iria me proporcionar o acesso às comunidades
agrícolas que eu iria atender, só chegou também na semana seguinte, posto estar
sendo preparado em uma oficina da sede, em Bacabal.
Aos poucos fui me acostumando com
o local, fazendo amizade com as pessoas, e tomando conhecimento sobre o
município, suas povoações, estradas, principais culturas exploradas, suas
atividades econômicas mais importantes, enfim. E nesse meio tempo fiz amizade
com o delegado de polícia e com seus dois auxiliares, um cabo e um soldado, que
também eram comensais na mesma pensão. E esses três personagens, ao serem
perguntados onde se divertiam na cidade, informaram-me que a diversão por ali
se restringia a um lugarzinho que eles chamavam de “Boate”, aonde iam quase
todas as noites tomar cerveja e ouvir música. Logo passei a ser cliente assíduo
do lugar simples como de resto era a cidadezinha: paredes de taipa, cobertura
de palha de babaçu e piso de chão batido. Nada mais que isso. Mas ostentava o
pomposo nome de “Boite Night and Day”.
Certo dia estava terminando de
organizar o fichário com os verbetes de cada um dos clientes no município,
antes atendidos pelo escritório de Bacabal, quando ouvi um grande murmúrio na
rua. Fui observar o que se passava, e verifiquei que uma espécie de procissão
acabava de adentar à cidade, proveniente do interior. E no centro do grupo uma
pessoa estava sendo conduzida em uma rede pendurada a uma longa vara de madeira
roliça. No momento em que passava em frente ao escritório, a pessoa que ia
sendo conduzida, desceu da rede e, gemendo alto e se contorcendo, passou a
caminhar junto ao grupo que o transportava. O jovem, que não deveria ter
superado a barreira dos vinte anos, vestia uma longa camisola de tecido branco,
que lhe ia até aos pés. Para as pessoas que não são muito afeitas às coisas do
interior, explico que era daquela maneira que se transportava as pessoas
doentes do interior para a cidade, antes da popularização dos meios de
transporte a motor: em uma rede atada a uma longa vara para transportar os
doentes, e também os já falecidos. Nessas ocasiões, várias pessoas seguiam
atrás, em procissão, à espera para substituírem aqueles que transportavam o
paciente quando se sentiam cansados. Daí o cortejo que seguia atrás.
Chamei um dos que seguiam com o
grupo, e perguntei-lhe o que estava acontecendo. Ele me respondeu que o rapaz
que eles traziam, desde um povoado distante cerca de dez quilômetros dali,
estava com um problema grave: padecia de uma ereção do aparelho reprodutor
masculino que já durava mais de um dia. Estava justificada a vestimenta
esquisita do infeliz mancebo, que não conseguiria mesmo vestir uma calça ou qualquer
outra roupa que fosse.
Fiquei impressionado com a
informação. Imaginei a dor que o pobre rapaz sentia naquele instante, daí andar
daquela forma, contorcendo-se e gemendo. A procissão passou - ia em busca do posto de saúde - ou do único veículo de
transporte que havia na cidade: um velho jipe. A intenção última era levar o
doente para o hospital em Bacabal, pois ali não havia médico. Apenas uma
auxiliar de enfermagem promovia o atendimento às situações mais simples.
Como eu nunca antes havia ouvido
falar em um caso assim, logo que encerrei o expediente daquele dia, fui ao
posto médico que não ficava muito distante da minha pensão. Queria saber notícia
do pobre paciente. E a atendente, que àquela hora acabava de encerrar também
suas atividades, informou-me que o rapaz havia sido transportado para Bacabal,
uma vez que ali não havia recursos para o seu tratamento. Perguntei-lhe se ela
já havia tido algum outro caso como aquele, e ela respondeu que não. Mas já
ouvira falar de casos iguais. Disse-me ainda que a doença era conhecida como
Priapismo. Ou algo parecido com isso. Como sempre carregava comigo o meu
dicionário, além de alguns livros técnicos, outros literários, voltei ao
escritório para ver se o verbete constava no meu velho companheiro. Estava lá.
Nunca mais vi ninguém padecendo
do mesmo mal. Ainda bem. A visão daquele rapaz se contorcendo em dores ficou
para sempre na minha mente.
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ResponderExcluirCaro Araújo,
ResponderExcluirCheguei a pensar que alguém iria sentir inveja do novo Príapo.
Mas ante o que você conta, o rapaz passou por uma verdadeira tortura.
Vade retro.
No momento em que o vi, pereceu-me que ninguém invejaria a sua condição.Ademais, tivesse ele alguma cultura, deve ter se lembrado de Midas: assim como o rei da Frígia, o poder adquirido não lhe seria para nada!
ExcluirO certo é que a engrenagem do "macaco hidráulico" enguiçou, e causou um grave prejuízo ao dono.
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