Por Jean Carlos
Gonçalves*
Em setembro de 2005, por ocasião
dos cinquenta anos de aniversário da emancipação do município de Tuntum,
circulou em nossa cidade, a edição nº 3 do jornal “GAZETINHA DE TUNTUM”, cuja
responsabilidade editorial fora do “Conselho de Mobilização Social de Tuntum”,
uma espécie de instituição criada por militantes do grupo político opositor ao
governo de Cleomar Carvalho Cunha, o Tema, que na época exercia seu terceiro
mandato.
Esse impresso, de apenas quatro
páginas, trouxe em destaque um importantíssimo e esclarecedor artigo, assinado
pelos ilustres tuntuenses Geovanny Alves e João Almy Alves, ambos pertencentes
a uma das famílias pioneiras na ocupação de Tuntum no início do século XX.
No texto intitulado “Tuntum:
Cinquenta anos de emancipação política”, os autores apresentaram um histórico
do município, remontando ao início do século XIX, contextualizado com o processo
de ocupação do sul do Maranhão, a partir da frente de expansão do povoamento
ocorrida por conta da pecuária e sua influência para nossa constituição. No
mesmo artigo, uma longa citação me deixou maravilhado. Pude pela primeira vez,
tomar conhecimento de um valiosíssimo documento histórico que faz referência ao
lugar Tuntum, citando, inclusive, localidades que mais tarde fariam parte do
nosso município: “VIAGEM DE FREI ADRIANO DE SÃO LUÍS A BARRA DO CORDA”.
Trata-se de uma Carta em que o Fr. Adriano de Zânica remete ao Prelado
Provincial, Frei Luigi de Guanzate, em São Luís-MA, após sua épica viagem pelos
sertões e chegada a cidade de Barra do Corda. Carta essa, assinada em 28 de
janeiro de 1931.
Uma vez sabendo da existência do
documento, tratei de ir até os arquivos da biblioteca da Igreja do Carmo na
Capital. Lá, recebido pelo Fr. Ruggero Beltrami, responsável pelo acervo, me
deparei com a epistola que, surpreendentemente conta 42 páginas.
Neste mês de janeiro, em que o
documento histórico completa 86 anos, reproduzo aqui um trecho que acredito
deixará muitos maravilhados, especialmente aos amantes de nossa história,
estudantes, professores, pesquisadores e a todos que se sentem pertencentes a
uma identidade comum. Além de tudo acima mencionado, o documento faz uma bela
descrição da floresta exuberante da época, com sua fauna e flora, entre outros
aspectos que discorreremos noutra oportunidade. Assim sendo, degustem!
“Escrevo-lhe com entusiasmo de
voluntário de guerra que do fronte escreve a seu próprio pai... não das linhas
da retaguarda, mas dos lugares de comando, da primeira linha de fogo, da
trincheira!!!
Saída de São Luis, 15.01.1931, às
6h15min; chegada à Mata do Nascimento em 21.01.1931, às 17h. Quando o motorista
recebeu notícias alarmantes sobre o movimento revolucionário.
Percurso de São Luís-Codó, Trem;
Codó-Mata do Nascimento (hoje Dom Pedro), caminhão: Mata do Nascimento-Barra do
Corda, lombo de burro.
Em 25.01.31, sem incidentes,
chegamos ao Curador, primeiro povoado do município de Barra do Corda; o
lugarejo parecia ter sido tomado de assalto. Os habitantes, tomados de forte
terror, trancavam-se em suas casinhas, fechando também as janelas, as luzes
apagadas. A rua estava deserta, somente aqui e acolá grupos de revolucionários
armados estão de sentinela.
Saída do Curador às 17h do dia
26.01.31, por uma vereda que encurtava a distância para a Barra do Corda, em 10
léguas, parando na primeira palhoça perto do povoado Canafístula (hoje pertence
a Tuntum), no qual seis anos antes faleceu Frei Carmelo de Bréscia.
Em 27.01.31, enquanto
repousávamos chegaram os revolucionários, procurando requisitar as armas dos
moradores da Vila Tuntum.
Eu já virara um cavaleiro
abalizado, precedia a comitiva, contemplando com toda a comodidade as belezas
da floresta.
A floresta! Oh! A floresta é
sempre bela, sempre atraente, poética! Tirar fotografias é tempo perdido. Só um
filme poderia dar uma idéia; mesmo assim uma idéia simples, muito descolorida e
imperfeita.
Naquele dia, admirando tão de
perto as belezas de uma natureza totalmente nova para mim e tão atraente, não
me parecia verdade encontar-me na floresta tropical do Brasil, ainda quase
virgem. Entretanto, estava ali, montado num cavalo, qual um caçador
atravessando uma selva inóspita de árvores gigantescas enroladas de cipós que
como corda revestiam ramos formando um amaranhado confuso e fechado. Logo mais
um capão de mata verdadeira e impenetrável de buritis onde lentamente corre um
riacho, morada predileta de terríveis surucucus e de barulhentas guaribas.
A todo passo sempre topo em algo
novo que atrai minha atenção: musas maravilhosas em forma de grandes leques;
enormes cactos; palmeiras das mais variadas qualidades, anajá, babaçu,
buritirana, buriti, kitara, catolé, marajá, açaí, etc. Uma mais bela do que a
outra. Frutos silvestres que o viajante pode saborear, naturalmente com
prudência e moderação, especialmente abacate, aguapé, pitanga, pequi, etc.
Ninhos de aves e abelhas grudadas nos ramos nas formas mais originais.
Habitações incomuns de formigas saúvas. Cupins capazes de destruir numa só
noite árvores inteiras deixando-as despidas de folhas e casca.
E as aves? As aves são numerosas
e maravilhosas. Encontram-se de todos os tipos, dos grandes galináceos aos
colibris. São eles que nos cantos e seus diminutos vôos dão vida à floresta,
especialmente as várias espécies de papagaios com seus gritos desagradáveis.
Vemo-los esvoaçar aqui e acolá a
breves distâncias quase querendo suas belas plumagens de cores vivas; enquanto
outras ficam nos galhos imóveis observando a nossa passagem. Nossos caçadores e
todos os apaixonados ornitólogos encontrariam com que se divertir fartamente.
Mamíferos não se encontram de
dia; eles deixam suas tocas ao escurecer, começando assim, a sua atividade
durante a noite toda. Só de longe pude observar algum pequeno roedor em fuga e
alguns sauros maiores, com uma crista ao longo da espinha dorsal.
Serpentes há de todas as
espécies, sobretudo a terrível cascavel. Não é para desejar o encontro com esse
tipo de animal peçonhento e, graças a Deus por mais que olhasse cuidadosamente,
nada reparei a não ser um rastro bem marcado na relva por onde pouco antes
passara um réptil.
Outra coisa que pudemos admirar
nessa travessia é a sucessão gradual de três estações: inverno, primavera e
verão. Num breve percurso de alguns quilômetros vimos primeiramente a floresta
despojada completamente e folhas sem encontrarmos sequer um fio verde. Apesar
do calor estafante parece-nos estar atravessando um bosque das nossas regiões
no mais intenso inverno. Sendo que esse trecho de mata tem o chão muito enxuto,
naturalmente todos os vegetais durante o período das secas estão em completo
repouso.
Mais adiante temos a impressão de
estar no fim de março, no tempo em que as árvores estão todas floridas,
enquanto as frutíferas começam a fazer despontar seus primeiros frutos. Depois
vem maio com o perfume agradável da primavera, até encontrarmos na selva
verde-escuro.
Esse suceder de estações na
vegetação era causado pela chuva que caíra por acaso pouco antes. Geralmente no
verão é difícil que não chova, ao passo que no inverno, dito assim porque é o
período das chuvas, é raro que passe um dia sem que não chova demoradamente.
Neste período a vegetação é sobejamente luxuriante. À noite, às 19h chegamos ao
povoado Cipó, com suas choupanas”. (ZÂNICA, 1931).
(*)Jean Carlos Gonçalves é professor, historiador e cronista.
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