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Coleção da revista em tomos com 6 exemplares(no alto as revistas nº 1 e 400) |
José Pedro Araújo
Assisto ao Programa Globo Rural
desde os idos de 1980 quando a famosa emissora televisiva passou a
apresentá-lo. Foi empatia à primeira vista. Aquela manhã de domingo trouxe para
mim uma obrigação: todos os domingos, dali em diante, - caso esteja em casa -
acordo cedo e me preparo para assistir ao meu programa favorito. Já se vão 39
anos dessa cumplicidade. Morando nessa época em Araguaína, ainda estado de
Goiás, não desgrudava do meu aparelho Philco em P&B, e as imagens - na
época ainda imperava o cinza - não diminuía em nada o meu entusiasmo.
Depois, já residindo em Teresina
- onde me encontro até hoje – acompanhei a evolução das TV’s, e testemunhei
também a revolução processada na agricultura brasileira, agora em altíssima resolução.
As imagens de agora são um verdadeiro deleite para os meus olhos já um pouco
cansados. As tomadas feitas do alto, através do uso de Drones, é a última
novidade, aumentando o nosso campo de visão e nos permitindo uma apreciação
ampliada das plantações que ocupam vastíssimas áreas de terras, tão planas que a
cena só é interrompida quando a abóbada celeste toca o verde que recobre o solo
dadivoso.
Anos depois, outra surpresa
agradabilíssima: o lançamento da Revista Globo Rural em outubro de 1985. Desde
então, todos os meses me dirijo à banca mais próxima para adquirir o meu
exemplar mensal. Este mês, por exemplo, trouxe para casa a GR de número
quatrocentos. Isso mesmo. Trata-se de algo surpreendente em termos editoriais.
Uma publicação setorizada, uma revista técnica, que atinge um número espantoso
de edições. E pelo andar da carruagem, ainda poderemos contar com ela durante
muitos e muitos anos.
Como engenheiro agrônomo que sou
a GR passou a fazer parte das minhas leituras obrigatórias, uma vez que traz em
suas edições as principais novidades em termos de pesquisa no campo da
agropecuária nacional, além de outras atividades advindas do setor. Como a
piscicultura, por exemplo; a sericicultura, a avicultura, a vinicultura, e
tantas e tantas outras atividades rurais que transformaram este país em celeiro
e introdutor de tecnologias no mundo do agronegócio.
Transformei-me também em um
colecionador, algo jamais previsto em alguém tão pouco afeito à organização. E
a coisa se deu mais ou menos de forma não intencional. Pelo apreço que tenho
pelas minhas revistinhas, passei a guardá-las com imenso cuidado após a
primeira leitura. Foi, portanto, um processo, como já disse, não intencional a
formação da minha coleção. Mas, nesse meio tempo, passei por alguns percalços. E
sobre isso que quero discorrer agora. Como meus irmãos também apreciam muito a
leitura dessa revista – são proprietários rurais, além das suas profissões
principais – muitos exemplares sumiram da minha coleção informal quando resolvi
guardá-los em um único local. Não sei se levados por eles ou se deixados em
local de fácil extravio. Não posso afirmar com exatidão.
Mas o meu maior problema
aconteceu quando a minha esposa resolveu fazer uma faxina, ampla e irrestrita,
na nossa casa, e mandou para o lixo muitos exemplares da minha querida GR. Só
dei pelo problema quando não podia mais fazer nada, pois o lixeiro havia levado
tudo para o aterro sanitário. Fiquei penalizado com o acontecido. Senti-me
mesmo como se uma parte importante da minha própria história tivesse sido
apagada, jogada fora. E foi então que tomei uma peremptória decisão: iria
recompor a minha coleção de revistas Globo Rural, custasse o que custasse. E
mais. Mandaria encadernar todas elas para evitar que algum exemplar se perdesse
ou fosse novamente para o lixo. Foi assim que me transformei em colecionador de
fato e de direito. Colecionador, com a consciência de colecionador. Só não
sabia das dificuldades que enfrentaria para recompor o acervo, pois mais de
cinquenta exemplares haviam se extraviado.
Como sou visitador de sebos e
bancas de revistas desde muito tempo, inclusive nas bancas que comercializam
revistas usadas, passei a procurar pelos exemplares da GR que me faltavam. E
isso em todas as cidades em que porventura estivesse de passagem. Em Teresina,
por exemplo, existem algumas bancas de revistas usadas instaladas no centro da
cidade. Sou cliente delas desde o tempo em que, jovens
imberbes ainda, seus proprietários negociavam gibis na porta dos cinemas Rex e Quatro de Setembro,
transformando caixas de “Manzanas Argentinas” em tabuleiro para exposição do
produto que comercializavam. Alguns desses meninos, Dentinho e Joel, por
exemplo, ainda estão no negócio. Agora mais bem instalados, é verdade. E foi na
banca do Dentinho, aonde vou uma vez ou outra, que consegui o melhor resultado para
as minhas garimpagens. Em uma das vezes que por lá passava, encontrei o
gibizeiro organizando na sua banca uma grande quantidade de revistas Globo
Rural que havia acabado de adquirir de alguém. Tomado de alegria, saquei
imediatamente da carteira porta-cédulas uma relação com os exemplares que me
faltavam, papel que passei a conduzir comigo por ande transitava. E qual não
foi a minha alegria ao descobrir naquele monte de revistas cerca de quinze
exemplares que me faltavam.
Naturalmente, não foi uma
negociação fácil. Dentinho é um negociante experiente, muito arguto e
extremamente habilidoso. E logo desconfiou que eu necessitava muito daquelas
revistas. Notou isso ao observar o meu contentamento com o achado. Conhecedor
também desse seu jeito de negociador implacável, omiti que aquelas revistas
iriam recompor a minha coleção. Caso contrário, ele iria majorar muitos os
preços de venda. E ele começou a jogar com isso. E conversa vai, conversa vem,
ele sempre tentando arrancar de mim a razão do meu extremo interesse, resolvi
então jogar uma cartada definitiva e disse que levaria apenas três exemplares
naquele momento. Que as revistas eram para meus irmãos e coisa e tal. Ele ainda
tentou fazer com que eu levasse exemplares com números fora de ordem, pois não
estava convencido ainda de que eu não tivesse por propósito o uso delas para
colecionar. Não tive outra solução, a não ser aceitar o jogo dele, pois sabia
que logo voltaria para adquirir as outras doze revistas. E ainda corria o risco
de aparecer outro comprador para o produto do meu interesse.
Quando me dispus a pagar as três
revistas, ele resolveu não perder o cliente, deu-se por vencido. Ofereceu-me as
outras revistas com algum desconto, desde que levasse todas. Disse-lhe que
queria apenas aquelas quinze já escolhidas. E assim foi. Antes de sair, porém, Dentinho
me acompanhou e perguntou se aquelas revistas seriam para colecionar. E eu,
para não deixar mal o meu amigo, disse-lhe que não. Apenas havia gostado
daqueles exemplares. Notei, porém, que ele não ficou convencido disso. Tempos
depois, quando de outra passagem por lá, resolvei contar a verdade para ele. A
resposta que me deu foi esta: “eu sabia!”. Disse isso com certa amargura na
voz. Não tenho nenhuma dor na consciência por ter pregado essa pequena peça no
esperto gibizeiro. Depois disso, tenho sido vítima da sua esperteza por vezes
sem conta. Ele sempre tem levado vantagem na troca ou simples aquisição de seus
produtos, quer livros usados, quer revistas.
Em São Luís, por exemplo,
transitava de carro certa vez pela Av. Magalhães de Almeida, centro da cidade, altura
da Praça João Lisboa, quando, ao olhar de lado, deparei-me com algumas bancas
de revistas usadas. Estacionei mais adiante e voltei para fazer uma garimpagem.
Abiscoitei quatro exemplares que constavam da minha listinha de faltantes. Senti-me gratificado mesmo em meio àquele
trânsito caótico. A sorte pode chegar a qualquer momento na vida do garimpeiro.
Depois, descobri um portal na
internet (Estante Virtual. com) que congrega mais de 1.400 sebos distribuídos pelo
Brasil inteiro. Lá tenho adquirido obras raras e há muito fora do catálogo. E
foi lá também que comprei a maioria das edições que me faltavam. Estava, enfim,
completa novamente a minha coleção. Deu trabalho, mas foi uma obra edificante e
que realizei com enorme boa vontade. É verdade que alguns exemplares adquiridos
por mim apresentavam defeitos, até mesmo alguns corte para a supressão de
imagens, por exemplo. Provavelmente recortadas por algum estudante para compor
algum trabalho escolar. Mas, nada que comprometesse as matérias que
ilustravam.
A tarefa seguinte foi procurar um
bom encadernador para organizar as minhas revistas em tomos contendo seis
exemplares cada um. Encontrei o melhor de todos, e pertinho da minha casa.
Tratava-se, do hoje meu amigo, Soares, funcionário da gráfica da Universidade
Federal do Piauí, um verdadeiro artista no metiê. Hoje, já estamos com sessenta tomos devidamente
perfilados em uma estante na minha humilde biblioteca. Essa semana faremos mais
alguns outros, cujas revistas já estão prontas para irem para as mãos do
artesão.
Outro dia, estive pensando sobre
qual a destinação que deveria dar a minha coleção de Globo Rural, uma vez que
não noto muita simpatia por ela, nem da parte da minha esposa, e muito menos
dos meus filhos. Já pensei até em doá-la para alguma biblioteca. A biblioteca
de Universidade Federal Rural de Pernambuco, por exemplo, onde conclui o meu
curso de Engenharia Agronômica, e a quem devo muito, seria uma opção. Mas,
sempre que procuro algum exemplar para uma consulta, bate-me um sentimento de
perda tremendo só de pensar em me desfazer do meu acervo tão duramente formado. Entretanto, ainda não bati o martelo sobre esse assunto. Espero ter ainda algum tempo
para pensar nisso. E, enquanto isso, vou continuando a minha saga de, todos os
meses, acorrer às bancas para adquirir o meu exemplar com a última edição da
revista.
Não seria nenhum exagero afirmar
que a GR embute a história de sucesso da agropecuária brasileira; e em suas
milhares de páginas escritas, descreveu a respeito da vocação deste país, falou
sobre a sua evolução nesse seguimento e, também, como as atividades desenvolvidas no
campo o transformou em uma das maiores economias do planeta. Além, é claro, de
elevá-lo à condição de um dos maiores celeiros de alimento do mundo. Através de
suas páginas, posto isto, temos acompanhado todo o trabalho de técnicos e
instituições de pesquisas na busca incansável pela melhoria da produtividade e
da qualidade dos nossos produtos. Ao mesmo tempo, tem nos instado a nos
perguntar se já não é tempo de encontrar solução, também inteligente, para
os enormes problemas que esse avanço de cunho progressista tem causado à
natureza.
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