quarta-feira, 7 de junho de 2017

Diário de Um Náufrago (Capítulo XXXIII)




Enfim, a civilização!

José Pedro Araújo

Acordei revigorado no dia seguinte. Ainda desconfiado, sai para o tombadilho onde encontrei o pessoal de bordo em frenética atividade. O mar estava sereno e as velas da escuna completamente arriadas, enquanto os homens retiravam as redes de dentro da água através de um guincho. Cheguei a tempo de ver que ela trazia uma grande quantidade de peixes, de modo que o saco estava repleto até quase chegar à sua barriga. O chefe aproximou-se de mim assim que me viu e me cumprimentou alegremente. E logo estávamos em uma conversa elucidativa sobre a minha situação. Dizia-me que ainda teríamos mais de uma semana no mar, e somente depois voltaríamos para casa, para o porto de Cebu. Perguntei-lhe se havia consulado do Brasil em sua cidade, mas isso ele não soube me responder. Aproveito logo para dizer que não. Mas havia um consulado honorário português. Isso só soube depois.
Agradeci emocionado a hospitalidade do meu novo amigo, e disse-lhe que não tinha a menor importância a demora de uma semana ou pouco mais no mar. Uma semana a mais ou a menos não significava nada para quem estava perdido e desesperançado como eu me encontrava até dar com aquelas pessoas tão gradas. E me coloquei à disposição para ajudar nas tarefas diárias, coisa que fiz com o maior prazer. Apesar das tentativas de rejeitar o meu trabalho, por acreditarem que estavam explorando o visitante, logo notaram que eu fazia muito gosto em ocupar o meu tempo. 
Eu só não sabia que uma semana foi o tempo que eles deram por encerrada aquela pescaria. Levamos outro tanto para chegar à cidade de Cebu e atracar no porto pesqueiro. Mas, isso também tirei de letra, pois me achava muito bem instalado ao lado daqueles novos amigos. Pude também aprender que a vida daqueles homens do mar não era brincadeira. Os perigos que passavam eram muitos, e a saudade da família era constante, tudo isso diante de um mar tempestuoso e barulhento. Duro mesmo foi aguentar as últimas vinte e quatro horas, pois senti a emoção se apoderar de mim em razão da proximidade da volta para casa. Misto de alegria e ânsia pelo que me aguardava.
Entramos no porto quando as luzes das ruas já estavam todas acesas. Ainda demoramos cerca de duas horas até concluir tudo e poder desembarcar, tempo gasto com os últimos preparativos, como a retirada do produto da pescaria e a entrega aos compradores. A arrumação do barco ficaria com os filhos do meu amigo, aqueles que haviam me apanhado na praia e me levado para bordo do Tagak, gaivota em filipino. Preciso dizer que também ganhei uma muda de roupas limpinha e só um pouco amarrotada. A calça era curta e mostrava a minha canela quase inteira. E a camisa era de um tecido grosso e resistente, mas era tudo infinitamente melhor do que as que eu tinha.
Separei mil dólares, dos seis mil que possuía, e entreguei ao comandante da escuna, que relutou muito para aceitar. Não lhe dei mais porque não sabia de quanto iria precisar para voltar para casa. Preciso dizer ainda que o dinheiro já havia voltado para a latinha, fato acontecido após conhecer bem meus salvadores.
 Também tive dificuldades para me fazer entender que agradecia a sua hospitalidade, mas não poderia ficar em sua casa durante o tempo que ficasse na cidade. E foi com grande emoção que me despedi dele quando me embarcou em um taxi em direção ao aeroporto da cidade. Precisava de algumas informações e achava que lá era o lugar ideal para consegui-las, pois, a noite, nada mais se encontrava aberto, a não ser as estações de embarque e desembarque de passageiros. Ou os bares em volta do porto, apinhados de gente. Ao aeroporto então, não estava a fim de bares. E foi lá que fiquei sabendo da existência de um consulado português, como também do preço da passagem de avião até o Rio de Janeiro.
Depois de bem informado, fui à procura de um hotel. Tinha que ser algo simples e barato, pois não podia gastar sem saber o quanto me demoraria ali. E encontrei um muito bom e com preços convidativos. As coisas estavam se encaixando bem nessa nova fase. Mas, antes, passei em um shopping popular, um daqueles de bairro, próximo ao hotel que eu pernoitaria, e comprei roupas, cinto, meias, sapatos, além de algumas roupas brancas também. O dinheiro da minha passagem de avião ei o separei cuidadosamente do restante das outras cédulas, e reservei um pouco mais para o táxi. Precisava garantir isso. Depois de tudo isso ainda me sobrou alguns caraminguás.
Já no hotel, tomei uma ducha, lavei demoradamente os cabelos com o shampoo que a própria casa de acomodação disponibiliza e, somente depois disso, preparei-me para dormir, lógico que depois de comer um sanduíche no próprio quarto. E achei tudo delicioso, empurrado por uma Coca-Cola bem gelada. Como eu nunca dera tanto valor a isso?!
Alimentado, coração mais aquietado, atirei-me na cama king size, única exigência que fiz ao recepcionista do hotel. E isso também não tinha preço. Depois de dormir de qualquer jeito, sobre jirau, colchão de areia, uma boa cama quente e macia também não tinha preço. Mas demorei muito a pegar no sono. Um turbilhão de coisas passavam pela minha mente e me impedia de conciliar o sono, tal o estado de espírito em que me achava. O sono, quando veio, apesar de reparador chegou repleto de sonhos, todos relacionados à minha vida recente. Devo ter me virado uma enormidade na cama, pois, ao acordar, observei que a cama estava toda revolta. Mas como foi bom me sentir protegido entre quatro paredes!

Nenhum comentário:

Postar um comentário