Foto da Praça extraída do livro de Antenor Rego Filho |
Chico Acoram Araújo*
Dentre
algumas fotografias antigas da família, uma se desconhece seu paradeiro: o
retrato da minha primeira comunhão. Recordo
que essa foto, em preto e branco, é de uma alegre manhã de certo domingo do ano
de 1959 ou 1960, não sei ao certo. Na época, tinha eu não mais que oito anos de
idade. A bela Praça Monsenhor Bozon, em
Barras do Marataoan, foi o cenário daquela antiga foto. O evento religioso da
eucaristia havia acontecido ainda há pouco instante na vetusta igreja de Nossa
Senhora da Conceição (antiga capela construída pelo fundador de Barras, Cel.
Miguel de Carvalho e Aguiar, em meados do século XVIII), localizada na Praça da
Matriz, hoje Senador Joaquim Pires, bem próximo daquela.
Todo vestido de branco, com calça comprida,
camisa mangas longas e panos passados, sapatos engraxados e cinturão preto, apresentava-me
com galhardia e compenetração ante à maravilhosa máquina fotográfica
Rolleiflex. Inesquecível momento, que ficou para sempre gravado na memória do
pequeno comungante. Minha querida genitora estava radiante, logo atrás do conceituado
fotógrafo da cidade. “Quando posso
receber esse retrato?”, perguntou minha mãe sorrindo para o homem da máquina.
Poucos dias depois, a foto era exposta
com orgulho e satisfação aos parentes e aderentes, vizinhos e amigos da minha
família. Com o passar do tempo, essa arte tornou-se uma relíquia da família,
não só pelo fato de registrar minha primeira eucaristia, mas também, por
mostrar um dos mais bonitos cartões postais de Barras nas décadas e 1950 e
1960, a Praça Monsenhor Bozon. De fato, segundo Antenor Rêgo Filho em seu livro
“Barras, Histórias e Saudades”, esse logradouro foi uma das mais belas e lindas
praças das cidades do interior do Piauí. Daí a razão da escolha do local para a
memorável fotografia. Era costume da época as pessoas se deslocarem para aquele
logradouro para se deixarem fotografar. Famílias, casais de namorados, noivos,
muita gente era comumente vista posando para registrar a eternidade de
determinado momento naquele local.
A Praça
Monsenhor Bozon teve sua denominação em homenagem ao eminente educador Monsenhor
Constantino Bozon, um dos primeiros Diretores do Colégio Diocesano em Teresina
(1925). O religioso era piauiense, nascido em São Raimundo Nonato.
Sobre esse saudoso espaço público dos
anos 60, o ilustre barrense Antenor Filho, descreve com perfeição a sua feição física
que tanto o povo de Barras se orgulhava. Deste modo, o nobre escritor nos
relata que a Praça Monsenhor Bozon continha no seu interior canteiros bem
cuidados, com variadas espécies de flores carinhosamente cultivadas, além de
diversas figueiras. Estas eram podadas em formato de animais ao longo do
passeio externo da referida praça. Outras figueiras, de tamanho maior, imitavam
cogumelos, e somavam na configuração de um belo conjunto. Para arrematar tudo
isso, uma fonte luminosa, edificada no centro da praça, dava charme e elegância
ao lugar. O mesmo autor descreve ainda que do outro lado da praça havia um
bosque plantado com Canafístula, acácias, oitizeiros e bambus. Entre o bosque e
a fonte luminosa lá estava o magnífico coreto de formato sextavado e piso suspenso,
com grade de proteção feita de ferro fundido, e trabalhado com bonitas figuras.
Era o grande palco, o lugar mais prestigiado da praça. Continuando a descrição,
o escritor relembra que os bancos da praça eram de cimento, apoiados sobre pés
de concreto em formato de figuras humanas. Acresce ainda que os postes de
iluminação eram, alguns, de ferro trabalhado, enquanto outros eram de concreto,
sendo que estes recebiam luminárias em globo de vidro. Quanto à fiação
elétrica, era toda subterrânea, uma novidade em termo de engenharia civil.
Conta-nos, finalmente, o autor do livro “Barras, Histórias e Saudades” que aos
domingos e dias festivos, no alto do coreto, a banda de músicos de Barras fazia
o espetáculo, tocando modinhas daqueles tempos. Fazia a alegria das crianças e
adultos da cidade. A juventude desfilava, dando voltas no passeio. E no carnaval?
A orquestra dava um show! Os blocos carnavalescos se apresentavam ali na praça
com romantismo e graça.
Por fim, testemunha o ilustre
escritor barrense, “romances eternizaram-se, ilusões desmoronaram-se,
casamentos iniciaram-se e nasceram dos encontros realizados na praça Monsenhor
Bozon. Era a juventude exuberante, sadia em suas confraternizações
domingueiras”. Atualmente, a Praça Monsenhor Bozon não tem as mesmas características
e o charme dos anos 60; perdeu a graça e o romantismo daquela bela época.
No livro Galápagos – Poesias de degredo, de autoria do jovem barrense Joaquim
Ferreira Neto, um poema com o título “O Coreto”, cai como uma luva nessa
crônica que ora escrevo. E por esta razão, passo a transcrever a seguir, na
íntegra, os versos do mencionado poeta:
“O CORETO”
Passos da banda Lira
Barrense,
trazem os sonhos de
menino,
a desovar nas canções e
cantigas.
A inocência de menino
busca o sopro,
vista pelo predador
trombone,
No entanto o sangue ferve.
Tece o sopro musical feito
à brisa de outubro,
reincide o sax de som tão
efêmero.
No entanto arrastando as
marchinhas,
o canto a bordo das
crianças,
dos idosos e do povão.
A canção afunda os ouvidos
nas rachaduras,
Da vida de um passado
local,
O que é nostalgia,
vira lembranças,
e o que é viagem,
vira esperanças.
O coreto de cimento
é o trilho do vagão das
canções líricas!
No sopro vivo da linda,
monsenhor Bozon.
Em 1970, o então prefeito decidiu, inexplicavelmente,
reformar a praça, modificando totalmente sua fascinante estrutura arquitetônica,
mantendo, porém, a sua denominação antiga: “Praça Monsenhor Bozon”. Hoje, “a
praça não tem graça”, poder-se-iam dizer assim os mais antigos moradores da
cidade.
Quanto à destruição da Praça
Monsenhor Bozon, abaixo transcrevo o protesto contundente do ilustre e
exaustivamente citado autor de “Barras, Histórias e Saudades”.
“Infelizmente, por desconhecimento de
governantes, ignorantes a respeito da conservação de monumentos e de memórias
dos povos, não se soube preservar para as futuras gerações esses marcos
erguidos pelos nossos antepassados com muitos sacrifícios. Nossa praça foi
demolida, sem nenhuma razão, em 1970, pelo prefeito da época, (...).”
(*) Chico Acoram Araújo é funcionário público federal, contador e cronista
Mais um resgate de nossa história que nos proporciona Chico Acoram, com seu poder de descrição que bem imita a realidade. Quem nunca passeou em volta de um Coreto de uma Praça em nossas cidades? Isso era a moda dos anos setentas. Onde iniciavam as paqueras. Uma pena é que a linda Praça Original só existe em fotos. Mais uma vez parabéns aos dois: José Pedro (Folhas Avulsas) e Chico Acoram. Vamos lá. Cada um dando o seu recado.
ResponderExcluirObrigado, Dr. Francisco Almeida. Vamos garimpar outros assuntos pertinentes ao meu torrão natal e Teresina, com vistas a escrever mais uma possível crônica. Um abraço.
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