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José Pedro Araújo
Nessas minhas andanças como
profissional da agronomia vi tanta coisa que, caso fosse registrar aqui nessas
páginas avulsas, tomaria um espaço enorme. Vi coisas boas, mas também ruins.
Coisas tristes, outras jocosas, engraçadas. Mas todas serviram para a formação
desse escriba, uma vez que o homem está sempre em processo de aprendizagem.
Alguns podem até arguir que tudo o que se viu no passado não nos serve muito,
pois o que nos aparece pela frente são sempre desafios novos, que a nossa
prática de nada nos serve para enfrentá-los. A propósito dos que pensam assim,
transfiro para cá o memorialista Pedro Nava que dizia: “experiência é um farol
voltado para trás...”. Mas, enfim, acho que de alguma coisa os aprendizados
colhidos vida afora, devem prestar. Ou não?
Bem, como ia dizendo no início
desta escrita, vi algumas coisas que pensei só existirem nos folhetins ou na
criatividade oral. Como quando me deparei com o que acontecia amiúde com um
certo cidadão de grande respeitabilidade em uma cidadezinha encravada nas
margens do portentoso e belo rio Araguaia. O homem a quem me refiro era um
comerciante importante naquela comunidade, e privava da amizade e do
reconhecimento de boa parte da população do município, sobretudo da chamada
nata da sociedade local. Chegou a se eleger vereador por alguns mandatos, por
ai avaliem a respeitabilidade do nosso personagem.
Além desses requisitos, o homem
ainda possuía um porte elevado, era magro, vistoso, e só andava de pano
passado, engomado e bem perfumado. Ao contrário dele, sua mulher era baixinha,
meia gordota, desleixada, e exagerava até mesmo nos gestos. E trazia seu marido
em rédea curta, porquanto o homem era meio danado quando o assunto era
mulher.
A cidadezinha a qual me refiro
era muito pequena naqueles tempos, com uma população desconfiada, pois, segundo
afirmavam, parte dela era composta por fugitivos da justiça advindos de todas
as partes do nordeste. Se era verdade a afirmação, não posso garantir. Mas, de
uma coisa estejam certos, era gente que não gostava de perguntas, de serem
interpelados, indagados do seu passado. A cidade era tão pequena que o tal
ambiente das mulheres livres ficava a poucos passos do centro, e a poucos metros
da principal rua do comércio. E o nosso vereador, bem, esse era figura que
marcava ponto por ali quase todas as noites. Aproveitava o fato de a mulher ter
ido à missa e dava uma passadinha por lá para não perder o hábito. Tinha até
mesmo uma mulher que mantinha “de um tudo”. E essa, não poucas as vezes, andou
levando uns safanões da esposa do edil.
O homem, como já afirmei, era
importante e vivia cercado de amigos que o acompanhavam nas suas escapadas. No
geral, era gente importante também, alguns até mesmo de certa idade, e quase
todos compadres do nosso personagem. Seus acompanhantes viviam tomando banho
cerveja, pois quando a sua mulher chegava ao ambiente festivo, a primeira coisa
que fazia era lançar mão dos copos que estavam sobre a mesa e arremessava todo
o liquido no marido e em quem mais
estivesse à mesa. Somente depois era que partia para cima da mulher que ele
tinha sobre os joelhos. Era um bafafá sem tamanho, mas todo o mundo já estava
acostumando.
Nessas ocasiões, o homenzarrão
ponderava com fala mansa: “amor não faça isso! Olha o escândalo!”. E ela: “se
você se preocupasse mesmo com escândalo, meu bem, não vinha se meter com essas
p...!”. “Vamos já pra casa, irresponsável!”.
E saia rua acima despejando impropérios
sobre o marido e contra os amigos que lhe prestavam solidariedade, mesmo
naquela situação vexaminosa. A população já estava acostumada com isso, e
ninguém saia à porta de casa para observar a subida do animado cortejo, pois
sabiam que sobrariam alguns nomes cabeludos para eles também. Por esta razão,
ficavam observando apenas por uma pequena brecha na janela as cutucadas que a
mulher desferia no marido. E ele nem por isso reagia com mais energia. Sabia
que logo a tempestade amainava e tudo voltava ao normal.
Quem se incomodava com isso era
os amigos, que eram obrigados a seguir no grupo também, uma vez que ela
afirmava decidida que, “já que vocês levaram o meu marido para o antro de
perdição, vão ter de acompanhá-lo até em casa novamente”. E ai deles se não
fizessem o que ela determinava.
O que ela não sabia, era que o
marido era quem carregava os amigos para onde ia, alguns deles quase a
contragosto. E já muito chateados com essa situação, que se repetia amiúde, viviam aconselhando o homem a buscar alternativas para as suas
escapadelas. Diziam, por exemplo, que ele poderia pegar a mulher lá no ambiente
e levá-la para o Aeroporto da cidade, como faziam os rapazes com as namoradas. O
aeroporto, na verdade, era uma simples pista de pouso, piso de piçarra, que
ficava na saída cidade, já bem mais distante. E de tanto receber essa
orientação, o vereador resolveu atender ao apelo.
Certa noite, ainda muito cedo, ele
retirou o carro da garagem e foi em busca dos amigos. Se era para fazer isso,
eles teriam que ir também. Passaram no cabaré e acabaram de encher o carro com
as mulheres de lá. O Del Rey rodou pela rua principal apinhado de gente, lotação
muito maior do que a capacidade prevista. E isso, naturalmente, chamou a
atenção de todos, uma vez que tinham que passar pela rua principal para ter acesso
ao aeroporto. E quando a mulher retornou da missa e deu pela falta do marido,
foi logo se enchendo de raiva e vociferando que o danado já devia ter ido lá
para o lugar de costume.
Entretanto, mal saiu de casa, já
encontrou uma amiga, daquelas que adoram ver o circo pegar fogo, e esta logo lhe deu a
dica de onde ela poderia encontrar o marido peralta. Afinal, todos sabiam para onde eles se
dirigiam quando o automóvel passou pela rua, cheio de putas.
Dessa vez ela fez diferente.
Passou na casa de cada um dos compadres e arrastou com ela as esposas destes, e
foram juntas para o aeroporto. Lá chegando, depararam-se com alguns carros
parados, mas não tiveram dificuldades em identificar o Del Rey. Aproximando-se
sorrateiramente, viram que a chave havia sido deixada no contato, e parte das
roupas dos amantes noturnos estavam jogadas sobre os bancos do carro. Ela então
saiu à cata dos homens e foi encontrando roupas pelo caminho, que ela,
juntamente com as amigas, foram juntando até se darem por satisfeitas. Feito
isto, voltaram para o caro, partiram levando o automóvel com todas as roupas
dos maridos, e das mulheres também. Mas ainda não se deram por satisfeitas. Ficaram
na entrada da cidade, num local que sabiam que os homens, fatalmente, teriam
que passar.
Ia me esquecendo de dizer que a
luz elétrica da cidade era fornecida por um motor que, às dez da noite, parava
de fornecê-la, como acontecia em todas as cidadezinhas cujo sistema elétrico
era análogo.
Quanto aos homens, ao terminarem
o que foram fazer lá no aeroporto, foram em busca das roupas largadas e deram
pela falta delas. Correram para o carro e não o encontraram também. Apavorados,
passaram a acreditar que alguém havia roubado tudo. Nem imaginavam quem havia
perpetrado aquele golpe., diante disto, só havia uma coisa a
fazer: esperar a luz ir embora e seguirem para casa, aproveitando-se da
escuridão. E seja o Deus quiser.
E assim fizeram. Mal a luz se apagou, o grupo
saiu de mansinho, nas mãos alguns ramos de arbusto para encobrir as vergonhas,
e tomaram o caminho de casa.
Entretanto, mal entraram na via
pública, deram de cara com o grupo de mulheres que esperavam calmamente por
eles. As prostitutas quiseram correr, mas receberam ordem de ficarem onde
estavam, sob pena de sofrerem consequências funestas.
Para encurtar essa história que
já está muito longa, acrescento apenas que o vereador nesse dia levou uns
safanões de verdade. Mas o que complicou mesmo a situação foi que as mulheres
embarcaram no Del Rey, faróis ligados, e determinaram que os maridos e as mulheres da vida fossem na
frente. Foi assim o grupo de nudistas desceu a rua principal, comboiados pelo carro
com os faróis ligados, clareando-lhes o caminho. Era uma cena das mais hilárias. Algo nunca visto por ali.
Vez por outra, o vereador se
atrasava, aproximava-se da porta do carro, e tentava convencer a mulher sobre o exagero daquilo tudo. Nesses momentos,
ela, sem diminuir a marcha, aplicava-lhe alguns beliscões e o mandava retomar a
caminhada. A população inteira da cidade estava à espera do desfecho daquele
caso. Até parecia que alguém saíra divulgando o caso de casa em casa.
Nunca, jamais alguém havia visto
cena tão patética com aquela. Nem homens tão mansos e acabrunhados como aqueles,
seguindo naquela procissão tão invulgar.
Como sempre, muito boa sua crônica!!!!
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