quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Homem respeitável também apanha de mulher.

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José Pedro Araújo

Nessas minhas andanças como profissional da agronomia vi tanta coisa que, caso fosse registrar aqui nessas páginas avulsas, tomaria um espaço enorme. Vi coisas boas, mas também ruins. Coisas tristes, outras jocosas, engraçadas. Mas todas serviram para a formação desse escriba, uma vez que o homem está sempre em processo de aprendizagem. Alguns podem até arguir que tudo o que se viu no passado não nos serve muito, pois o que nos aparece pela frente são sempre desafios novos, que a nossa prática de nada nos serve para enfrentá-los. A propósito dos que pensam assim, transfiro para cá o memorialista Pedro Nava que dizia: “experiência é um farol voltado para trás...”. Mas, enfim, acho que de alguma coisa os aprendizados colhidos vida afora, devem prestar. Ou não?

Bem, como ia dizendo no início desta escrita, vi algumas coisas que pensei só existirem nos folhetins ou na criatividade oral. Como quando me deparei com o que acontecia amiúde com um certo cidadão de grande respeitabilidade em uma cidadezinha encravada nas margens do portentoso e belo rio Araguaia. O homem a quem me refiro era um comerciante importante naquela comunidade, e privava da amizade e do reconhecimento de boa parte da população do município, sobretudo da chamada nata da sociedade local. Chegou a se eleger vereador por alguns mandatos, por ai avaliem a respeitabilidade do nosso personagem.

Além desses requisitos, o homem ainda possuía um porte elevado, era magro, vistoso, e só andava de pano passado, engomado e bem perfumado. Ao contrário dele, sua mulher era baixinha, meia gordota, desleixada, e exagerava até mesmo nos gestos. E trazia seu marido em rédea curta, porquanto o homem era meio danado quando o assunto era mulher. 

A cidadezinha a qual me refiro era muito pequena naqueles tempos, com uma população desconfiada, pois, segundo afirmavam, parte dela era composta por fugitivos da justiça advindos de todas as partes do nordeste. Se era verdade a afirmação, não posso garantir. Mas, de uma coisa estejam certos, era gente que não gostava de perguntas, de serem interpelados, indagados do seu passado. A cidade era tão pequena que o tal ambiente das mulheres livres ficava a poucos passos do centro, e a poucos metros da principal rua do comércio. E o nosso vereador, bem, esse era figura que marcava ponto por ali quase todas as noites. Aproveitava o fato de a mulher ter ido à missa e dava uma passadinha por lá para não perder o hábito. Tinha até mesmo uma mulher que mantinha “de um tudo”. E essa, não poucas as vezes, andou levando uns safanões da esposa do edil.

O homem, como já afirmei, era importante e vivia cercado de amigos que o acompanhavam nas suas escapadas. No geral, era gente importante também, alguns até mesmo de certa idade, e quase todos compadres do nosso personagem. Seus acompanhantes viviam tomando banho cerveja, pois quando a sua mulher chegava ao ambiente festivo, a primeira coisa que fazia era lançar mão dos copos que estavam sobre a mesa e arremessava todo o liquido  no marido e em quem mais estivesse à mesa. Somente depois era que partia para cima da mulher que ele tinha sobre os joelhos. Era um bafafá sem tamanho, mas todo o mundo já estava acostumando.

Nessas ocasiões, o homenzarrão ponderava com fala mansa: “amor não faça isso! Olha o escândalo!”. E ela: “se você se preocupasse mesmo com escândalo, meu bem, não vinha se meter com essas p...!”. “Vamos já pra casa, irresponsável!”.

E saia rua acima despejando impropérios sobre o marido e contra os amigos que lhe prestavam solidariedade, mesmo naquela situação vexaminosa. A população já estava acostumada com isso, e ninguém saia à porta de casa para observar a subida do animado cortejo, pois sabiam que sobrariam alguns nomes cabeludos para eles também. Por esta razão, ficavam observando apenas por uma pequena brecha na janela as cutucadas que a mulher desferia no marido. E ele nem por isso reagia com mais energia. Sabia que logo a tempestade amainava e tudo voltava ao normal.

Quem se incomodava com isso era os amigos, que eram obrigados a seguir no grupo também, uma vez que ela afirmava decidida que, “já que vocês levaram o meu marido para o antro de perdição, vão ter de acompanhá-lo até em casa novamente”. E ai deles se não fizessem o que ela determinava.

O que ela não sabia, era que o marido era quem carregava os amigos para onde ia, alguns deles quase a contragosto. E já muito chateados com essa situação, que se repetia amiúde, viviam aconselhando o homem a buscar alternativas para as suas escapadelas. Diziam, por exemplo, que ele poderia pegar a mulher lá no ambiente e levá-la para o Aeroporto da cidade, como faziam os rapazes com as namoradas. O aeroporto, na verdade, era uma simples pista de pouso, piso de piçarra, que ficava na saída cidade, já bem mais distante. E de tanto receber essa orientação, o vereador resolveu atender ao apelo.

Certa noite, ainda muito cedo, ele retirou o carro da garagem e foi em busca dos amigos. Se era para fazer isso, eles teriam que ir também. Passaram no cabaré e acabaram de encher o carro com as mulheres de lá. O Del Rey rodou pela rua principal apinhado de gente, lotação muito maior do que a capacidade prevista. E isso, naturalmente, chamou a atenção de todos, uma vez que tinham que passar pela rua principal para ter acesso ao aeroporto. E quando a mulher retornou da missa e deu pela falta do marido, foi logo se enchendo de raiva e vociferando que o danado já devia ter ido lá para o lugar de costume.

Entretanto, mal saiu de casa, já encontrou uma amiga, daquelas que adoram ver o circo pegar fogo, e esta logo lhe deu a dica de onde ela poderia encontrar o marido peralta. Afinal, todos sabiam para onde eles se dirigiam quando o automóvel passou pela rua, cheio de putas.

Dessa vez ela fez diferente. Passou na casa de cada um dos compadres e arrastou com ela as esposas destes, e foram juntas para o aeroporto. Lá chegando, depararam-se com alguns carros parados, mas não tiveram dificuldades em identificar o Del Rey. Aproximando-se sorrateiramente, viram que a chave havia sido deixada no contato, e parte das roupas dos amantes noturnos estavam jogadas sobre os bancos do carro. Ela então saiu à cata dos homens e foi encontrando roupas pelo caminho, que ela, juntamente com as amigas, foram juntando até se darem por satisfeitas. Feito isto, voltaram para o caro, partiram levando o automóvel com todas as roupas dos maridos, e das mulheres também. Mas ainda não se deram por satisfeitas. Ficaram na entrada da cidade, num local que sabiam que os homens, fatalmente, teriam que passar.

Ia me esquecendo de dizer que a luz elétrica da cidade era fornecida por um motor que, às dez da noite, parava de fornecê-la, como acontecia em todas as cidadezinhas cujo sistema elétrico era análogo.

Quanto aos homens, ao terminarem o que foram fazer lá no aeroporto, foram em busca das roupas largadas e deram pela falta delas. Correram para o carro e não o encontraram também. Apavorados, passaram a acreditar que alguém havia roubado tudo. Nem imaginavam quem havia perpetrado aquele golpe., diante disto, só havia uma coisa a fazer: esperar a luz ir embora e seguirem para casa, aproveitando-se da escuridão. E seja o Deus quiser.
 E assim fizeram. Mal a luz se apagou, o grupo saiu de mansinho, nas mãos alguns ramos de arbusto para encobrir as vergonhas, e tomaram o caminho de casa.

Entretanto, mal entraram na via pública, deram de cara com o grupo de mulheres que esperavam calmamente por eles. As prostitutas quiseram correr, mas receberam ordem de ficarem onde estavam, sob pena de sofrerem consequências funestas.

Para encurtar essa história que já está muito longa, acrescento apenas que o vereador nesse dia levou uns safanões de verdade. Mas o que complicou mesmo a situação foi que as mulheres embarcaram no Del Rey, faróis ligados, e determinaram que os maridos e as mulheres da vida fossem na frente. Foi assim o grupo de nudistas desceu a rua principal, comboiados pelo carro com os faróis ligados, clareando-lhes o caminho. Era uma cena das mais hilárias. Algo nunca visto por ali.

Vez por outra, o vereador se atrasava, aproximava-se da porta do carro, e tentava convencer a mulher sobre o exagero daquilo tudo. Nesses momentos, ela, sem diminuir a marcha, aplicava-lhe alguns beliscões e o mandava retomar a caminhada. A população inteira da cidade estava à espera do desfecho daquele caso. Até parecia que alguém saíra divulgando o caso de casa em casa.

Nunca, jamais alguém havia visto cena tão patética com aquela. Nem homens tão mansos e acabrunhados como aqueles, seguindo naquela procissão tão invulgar.

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