Arte da Capa: Ricardo Araújo |
José Pedro Araújo
A presença indígena em terras do
Curador - A literatura é pobre em registros
sobre quais tribos habitavam a região do Curador no princípio da colonização
maranhense, entretanto, pode-se dela retirar passagens importantes na
elucidação desta questão. São registros importantes que possibilitam identificar
o nome dessas tribos, até quando permaneceram em solo presidutrense e para onde
se deslocaram depois.
Sabe-se, por exemplo, que esta região era infestada por
índios da nação Timbiras que ocupavam as terras situadas entre o Mearim e o
Itapecuru, e se constituía também em passagem obrigatória de indígenas
desgarrados que estavam naquele momento fugindo das guerras travadas contra o
homem branco(a exemplo dos Timbiras quando expulsos do território piauiense que
depois se refugiaram no oeste maranhense).
Existem ainda alguns registros que nos dão conta de que
nesta região viveram, em tempos remotos, algumas tribos indígenas. É o que se
depreende ao se analisar alguns vestígios da passagem desses ancestrais
deixados na lagoa do Binga, onde foram achados restos de vasos e de outros
instrumentos em cerâmica reconhecidamente indígena. Essas pistas foram
descobertas por trabalhadores quando retiravam areia nas proximidades de um
paredão rochoso, de onde brotava uma nascente de água potável. Aliás, desse mesmo
lugar, durante muito tempo se retirou água para o consumo dos habitantes do
Curador. E, pela idade, aspecto e forma rudimentar dos vasilhames encontrados,
calcula-se que às margens da lagoa acima identificada viveram silvícolas
atraídos pela abundante caça, e pela facilidade de construção de suas ocas,
utilizando-se da presença, em larga escala, da palmeira do babaçu.
Sabe-se, ainda, que é tradição do povo Timbira ter como
morada permanente as imediações de algum manancial importante, lugar que
ofereça condições ideais para a pesca, a caça, a coleta de frutas, e que também
apresente solos propícios ao plantio anual da mandioca, da batata, do feijão e
do milho catité ou zaburro, espécie
do cereal cultivado por seus ancestrais, e que apresentam grãos coloridos e com
tamanho mais reduzido.
Esses mesmos silvícolas quando as chuvas sumiam, o leito dos
rios baixava e o sol esturricava o solo, partiam os caçadores mais adestrados
na arte em busca de regiões já previamente determinadas para se estabelecerem
até a volta das águas. Segundo o costume, atrás deles, com algumas horas de
diferença, seguiam as mulheres com as crianças e os mais velhos, empreendendo
viagem na mesma direção.
Às vezes caminhavam por vários dias até chegar ao local
idealizado. Lá, organizavam a aldeia, segundo os seus costumes, protegendo-se
do ataque de alguma tribo inimiga ou mesmo do homem branco, escolhendo ainda
áreas com abundante caça. A região do Curador poderia estar perfeitamente
integrada a uma situação como essa, já que possuía caça abundante e todas as
outras situações que eram pré-requisito a uma boa estada. O certo é que, ou
local definitivo, ou campo de caça dos Sacramecrãs(tribo Timbira), nossas terras foram habitadas por muitos indígenas durante muitos
séculos.
Quando os primeiros brancos chegaram à região se depararam
com uma situação inusitada: todas as nascentes de água estavam obstruídas com
pedras e paus, e dentro delas havia muitos animais mortos. Antes de partir, os
indígenas haviam contaminado a água, dificultando a permanência dos novos
ocupantes. Esta era uma prática indígena corriqueira que visava expulsar os
indesejáveis de suas terras, ou, pelo menos, dificultar-lhes a permanência
nelas.
Existem ainda algumas referências bibliográficas que atestam
o que estamos afirmando, de que nessa região já residiram muitos indígenas.
Entre estas, podemos citar a obra do Professor Júlio César Melatti, da Universidade de Brasília, importante
estudioso das questões indígenas e um dos autores da Enciclopédia dos Povos Indígenas no Brasil. Este compêndio detalha
bem em um mapa denominado Maranhão:
frente agrícola e pastoril no início do século XIX, que a área onde se
encontra o município de Presidente Dutra foi também habitada por índios
Timbiras.
É dele também a informação de que dois povos Timbiras que
viviam na faixa que vai do rio Itapecuru ao Mearim desapareceram como grupos
autônomos, sendo que um deles, os Txocramekrás
(Sacramecrãs ou Mateiros), ocupavam a faixa de terra de mata que se
localiza a oeste do rio Itapecuru e segue até o rio das Flores, onde estavam
nucleados. É precisamente nessa região descrita pelo pesquisador que se
localiza o território de Presidente Dutra.
Discorrendo ainda sobre os fatores que contribuíram para não
se ter mais a presença indígena em nossa região, ele cita uma informação
repassada pelo sertanista Paula Ribeiro, de que os Sacramecras “sofreram uma derrota dos brancos no fim do
século XVIII. Foram surpreendidos por uma outra expedição em 1815 e
refugiaram-se no alto de uma serra. Os que daí desceram desarmados, enganados
por uma proposta de paz, aliança contra seus inimigos e promessas de
ferramentas, foram aprisionados e vendidos na praça de Caxias(Mellati)”.
Mas a principal referência que temos de que os silvícolas
habitaram estas terras antes de nós foi registrada pelo pesquisador alemão Curt Nimuendaju, considerado a maior
autoridade em assuntos indígenas no Brasil. É também de autoria deste
incansável estudioso o mais importante trabalho já realizado sobre indígenas
sul-americanos. Nesse estudo de fôlego, ele descreve com rara precisão sobre os
costumes, crenças e lendas, identifica a sua língua, e, principalmente,
determina sua localização exata. Mas não apenas somente isso, também sinaliza
para onde foram, e quando se deu essa emigração. Detalhou, por fim, quais os
povos hoje extintos e o ano aproximado em que isto aconteceu.
Em seu Mapa
Etno-Histórico, publicado em 1944, sob encomenda do Instituto Histórico e
Geográfico do Brasil, republicado em edição fac-similar pelo IBGE em parceria
com o Instituto Pró-Memória, em 1981, Nimuendaju afirma que os
Kakamekrás(Txocramekrás, Sacramecrãs ou Mateiros), pertencentes ao tronco
linguístico Jê, habitaram nosso território até o século XIX, tendo migrado
depois de sucessivos ataques de brancos que desciam de Caxias e Pastos Bons,
para a região do rio Alpercatas.
Confirma assim as informações emitidas
muito depois pelo prof. Melatti, que omitiu apenas a informação de que o
remanescente desse povo, ao sofrer tantos ataques do homem branco, fugiu para a
região do rio Alpercatas, afluente do Itapecuru, indo mais tarde se juntar aos
Canelas na região de Barra do Corda. Essa última migração se deu depois de
ficarem reduzidos a um pequeno grupo, quase exterminados que foram pelos
Capiecrãs, seus adversários históricos, e tantas vezes batidos por eles em
longas refregas.
Elimina quaisquer dúvidas que porventura ainda persistissem
quanto à presença desses povos no Curador o depoimento do major graduado
português Francisco de Paula Ribeiro,
comandante do destacamento militar sediado em Pastos Bons naquela época. Esse
importante trabalho, realizado em 1819, é hoje objeto de pesquisa da totalidade
dos estudiosos que procuram se debruçar sobre o desbravamento dos sertões
maranhenses. Na forma de um diário, este indomável e incansável pacificador
denominou suas anotações de “Memória
sobre as nações gentias que presentemente habitam o continente do Maranhão”. Fonte
inesgotável de informações sobre a sua época, teve umas de suas novas
publicações coordenada pelo professor
João Renôr F. de Carvalho em parceria com o também historiador Adalberto Franklin, e nele Paula
Ribeiro faz referência à presença dos Txocramekrás no local citado pelos outros
estudiosos acima mencionados, com um nível de detalhamento excepcional.
É dele a informação, dentre outras também importantes, de
que esses índios foram atacados por uma expedição comandada por paisanos,
ajudados por índios domesticados, fato já narrado em página anterior. O saldo
final da “entrada” foi o
aprisionamento de cerca de 300 índios, o assassinato de muitos outros, aí
incluídos velhos, mulheres e crianças, como também o estupro de suas mulheres e
filhas. Terminada a nefasta operação, levaram-nos para a Vila de Caxias, onde
os mais jovens foram comercializados como escravos.
Afirma, finalmente, Paula Ribeiro, que quando alguns desses
pobres miseráveis conseguiam fugir e retornar à aldeia, eram mortos pelos
próprios irmãos, sob o pretexto de que teriam adquirido o costume dos brancos
invasores, tal era o ódio que nutriam pelos seus detratores. Sobre essa página
triste da nossa historia, veja o que dizia o Major Paula Ribeiro:
"Em 1815, uma tal ou qual escolha de
paisanos, dirigida pelo expediente judicial da vila de Caxias, saiu de Pastos
Bons contra esses Timbiras, auxiliada por outros Timbiras seus inimigos... Mas
quão diferente não foi deste acolhimento protestado aquele que receberam na
crueldade com que a sangue frio foram ali mesmo mortos, alguns atraiçoadamente;
nas prisões com que imediatamente agrilhoaram outros, e na infame partilha que
se fez das suas famílias em tom de escravos perpétuos, chegando a ser
arrematados em leilão público na praça da vila de Caxias, e levados aos
escaroçadouros dos algodões daquele distrito, aonde, amarrados como macacos ao
cepo, foram asperamente castigados para adiantar a tarefa do serviço consignado
pelos seus ilegítimos senhores, no entanto que talvez sofriam fomes
intoleráveis! Feliciano Francisco Cordeiro, morador na fazenda Inhuma, em Pastos Bons, nos
relatou que empregara quatrocentos ou quinhentos mil réis na compra desses
escravos, mas que persuadido depois da ilegitimidade desse contrato, não
querendo estar pela sua validade, fora citado para se legitimar em juízo. Nada porém nos
admira tanto, relativo a semelhante questão, como haver esse juízo que lho
legitimasse”.(p. 217, 1819).
Ao que parece, todas as autoridades constituídas estavam
envolvidas nos atos espúrios e cruéis praticados contra os aborígenes, até
mesmo as relacionadas à justiça. E isso era prática comum, não era fato
isolado. Encontram-se registrado em documentos existentes no Arquivo Público do
Maranhão, inúmeras ordens emitidas pelos Governadores da Província, autorizando
a captura de silvícolas com o propósito de transformá-los em escravos ou
soldados, e até mesmo muitas autorizações para o seu extermínio puro e simples.
No caso do extermínio e/ou prisão dos Sacramecrãs que viviam
nas matas centrais, fato noticiado pelo major Paula Ribeiro acima, o
capitão-general da Capitania do Maranhão enviou oficio, datado de 04.08.1815,
ao desembargador Luís de Oliveira Figueiredo e Almeida, juiz de fora da Vila de
Caxias, manifestando sua satisfação pela ação comanda pela autoridade judicial
contra os indígenas da mata, os quais “foram
destruídos e rendidos depois que não quiseram receber a aliança e amizade, que
o comandante da bandeira lhes ofereceu”. E continuou estimulando a dita
autoridade judiciária a prosseguir com a empresa para “conquista das terras” (Repertório de Documentos para a História
Indígena no Maranhão, p. 168, 1997, Coleção de documentos do APEM).
Defensor de medidas menos coercitivas contra os indígenas, o major
português descreveu o guerreiro Sacramecrã
como um índio de bom porte físico, corajoso e profundamente inteirado da arte
da guerra. Essa mesma percepção teve os cientistas austríacos Spix e Martius,
quando por aqui passaram, mais ou menos no mesmo período. Viandantes calejados
vinham observando o aspecto de muitas tribos com quem haviam mantido contato,
surpreendendo-se ao encontrarem indígenas de porte alto, musculosos, pele cor
de cobre, mas um pouco mais clara do que a tez dos nativos que encontraram
durante a longa travessia pelo país. Admiraram-se ainda com a fronte altiva
desses aborígenes, denotando terem a consciência de pertencerem a uma espécie
diferenciada. Estes cientistas permaneceram muitos dias em Caxias se
recuperando das doenças contraídas na viagem que quase lhes custaram a vida. E
enquanto aguardavam pela recuperação das próprias forças, curiosos que eram,
contataram com muitos dessa nação que andava pela povoação, todos trazidos à
força para lá, fruto das diversas incursões dos brancos em suas regiões de
origem.
Concluindo o assunto da presença de índios em terras do nosso município,
faz-se necessário informar que ouvimos diversos relatos de que os primeiros
habitantes da pequena e ainda incipiente povoação do Curador haviam recebido
muitas “ameaças” dos poucos indígenas que ainda estavam aldeados nas margens do
rio Preguiça, no trecho conhecido como Fortaleza, de que não tardariam a
invadir aquela povoação. Foram momentos, claro, de verdadeiro tormento para os
poucos habitantes do povoado na época, uma vez que nele não havia qualquer
contingente militar que os protegesse, em caso de concretização dessas ameaças.
Felizmente nada disso ocorreu. Antes que as tais ameaças se concretizassem, os
últimos bugres deixaram a região em função do grande número de colonos que
chegavam diariamente animados com as notícias da existência de terras férteis,
e agora quase “livres” na região. Descaracterizados como tribo autônoma, o pequeno
grupo juntou-se aos Canela de Barra do Corda, seus irmãos, afinal.
Parabéns, você é uma fonte viva de informações de nossa história municipal. Tenho lido todos seus artigos, aprecio suas pesquisas, e guardo-as. Nossa historia, memória dos pais fundadores, vejo como passo fundamental para o resgate de um futuro melhor em nossa cidade e região.
ResponderExcluirObrigado, caro amigo. Folgo em saber que o povo da nossa região se interessa pela luta empreendida pelos nossos antepassados para transformar uma região distante da capital, sem a força econômica da grande plantação e dos criadores abastados que se estabeleceram nas ribeiras do Mearim e do Itapecuru, não muito distante da sede mais rica. E isso me faz continuar pesquisando e escrevendo sobre o nosso chão. À falta de recursos de erudição, faço-o com a força de vontade e a audácia de um autêntico presidutrense. E faço-o para que os que vieram depois possam se aprofundar mais, pesquisar melhor e compor a verdadeira história dos nossos bandeirantes desprovidos de recursos financeiros que regaram com sangue e suor as terras do Japão maranhense!
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