José Pedro Araújo
Algumas histórias, ou acontecimentos, ocorridos durante as vinte
Copas do Mundo de Futebol jogadas até agora, muitas vezes são tão gostosas de
contar quanto um gol de mão e no último minuto da prorrogação. Algumas delas,
pelo ineditismo, merecem constar nos livros de história sobre o futebol
mundial com muita ênfase. Como a que ocorreu com o craque brasileiro Garrincha
durante a Copa do Mundo no Chile em 1962. O caso Sui Generis ocorreu mais ou
menos assim:
No jogo disputado entre o Brasil e o Chile pelas semifinais do
mundial de 1962, a seleção brasileira estava sem Pelé, mas contava com o craque
de pernas tortas Mané Garrincha no seu melhor momento. Endiabrado como nunca, nesse
dia o maior driblador da história do futebol mundial já vinha sendo caçado pelo
jogador chileno Eladio Rojas desde o começo da partida, tudo sob as vistas
coniventes do árbitro peruano Arturo Yamasaki. Mesmo assim, o craque brasileiro
já balançara as redes adversárias por duas vezes até aquele instante.
Por outro lado, nem os gols já marcados por Garrincha foram motivo
para o chileno o tratar com respeito devido à sua genialidade ou, pelo menos,
parasse de tratá-lo com tanta truculência e saboreasse a oportunidade que tinha
de enfrentar um dos maiores da história. Lembre-se que naquele tempo não
existia ainda a figura do cartão amarelo ou do vermelho. Ficava tudo na
admoestação verbal, o que, como no caso aqui narrado, fazia com que nunca se soubesse
o que ia pela cabeça do árbitro do jogo.
Cansado de tanto apanhar em campo, bordoadas cumuladas com
diversas cuspidas acintosas no rosto, tudo sob o olhar complacente do árbitro peruano,
Garrincha não suportou o assédio violento do adversário e, a certa altura do
jogo, revidou à altura a uma entrada recebida. Incontinente, o juiz Yamasaki o expulsou
de campo. Para a torcida, e para os demais que assistiam ao jogo, foi de uma
deslealdade gritante o fato do juiz ter punido justamente a vítima naquela
refrega, posto que tivesse sido o nosso craque acossado violentamente de todas
as formas dentro de campo pelo seu adversário. Já sem Pelé para partida final
contra a Tchecoslováquia, o Brasil perderia mais um dos seus principais
jogadores para aquela partida. Perderia, contudo, muito mais, a torcida, além
dos patrocinadores daquela copa, com aquele gesto tresloucado do árbitro.
Foi quando entrou em campo o chefe da delegação brasileira
naquela copa, o Dr. Paulo Machado de Carvalho, mais tarde chamado de “Marechal
da Vitória”. Empresário bem sucedido e acostumado ao trabalho de bastidores da
política, sobretudo quando era para defender seus interesses, ou de qualquer instituição
sob a sua responsabilidade, apelou ele a uma figura que tinha uma certa
influência na comissão de arbitragem para aquela copa, o também brasileiro João
Etzel Filho. Foi em busca de uma solução para o problema que desagradava a
todos. E foi ai que também entrou no jogo que não acabara até então outra
figura importante da partida contra o Chile: o auxiliar de arbitragem uruguaio
Esteban Marino.
O auxiliar uruguaio, exatamente por atuar durante a partida
como bandeirinha, precisava assinar, juntamente com o juiz do jogo, além do
outro bandeira, a súmula do jogo que seria encaminhada para comissão de
arbitragem. Mas o uruguaio Esteban deixou Santiago incógnito, desapareceu,
virou fumaça, sem concluir a sua obrigação. Sem isso, a súmula do jogo perderia
a sua validade, e a expulsão do jogador brasileiro ficaria sem efeito. E logo
as versões mais desencontradas ganhariam o mundo e virariam fofoca no meio
futebolístico. Alguns afirmavam até que a Confederação Brasileira de Futebol, a
CBD, havia desembolsado cerca de 15.000,00 dólares para fazer com que o
bandeirinha sumisse sem assinar a bendita súmula, antecipando o seu retorno
para casa. Mas outros diziam que não fora tanto dinheiro assim, que o auxiliar
do árbitro Yamasaki se contentou com bem menos, apenas e tão somente U$
5.000,00, para escafeder-se e esquecer de assinar o documento que teria
importância vital na escalação da seleção do Brasil para o jogo seguinte.
A verdade é que todo mundo trabalhou no sentido de que aquela
expulsão injusta não prejudicasse o espetáculo que seria realizado dai a quatro
dias. A imprensa não mencionou a expulsão do craque; os organizadores da copa
não gastaram um só minuto para encontra o bandeirinha desaparecido; e até mesmo
a direção da seleção adversária, a Tchecoslováquia, intercedeu para que o
jogador brasileiro estivesse em campo para enriquecer o espetáculo.
E assim todos saíram ganhando com mais uma jogada genial do
craque Garrincha, escolhido o melhor jogador do mundial após o Brasil bater a
Tchecoslováquia na final, no Estádio Nacional do Chile, pelo placar de 3x1. O
que de fato ocorreu nunca ninguém ficou sabendo, mas virou história. Sem a
emoção que envolveu o caso naquele instante após a expulsão injusta do
brasileiro, e sem se levar em conta a importância que teria para a aquela final
a presença de um craque fenomenal como Garrincha em campo, o fato constituiu-se
apenas em mais uma patuscada cometida pelos homens que controlam o futebol
mundial. Hoje se costuma julgar com muita severidade fatos ocorridos no passado
sem se levar em conta os principais componentes que enfeixavam as porfias
travadas.
Mas, para muitos, o que aconteceu naqueles distantes dias foi
que, mesmo transitando-se por caminhos tortuosos, acabou-se por se fazer
justiça, decisão aprovada e sacramentada pelos deuses do futebol que nem sempre
estão alerta ao que acontece dentro das quatro linhas, a ponto de deixar sempre
que as injustiças transitem à larga pelos campos de jogo. Bom para o Brasil que
conquistou o seu segundo caneco ao impingir uma derrota por 3x1 sobre os Tchecos
e os Eslovacos, por aquela época ainda jogando juntos, defendendo a mesma
bandeira e envergando a mesma camisa. Histórias do futebol!
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