(José Pedro Araújo)
Estávamos
no início do governo militar que comandaria o país pelos 25 anos seguintes,
quando chegou à cidade um jovem juiz de direito para assumir os destinos da
comarca. Seu nome, José de Ribamar Fiquene, cidadão tranquilo, amante das
letras e das artes, logo nos brindou com duas das coisas mais importantes que
se pode presentear a um cidadão: o acesso à justiça e uma educação de
qualidade. O acesso à justiça foi feita através do emprego efetivo da lei, e à
educação quando fundou na cidade o um ginásio, o curso normal e o curso de
contabilidade. Fiquene criara o hábito de abrir escolas por onde passava, proporcionando
o acesso à educação aos estudantes que não possuíam recursos suficientes para
se deslocarem para outras cidades onde pudessem dar continuidade aos estudos. Seu
legado foi se estendo por onde passou até culminar com a fundação de uma
universidade na cidade de Imperatriz. Não se sabe se apenas por gostar de gente,
mas o certo é que a providência divina o presenteou com o cargo de governador
de todos os maranhenses, cunhando seu nome definitivamente na história do
Maranhão.
Hoje
é possível avaliar que a qualidade do ensino do nosso colégio não ficava a
dever a nenhum outro, pois possuía um corpo docente que, favorecido por um
conjunto de fatores favoráveis, fez com que se juntasse naquela época um grupo coeso
e com profissionais da qualidade do professor universitário Hubert Lima de
Macedo(história), do engenheiro Onildo Fortes(matemática), e do próprio Dr. Fiquene(português), além de
muitos outros que por lá passaram.
Vivíamos
um tempo de revolução dos costumes, através da música e das artes. Enquanto nos
Estados Unidos da América e na Europa alguns cabeludos se insurgiam à velha
ordem estabelecida criando o movimento hippie, aqui no país nossos jovens pariam
um novo ritmo musical, a bossa nova, que assombrava o mundo com seu incrível teor
melódico e suas letras simples, mas rebuscadas.
Enquanto lá fora os Beatles horrorizavam os pais de família com suas
músicas de protesto contra o preconceito e a tirania, aqui o regime militar arrochava
o torniquete mais ainda, fazendo com que músicos como Chico Buarque, Caetano
Veloso, Torquato Neto, Gilberto Gil, entre tantos outros, se rebelassem e
gritassem em alto e bom som o slogan dos estudantes franceses que diziam “é
proibido proibir”.
Ao
mesmo tempo, estimulados pelos ventos de liberdade que vinham do exterior,
quase nunca noticiado pela imprensa brasileira ajoelhada perante o regime estabelecido,
um grupo de estudantes do GPD resolveu sair da mesmice e, ao acabar a aula, se
organizava em marcha e descia a Rua Grande cantando palavras de ordem, como se
estivessem em um desfile militar. Marchavam, falavam palavras de ordem e
cantavam. Qualquer música, em qualquer ritmo. Queriam apenas sair do marasmo em
que se encontravam. Era uma brincadeira simples, sem intenção de se contrapor
ao regime instalado, mas o fato é que desagradou a certas pessoas com poder de
mando. Naquele tempo as luzes da cidade se acendiam às 06h00min da tarde e apagavam-se às 10h:00min da noite. As tais
marchas aconteciam exatamente após esse horário, passando talvez uma ideia de
insubordinação. O certo é que algumas pessoas da comunidade procuraram o juiz
da comarca, e também diretor do colégio, de onde se originavam as passeatas, pra
reclamar da situação. Alegravam quebra do silêncio noturno.
Chamados
pelo diretor para justificar tais atos, os líderes da brincadeira responderam
que não estavam provocando nenhuma desordem e, apesar da insistência do diretor
para que parassem com os desfiles, continuaram a fazê-los. Prosseguiram com as
marchas e alguns dias depois depois foram chamados à presença do diretor
novamente. Foram advertidos de que estavam suspensos em razão da
insubordinação. Apesar do respeito e da admiração que o Dr. Fiquene gozava no
seio da classe estudantil, houve uma revolta generalizada no seio do alunado pelo
que consideravam uma punição injusta e, portanto, desnecessária contra aqueles estudantes
que só queriam se divertir, saindo da mesmice que atingia aos jovens de uma
pequena cidade do interior como aquela. Mas a coisa pararia por ai, estancaria
apenas no sentimento de insatisfação se alguns indivíduos de má índole não
tivessem se aproveitado do ensejo para lançar sobre o juiz todo o ódio que possuíam em razão de alguma decisão contrária aos seus interesses. E assim, no
dia seguinte, e em pontos estratégicos da cidade como o mercado público, o
Banco do Estado e a Agência dos Correios, apareceram afixados à parede panfletos
apócrifos com calúnias virulentas contra o juiz e sua família. Pessoas sem
nenhum escrúpulo haviam se aproveitando do acontecido com os estudantes para derramar
a sua bílis em forma de mentiras e calúnias sobre um cidadão que só havia
trazido o bem para a comunidade.
E
a reação do magistrado e diretor do ginásio
não se fez esperar, caindo na armadilha preparada pelos detratores.
Achando que aqueles panfletos caluniosos haviam sido escrito pelos estudantes
punidos por ele no dia anterior, determinou que uma guarnição militar se
deslocasse à casa de cada um daqueles rapazes com ordem para aprisioná-los, sob
a acusação de terem atingido a honra da principal autoridade judicial do
município. Ordem dada, ordem cumprida. Os jovens estudantes, alheios a tudo o
que estava acontecendo, foram surpreendido ainda em casa enquanto dormiam.
Foi
o que bastou para deflagrar uma onda de crescente descontentamento por parte
dos estudantes que, ainda nesse dia, princípio da noite, ocuparam a praça São
Sebastião, a principal da cidade. Em frente a casa em que morava o juiz iniciaram
um ato pacífico de protesto que entrou noite a dentro. Estava quebrado o elo de
confiança que unia o jovem juiz e educador e a classe estudantil da cidade de
Presidente Dutra.
Foram
proferidos muitos discursos inflamados naquela noite, até que alguém pensou em
organizar um grupo para conversar como o diretor. Deste modo, uma comitiva
formada por estudantes e políticos da cidade dirigiu-se à casa da autoridade e
por ele foi recebida. Depois de muitas negociações ficou esclarecido que as
calunias assacadas contra ele não haviam partido dos estudantes e sim de
terceiros, interessados em aproveitar o ensejo para perpetrarem uma ato de vingança
contra a autoridade judiciária. Dr. Fiquene deu-se por satisfeito, e o ato
público que se iniciara como protesto, terminou
como uma manifestação de repúdio contra aquele ou aqueles que atingiram
tão covardemente a honra daquele eminente educador que tantos benefícios tinha
trazido à comunidade presidutrense.
Os
jovens encarcerados foram postos em liberdade imediatamente. Mas o clima
fraterno estabelecido entre o magistrado e a comunidade estava
irremediavelmente comprometido. Pouco tempo depois o Dr. José de Ribamar
Fiquene foi transferido para outra cidade. Mas deixou funcionando um dos
melhores colégios em que estudei e que me deu possibilidades de sair para a
capital e disputar, alguns anos depois, e em pé de igualdade, uma vaga na
universidade. Não apenas eu, mas muitos jovens de então são hoje profissionais
respeitados e levam seus conhecimentos e saberes para várias partes deste
imenso país.
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