Capela de N. S. do Amparo, Poti Velho - Fotografia do autor |
Chico Acoram Araújo
O
jovem padre Mamede Antônio de Lima, recém-ordenado no Seminário de Olinda, em
Pernambuco, teve a sua carreira sacerdotal iniciada na paróquia de Sobral onde permaneceu
por pouco tempo vez que fora nomeado para ocupar a “vigaria colada” da Freguesia
de N.S. do Amparo da Vila do Poti, província do Piauí e Bispado do Maranhão.
Nascido em Icó(CE), ainda muito criança seus pais, o modesto alfaiate Mariano
Antônio de Lima e d. Thereza Maria de Lima, decidiram encaminhá-lo para Sobral
onde fez seus primeiros estudos. É provável que o Padre Mamede tenha chegado à
Vila do Poti logo após ser ordenado, em 1842, uma vez que pouco permaneceu residindo
em Sobral. Segundo o Dicionário Bio-Bibliográphico Cearense – Barão de Studart,
obra do Dr. Guilherme de Studart, Mamede foi contemporâneo dos importantes reverendos
e políticos cearenses Antônio de Souza Neves e José Beviláqua, todos ordenados no
Seminário de Olinda. Padre Mamede faleceu em outubro de 1877 em Teresina.
Contava ele aproximadamente 60 anos de idade.
Mas
antes de se procurar conhecer a vida desse valoroso religioso e grande
colaborador do Presidente da Província do Piauí, Conselheiro José Antônio
Saraiva, na construção da nova capital na Chapada do Corisco, necessário se faz
descrever, de forma resumida, a história da invenção de Teresina e seus
antecedentes históricos.
Para começar,
onde ficava essa freguesia de N.S. do Amparo da Vila do Poti? Consoante livro TERESINA
160 ANOS, organizado pelo ilustre historiador e cronista Fonseca Neto, o antigo
Arraial da Barra do Poti localizava-se na região onde fazem barra os rios
Parnaíba e Poti. No local já se verificava a presença de “brancos” no final do
século XVII que, de forma gradativa, iam povoando o lugar e exterminando ou
expulsando os nativos que antes os habitava,
os índios Tremembé, da tribo Poti.
Fonseca
relata que o Piauí só se transformou em capitania no ano de 1718, sem, contudo,
ter governo próprio, e na época tinha a sua jurisdição subordinada ao Maranhão.
Foi nessa condição que, em outubro de 1728, o Governador e Capitão General do
Maranhão, João Maia da Gama, visitou o Piauí. Tinha como destino a vila da
Mocha (Oeiras). O governador atravessou o rio Parnaíba no local onde o Poti faz
barra, e ficou impressionado com o que viu, pois anotou em seu diário de viagem:
“Aquarteleime na beira do Rio Parnaiba e junto da barra do Rio Poty que
aqui entra e dezagoa neste grande e famozo Rio Parnaíba e entre hum, e com
terras singullares para plantas de toda casta e para canas, e com muita
abundancia de peixe, asim do Rio Parnaiba, como dito Rio Poty, e com muita cana
e achei ser sitio mto util, papâs comodo e muito conveniente para hua povoação
e precisamente se deve levantar alli hua Igreja e erigir hum curato porque pela
Parnahiba abaixo e asima de hua parte e outra tem mtª fazenda que todas ficão
distantes das mais freguesias, ou curatos”.
Já com
relação à Mocha, não foi tão otimista, para dizer o mínimo:
“Depois de sair duas vezes a cavallo com dito Menistro, e Cap.ªmor,
e alguas pessoas de governança a ver os redores da dita villa todos agrestes e
sem terras e sem madeiras e falta total de peixe lhe porpus, não a extinção da
dita villa mas a Irecção de outra na beira do Parnahiba ahonde faz barra o Rio
Poty em que ja falei na vigesima quando cheguei aquelle sitio e na marcha que
fis delle para esta villa observei as m.tªs terras proprias de mantimentos e
contidade de madeiras que hâ na beirada do Parnahiba ... e pelo Rio Poty
asima”.
O
emérito historiador acima citado é peremptório em afirmar que “é a primeira
notícia capaz de explicar a invenção de Teresina na mesopotâmia Parnaíba-Poti”.
Assim, pode-se afirmar que Maia da Gama foi a primeira autoridade a ter a ideia
de construir uma cidade na beira do rio Parnaíba, fato que veio a acontecer
apenas 124 anos depois da sua passagem por terras piauienses.
A Barra do Poti passou por um demorado
crescimento. A região chegou ao final do século XIX com uma população de algumas
centenas de pessoas e com isto as famílias residentes no local sentiram a necessidade
de erigir uma capela, o que foi concretizada ainda nos anos 1796 a 1797, em
homenagem a N.S. do Amparo. Mas somente em 1827, o antigo Arraial da Barra do
Poti foi elevado à categoria de freguesia por Decreto assinado por D. Pedro I,
imperador do Brasil. Obtinha assim foro eclesiástico e civil. E não parou mais
no tempo.
Pouco depois,
em 1832, o imperador assinava um novo decreto transformando a freguesia em Vila-Município
do Poti, sendo, no entanto, instalado oficialmente em 21 de novembro de 1833. A
sua sede, contudo, não demoraria muito tempo no seu local de origem. Por estava
localizada em uma região muito baixa e exposta a inundações frequentes e, por
isso mesmo, franqueada aos males palustres e outras epidemias. Em 1852 a sede
foi transferida para um local mais elevado e passou a denominar-se Vila Nova do
Poti. Depois, Teresina). O novo local escolhido era mais adequado, não
inundável, apesar de se localizar ainda à margem do rio Parnaíba, região conhecida
como Chapada do Corisco. Até este ponto,
a história da capital é bem conhecida, o que não são de domínio público foram
as dificuldades para se prover a mudança de local.
Não foi tão
fácil, houve fortes resistências por parte de grande parte da população da
região. E aí que reside a importância das ações do Padre Mamede de Lima.
Convencido das vantagens da mudança, o reverendo partiu para um trabalho
solitário de convencimento das famílias reticentes e refratárias à transferência,
mostrando-lhes as vantagens de residir no novo local, distante apenas uma légua
e meia de onde residiam. Tinha como subsídio à sua mensagem o incentivo da
administração provincial que se dispunha a doar um terreno a cada família para
a construção da nova moradia. O êxito do trabalho do Padre foi imediato. A
partir da nova igreja em construção, dezenas de quarteirões bem planejados e com
área de 40 por 40 braças, foram distribuídos à população, organizados a partir do
Altar-Mor do novo templo, que passou a ser considerado o Marco Zero de Teresina.
“Saraiva jamais teria concretizado a
transferência da capital sem a ajuda desse padre, seu aliado político e amigo
do povo”, ressalta Fonseca.
O nobre
historiador acrescenta ainda que Mamede foi um dos principais protagonistas da
criação de Teresina, e injustamente “esquecido pelos cronistas e pelos que
cantaram a fundação da nova capital do Piauí”. Ele, como grande incentivador da
mudança, foi também um dos primeiros habitantes a se transferir para Teresina, passando
a morar em uma casa que mandou levantar em um dos quarteirões próximos à igreja
de N. S. do Amparo, em local que tempos depois ficou conhecido como Rua da
Glória (atual Rua Lisandro Nogueira). Naquela oportunidade, levou também para a
nova cidade o Orago da Matriz pertencente à Vila do Poti. Depois que Padre
Mamede faleceu, a sua casa passou a ser sede do antigo Centro Proletário.
O Padre Mamede,
figura muito popular na Vila do Poti, além de desenvolver suas atividades religiosas
teve uma atuação importante na vida política local, participando diretamente na
administração do município, e também exercendo, depois, o mandato de deputado
provincial. Como tal, foi um grande amigo e aliado de José Antônio Saraiva,
Presidente da Província do Piauí, na transferência da capital piauiense para a
nova sede municipal do Poti. Padre Mamede celebrou a primeira missa que
aconteceu no local onde seria erigida a igreja de N. S. do Amparo, da qual, em
seu redor, foram paulatinamente sendo construídas as ruas, casas, praças e
prédios públicos da nova cidade que se formava.
No livro RUA
DA GLÓRIA, de autoria do teresinense Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro,
recentemente publicado, menciona-se que houve uma trama clerical no Brasil, por
ocasião da independência, uma vez que, nesse tempo, a ação política da
Maçonaria foi acentuada, havendo até mesmo padres filiados às lojas. O ilustre
autor registra “que a criação da loja maçônica logo no início da construção de
Teresina deve estar ligada a ação de Mamede Antônio de Lima, primeiro vigário
de N. S. do Amparo”. Carlos Monteiro, cita ainda o caso de conflito envolvendo
Padre Mamede e o Presidente da Província do Piauí, o Barão de Loreto, Franklin
Américo de Menezes Doria, (25/05/1864 a 03/08/1866). O cronista da Rua da
Glória comenta entre outros fatos históricos a atuação da Maçonaria em Teresina
logo após sua criação, inclusive mencionando a existência de um antigo templo maçônico
(A Loja Cap. Caridade II) situada na Rua Bela, hoje Teodoro Pacheco.
O escritor
Wilson Carvalho Gonçalves comenta em seu DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO ILUSTRADO,
pagina 227, que o Padre Antônio de Lima era um homem corajoso, destemido e
muito amigo do povo. Diz também que o religioso faleceu em Teresina no final do
século XIX, e que foi sepultado na igreja de Nossa Senhora do Amparo.
Por sua vez, Antônio
Lemos, conhecido como “Semana”, conceituado jornalista piauiense que viveu no
século passado (faleceu em 24/11/1998, aos 78 anos de idade), publicou alguns
escritos sobre a vida do Padre Mamede Antônio de Lima no Jornal “ A Luta”,
dirigido por A. Tito Filho, no dia 23 de agosto de 1952, quando das
comemorações de 1º Centenário de Teresina. No pequeno texto biográfico ele salienta
que o trabalho por ele publicado foi feito todo de memória. Em 1977, o referido
texto jornalístico transformou-se em livro. A seguir, transcrevo,
resumidamente, algumas de suas anotações relacionadas com a vida do primeiro
vigário da Chapada do Corisco.
Segundo Lemos,
não se sabe se todos os padres de Teresina tinham o costume de usar trajes
civis na época. No entanto, é verdadeiro que o Padre Mamede, quando fora do seu
mister sacerdotal, trajava roupas civis. Por esse tempo, era comum as pessoas
usarem sobrecasaca e chapéu alto (chapéu-de-pelo). E ele assim se trajava
também nas ocasiões já citadas. Esse missionário de Deus era muito destemido
também. Nos momentos de conflitos, não vacilava em enfrentar situações
perigosas. Foi o que ocorreu certa noite em que o religioso socorreu o poeta e
jornalista Licurgo Paiva, ocasião em que este estava sendo açoitado com pedaços
de talos verdes de palmeira de babaçu por dois capangas a mando do Presidente
da Província, Pedro Afonso Ferreira. O jornalista vinha criticando severamente
a sua administração e por isto sofria a sua repulsa. Isso aconteceu em frente à
casa do Padre Mamede, altas horas da noite. O vigário, que já se encontrava com
roupa de pijama, pronto para dormir, saltou por uma das janelas, e com um
revólver em punho disparou várias vezes contra os dois agressores do jornalista.
Não se soube se algum dos capangas chegou a ser alvejado. Sabe-se apenas que se
tratavam, conforme foi espalhado no dia seguinte, de dois soldados da polícia
militar disfarçados.
Mas o conflito
mais grave envolvendo Mamede Lima se deu por ocasião de umas eleições. Para
garantir a realização do pleito, decidiram-se instalar as mesas eleitorais dentro
da igreja do Amparo. O clima daquelas eleições era tenso. Quando iniciaram os
trabalhos para formação das mesas, surgiu um mal-entendido entre o Padre Mamede
e o Juiz de Paz, Dr. Deolindo Mendes da Silva Moura. Este último, sem querer,
havia tocado no braço do padre, que por sua vez entendeu como uma provocação.
Os capangas do padre, que se encontravam nas dependências ao lado, todos
armados de achas de lenha, partiram em socorro ao religioso. A confusão se fez dentro
da grande nave da igreja. Macedinho, escrivão que estava em uma das mesas,
gritou: “haja paz, que haja paz”. Os “cabras” do padre entenderam como “haja
pau”. Desferiram pauladas “a torto e a direito”. O pobre Macedinho, segundo
Lemos, levou a pior. Morreu em decorrência de uma violenta cacetada na cabeça.
Lemos conta
ainda o caso em que Padre Mamede, certo dia do mês mariano, celebrava missa na
igreja do Amparo quando um dos músicos que estavam no Coro começou a fazer
balbúrdia, instigado pelas muitas doses de pinga ingeridas horas antes do
evento religioso. O padre pediu silêncio por mais de uma vez, mas não foi
atendido. Mamede, muito aborrecido, dirigiu-se ao local onde estavam os
músicos, tomou o trombone das mãos do bêbado e, em seguida, com esse
instrumento metálico, aplicou várias pancadas na cabeça do inoportuno auxiliar;
depois, jogou o infeliz no olho da rua.
É sabido que
Mamede também era apreciador contumaz de uma boa cachaça, a “branquinha”. Comumente,
após chegar a casa, deitava-se em sua surrada rede armada na varanda, bem de frente
ao corredor, colocava a garrafa de cachaça e um copo em cima de uma pequena
mesa próxima e ao alcance do braço, e dava umas boas talagadas da “água que
passarinho não bebe”. Era nesse sagrado lugar de descanso do incansável
guerreiro de Deus e do povo, que o padre recebia as pessoas que iam visitá-lo para
tratar de diversos assuntos, seja da igreja, seja de negócios ou de política.
Assim como seu
conterrâneo e contemporâneo, Padre José Beviláqua, Deputado Provincial do Ceará
e pai do famoso jurista Clóvis Beviláqua e também do General José Beviláqua,
Mamede Antônio de Lima não comungava muito de um dos preceitos da igreja: a
castidade. Conforme anotação do jornalista Lemos, o padre convivia em sua casa
com uma mulata chamada Raimunda, que se tornara sua amante e lhe dera um filho
ao qual foi dado o nome de Sebastião.
Em que pese a
grande importância desse valoroso Padre Mamede Lima para a fundação de
Teresina, pouco se conhece sobre sua biografia. O atual pároco da Matriz de
N.S. do Amparo corrobora que, realmente, são escassos os escritos biográficos de
Mamede, acrescentando não existir nenhum vestígio de seu túmulo no interior da igreja,
não obstante existirem relatos de que aquele religioso tenha sido sepultado
nesse vetusto templo católico.
“É preciso estudar
e conhecer-se mais a vida de padre Mamede Antônio de Lima, inclusive as razões
por que foi ele alijado, até hoje, do horizonte dos intérpretes da história”,
conclui o historiador Fonseca Neto no capítulo dedicado ao primeiro pároco de
Teresina.
Dr. Araújo,
ResponderExcluirAgradeço ao amigo pela revisão e correções do texto. A foto de autoria do grande cronista do Curador deu uma ilustração perfeita à história do Padre e a Invenção de Teresina. Mais uma vez, muito obrigado pela publicação dessa crônica no seu conceituado Folhas Avulsas.
Mais um resgate de nossa história, com muita justiça, realizado por nosso amigo Acoram. A biografia do Pe. Mamede deve ser mais pesquisada por nossos historiadores. Uma povo sem história é um povo sem origem. Bem descrita a mudança da sede de Teresina, com um grande adjuntório desse Padre de garra. Era um Pe. polivalente. Topava qualquer parada. PARABÉNS ACORAM. A vida não é pra quem/ para em qualquer topada Entretanto para quem/ topa qualquer parada/ Assim, disse Bob Marley/ de forma muita acertada (Fco. ALmeida).
ResponderExcluirObrigado pelo incentivo, Dr. Almeida. Espero escrever outros textos do gênero.
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