quarta-feira, 18 de abril de 2018

A HISTÓRIA DE PRESIDENTE DUTRA (Parte 9) - Sem Água Encanada e Luz Elétrica

Lamparina à querosene, ferro de engomar à brasa e copos de cerâmica



José Pedro Araújo

A vida sem água encanada e luz elétrica As dificuldades enfrentadas pelos primeiros ocupantes da vila do Curador não diziam respeito apenas ao problema do isolamento, da insalubridade, ou mesmo da ameaça constante de animais selvagens ou peçonhentos. A falta de um manancial de água corrente permanente era um dos maiores obstáculos enfrentado pela população, vez que os dois pequenos rios que cortam a região são temporários. Se para abastecer os animais não havia problema, para fazer frente à necessidade diária humana isto era um agravante que atormentava a todos.
            Além do trabalho que dava captar água de pequenas nascentes, ou de poços perfurados nos quintais das casas, infligia à população graves problemas de saúde causados especialmente pela larga taxa de verminose que atacava a todos, a meninada em especial. Além disto, havia ainda problemas com a higiene, causados especialmente pela falta de produtos para a limpeza das casas e a desinfecção dos aparelhos sanitários. Por conta disso, se fazia necessário o uso de latrinas rudimentares no fundo do quintal, e muitos se utilizavam da Creolina como desinfetante. Utilizar esses sanitários rudimentares que ainda por cima se situavam no quintal, em razão do cheiro forte que exalavam, constituía-se em terrível desconforto, e um problema grave de higiene, como já dissemos.
Como seria possível, em razão do tamanho da cidade, viver-se sem a água jorrando diretamente das torneiras para fazer face a gama de utilidades que ela possui?
O aparecimento de caixas d’água para armazenar o líquido precioso foi outra novidade que chegou para benefício dos mais abastados. Somente estes possuíam condições financeiras para instalar uma destas, já que, junto com ela, deveria se instalar também um grupo gerador de energia para elevar a água do poço até este depósito.
Portanto, tomar uma chuveirada não era coisa para qualquer um. Somente uns poucos privilegiados detinham este poder. Impossível pensar uma situação desta nos dias de hoje.
Ouçam o depoimento do descendente de canadenses, Dugal Smith, nascido em Barra do Corda, e emigrado para os Estados Unidos da América há muitos anos. Descrevendo, para os americanos, como se vivia na nossa região lá pelos anos vinte ou trinta, ele discorre assim:

“A vida em geral era rústica. Com a falta de encanação e purificação da água, esta era trazida diariamente do rio, por membros da família ou empregados, e postas em potes de barro para ser mantida fria. O pior era que muitas vezes se viam animais mortos – vacas, cavalos, cachorros – descendo água abaixo em galhos de árvores às margens do rio. Os mais privilegiados pagavam alguém para trazer água para casa. O transporte era na costa de jumento – quatro latas de querosene, duas de cada lado. Se a água não fosse consumida no mesmo dia, tinha que ser jogada fora, pois que em vinte e quatro horas se viam nadando no pote grande quantidade de larvas de insetos, cabeças de prego, etc.”(Fazendo Progresso, p. 40/41, 198).

Se a água para beber era apanhada em nascentes como a que ficava próxima a lagoa do Binga, ou do lado riacho Firmino, lavar roupas era um exercício de paciência. As mulheres desciam a rua com as trouxas de roupa na cabeça para lavá-las nas lagoas, muitas vezes distante de suas casas. Somente anos depois apareceu a figura da lavadeira profissional para lavar a roupa dos mais abastados. A lavagem, nesse caso, também era realizada nas lagoas ou nos riachos.
E quando a noite chegava com a sua escuridão cobrindo tudo, trazia consigo outro problema não menos grave: a falta de luz elétrica. Para combater a escuridão, utilizava-se de pequenas candeias, a lamparina, cuja fabricação era feita por pequenos artesãos funileiros. A partir de latas de óleo vazias, estes artífices elaboravam pequenos vasos para depositar o querosene, encimados por um bico vazado por onde passava o pavio feito de algodão, também chamado de murrão. 
O sucedâneo da lamparina foi o candeeiro. Com mangas de vidro, essa luminária evitava que o vento apagasse continuamente a chama. Apareceram como ótima novidade, para depois, em outra fase, serem substituídos pelo eficiente candeeiro a gás, com seu facho de luz abrangendo uma área bem maior.
Nas cidades maiores, desde a idade média, as ruas eram iluminadas por lâmpadas a óleo ou a gás, acesas todos os finais de tarde por funcionários com varetas especiais em cuja ponta ardia uma pequena chama. Mais tarde, esses mesmos cidadãos faziam o caminho inverso para apagá-las. Isso só ocorria nas cidades mais desenvolvidas. Em pequenos povoados como o Curador, antes da chegada da luz elétrica, as ruas permaneciam em completa escuridão, posto que não se contava com as tais lâmpadas à gás para clareá-las. As pessoas, ao saírem de casa, defendiam-se da escuridão carregando seus candeeiros, depois substituídos por outros à pilha, um avanço considerável.
Em nossas pesquisas encontramos a cópia de um Decreto assinado pelo governador de então, no qual destacava determinada soma de recursos do orçamento estadual para a implantação de um sistema público de iluminação das ruas do velho Curador através dos conhecidos Petromax, lampiões à gás. Não conseguimos saber se isso de fato aconteceu. Ou por não terem sido liberados os recursos lá descritos, ou mesmo por desvio de finalidade no seu emprego. O certo é que ninguém testemunhou para nós afirmando que isso tenha ocorrido.
As bicicletas também ganharam seus faróis, acesos à partir de um pequeno dínamo preso junto à roda traseira, iluminando a rua e permitindo o trânsito à noite. Foi um salto muito grande o aparecimento desse instrumento “moderno”, que permitia o tráfego desses veículos nas noites escuras do sertão. Muito caros, a principio, somente alguns poucos privilegiados conseguiam comprá-lo, dado o baixo poder aquisitivo dos moradores.
Quem hoje aperta um pequeno interruptor para acender uma luz, ou transita à noite por ruas tão claras como se fosse dia, custa a acreditar que os desbravadores desta terra passavam por problemas de tal magnitude há pouco mais de trinta anos atrás. As facilidades que temos hoje são conquistas de um povo que soube esperar pelo futuro, sem esmorecer nunca frente aos desafios que enfrentavam. Se abrir uma geladeira para apanhar água gelada ou entrar em um box de banheiro para tomar um banho rápido se constitui em uma tarefa simples, num passado não tão distante assim, era uma coisa fora da realidade, quer se tivesse condições financeiras ou não. A vida ficou muito mais fácil para todos.

4 comentários:

  1. Parabéns pelo texto. São valores que deveremos guardar como imensuráveis

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  2. Grato, conterrâneo! É esse tipo de leitor que me faz continuar com a minha labuta para conhecer mais(e dar conhecimento)sobre o nosso passado!

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  3. Parabéns! Seu texto muito contribui para a nossa formação cultural.

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