Lamparina à querosene, ferro de engomar à brasa e copos de cerâmica |
José Pedro Araújo
A vida sem água encanada
e luz elétrica – As
dificuldades enfrentadas pelos primeiros ocupantes da vila do Curador não
diziam respeito apenas ao problema do isolamento, da insalubridade, ou mesmo da
ameaça constante de animais selvagens ou peçonhentos. A falta de um manancial
de água corrente permanente era um dos maiores obstáculos enfrentado pela
população, vez que os dois pequenos rios que cortam a região são temporários.
Se para abastecer os animais não havia problema, para fazer frente à
necessidade diária humana isto era um agravante que atormentava a todos.
Além do trabalho que dava captar água de pequenas nascentes,
ou de poços perfurados nos quintais das casas, infligia à população graves
problemas de saúde causados especialmente pela larga taxa de verminose que
atacava a todos, a meninada em especial. Além disto, havia ainda problemas com
a higiene, causados especialmente pela falta de produtos para a limpeza das
casas e a desinfecção dos aparelhos sanitários. Por conta disso, se fazia
necessário o uso de latrinas rudimentares no fundo do quintal, e muitos se utilizavam
da Creolina como desinfetante. Utilizar esses sanitários rudimentares que ainda
por cima se situavam no quintal, em razão do cheiro forte que exalavam, constituía-se
em terrível desconforto, e um problema grave de higiene, como já dissemos.
Como seria possível, em razão do tamanho da cidade, viver-se
sem a água jorrando diretamente das torneiras para fazer face a gama de utilidades
que ela possui?
O aparecimento de caixas d’água para armazenar o líquido
precioso foi outra novidade que chegou para benefício dos mais abastados.
Somente estes possuíam condições financeiras para instalar uma destas, já que,
junto com ela, deveria se instalar também um grupo gerador de energia para elevar
a água do poço até este depósito.
Portanto, tomar uma chuveirada não era coisa para qualquer
um. Somente uns poucos privilegiados detinham este poder. Impossível pensar uma
situação desta nos dias de hoje.
Ouçam o depoimento do descendente de canadenses, Dugal
Smith, nascido em Barra do Corda, e emigrado para os Estados Unidos da América
há muitos anos. Descrevendo, para os americanos, como se vivia na nossa região
lá pelos anos vinte ou trinta, ele discorre assim:
“A
vida em geral era rústica. Com a falta de encanação e purificação da água, esta
era trazida diariamente do rio, por membros da família ou empregados, e postas
em potes de barro para ser mantida fria. O pior era que muitas vezes se viam
animais mortos – vacas, cavalos, cachorros – descendo água abaixo em galhos de
árvores às margens do rio. Os mais privilegiados pagavam alguém para trazer
água para casa. O transporte era na costa de jumento – quatro latas de
querosene, duas de cada lado. Se a água não fosse consumida no mesmo dia, tinha
que ser jogada fora, pois que em vinte e quatro horas se viam nadando no pote
grande quantidade de larvas de insetos, cabeças de prego, etc.”(Fazendo
Progresso, p. 40/41, 198).
Se a água para beber era apanhada em
nascentes como a que ficava próxima a lagoa do Binga, ou do lado riacho
Firmino, lavar roupas era um exercício de paciência. As mulheres desciam a rua
com as trouxas de roupa na cabeça para lavá-las nas lagoas, muitas vezes
distante de suas casas. Somente anos depois apareceu a figura da lavadeira
profissional para lavar a roupa dos mais abastados. A lavagem, nesse caso,
também era realizada nas lagoas ou nos riachos.
E quando a noite chegava com a sua
escuridão cobrindo tudo, trazia consigo outro problema não menos grave: a falta
de luz elétrica. Para combater a escuridão, utilizava-se de pequenas candeias,
a lamparina, cuja fabricação era feita por pequenos artesãos funileiros. A
partir de latas de óleo vazias, estes artífices elaboravam pequenos vasos para
depositar o querosene, encimados por um bico vazado por onde passava o pavio
feito de algodão, também chamado de murrão.
O sucedâneo da lamparina foi o
candeeiro. Com mangas de vidro, essa luminária evitava que o vento apagasse
continuamente a chama. Apareceram como ótima novidade, para depois, em outra
fase, serem substituídos pelo eficiente candeeiro a gás, com seu facho de luz
abrangendo uma área bem maior.
Nas cidades maiores, desde a idade
média, as ruas eram iluminadas por lâmpadas a óleo ou a gás, acesas todos os
finais de tarde por funcionários com varetas especiais em cuja ponta ardia uma
pequena chama. Mais tarde, esses mesmos cidadãos faziam o caminho inverso para apagá-las.
Isso só ocorria nas cidades mais desenvolvidas. Em pequenos povoados como o
Curador, antes da chegada da luz elétrica, as ruas permaneciam em completa
escuridão, posto que não se contava com as tais lâmpadas à gás para clareá-las.
As pessoas, ao saírem de casa, defendiam-se da escuridão carregando seus
candeeiros, depois substituídos por outros à pilha, um avanço considerável.
Em nossas pesquisas encontramos a cópia
de um Decreto assinado pelo governador de então, no qual destacava determinada
soma de recursos do orçamento estadual para a implantação de um sistema público
de iluminação das ruas do velho Curador através dos conhecidos Petromax, lampiões
à gás. Não conseguimos saber se isso de fato aconteceu. Ou por não terem sido
liberados os recursos lá descritos, ou mesmo por desvio de finalidade no seu
emprego. O certo é que ninguém testemunhou para nós afirmando que isso tenha
ocorrido.
As bicicletas também ganharam seus
faróis, acesos à partir de um pequeno dínamo preso junto à roda traseira,
iluminando a rua e permitindo o trânsito à noite. Foi um salto muito grande o
aparecimento desse instrumento “moderno”, que permitia o tráfego desses
veículos nas noites escuras do sertão. Muito caros, a principio, somente alguns
poucos privilegiados conseguiam comprá-lo, dado o baixo poder aquisitivo dos
moradores.
Quem hoje aperta um pequeno interruptor
para acender uma luz, ou transita à noite por ruas tão claras como se fosse
dia, custa a acreditar que os desbravadores desta terra passavam por problemas
de tal magnitude há pouco mais de trinta anos atrás. As facilidades que temos
hoje são conquistas de um povo que soube esperar pelo futuro, sem esmorecer
nunca frente aos desafios que enfrentavam. Se abrir uma geladeira para apanhar
água gelada ou entrar em um box de banheiro para tomar um banho rápido se
constitui em uma tarefa simples, num passado não tão distante assim, era uma
coisa fora da realidade, quer se tivesse condições financeiras ou não. A vida
ficou muito mais fácil para todos.
Parabéns pelo texto. São valores que deveremos guardar como imensuráveis
ResponderExcluirGrato, conterrâneo! É esse tipo de leitor que me faz continuar com a minha labuta para conhecer mais(e dar conhecimento)sobre o nosso passado!
ResponderExcluirParabéns! Seu texto muito contribui para a nossa formação cultural.
ResponderExcluirObrigado meu prezado. Forte abraço.
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