José Pedro Araújo
A dieta alimentar no Curador - O cardápio diário era composto,
invariavelmente, pelo arroz, o feijão e por um pouco de carne de porco, ou de
galinha de capoeira ou caipira. A caça também era deveras abundante,
encontrava-se com facilidade animais como o tatu, o jabuti, o veado mateiro, a
paca, o porco-do-mato, a capivara, entre tantos outros que faziam parte do
cardápio da região.
Entre as aves, além da galinha já
citada acima, criava-se o peru e a guiné, ou galinha-d’angola, comuns na
maioria dos quintais da vila. Ainda havia as aves silvestres, como a nhambu, a
galinha d’água, a jaó, a marreca, a codorniz, o jacu, entre tantos outros
pássaros que, bem temperados, substituíam com folga as aves domesticadas.
No principio não existia açougue na
vila. Mesmo quando os moradores puderam contar com a primeira “casa-da-carne”,
somente aqueles que possuíam melhor poder aquisitivo compravam diariamente a
carne fresca para o repasto daquele dia. Não era possível conservá-la para o
dia seguinte, a não ser que a colocassem para secar ao sol após salgá-la.
Aos pratos mais tradicionais, era comum
se adicionar a farinha branca(seca), além de algumas olerícolas encontradas
facilmente no lugar, como o quiabo, o maxixe, a abóbora e a vinagreira.
Trata-se esta última de uma folhagem com gosto bastante peculiar – azeda mesmo
- que pode se transformar num prato extremamente agradável quando misturada com
ovos e um pouco de sal. Esta, após levada ao fogo para cozê-la, recebe o nome
de cuchá.
A vinagreira pode ainda ser preparada
juntamente com o arroz, formando o chamado arroz-de-cuchá, prato muito
apreciado, de modo especial na capital maranhense onde ganhou fama e admiração.
A carne que sobrava era preparada e
posta em varais ao sol para secar, uma vez que não se possuía ainda os
refrigeradores de hoje, fazendo com que se conservasse boa para o consumo por
muitos dias. Surgiu daí, o nome carne-de-sol, usada como componente de alguns
pratos típicos muito saborosos, como a Maria-Isabel, a paçoca de carne seca
pisada ao pilão, e também o jabá, que adicionado ao feijão, torna-se bastante
saboroso.
Criativos, logo o excesso da carne de
porco começou a ser aproveitado na confecção de linguiças e outros embutidos, e
o seu toucinho era transformado em banha de cozinha, usado por todos desde
muito antes do aparecimento do óleo de babaçu ou de soja. Tempos depois, ao
passarem a ser envasados em latas, já podiam ser adquiridos nas mercearias.
Dos rios, riachos e lagoas saíam também
peixes para todos os gostos, desde o mandi dourado, ou o mandi mole, passando
pelo curimatã, a traíra, o piau, ou o grande surubim. Até mesmo peixes pequenos
como as piabas ou lambaris, eram aproveitados no dia-a-dia. No princípio esses
peixes eram encontrados em abundância, constituindo-se em mais do que uma opção
de alimentação, era também uma forma de se adicionar proteínas ao cardápio
diário. Depois, com a prática da pesca predatória, essa importante fonte de
alimento quase sumiu da mesa do presidutrense.
Produtos à
base de trigo, como biscoitos e pães, não faziam parte das refeições dos
habitantes dos sertões no início da formação da vila do Curador. Em seu lugar,
utilizavam-se a farinha de mandioca e a tapioca, ou goma de mandioca, além do
fubá de milho pisado em pilões de madeira. A farinha branca, torrada em
aviamentos encontrados em todos os pequenos aglomerados urbanos, era básica no
dia-a-dia das famílias, como ainda hoje acontece. Pode ser usada junto com o
arroz e o feijão no almoço ou no jantar, ou no desjejum, depois de adicionada
ao leite fervido, quando se transformava em uma pasta denominada “escaldado”.
Outro tipo de farinha de mandioca muito
usada na região era a farinha-de-puba, ou farinha d’água, feita a partir da
massa de mandioca amolecida em poças de água ou pequenas lagoas. Confeccionada
a partir da mandioca apodrecida, teve sua origem entre os índios que habitavam
o território, como alguns dos pratos já descritos. Exclusiva da região, essa
farinha possui uma coloração amarelada e um sabor bastante apreciado pelos
maranhenses. Em alguns lugares esse tipo de farinha ganhou fama e preço, como
no município de Santa Rita, mais precisamente no povoado Carema, onde desde os
primórdios da nossa colonização já era por demais conhecida. Aqui na região
também pode ser encontrada adicionada ao coco babaçu, ou ao gengibre, ficando
com um sabor muito apetecível.
O cuscuz de milho e o beiju de tapioca também substituíam,
com vantagens, a falta de pães e biscoitos, sendo ainda muito apreciados nos
dias de hoje. Somente o “escaldado” de farinha com leite parece ter
desaparecido das refeições matutinas.
Algum tempo passado, já era comum a
comercialização de bolos nas feiras, ou mesmo nas ruas, quando alguns meninos
saíam por toda a cidade vendendo bolos fritos, além do tradicional e exclusivo
bolo chapéu-de-couro, feito a partir
da massa de arroz frita em óleo fervido. Esse bolinho também tem um sabor muito
especial, e só é encontrado nesta região. Muito mais tarde, os vendedores de
pães também transitavam pelo povoado com seus imensos cestos repletos do
produto ainda quente. Uma festa para a meninada que o comia no lanche da tarde.
Poderia ser do tipo doce - massa fina - ou adicionado o sal - massa grossa, o
importante é que estivesse ainda quentinho.
O café em grãos era adquirido a granel
nas quitandas, depois de torrado, às vezes com rapadura, era pisado ao pilão,
vez que não existia ainda as tais torrefações que só chegaram por aqui muito
mais tarde. Ainda assim, muitas famílias demoraram muito para mudar de hábito.
Alegavam que o café torrado por eles mesmo possuía muito mais sabor. No que
estavam cobertas de razão.
A galinha ao molho, a carne de porco
assada ao forno à lenha, o frango caipira recheado, a carne de carneiro ao
molho ou assada na brasa, além do peixe de água doce preparado ao
leite-de-coco, são pratos da culinária maranhense que adicionados ao
arroz-com-feijão, o conhecido baião-de-dois, além do arroz-de-cuchá, ou mesmo o
arroz-com-fava, ainda fazem a festa aos domingos quando a família maranhense se
reúne para comemorar alguma novidade alvissareira.
Encerrando a descrição da nossa
culinária regional, volto à farinha de mandioca que nunca está ausente das
mesas maranhenses. Para os oriundos de outros estados nordestinos, a
preferência é dada à farinha branca ou seca, bem fina e torrada. Enquanto que
para os autóctones, sangue indígena circulando nas veias, juntamente com o do
negro e o do europeu, a farinha-de-puba, ou d’água, tem a preferência de dez
entre dez pessoas. Sua coloração amarelada, grandes torrões e gosto
característico, possui inigualável prestígio junto aos habitantes da região do Japão.
Diferentemente da farinha branca cuja
massa é preparada a partir do desmanche da raiz de mandioca em um cilindro
rotativo de madeira com algumas lâminas incrustadas, chamado caititu, a massa
com a qual é feita a farinha de puba, é preparada com a mandioca amolecida,
para depois ser levada a torrar nos fornos à lenha. Pode ainda ser utilizada
para a feitura de fritos com carne seca, paçoca de carne seca pisada ao pilão,
e também com a amêndoa do coco babaçu. Pode ainda ser adicionada ao leite
quente, quando dá um saboroso escaldado, ou simplesmente adicionada ao prato de
comida. Vai bem em todos eles.
Todo pequeno
proprietário de terra possuía seu próprio aviamento para fazer farinha de
mandioca. A engenhoca era montada junto à casa de morada. Em um pequeno galpão era
fixada a roda, o caititu, a prensa, os cochos, e o forno à lenha para torrar o
produto final. Nessa ocasião também se produziam dois bons subprodutos: a goma,
também chamada na região de tapioca, e o beiju. Este último fazia a festa da
meninada que o aguardava ansiosamente.
Finalmente, torna-se importante
esclarecer para aquelas pessoas que nunca tiveram contato com a fabricação
artesanal da farinha, que as farinhadas se transformavam em excelente ocasião
para os vizinhos se juntarem em
mutirão. E, além de executarem as tarefas de raspagem,
desmanche, prensagem e torração, entabulavam conversas que duravam a noite
inteira, quando então as novidades eram postas em dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário