quarta-feira, 11 de abril de 2018

A HISTÓRIA DE PRESIDENTE DUTRA (Parte 8) - A Dieta Alimentar





José Pedro Araújo


A dieta alimentar no Curador - O cardápio diário era composto, invariavelmente, pelo arroz, o feijão e por um pouco de carne de porco, ou de galinha de capoeira ou caipira. A caça também era deveras abundante, encontrava-se com facilidade animais como o tatu, o jabuti, o veado mateiro, a paca, o porco-do-mato, a capivara, entre tantos outros que faziam parte do cardápio da região.
Entre as aves, além da galinha já citada acima, criava-se o peru e a guiné, ou galinha-d’angola, comuns na maioria dos quintais da vila. Ainda havia as aves silvestres, como a nhambu, a galinha d’água, a jaó, a marreca, a codorniz, o jacu, entre tantos outros pássaros que, bem temperados, substituíam com folga as aves domesticadas.
No principio não existia açougue na vila. Mesmo quando os moradores puderam contar com a primeira “casa-da-carne”, somente aqueles que possuíam melhor poder aquisitivo compravam diariamente a carne fresca para o repasto daquele dia. Não era possível conservá-la para o dia seguinte, a não ser que a colocassem para secar ao sol após salgá-la.
Aos pratos mais tradicionais, era comum se adicionar a farinha branca(seca), além de algumas olerícolas encontradas facilmente no lugar, como o quiabo, o maxixe, a abóbora e a vinagreira. Trata-se esta última de uma folhagem com gosto bastante peculiar – azeda mesmo - que pode se transformar num prato extremamente agradável quando misturada com ovos e um pouco de sal. Esta, após levada ao fogo para cozê-la, recebe o nome de cuchá.
A vinagreira pode ainda ser preparada juntamente com o arroz, formando o chamado arroz-de-cuchá, prato muito apreciado, de modo especial na capital maranhense onde ganhou fama e admiração.
A carne que sobrava era preparada e posta em varais ao sol para secar, uma vez que não se possuía ainda os refrigeradores de hoje, fazendo com que se conservasse boa para o consumo por muitos dias. Surgiu daí, o nome carne-de-sol, usada como componente de alguns pratos típicos muito saborosos, como a Maria-Isabel, a paçoca de carne seca pisada ao pilão, e também o jabá, que adicionado ao feijão, torna-se bastante saboroso.
Criativos, logo o excesso da carne de porco começou a ser aproveitado na confecção de linguiças e outros embutidos, e o seu toucinho era transformado em banha de cozinha, usado por todos desde muito antes do aparecimento do óleo de babaçu ou de soja. Tempos depois, ao passarem a ser envasados em latas, já podiam ser adquiridos nas mercearias.
Dos rios, riachos e lagoas saíam também peixes para todos os gostos, desde o mandi dourado, ou o mandi mole, passando pelo curimatã, a traíra, o piau, ou o grande surubim. Até mesmo peixes pequenos como as piabas ou lambaris, eram aproveitados no dia-a-dia. No princípio esses peixes eram encontrados em abundância, constituindo-se em mais do que uma opção de alimentação, era também uma forma de se adicionar proteínas ao cardápio diário. Depois, com a prática da pesca predatória, essa importante fonte de alimento quase sumiu da mesa do presidutrense.
            Produtos à base de trigo, como biscoitos e pães, não faziam parte das refeições dos habitantes dos sertões no início da formação da vila do Curador. Em seu lugar, utilizavam-se a farinha de mandioca e a tapioca, ou goma de mandioca, além do fubá de milho pisado em pilões de madeira. A farinha branca, torrada em aviamentos encontrados em todos os pequenos aglomerados urbanos, era básica no dia-a-dia das famílias, como ainda hoje acontece. Pode ser usada junto com o arroz e o feijão no almoço ou no jantar, ou no desjejum, depois de adicionada ao leite fervido, quando se transformava em uma pasta denominada “escaldado”.
Outro tipo de farinha de mandioca muito usada na região era a farinha-de-puba, ou farinha d’água, feita a partir da massa de mandioca amolecida em poças de água ou pequenas lagoas. Confeccionada a partir da mandioca apodrecida, teve sua origem entre os índios que habitavam o território, como alguns dos pratos já descritos. Exclusiva da região, essa farinha possui uma coloração amarelada e um sabor bastante apreciado pelos maranhenses. Em alguns lugares esse tipo de farinha ganhou fama e preço, como no município de Santa Rita, mais precisamente no povoado Carema, onde desde os primórdios da nossa colonização já era por demais conhecida. Aqui na região também pode ser encontrada adicionada ao coco babaçu, ou ao gengibre, ficando com um sabor muito apetecível.   
O cuscuz de milho e o beiju de tapioca também substituíam, com vantagens, a falta de pães e biscoitos, sendo ainda muito apreciados nos dias de hoje. Somente o “escaldado” de farinha com leite parece ter desaparecido das refeições matutinas.
Algum tempo passado, já era comum a comercialização de bolos nas feiras, ou mesmo nas ruas, quando alguns meninos saíam por toda a cidade vendendo bolos fritos, além do tradicional e exclusivo bolo chapéu-de-couro, feito a partir da massa de arroz frita em óleo fervido. Esse bolinho também tem um sabor muito especial, e só é encontrado nesta região. Muito mais tarde, os vendedores de pães também transitavam pelo povoado com seus imensos cestos repletos do produto ainda quente. Uma festa para a meninada que o comia no lanche da tarde. Poderia ser do tipo doce - massa fina - ou adicionado o sal - massa grossa, o importante é que estivesse ainda quentinho.
O café em grãos era adquirido a granel nas quitandas, depois de torrado, às vezes com rapadura, era pisado ao pilão, vez que não existia ainda as tais torrefações que só chegaram por aqui muito mais tarde. Ainda assim, muitas famílias demoraram muito para mudar de hábito. Alegavam que o café torrado por eles mesmo possuía muito mais sabor. No que estavam cobertas de razão.
A galinha ao molho, a carne de porco assada ao forno à lenha, o frango caipira recheado, a carne de carneiro ao molho ou assada na brasa, além do peixe de água doce preparado ao leite-de-coco, são pratos da culinária maranhense que adicionados ao arroz-com-feijão, o conhecido baião-de-dois, além do arroz-de-cuchá, ou mesmo o arroz-com-fava, ainda fazem a festa aos domingos quando a família maranhense se reúne para comemorar alguma novidade alvissareira.
Encerrando a descrição da nossa culinária regional, volto à farinha de mandioca que nunca está ausente das mesas maranhenses. Para os oriundos de outros estados nordestinos, a preferência é dada à farinha branca ou seca, bem fina e torrada. Enquanto que para os autóctones, sangue indígena circulando nas veias, juntamente com o do negro e o do europeu, a farinha-de-puba, ou d’água, tem a preferência de dez entre dez pessoas. Sua coloração amarelada, grandes torrões e gosto característico, possui inigualável prestígio junto aos habitantes da região do Japão.
Diferentemente da farinha branca cuja massa é preparada a partir do desmanche da raiz de mandioca em um cilindro rotativo de madeira com algumas lâminas incrustadas, chamado caititu, a massa com a qual é feita a farinha de puba, é preparada com a mandioca amolecida, para depois ser levada a torrar nos fornos à lenha. Pode ainda ser utilizada para a feitura de fritos com carne seca, paçoca de carne seca pisada ao pilão, e também com a amêndoa do coco babaçu. Pode ainda ser adicionada ao leite quente, quando dá um saboroso escaldado, ou simplesmente adicionada ao prato de comida. Vai bem em todos eles.
          Todo pequeno proprietário de terra possuía seu próprio aviamento para fazer farinha de mandioca. A engenhoca era montada junto à casa de morada. Em um pequeno galpão era fixada a roda, o caititu, a prensa, os cochos, e o forno à lenha para torrar o produto final. Nessa ocasião também se produziam dois bons subprodutos: a goma, também chamada na região de tapioca, e o beiju. Este último fazia a festa da meninada que o aguardava ansiosamente.
Finalmente, torna-se importante esclarecer para aquelas pessoas que nunca tiveram contato com a fabricação artesanal da farinha, que as farinhadas se transformavam em excelente ocasião para os vizinhos se juntarem em mutirão. E, além de executarem as tarefas de raspagem, desmanche, prensagem e torração, entabulavam conversas que duravam a noite inteira, quando então as novidades eram postas em dia.

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