quinta-feira, 26 de abril de 2018

A HISTÓRIA DE PRESIDENTE DUTRA (A rede de dormir) - Parte 10.

Gravura de Percy Lau


José Pedro Araújo

O costume do uso da rede de dormir - Há consenso de que a rede de dormir, também chamada pelos nordestinos em tempos idos “cama-da-terra”, seja uma invenção dos indígenas. Alguns historiadores também creditam aos missionários sua disseminação por todo o território brasileiro. Portanto, no período colonial, era a rede o principal instrumento de dormir dos brasileiros de norte a sul da colônia.
Se, com o tempo, esse costume foi sendo deixado de lado pelos sulistas, em decorrência do clima mais frio, aqui no norte e nordeste o hábito continuou firme. A propósito disto, o IBGE realizou um estudo circunstanciado sobre o assunto e  editou um excelente trabalho intitulado “Tipos e Aspectos do Brasil”. Nele trata, entre outras coisas, das “fazedeiras de redes”: [.. ] “parece que alguns usos e costumes estão tão arraigados e são tão originais como forma de relação entre o homem e o meio, que dificilmente serão modificados. A antiguidade e a difusão de uso da rede de dormir enquadra-se na afirmação”.
E continua discorrendo sobre as vantagens do uso da rede, afirmando no final: [...] “a simplicidade de uso, facilidade de transporte e a sua perfeita integração ao clima quente das baixas latitudes, parecem assegurar no nordeste brasileiro, constância ilimitada do seu uso”.

A felicidade do autor Bernardo Issler é inquestionável ao discorrer sobre o assunto. A integração da rede de dormir ao costume do nordestino, em especial do maranhense, é total e indissolúvel, uma vez que apenas os chefes de família possuíam camas em seus dormitórios, num passado não muito remoto. E mesmo assim, ao lado da cama sempre existia uma rede armada para o último sono da madrugada, ou o primeiro da noite de descanso da interminável labuta.  
Dada à importância desse objeto tão simples, e ao mesmo tempo indispensável, também era comum existirem nas casas teares manuais para a feitura de redes e mantas. A importância da rede logo deu causa ao aparecimento da primeira profissão para mulheres: a de fazedeiras de rede. E quem não sabia fazê-la, comprava de quem sabia. De maneira que todo mundo possuía redes, algumas de melhor qualidade, com vistosas varandas, enquanto que outras eram bem mais simples e menores, como as que eram usadas geralmente pelas crianças. Mas todos, invariavelmente, possuíam a sua “tipóia”.
É certo que, atualmente, as pessoas, na maioria das vezes sob influência dos meios de comunicação, abdicam do uso confortável da rede em troca de camas para dormir. A troca, em épocas de maior calor, não é nem um pouco vantajosa, mas, mesmo assim, alguns acham que o quarto fica mais bonito, diante de vistosas camas com seus lençóis e fronhas rendados ou bordados. Contudo, o uso da rede nunca será posto de lado aqui no nordeste brasileiro. Poderá ela até perder um pouco da sua importância, mas nunca deixará de existir como uma fuga para os dias quentes. Até mesmo na capital do estado, nas sacadas dos imponentes edifícios residenciais é possível ver lá no alto, balançando ao vento, uma bela rede colorida.
Assim, a fabricação de redes, como já citado, proporcionou o aparecimento das fazedeiras de rede, com seus teares de madeira, quase sempre de pau d’arco, ocupando espaço nas salas. Trabalhosas, as redes levam até dez dias para ficarem completamente prontas, posto que a operária tem que realizar suas tarefas de casa também. Alegam, contudo, que só precisariam de cerca de dois dias para concluir o trabalho de uma rede mais simples, se houvesse dedicação exclusiva ao mister.
Voltando ao assunto anterior, quando dizíamos da profissão de artesã de rede, o certo é que elas somavam um ganho extra à combalida renda familiar através da venda desse produto tão aceito pelo mercado. Quando criança presenciei o trabalho cuidadoso e meticuloso que empreendia uma tia minha no seu tear instalado na espaçosa e simples sala de estar. Impressionava-me a sua habilidade e paciência na tessitura do tecido que iria compor mais uma rede para a sua infindável coleção de filhos.
Hoje essa profissão está quase extinta na região em razão do aparecimento das redes tipo “lembrança do Ceará” e do brim sol-a-sol. Na maioria das vezes, elas são produzidas em larga escala, e comercializadas pelos vendedores de porta em porta. Mas essas possuem qualidade baixa, nunca substituirão aquele tipo mais luxuoso feito por mãos especialmente hábeis no interior de casas muito simples.
Por tudo o que relatamos acima, o fato é que o costume de dormir nessas “camas-da-terra”, continua imperando em nosso meio. E pelo visto, é um costume que não tem data para terminar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário