Gravura de Percy Lau |
José Pedro Araújo
O costume do uso
da rede de dormir
- Há consenso de que a rede de dormir, também chamada pelos nordestinos em
tempos idos “cama-da-terra”, seja uma invenção dos indígenas. Alguns
historiadores também creditam aos missionários sua disseminação por todo o
território brasileiro. Portanto, no período colonial, era a rede o principal
instrumento de dormir dos brasileiros de norte a sul da colônia.
Se, com o tempo, esse costume foi sendo
deixado de lado pelos sulistas, em decorrência do clima mais frio, aqui no
norte e nordeste o hábito continuou firme. A propósito disto, o IBGE realizou
um estudo circunstanciado sobre o assunto e editou um excelente trabalho intitulado “Tipos
e Aspectos do Brasil”. Nele trata, entre outras coisas, das “fazedeiras de
redes”: [.. ] “parece que alguns usos e
costumes estão tão arraigados e são tão originais como forma de relação entre o
homem e o meio, que dificilmente serão modificados. A antiguidade e a difusão
de uso da rede de dormir enquadra-se na afirmação”.
E continua discorrendo sobre as
vantagens do uso da rede, afirmando no final: [...] “a simplicidade de uso, facilidade de transporte e a sua perfeita
integração ao clima quente das baixas latitudes, parecem assegurar no nordeste
brasileiro, constância ilimitada do seu uso”.
A felicidade do autor Bernardo Issler é
inquestionável ao discorrer sobre o assunto. A integração da rede de dormir ao
costume do nordestino, em especial do maranhense, é total e indissolúvel, uma
vez que apenas os chefes de família possuíam camas em seus dormitórios, num
passado não muito remoto. E mesmo assim, ao lado da cama sempre existia uma
rede armada para o último sono da madrugada, ou o primeiro da noite de descanso
da interminável labuta.
Dada à importância desse objeto tão
simples, e ao mesmo tempo indispensável, também era comum existirem nas casas
teares manuais para a feitura de redes e mantas. A importância da rede logo deu
causa ao aparecimento da primeira profissão para mulheres: a de fazedeiras de
rede. E quem não sabia fazê-la, comprava de quem sabia. De maneira que todo
mundo possuía redes, algumas de melhor qualidade, com vistosas varandas,
enquanto que outras eram bem mais simples e menores, como as que eram usadas geralmente
pelas crianças. Mas todos, invariavelmente, possuíam a sua “tipóia”.
É certo que, atualmente, as pessoas, na
maioria das vezes sob influência dos meios de comunicação, abdicam do uso
confortável da rede em troca de camas para dormir. A troca, em épocas de maior
calor, não é nem um pouco vantajosa, mas, mesmo assim, alguns acham que o
quarto fica mais bonito, diante de vistosas camas com seus lençóis e fronhas
rendados ou bordados. Contudo, o uso da rede nunca será posto de lado aqui no
nordeste brasileiro. Poderá ela até perder um pouco da sua importância, mas
nunca deixará de existir como uma fuga para os dias quentes. Até mesmo na
capital do estado, nas sacadas dos imponentes edifícios residenciais é possível
ver lá no alto, balançando ao vento, uma bela rede colorida.
Assim, a fabricação de
redes, como já citado, proporcionou o aparecimento das fazedeiras de rede, com
seus teares de madeira, quase sempre de pau d’arco, ocupando espaço nas salas.
Trabalhosas, as redes levam até dez dias para ficarem completamente prontas, posto
que a operária tem que realizar suas tarefas de casa também. Alegam, contudo,
que só precisariam de cerca de dois dias para concluir o trabalho de uma rede
mais simples, se houvesse dedicação exclusiva ao mister.
Voltando ao assunto anterior, quando
dizíamos da profissão de artesã de rede, o certo é que elas somavam um ganho
extra à combalida renda familiar através da venda desse produto tão aceito pelo
mercado. Quando criança presenciei o trabalho cuidadoso e meticuloso que
empreendia uma tia minha no seu tear instalado na espaçosa e simples sala de
estar. Impressionava-me a sua habilidade e paciência na tessitura do tecido que
iria compor mais uma rede para a sua infindável coleção de filhos.
Hoje essa profissão está quase extinta
na região em razão do aparecimento das redes tipo “lembrança do Ceará” e do
brim sol-a-sol. Na maioria das vezes, elas são produzidas em larga escala, e
comercializadas pelos vendedores de porta em porta. Mas essas possuem qualidade
baixa, nunca substituirão aquele tipo mais luxuoso feito por mãos especialmente
hábeis no interior de casas muito simples.
Por tudo o que relatamos acima, o fato
é que o costume de dormir nessas “camas-da-terra”, continua imperando em nosso
meio. E pelo visto, é um costume que não tem data para terminar.
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