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(Chico Acoram Araújo)*
A
jovem Alda levantou-se muito cedo do dia nove de julho de 1961. O pai e a mãe,
também. Alguns instantes depois, todos os moradores da casa estavam de pé. As
lamparinas foram acesas. Um murmurinho na casa não demorou. As vozes dos pais e de seus irmãos confundiam-se
no recinto. A
barra do sol começava a alumiar no horizonte distante. Assim como as demais
noites do mês de julho, a madrugada estava friorenta, em contradição com os
dias de temperaturas elevadas do período, clima característico dos munícipios
da região Norte do Piauí. Toda a família estava feliz. A alegria era geral. O
domingo prometia ser esplêndido.
A moça dirigiu-se
para um rústico banheiro localizado nos fundos do quintal da casa da família,
próximo ao poço d’água. O líquido que acabara de retirar do poço mantinha-se
ainda um pouco morno apesar do frio da noite. Caprichou no asseio pessoal com esmero,
ensaboando-se com um perfumado sabonete presenteado pelo seu amado noivo no dia
de seu aniversário de dezenove anos de idade que acontecera quatro dias antes. Nesse
dia não houve comemoração. A festa, na verdade, seria no próximo Domingo; o dia
mais esperado de sua vida: seu matrimônio.
Com ajuda da
mãe e amigas vizinhas, Alda vestiu o cobiçado vestido branco de noiva. Este,
porém, confeccionado em tecido modesto e sem muitos detalhes. Perfumou-se.
Enfim, a moça paramentou-se para a grande cerimônia de casamento a ser realizado
logo mais, às oito horas, na igreja de Nossa Senhora da Conceição.
O noivo
chamava-se Francisco Gomes, mais conhecido como Chico Gomes. Um moço muito
trabalhador e bem-conceituado na comunidade em que ambos moravam. No alpendre
da modesta casa de alvenaria, nos finais de semana, o casal de noivos planejava
formar um lar, ter filhos e viver dignamente nas graças do Senhor.
Segundo um
excelente documentário, em forma vídeo, produzido por alunos do 2º Ano do
Ensino Médio do Educandário Santo Antônio, em Barras-PI, nos revela que Alda
Rodrigues da Silva, filha de humildes lavradores, nasceu no município de Sobral
no Estado do Ceará. O citado documentário relata, dentre outros fatos, que ainda
pequena, Alda mudou-se para Barras, no povoado conhecido como Luís de Sousa,
localizado na zona rural Leste, não muito distante do perímetro urbano da
cidade de Barras do Marataoan. Os pais, Manoel Rodrigues e Maria Francisca
Rodrigues Jorge, e todos seus irmãos vieram para o Piauí em decorrência das
dificuldades que enfrentavam no vizinho Estado para suprir a família com mantimentos,
provavelmente por conta das condições climáticas que atravessava a maioria dos
municípios do Ceará. Nessa época, muitos de seus contemporâneos também vieram
para terras piauienses em busca de melhores condições de vida.
Antes das seis
da manhã, os familiares e amigos já se encontravam montados em seus cavalos em
frente da casa de Seu Manoel Cearense, como era conhecido o pai de Alda. Os
jovens noivos também estavam a postos, no meio da animada caravana capitaneada
pelo Seu Manoel. Em clima de alegria, vinte
e dois cavaleiros e amazonas partiram em pequenos grupos de quatro a seis pessoas,
com destino ao centro da cidade que distava do povoado cerca de uma légua e
meia.
Enquanto isso,
a mãe de Alda e algumas amigas vizinhas ficaram em casa cuidando do grande
banquete que seria oferecido aos amigos e convidados. Na noite anterior, o pai
da noiva já havia abatido alguns animais da sua criação, bodes, galinhas e
porcos para compor o almoço a ser oferecido aos convidados da festa de
casamento. Carne de gado, cozidos, assados, baião-de-dois, farofas, café com
bolos de goma e outras iguarias faziam parte do cardápio da festa.
Quarenta minutos depois, o festivo préstito já
se encontrava atravessando a velha ponte de madeira sobre rio Marataoan
(construída em 1935) em direção a uma residência que ficava a alguns
quarteirões da igreja de Nossa da Conceição. Esta casa, ou rancho como era
chamada, servia de ponto de apoio ou hospedaria para pessoas do interior que
vinham para a cidade. Os animais ficaram alojados em um cercado por trás da
referida pousada. Após os retoques finais no vestuário da noiva e das moças
acompanhantes, todos se dirigiram para a igreja da Matriz.
Do alto da
igreja da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, demolida em 1963 (antiga capela
construída pelo fundador de Barras, Cel. Miguel de Carvalho e Aguiar, em meados
do século XVIII), entre as duas torres, o Cristo Redentor com os braços abertos
saudava os parentes e convidados dos noivos para a celebração do sagrado enlace
matrimonial. Os noivos, silentes, em frente ao grande altar-mor da Matriz,
ouviam solenemente o ritual do padre que ministrava o casamento. A cerimônia
ocorreu de forma célere. Declaro-os marido e mulher, disse por fim, o
religioso.
Segundo meu ilustre
conterrâneo Dílson Lages, notório professor, poeta, cronista e escritor, em seu
livro “O morro da casa-grande” descreve com perfeição o majestoso altar onde
foi realizado o sacramento matrimonial de Alda e Francisco: “O altar-mor de
Nossa Senhora da Conceição de Barras era um dos lugares mais exaltados pelos
fiéis, principalmente em dezembro. ... No retábulo, os nichos eram ocupados com
Nossa Senhora ao centro, sobre o sacrário, ladeada nos demais nichos por Jesus
ressuscitado, à direita, e São José, à esquerda. Jarros de porcelana, cobertos
de flores, sobre o mármore, contrastavam com numerosos castiçais de prata, nos
pés dos quais estava a face de cristo. No topo de retábulo, a imagem do coração
de Jesus, acima do qual se assentava em decoração a própria face do Messias, embriagava
de fé quem orava. O altar-mor, ao fundo, era a luz do templo; uma luz que se
enfraquecia e, dali a poucos dias, apagar-se-ia para sempre. ” De fato, em 1963
houve a demolição desse templo religioso de estilo colonial, lamentavelmente.
Creio que a decisão mais sensata da autoridade religiosa da época fosse a
restauração desse belíssimo templo católico.
Após a
cerimônia de casamento, todos retornaram para o rancho em busca das suas
montarias. Em seguida, Seu Manoel Cearense e os recém-casados, acompanhados dos
parentes e amigos, seguiram de volta para sua casa onde seria servido um almoço
aos convidados. Em grupos, todos pegaram a estrada de piçarra em direção à
ponte de madeira sobre o rio Marataoan para, em seguida, pegar o caminho de
volta para a comunidade Luiz de Sousa. Alda era a última do seu grupo de
cavaleiros, dentre os quais faziam parte o marido e sua cunhada e mais três
pessoas.
A poucos
metros do acesso à ponte de madeira, um ônibus (chamado na época como misto ou
horário) que trafegava com destino a Teresina colidiu com o cavalo em que Alda
montava, arremessando-a violentamente no chão de piçarra. A moça caiu inerte;
apenas um suspiro de dor, e o vestido de noiva tinto de sangue. O marido em desespero tentou em vão
reanimá-la. A moça veio a óbito ali
mesmo no local em decorrência das graves lesões que sofrera. O clamor tomou
conta do local. O causador do trágico acidente nunca foi preso, apesar de se
entregar à polícia no mesmo dia do acidente.
A comunidade
de Luiz de Sousa toda chorou com o infausto acontecimento. O banquete foi
recolhido. O caixão com a jovem morta estava ali no meio da sala da casa sob
olhares pesarosos dos familiares e amigos. Apenas tristeza e dor. A família providenciou
o enterro em um cemitério da localidade, deixando saudades a todos os entes
queridos e amigos.
Quem viaja a
Barras ou passa por essa cidade, procedente de cidades do centro e sul do
Estado, poderá observar do lado direito da pista, tão logo atravesse a ponte de
concreto sobre o rio Marataoan, um memorial em homenagem à falecida Alda Rodrigues
da Silva, mais conhecida como Finada Alda. Nesse exato lugar foi que aconteceu
o trágico acidente que vitimou a jovem recém-casada, e que comoveu todo o povo do
município de Barras. Depois da morte da jovem Alda, surgiram as primeiras
notícias sobre possíveis milagres atribuídos a sua alma. O Memorial da Finada
Alda é um local muito visitado pelos religiosos não só de Barras como também de
outras cidades da região. Hoje, a Finada Alda é considerada um ícone para os
praticantes da fé católica na cidade de Barras.
Obrigado, amigo Pedro. Bela peça. Relato que, como um documentário reto, sem floreios rebuscados dos que não sabem transmitir os fatos, transporta-nos para as cenas são de todo deliciosos. Grato pela gentileza.
ResponderExcluirChico Acoram(Seu minino,) transpôs toda a sua sensibilidade nesta crônica que nos enche de enternecimento, tantos anos passados desde o acontecido.
ResponderExcluirValeu. Muito bom.
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