quarta-feira, 29 de novembro de 2017

AH!, ESSAS PESSOAS SIMPÁTICAS DO TELEMARKETING.

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José Pedro Araújo



        Que o individualismo hoje é inerente a todos nós, isso ninguém discorda. Nem discorda também que até mesmo os vizinhos, os parentes, os amigos, afinal, raramente nos procuram para aquele bate papo gostoso, aquela troca de confidências, e até mesmo inconfidências, aceitável entre amigos de longas datas. Houve um afastamento doloso entre as pessoas, ao ponto de passarmos anos sem ver um amigo residente na própria cidade em que moramos. Tudo, devo dizer, depois do aparecimento das novas tecnologias que tanto tem contribuído para a nossa separação das pessoas que gostamos tanto de ter à nossa volta. Existem já pesquisadores, estudiosos trabalhando para descobrir o verdadeiro estrago que esse afastamento causa às pessoas. A cada dia que passa tomamos conhecimento de algum trabalho dedicado ao assunto. Quer a ciência descobrir como o isolamento pode afetar a vida de cada um de nós.

        Em um passado não muito distante, costumavam acusar a vida corrida atrás do próprio sustento como a principal vilã a trabalhar incansavelmente para a causa. Nos dias de hoje malsinam pelo malefício a internet, os aplicativos dedicados ao contato pessoal - que começou com os e-mails, depois o twitter e seus 140 caracteres, e hoje o whatsapp, ou os demais aplicativos de conversa à distância. Os novos tempos realmente trazem preocupação aos psicólogos ou analistas da personalidade humana, pois tem produzido pessoas cada vez mais arredias ao contato pessoal, ao caloroso abraço ou a um simples aperto de mão.

        Até mesmo o nosso velho telefone dito fixo – é isso mesmo, hoje temos o telefone móvel, o Skype... – através do qual poderíamos ouvir uma voz amiga do outro lado da cidade, do estado ou do país, esse permanece calado o dia todo, quase não toca. E quando toca, é sempre algum desconhecido quem se encontra do outro lado da linha. Bom, menos mal que esse tipo de telefone não comporta o envio de mensagens escritas, ainda podemos ouvir a voz das pessoas que estão nos chamando. Pelo menos isso. Quando Graham Bell inventou essa tecnologia tinha como propósito aproximar as pessoas, e não afastá-las do convívio umas das outras, como ocorre nos dias de hoje.

        Felizmente temos os jovens do telemarketing a nos ligar vinte vezes ao dia. E começo dizendo que essas pessoas que ligam para a sua casa para oferecer algo à venda, talvez sejam as únicas de fora da sua casa a falar com você em semanas. E são elas também quem nos propiciam momentos de puro êxtase, pois nos oferecem ótimos produtos de consumo, como os cartões de crédito, por exemplo, sem que precisemos sair de casa, e somente através de uma chamada telefônica. E nesses momentos você pode perguntar a ela pela família, como os filhos estão se saindo na escola, caso os tenha, essas coisas que costumamos indagar aos parentes e amigos mais próximo, uma vez que esses estão cada vez mais distanciados da gente.

        Outra coisa: se alguma dessas pessoas ligarem para a sua casa em uma hora imprópria, assim como logo após o almoço, horário que você costuma reservar para uma gostosa e demorada sesta, não se aborreça, ela pode ser portadora de boas notícias. Como, por exemplo, oferecer-te um cartão de crédito sem limite predeterminado. Ou mesmo um empréstimo consignado a ser reembolsado em longos e apetitosos setenta e dois meses.

        Pode ocorrer também de alguém te ligar para oferecer um plano funerário como, por exemplo, da simpática “Funerária Santa Luzia – Sua morte, nossa alegria”. Ai já será tirar a sorte grande. Afinal, algum dia todos nós iremos morrer mesmo!

        Não se aborreça, portanto, se o telefone lá da sala de visitas começar a tocar no meio da noite, quando você tiver conseguido, enfim, conciliar no sono, após duas ou três horas de tentativas infrutíferas. Pode ser alguém te oferecendo a sorte grande.

      Outro dia recebi uma ligação de uma simpática moça que estava começando a trabalhar em uma dessas empresas de telemarketing. Era o seu primeiro emprego, e também o seu primeiro dia de trabalho. Não, não era a sua primeira ligação naquele dia! Ela já havia ligado para noventa e nove pessoas e não havia ainda conseguido vender nada. Era eu o centésimo. Mas, eu contribui para que o seu primeiro dia de serviço fosse proveitoso: ela aprendeu a se livrar de um cliente que a fez perder muito tempo, tempo que poderia ser utilizado para oferecer, e talvez conseguir algum sucesso, com, pelo menos dez outras pessoas.

        Deste modo, quando o telefone tocou lá na sala eu havia acabado de entrar no Box do banheiro para tomar banho. Já havia até ligado o chuveiro e os primeiros jatos de água começavam a encharcar os poucos fios de cabelo que ainda me restam. Fechei a torneira, ao ouvir o trinado da campainha, e sai correndo enquanto me enrolava na toalha de banho.  Talvez fosse algum parente ou amigo que estivesse querendo conversar um pouco, depois de meses de mudez, e eu não poderia perder a oportunidade que me era dada.  Não era. Era a mocinha simpática de quem falei algumas linhas atrás. Eu, ofegante ainda, respondi que era eu mesmo quem estava falando com ela. E ela então me deu a notícia feliz: eu havia sido escolhido entre milhares de outras pessoas da cidade de Teresina para receber os cartões do banco tal, que ela representava. É lógico que fiquei feliz. Não é todo o dia que te escolhem para receber um brinde desses.

        Disse-me mais que o limite do meu cartão seria de R$ 25.000,00 reais, dinheiro que eu poderia utilizar em compras, ou simplesmente sacar na boca do caixa, em cash. Aí fui à loucura. Agradeci penhoradamente pela minha escolha e, empolgado com a minha sorte, comecei a lhe perguntar como estava a família, os filhos – ela me respondeu que não tinha filhos. Nem casada era ainda – e se não tinha interesse em conhecer o nordeste, essas coisas que dizemos quando queremos parecer simpático a outras pessoas.  

         Mas a minha alegria não durou muito. No auge da minha empolgação, falei para ela que aquela ligação ia ficar marcada para sempre na minha vida como o dia em que a minha estrela veio até mim através dos fios da telefônica. E que, pródigo como sou, adoro usar os meus cartões em compras de produtos que, na maioria das vezes, nem preciso. E ainda mais. E então cometi uma imprudência. disse-lhe que, como não havia conseguido pagar as faturas dos meus dezessete cartões, tive todos eles bloqueados, até o último. Que o novo cartão que ela me oferecia, portanto, seria a minha salvação, me levaria de volta aos shoppings. E com voz embargada arrematei: se estivéssemos falando pessoalmente, afirmei com lágrimas nos olhos, com certeza lhe daria um abraço bem apertado. Acho que essa parte final da nossa conversa ela não ouviu, pois desligou o telefone rapidamente. 
        O tempora, o mores!

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