domingo, 28 de abril de 2019

A Agonia do Rio Parnaíba e os Lavadores de Automóvel

Lavadores de carro (Foto do autor)


 José Pedro Araújo

No passado não muito distante, os trabalhadores que viviam do rio Parnaíba, além dos pescadores, eram barqueiros, timoneiros, vareiros, balseiros (navegantes de balsas de buriti que trafegavam em sentido jusante no rio posto que suas rudimentares embarcações não possuíam motor propulsor). E quando a nobre atividade dos embarcadiços se extinguiu, ficaram as lavadeiras de roupas, figuras cantadas em prosa e verso na literatura piauiense, instaladas em pontos determinados, utilizando-se do cais para quarar as roupas lavadas nas águas do Velho Monge. Sobraram, daquela época de grande atividade na exploração comercial do rio, as prostitutas que vivam pelo cais em busca de clientes, uma vez que as lavadeiras quase não são vistas mais. Hoje, superlotam a margem do Parnaíba, especialmente em Teresina, os lavadores de carro a assombrar ecologistas de todos os naipes e cores. Esses cidadãos se torcem de raiva sempre que trafegam em seus automóveis pela margem direita do velho e querido rio e dão de cara com esses pobres trabalhadores em atividade.
Várias pessoas, sobretudo homens, vivem dessa nova profissão, uma espécie de subemprego, desde que os embarcadiços sumiram ante o aparecimento das estradas e dos veículos a motor. Normalmente trabalhadores à margem do mercado formal, que buscam o sustento das famílias promovendo a limpeza dos veículos de outras de melhor sorte, veículos que, contraditoriamente, são responsáveis pelo sumiço da atividade de navegante do rio. Entre o Iate Clube de Teresina e a Ponte da Tabuleta, existem mais de mil lavadores trabalhando nessa atividade que começou em fins dos anos oitenta. Se naquela época utilizavam latas para transportar a água do rio, hoje instalaram bombas centrifugas para captá-la de forma mais eficiente e rápida. Entretanto, desde o começo da atividade, têm sido perseguidos. No princípio foram expulsos das imediações do Troca-troca e deslocados para as proximidades do Iate Clube. Agora, padecem de constantes ameaças de definitiva expulsão em razão da acirrada campanha que movem contra eles.
Em um ponto de lavagem normalmente trabalham três pessoas, o seu proprietário, e mais dois ajudantes. A propósito, alguns desses pontos são terceirizados (talvez a maioria), pertencem a outros que os sublocam. Existem até quem possua vários desses pontos de lavagem, e mensalmente recebem o valor acertado do seu aluguel. Alguns destes proprietários são também agiotas que cobram juros inacreditáveis pelos empréstimos realizados, semanal ou mensalmente.
Muita gente acorre até ali. Já foram mais numerosos, alguns deixaram de ir depois de deflagrada insidiosa campanha contra eles através dos meios de comunicação. Aproveitando a presença de muita gente, clientes e trabalhadores do local, lá também se instalaram as vendedoras de comida, de bebida, e de produtos eletrônicos contrabandeados (CD’s de música e filmes, pen drives, cabos e outros periféricos), mas também os vendedores de drogas ilícitas e as prostitutas em busca de clientela rara também apareceram.
Esses trabalhadores encontraram inimigos poderosos que fazem força para retirá-los de lá: os chamados defensores do rio. Esses ditos ecologistas alegam, com certa razão, que a atividade é poluidora, e que os lavadores devem ser removidos pelo poder público. E por conta do clamor que se levantou muitos clientes até deixaram de frequentar o lugar, como já falamos acima. O assunto tem sido tratado com certa assiduidade na imprensa, e sempre de forma negativa.
De minha parte, apesar de achar que o rio pode estar sendo prejudicado com a ação desses lavores de automóvel, faço uma análise diferente do caso. Em uma cidade em que o emprego é uma coisa raríssima, sobretudo para as classes menos preparadas para o mercado de trabalho, retirar esses pais de família dali sem lhes oferecer alternativa, significa empurrá-los para a criminalidade. Está implícito que trabalham ali porque não encontram serviço em outro lugar, e em outra atividade. Depois, se tiverem o cuidado de realizar uma visita ao rio nesse mesmo trecho já descrito, vão encontrar uma quantidade enorme de bocas de esgoto despejando seus efluentes diretamente nas águas do rio sem nenhum tratamento prévio. Esgoto até mesmo de procedência altamente contaminadora, como os derivados de hospitais. Deste modo, antes que o poder público retire esses homens e mulheres que encontraram na atividade o sustento de suas famílias, façam primeiro o dever de casa: promovam a captação das águas servidas e realizem o seu tratamento antes que elas caiam no rio e o emporcalhe.
Não restam dúvidas que algo precisa ser feito. O rio, tão importante para todos nós, consumidores diários de suas águas (é dele que vem a água que bebemos, tomamos banho ou cozemos os nossos alimentos, por exemplo), está a padecer horrores com a nova matriz econômica em execução. O velho rio grande dos Tapuias se apresenta quase morto, está há muito a reclamar de todos nós uma ação positiva para a sua defesa.
Se nos debruçarmos sobre o que já foi escrito sobre ele, veremos que essa atividade destruidora vem de longe. O engenheiro, geógrafo e etnógrafo Gustavo Dodt, por exemplo, contratado pelo governo em 1872 para realizar estudos sobre o rio, navegou por ele desde a sua nascente até o litoral, onde se encontra a sua foz.  Naquele tempo, já denunciou que o Parnaíba sofria um profundo processo de assoreamento devido ao crescente desmatamento de suas margens. De lá para cá pouca coisa foi feita para que isso fosse interrompido. Contrariando as ideias apresentadas pelo estudioso, e devido a crescente exploração dos cerrados nos últimos anos, próximo a sua nascente, acentuou-se drasticamente o problema. Centenas de riachos, lagoas e nascentes que alimentavam o rio e engrossavam o seu volume, foram soterrados  e já não correm em direção ao Velho Monge. Assim, me parece que esse é o problema primordial que deve ser atacado, enfrentado. Sem esquecer, é claro, a problemática do despejo de esgoto sem tratamento no seu leito. Depois disto, aí sim, devem-se resolver a questão daqueles pais de família que buscam o seu sustento através da lavagem de veículos automotores no local.


Um comentário:

  1. Infelizmente o poder público é omisso em suas responsabilidades. Prejudica quem precisa de ajuda. Lamentável !

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