Av. Marechal C. Branco com pista sinalizada |
José Pedro Araújo
Marechal Castelo Branco é a avenida que ombreia o rio Poti pela sua
margem esquerda, importante via que se transformou rapidamente em alternativa
importante ao tumultuado trânsito para buscar o centro da cidade. Bela no seu
aspecto paisagístico virou também pista de caminhada para os apreciadores do
jogging. Gosto de fazer as minhas caminhadas matinais por lá, em detrimento da
outra pista que margeia o mesmo rio pelo seu lado direito, e que foi batizada
com o nome de Raul Lopes. Esta outra avenida recebe uma quantidade maior de
“atletas”, especialmente nas tardes mornas de Teresina. Porém, foi na Marechal
que eu me adaptei e queimo algumas calorias, desfrutando do seu sombreamento e
da sua paisagem atraente. Já afirmei certa vez, para responder à indagação do
porquê de não gostar de caminhar pela Raul: gosto de bater pernas durante a
parte da manhã, quando o clima é mais ameno, e também por não possuir muitos
conhecidos por ali que possam atrapalhar a minha caminhada e a meditação que
faço nessas horas. Por isso, gosto de caminhar sozinho e incógnito, ao
contrário de muitos que gostam de conversar muito durante a caminhada. Dizem,
para se justificarem, que o tempo passa mais rápido. Só que eu prefiro meditar
ao invés de emitir ideias, ouvir pontos de vista. Pronto.
Tenho observado alguns personagens que transitam sempre por lá para
aprimorar a forma física, em busca da saúde perdida. Começo pelo mais ativo
deles, um cidadão magro, careca e que usa sempre calça de jogging, talvez para
esconder as pernas finas e ágeis. Vejo que deve estar aí pela casa dos quarenta
anos, quem sabe, um pouco mais. Este é um viciado no mister. Por ser um dos
poucos com quem me comunico, mesmo rapidamente, fiquei sabendo que caminha ( e
corre também) todos os dias, inclusive aos domingos. Afirmou também que se
sente mal no dia em que, por um motivo ou por outro, tem o seu hábito
prejudicado. É uma figura que representa fartamente esses tempos em que as
pessoas repõem as pernadas substituídas pelo uso do carro ou da moto, coisa que
fazem até para ir à padaria logo ali na esquina.
Depois tem aquela jovem mulher que, não muito assídua quanto o nosso
carequinha, vez por outra põe em dia o aprimoramento físico. Alta, forte,
sempre com uma leg colada às pernas longas, passa por mim correndo e agitando a
trança comprida e elegante. Poderia ser eleita a musa da Marechal, mas,
pensando bem, isso não vem ao caso. Não que não transite por ali belas
mulheres. Mas é que não pretendemos desfeitear outras atletas até mais assíduas
e dedicadas.
Tem também aquela senhora cinquentona que, vez por outra, leva os seus
cães para passear. Gorducha, claudicante ao caminhar, arrasta três cachorros
pelas coleiras. Um dos animais é fêmea, grande e gorda, com um pouco de sangue
Rottweiller nas veias, e me parece bonachona e tranquila. O outro é um Poodle
de pelagem branca. Melhor dizer que possui um resto de pelos bancos, posto
demonstrar que a sarna o tem atacado sem dó nem piedade, derrubando os cabelos
sedosos e deixando ver uma pele avermelhada, maltratada. Apresenta essa
característica mais destacadamente na parte de trás que ficou parecida com as
ancas vermelhas de um babuíno. E o terceiro é um Pequinês de pelo também branco,
rechonchudo e agitado, que parece comandar a matilha. Irrequieto, ele puxa o
cordel que o prende para um lado e para o outro, para, retrocede, e a mulher,
calmamente, atende a todos os seus comandos. Merece uma comenda da parte da
Sociedade Protetora dos Animais pelo trabalho realizado.
De maneira igual, outra senhora traz sempre à mão uma sacola com ração
para gatos e algumas garrafas plásticas com água limpa. Acredito que por ali
são abandonados muitos gatos, pois a quantidade e variedade deles é enorme. E
ela até já improvisou dois abrigos sob os bancos de concreto, utilizando-se de
pedaços de compensado ou de papelão para erigir duas casinholas para os bichanos.
As duas mulheres, tanto a dos cachorros, quanto a que abastece os gatos de
comida e água, vestem-se a caráter para realizar a sua caminhada matinal. Em
nada se distinguem das outras caminhantes.
Vejo por lá também aquele senhor gordo – não, não estou falando de mim
- que caminha sempre acompanhado da esposa. Alto, pernas grossas qual patas de
elefantes – acredito que inchadas – quando o vi começar os seus exercícios pensei
que não prosseguiria por muito tempo, tal o aspecto de sofrimento que mostrava
no rosto alvo e de barba branca e cerrada. Mas me enganei. Já o vejo por ali há
muitos meses e observo que o seu aspecto é muito mais tranquilo, mais
desenvolto, respira melhor, já não mostra mais aquele cansaço de quem vem caminhando
há séculos. Esse merece ser parabenizado pela sua persistência.
Faço referência agora àquela gordinha, baixa compleição física, formas
infladas dentro de uma malha muito colada que passa por mim numa velocidade
estonteante como se eu estivesse parado. Deve estar com o peso dobrado. Não tem
o perfil que eu penso ser o ideal para alguém caminhar com tanta desenvoltura. Era
o que eu pensava antes. Mas estava engando quanto a isso. Ela passa por mim em
marcha batida e sem demonstrar o menor cansaço, sacudindo o corpo dentro
daquela calça de malha fina que parece uma segunda pele do tipo que as mulheres
usam para conferir maior beleza às pernas. Essa moça me mostrou ainda que a
idade me fez caminhar mais lento, por mais que eu queira imprimir velocidade às
minhas pernas. Mal comparando, pareço aquele fusca barulhento que parece
desenvolver uma velocidade estonteante, tão alto está o giro do motor, mas que
trafega se arrastando pela pista qual uma tartaruga. E isso me incomoda,
reconheço.
Depois, tem aqueles atletas de uma vez só. Chegam um dia, alongam-se,
exercitam-se espalhafatosamente, e partem numa correria desenfreada. Logo à
frente encontro-os prostrados sobre um dos bancos existem no passeio, soltando o
ar com dificuldade. Nunca mais aparecem na Marechal. São muitos iguais a estes.
Aves de arribação. Quase todos os dias vejo uma cara nova por lá.
Tempos atrás apareceu por lá um sujeito esdrúxulo, magro, fantasiado de
indiana Jones, que parecia uma figura saída dos programas de humor. Trajando
calça de jogging, tênis pouco apropriado para uma caminhada, camisa de malha
mangas longas, tipo essas que vemos hoje nas praias - e que alardeiam possuir elementos
para a defesa contra raios ultra violeta. Portava ainda um chapéu do tipo usado
pelos exploradores sobre a cabeça que me parece perturbada. Parece conhecer os
moradores da região, pois vejo-o sempre parar para uma conversa com alguns
deles. Dias atrás retomou a caminhada exatamente quando fui passando por ele.
Andou um bom tempo perto de mim e observei que ele cantava algumas musiquinhas
para criança, tipo A dona Aranha... E mal terminava uma emendava outra. Depois entoou
marchinhas de carnaval e, mais à frente, desandou a cantar músicas da Jovem Guarda.
Uma coisa que eu observei, foi que ele não termina a música, canta somente uma
parte dela e já vai emendando com outra. Ou por não saber, ou por querer mostrar a sua
“play list” completa. Encontro-o quase todas as vezes que vou caminhar, e,
invariavelmente, traja o mesmo tipo de roupa, e está sempre cantando. Vai se
saber porque!
Finalmente, quero falar aqui de um personagem que vejo quase todas as
vezes que vou me exercitar por ali: um bem-te-vi. Quando menino chamava esse
tipo de ave de “João Besta”, pois ficam sempre a se mostrar para nós, fazendo
estripulias. Acredito que este já me conhece, e até sente alguma amizade por
mim, pois fica caminhando na minha frente, ligeiro, saltitando sobre aquelas
perninhas finas, compridas e desajeitadas, mas quando me aproximo mais ele
entra no mato rasteiro e some. Desaparece tão rapidamente como apareceu. Sempre
caminhando, nunca ao sabor das suas asas, e sempre no mesmo ponto da avenida.
Penso que tem o seu ninho por ali.
No dia que não vou caminhar na Marechal Castelo Branco sinto falta e a
minha consciência pesa por achar que é uma atividade inescapável a qual não
posso prescindir. E ainda aproveito para me deleitar com os personagens que
vejo transitar por ali. É o meu passatempo, melhor e mais saudável. E como não
fico conversando durante todo o trajeto, deixo de engolir quilos de fumaça
emitida pelos veículos que trafegam ligeiro pela avenida.
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