Foto extraída do Google |
Elmar Carvalho, poeta, romancista e cronista, é membro da APL.
Com a
finalidade de visitar nosso filho João Miguel, que reside em Manaus, no
domingo, dia 29 de abril, fomos a essa capital amazônica. Ao chegarmos ao
aeroporto de Brasília, para a conexão, à boquinha da noite, mal me levantei da
poltrona, fui abordado por uma senhora, que me fez uma pergunta casual, sobre o
nosso destino ou sobre a conexão, não me lembro ao certo. Respondi-lhe que ia a
Manaus, em visita a um filho; ela, então, me disse que seu pai, um português, fora
dono de seringal no Amazonas.
Disse-lhe
que, no auge da exploração da borracha, vários nordestinos, inclusive
piauienses, foram para a Amazônia. Nosso rápido e circunstancial diálogo
terminou aí. Depois, na continuação da viagem, lembrei-me de Humberto de
Campos, que tentara melhor sorte na região amazônica. Humberto, embora
maranhense de Miritiba, que hoje tem o seu nome, após o falecimento de seu pai,
passou grande parte da infância em Parnaíba (PI), de onde saiu aos 13 anos de
idade, com destino a São Luís.
No meu
retorno a Teresina consultei o importante livro Humberto de Campos: evocações
de uma vida, da autoria da amiga e confreira na Academia Parnaibana de Letras
Amparo Coêlho, para refrescar-me a memória, e nele encontrei a informação de
que esse escritor, memorialista e poeta foi capataz de um seringal, onde foi
acometido de uma febre palustre, que lhe fez retornar a Belém. Chegou a
redator-chefe do jornal A Província do Pará, cujo proprietário era Antônio
Lemos, que foi eleito prefeito dessa capital. Foi designado secretário da
Prefeitura. Com a deposição do alcaide, foi perseguido por causa de sua atuação
jornalística, e teve que fugir para o Rio de Janeiro, a bordo de um navio da
Lloyd.
O rápido
diálogo, a que me referi, me fez lembrar que os avós maternos do poeta e
escritor Alberto da Costa e Silva, filho de dona Creusa e de Antônio Francisco,
o poeta maior do Piauí, de nome literário Da Costa e Silva, também moraram em
Manaus. Soube disso através dos livros O espelho do Príncipe e Invenção do
Desenho, da lavra de Alberto, ambos com o subtítulo “ficções da memória”, que
nem por isso deixam de ser duas excelentes obras memorialísticas, que li com
muito agrado, quase de um gole, como se costuma dizer. Fiz a leitura através de
e-book, em meu aparelho Kindle.
Do cotejo
deles, fiquei sabendo que seu avô materno possuíra cabedais na região
amazônica, entre os quais fazenda e seringal, além de duas amantes, que, com
sua morte, se apropriaram de quase tudo. Sua avó, Maria Adélia Fontenelle de Vasconcellos,
conhecida como Aroca, ficou viúva com menos de quarenta anos de idade, e teve
que retornar ao Ceará, sua terra natal. Fixou residência em Fortaleza e passou
a usar luto fechado pelo resto da vida, conquanto não tenha se tornado uma
pessoa melancólica, amarga ou depressiva. Ao contrário, tinha ânimo forte e
positivo. Pertencia a importantes estirpes de Viçosa e Sobral. Recomendei-lhes
a leitura ao historiador Vicente Miranda, que escreveu a mais importante obra
sobre a genealogia e história da Ibiapaba e adjacências, inclusive Piauí, no
intuito de lhe possibilitar eventuais enriquecimentos e acréscimos quando de
uma anunciada segunda edição.
Feito
esse parêntese, que achei pertinente, retomo o tema central. Chegamos a Manaus
por volta de meia noite, ou 23 horas no horário local. Após os abraços e
cumprimentos de praxe, João Miguel nos levou ao seu apartamento, situado perto
da avenida das torres. Torres de transmissão elétrica, esclareço. No dia
seguinte, pude constatar que da varanda, para qualquer lado que pudesse
alcançar, eu via, por entre ruas e casas, boas porções de florestas. Ao
amanhecer, ouvi o canto alegre de aves. À noite, ouvi, muitas vezes, o canto
rascante de cigarras e a sinfonia álacre dos batráquios.
Também,
margeando algumas avenidas, víamos, amiúde ou quase sempre, generosas nesgas
florestais, que adornavam a paisagem urbana. No meio de árvores imponentes e
copadas, vi pequenas plantas e arbustos, de um verde vivo, luxuriante e
diversificado, em que muitas vezes parecia haver esmeraldas esmaltadas, tal o
brilho das cores da folhagem. O formato e o tamanho das folhas eram muito
variados. Em caprichado paisagismo natural, digno talvez dos arranjos de um
Burle Marx, víamos trepadeiras a se enroscar em suntuosas árvores.
Em dois
shoppings, vi, através de paredes envidraçadas, verdadeiros parques florestais,
que lhe ficavam contíguos, talvez como áreas de preservação ambiental. Dessa
espécie de mirante ou posto de observação, vi plantas imensas, de enormes
frondes. Algumas, suponho, eram mais altas do que um prédio de cinco ou seis
andares. Fiz esse cálculo tomando por base o andar de onde eu as observava.
Mais uma
vez verifiquei a diversidade de tamanho, formato, textura e flexibilidades dos
arbustos e árvores. Fiquei a imaginar que algumas poderiam ter vários séculos,
podendo remontar à descoberta do Brasil pelos portugueses, senão ainda
anteriores. Havia ainda enormes e variadas palmeiras, que vi de perto e do
alto, através das vidraças do centro comercial.
Ao conversar
com João Miguel sobre o Teatro do Amazonas, que conheci em viagem anterior,
disse-lhe que essa deslumbrante e faustosa casa de espetáculo fora concluída
pelo governador Fileto Pires Ferreira, nascido no Piauí. Como ele tenha se
admirado dessa informação, acrescentei que outro piauiense também governara o
Amazonas: Gregório Thaumaturgo de Azevedo (*), que também foi o primeiro
governador republicano de seu estado natal. Ambos são filhos de Barras,
justamente cognominada Terra dos Governadores.
No texto
Piauienses viraram ficção na Amazônia, de Dílson Lages Monteiro, colho o
seguinte comentário: “Um é descrito como ‘magro, ágil, elétrico, homem de fino
trato, olhar inteligente, meio romântico, ousado, impetuoso, um tanto ingênuo,
elegante de espírito (...) bem-nascido, família abastada, dona do Norte do
Piauí, a terra do gado’. O outro, como um combativo homem público de ampla
atuação, a seu tempo, no Norte do País. Fileto Pires Ferreira e Thaumaturgo de
Azevedo, piauienses que governaram o Amazonas, respectivamente, entre 1896-1898
e 1891-1892, são personagens do romance ‘Teatro do Amazonas’, de autoria do
amazonense Rogel Samuel.”
A família
Pires Ferreira exerceu o protagonismo político no Piauí durante vastos anos,
sobretudo sob a liderança dos barrenses Firmino Pires Ferreira (25-09-1848 –
21-07-1930) e Joaquim Pires Ferreira (15-07-1868 – 23-12-1958). O primeiro
participou da Guerra do Paraguai, como voluntário, e se tornou herói em várias
batalhas; era marechal do Exército nacional, e foi senador por mais de trinta
anos; o segundo era advogado, foi deputado federal e senador da República por
várias décadas e é epônimo de uma cidade piauiense.
Gregório
Taumaturgo de Azevedo, filho de Manoel de Azevedo Moreira de Carvalho e
Angélica Florinda Moreira de Carvalho, nasceu em Barras (PI), em 17-11-1853, e
faleceu no Rio de Janeiro, em 29-08-1921. Fundou a cidade de Cruzeiro do Sul
(Acre) e a Cruz Vermelha Brasileira, da qual foi presidente. Segundo o escritor
e romancista Rogel Samuel, foi ele quem traçou o plano da cidade de Manaus.
Encerrou sua carreira profissional como marechal do Exército Brasileiro.
Fileto
Pires Ferreira, filho de Raimundo Carvalho Pires Ferreira e Lídia Santana,
nasceu em Barras, em 16-03-1866, e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), em
11-08-1917, tendo alcançado o posto de general. Esforçou-se em concluir as
obras iniciadas por antecessores, inclusive o famoso Teatro do Amazonas. Embora
considerado um grande governador, encontra-se imerso em injusto esquecimento.
Ao se ausentar do estado, para tratamento de saúde na Europa, foi vítima de uma
“armação” política de seus inimigos, que forjaram um falso pedido de renúncia,
com a falsificação de sua assinatura, e lhe destituíram de seu cargo. Embora em
vão, teve a hombridade de tentar reconquistar seu cargo de governador
fraudulentamente usurpado.
Nas vezes
em que percorri as ruas e avenidas manauaras, em automóvel conduzido por João
Miguel, sem querer laborar em estereótipos e maniqueísmos, que sempre distorcem
ou exageram a verdade, notei que os demais motoristas não eram excessivamente
apressados, e cediam a preferência em cruzamentos e conversão de faixas, de
sorte que não presenciei nenhum acidente de trânsito, como com frequência
observo em Teresina, apesar de Manaus ter mais do dobro da população desta.
Quando
pedi alguma informação, notei que a pessoa parava, fixava a atenção em mim, e
com urbanidade e respeito dava a sua resposta. Mera coincidência ou não, só vi
no noticiário local um crime de alta repercussão: o assassinato do advogado
criminalista e ex-deputado estadual Armando Freitas. Ou os homicídios não
ocorrem com tanta frequência ou não lhe atribuem a importância sensacionalista
que lhe dão em outras paragens.
No
domingo, 6 de maio, fomos conhecer o calçadão e praia de Ponta Negra. É um
local de muita magia e beleza, com muita água espraiada e a presença aprazível
de algumas nesgas de florestas, que me pareceram bem preservadas. A impressão
geral que tive, embora possa estar enganado, é de que a cidade não entrou em
processo de excessiva verticalização. O rio Negro parece formar nesse local uma
espécie de baía ou de grande remanso. Em dia anterior, fomos conhecer a Praia
do Japonês, que não se encontrava aberta. Mas o passeio não foi em vão, pois
nos serviu para termos uma ideia do que seja a floresta amazônica, apesar de
que não estávamos em mata fechada.
Fomos, em
seguida, a um restaurante flutuante, onde nos encontramos com Higino Freitas,
sobrinho da Fátima, e com o tenente Fernando Alves, paraibano, amigo e colega
de meu filho. Nesse local, vimos a pujança e a beleza da floresta e do grande
rio, perante o qual, sem ironia e sem menoscabo, o nosso Rio Grande do Tapuia,
o nosso querido Parnaíba ou Velho Monge, como nos versos de Da Costa e Silva,
torna-se quase um igarapé. Mas o Parnaíba, apesar das maldades que lhe fazem e
da incúria dos governantes, é um rio forte e bravo; e resistente, insiste em
não morrer.
O Gino e
o João Miguel comemoravam seus aniversários, ocorridos, respectivamente, nos
dias 4 e 5 de maio. O primeiro ficou muito emocionado com um vídeo que lhe foi
enviado por seu irmão Nonato (Natim) Freitas, em que este proferiu belas
palavras afetivas e fraternas. O Gino, entre outras iguarias, pediu o peixe
jaraqui, por não ser conhecido no Piauí; para não sair da rima, repetiu o
bordão: “Quem come jaraqui, não sai daqui”. E eu, fingindo um equívoco,
continuei no mesmo refrão: “E quem come do jaracá, não sai de cá”. Com isso
brindamos e encerramos essa tarde de encantamento, confraternização e beleza.
E,
arrematando, para os estilistas esqueléticos, de pretensiosa contenção e rigor,
que se autoproclamam avessos ao uso de adjetivos, direi: ao se falar de uma
amazônica beleza, de amazônicos rios e florestas, não se pode deixar de usar
muitos adjetivos. E aproveito para perguntar: se os adjetivos não devem ser
usados, por que diabos teriam sido inventados?
(*) Vários dados históricos desta crônica foram
extraídos do referido texto de Dílson Lages Monteiro, de uma entrevista
concedida por Rogel Samuel ao portal Entretextos, do blogdorocha e do
Dicionário Enciclopédico Piauiense Ilustrado, da autoria do barrense Wilson
Carvalho Gonçalves.
(**) Após publicar esta crônica na internet, tomei conhecimento de que o piauiense César do Rego Monteiro (n. 17-04-1863 em União, f. 1933 no Rio de Janeiro) também governou o estado do Amazonas (01-01-1921 a 30-09-1924).
(**) Após publicar esta crônica na internet, tomei conhecimento de que o piauiense César do Rego Monteiro (n. 17-04-1863 em União, f. 1933 no Rio de Janeiro) também governou o estado do Amazonas (01-01-1921 a 30-09-1924).
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