sábado, 29 de março de 2025

“Quando não souber o que pedir, peça Felicidade”

 

Imagem by Google


Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)

 

Quinta-feira, 20 de março. Vou ao supermercado, logo cedo, para compras semanais, para abastecer a dispensa e fazer a casa funcionar. Uma simples ida ao supermercado demanda tempo e paciência. Preciso de carro para me locomover, já que o supermercado não fica perto de onde moro.

A qualquer hora do dia, trânsito intenso. Chove, e o que era difícil vira caos. Um caminhão parado, quebrado, paralisa tudo. Filas intermináveis de carros. Motocicletas, como enxame de abelhas, tumultuam ainda mais. Chego ao destino. Estacionamento lotado, difícil encontrar uma vaga. Supermercado cheio, - uma aventura pegar um carrinho de compras.

Não sou perdulário, compro o necessário, evitando desperdícios, ainda mais agora que moro só. Ando entre gôndolas, observando preços e prazo de validade dos produtos. Compro frutas, verduras e ovos, o grande vilão dos preços atuais. Vi no noticiário que estão alugando até galinhas poedeiras, tamanho o descalabro a que chegamos.

Compras feitas, não abro mão de queijos e vinhos, que não são luxos, mas itens necessários que fazem parte de minha cesta básica de felicidade. Na fila para efetuar o pagamento, escolho a de menor tamanho, na esperança de pagar e voltar rápido para casa; tenho outros compromissos agendados.

- Moço, o senhor pode empurrar o meu carrinho enquanto vou pegar o pão que esqueci, me pede uma senhora que aparenta ter mais idade que eu.

- Sim, claro, respondo, na esperança de poder ajudar.

- Obrigado, moço, me diz ela, na volta.

- Amor, peguei esses chocolates, diz um senhor para ela, a companheira de fila.

- Ele gosta de chocolates?  Pergunto, enquanto ele se afasta para pegar mais produtos para o carrinho cheio.

- É para nosso neto, responde ela.

- Coisa boa, tenho um neto recém-nascido, Heitor, que ainda não come chocolate.

- Você vai ver quando ele crescer, tudo será para o Heitor. Neto é presente de Deus.

O marido volta, despejando mais produtos no carrinho.

- Esse é Antônio, meu marido, meu amor e melhor amigo, me apresenta ela.

- Seu Antônio, parabéns pela declaração de amor de sua esposa.

Ao observar o casal, lembro de algo que li recentemente: “O melhor da vida está na pequenez que os olhos apressados em busca de grandezas não veem”.

"E deixa-me dizer-te em segredo um dos grandes segredos do mundo: - Essas coisas que parece não terem beleza nenhuma, é simplesmente porque não houve nunca quem lhes desse ao menos um segundo olhar!", cito a singeleza de Mario Quintana.

Compras feitas e pagas, me dirijo para o carro. Na volta sintonizo a rádio, que toca “Peça Felicidade”, do grupo Merlim, uma das minhas canções favoritas.

“Hoje vamos desejar o bem/ Sem olhar a quem

Acabar com a solidão/ No ato de estender a mão

Peça tudo o que você quiser/ Acredite na sua fé

Paz, saúde, vigor, sucesso/ Alegria, esperança, amor

Aproveite todas as sensações/ Sinta a chuva te molhar

E quando o sol chegar/ Deixa esquentar

Tenha dentro do seu coração/ Pureza e verdade

O que você transmitir/ Volta com intensidade

Quando não souber o que pedir/ Peça felicidade

Quando não souber o que doar/ Doe sua metade

E depois vai sentir a energia/ E satisfação de ver nascer um novo dia

Aproveite todas as sensações/ Sinta a chuva te molhar

E quando o sol chegar/ Deixa esquentar

Tenha dentro do seu coração/ Pureza e verdade

O que você transmitir/ Volta com intensidade”.

Quando você entende que viver é um eterno jogo de tentativas, acertos, e aprendizado e que, no fim, esta é a única vida que temos, então, que ela carregue a sua essência, o que te faz bem, tudo o que te move e o melhor de você.

Dia 20 de março foi instituído, em 2012, pela ONU, como Dia Internacional da Felicidade. Vamos ser feliz!

(*)

Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

Instagram: @Luiz.Thadeu

Facebook: Luiz Thadeu Silva

sábado, 8 de março de 2025

Um Corredor de Passagem?

 

Foto ilustrativa


José Pedro Araújo(*)

A região central do Maranhão, também conhecida como zona do Japão, foi desde muito um corredor de passagem para os que fugiam da seca nordestina, atravessavam o Parnaíba e seguiam em busca das terras onde as chuvas caiam dadivosas e o solo devolvia em porções monumentais as sementes arremessadas na terra. Do mesmo modo, e em sentido contrário, seguiam os que levavam seus rebanhos desde os campos de Goiás e ribeiras do Tocantins para as feiras de Caxias ou para o campo das Pombinhas, no Itapecuru, pernoitando no Curador para descansar do cansaço da jornada.

Com a abertura da primeira estrada rasgando a região central, que interligou Caxias a Barra do Corda, nos distantes dias de 1854, muitos dos que desciam das caatingas nordestinas, paravam no velho Curador. Algumas vezes, somente para um breve período de descanso, com o intuito de refazerem as forças e, se possível, ganharem alguns trocados para, depois, continuarem suas sagas até chegarem ao alvo previamente estudado. Mas, até mesmo estes, depois de alguns dias por ali, encantados com a região antes escolhida apenas para uma breve parada, mas também atraídos pela qualidade dos solos e a exuberância das chuvas, terminaram por descansar a bagagem no solo definitivamente, e nunca mais de lá arredaram.

Mas não apenas estes, agricultores por excelência, criadores por motivação, mas outros tantos que laboravam como pequenos manufatureiros de tudo o que interessava a uma população em expansão. E entre estes, foram se radicando no Curador os funileiros, sapateiros, ferreiros, barbeiros, costureiras e alfaiates, marceneiros ou carpinteiros, entre tantas outras profissões, pois viram na região uma oportunidade para se estabelecerem. Foram estes nordestinos desprovidos de recursos financeiros, mas abastados da vontade de superar toda a carência de que vinham padecendo durante toda a vida até chegarem ali. E foram estas pessoas que estabeleceram a base familiar de todos os que vivem e povoam o agora município de Presidente Dutra. Cada família residente no município carrega nas veias o sangue daqueles homens, mulheres e crianças que aportaram na região, trazidos, a maioria, pelos caminhões que vinham para adquirir o arroz produzido a mãos cheias nos campos e roças da nova localidade que foi se formando na mesopotâmica e ubérrima faixa de terra existente entre os riachos Preguiça e Firmino.

Algumas famílias chegavam, se estabeleciam em alguma morada simples, mediante o pagamento de aluguéis irrisórios, e ficavam observando a movimentação da comunidade, com o propósito de escolher a melhor maneira de começarem a produzir algo também para o sustento da própria família. Não esqueçamos que naqueles anos duros, não se tinha nenhuma ajuda do governo para minorar a necessidade dos mais pobres. Cada um daqueles recém-chegados tinha que se desdobrar para conseguir ganhar algo para prover o sustento da família. E assim foram surgindo os barbeiros, os funileiros, os pedreiros, e tantos outros profissionais que amealhavam diárias baixíssimas a custas do suor derramado. E quem não tinha qualquer conhecimento prévio dessas profissões, lançava mãos de qualquer pedaço de madeira que fosse encontrando, e transformavam em estantes rústicas e balcões rudimentares para montar um pequeno negócio, que começava sempre com a arrumação de algumas poucas garrafas de cachaça de forma bem espaçada, para ocupar espaço nas prateleiras, vez que o estoque ainda era mínimo. Ali ficava a mulher para tomar conta da casa, das crianças e do paupérrimo comércio, enquanto o chefe de família perambulava pela cidade em busca de algum serviço temporário que lhe rendesse alguns cruzeiros.  

Quando criança, conheci algumas dessas famílias, pessoas que se desdobravam para fazer algum dinheiro e alimentar suas famílias, na maioria das vezes, numerosas. Gente como um barbeiro que se estabeleceu em uma casa na rua que passa atrás daquela em que morávamos. O chefe daquela família, um cidadão meio gorducho, talvez já se aproximando dos cinquenta anos, montou uma rústica cadeira de barbeiro na sala de visitas, e logo apareceram os primeiros clientes, normalmente gente das redondezas. Fui um dos seus primeiros clientes, e logo deduzi que a profissão por ele abraçada agora devia ser uma novidade para ele, uma vez que o cliente deixava a cadeira-de-barbeiro com alguns caminhos-de-rato espalhados pela cabeça. E quando o cliente era uma criança, a situação se configurava ainda pior, mesmo sendo mais simples, uma vez que ele lançava mão de uma máquina manual daquelas de raspar a cabeças dos militares, e com ela saia arrancando o cabelo pela raiz, enquanto rebaixava o restante a quase zero. No alto da cabeça, sobrava uma lingueta de cabelos escorridos que desciam até a testa. E como sempre existe algo que pode piorar uma situação que já se configura ruim, enquanto isso, ouvíamos o som entrecortado de acordeom que o filho mais velho do barbeiro se esforçava para fazer emitir nos seus longos e demorados ensaios. O rapaz se preparava para a noite, quando em algum lugar da cidade ele animava festas, especialmente nos finais de semana. Contudo, mais duro mesmo, era suportar a voz fanhosa e fina que ele soltava no ar ao tentar imitar o famoso Luiz Gonzaga. Aí vinha aquela vontade de deixar logo aquela cadeira de barbeiro que nos punia com aquele suplício redobrado. Ali, até a esposa do barbeiro também atuava na caça aos cruzeiros perdidos. Vendia bananas para os clientes do marido, frutos adquiridos na feira da cidade, especialmente bonitas e doces bananas maçãs. Daqueles frutos bem maduros eu gostava imensamente.

Outro cidadão que se estabeleceu na nossa região da cidade, foi um homem já entrado na idade, magro, com uma tosse intermitente que nos levava a crer que ele padecia de algum mal do tórax. Homem de gestos afáveis, cabelos brancos, ralos e escorridos para a testa, óculos na ponta do nariz, respondia pelo nome de Beato. Não sei se era um nome verdadeiro ou apelido, mas ele parecia demais com um devoto de algum santo milagreiro. De suas mãos saiam sapatos masculinos e femininos, cintos, celas de montaria, bridões, chinelos de dedo, e tudo o mais que se pode fazer quando se tem um meio de sola em mãos. Era também um exímio contador de história, e por isso atraia algumas crianças que, como eu, residiam por ali. Já adolescente, certo dia encontrei uma fivela bonita e graúda, igual a que os artistas usavam naqueles tempos, enquanto mexia no baú da minha avó, e levei para o “seu” Beato fazer um cinturão para mim. E ele caprichou na sua arte, imprimindo inclusive alguns desenhos no couro com a ajuda de um ferro quente, que mais parecia um ferro daqueles utilizados para ferrar animais. Gostei demais do meu cinto artístico. Quer dizer, mais ou menos. Somente o usei uma única vez, pois o bicho exalava um cheiro forte de sola curtida, e não teve quem o fizesse desaparecer. O jeito foi abdicar do meu cinto, retirar a minha bonita fivela e jogar o couro fora.

Lembro-me ainda que tinha um flandeiro também que fazia bonitas lamparinas, bacias e tantos outros artefatos de metal. Estive uma vez na sua oficina com o meu pai, que ficava lá no início da rua Graça Aranha, próxima à pracinha que chamávamos na época de Praça da Mangueira, em virtude de lá existirem duas bonitas árvores dessa fruta. Fiquei impressionado com a quantidade de artefatos produzidos por aquele funileiro. E, pelo que pude observar, o carro chefe daquele empreendimento era mesmo a lamparina. Por lá observei pencas de lamparinas atadas umas às outras, mercadoria que os filhos do artista saiam vendendo pela cidade. Acredito que com a chegada dos candeeiros e depois da energia elétrica, o seu principal produto perdeu importância e ele teve que se mudar mais uma vez.

E assim foram tantos os recém-chegados das distantes caatingas nordestinas que se fixaram na cidade e hoje seus familiares desempenham todas as funções que ditam a economia local. O que foi feito da família do barbeiro, do funileiro ou mesmo do senhor Beato, não sei dizer. É provável que tenham continuado viagem em direção ao Tocantins, anos mais tarde.           

  (*) 


José Pedro Araújo, é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas. 

  


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Rachel Giusti Fleming, adeus

 

Imagem do Google


Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)

Já́ tinha pensado em dois temas para escrever a crônica deste final de semana. Escolheria entre o primeiro mês de governo de “Donald Trump e a diplomacia do coice”, que está́ colocando de pernas para o ar um mundo já caótico, sem respeito ou empatia por ninguém. Com apenas trinta dias de governo, completados em 20/02, Trump à frente do país mais rico e poderoso do mundo, parece que está há décadas no poder. Ninguém nem lembra mais quem foi Joe Biden, o fraco presidente americano, por quatro anos. Ou escreveria sobre a insana guerra entre Rússia e Ucrânia, que segundo dados não oficiais, ceifou 80 mil vidas, e 400 mil feridos, torrando bilhões de dólares. A guerra entre Rússia e Ucrânia completa três anos, na próxima segunda-feira, 24 de fevereiro.

Mas resolvi mudar e escrever sobre uma pessoa muito especial. Na terça-feira, 17/02, acordei e vi nas redes sociais o comunicado de que Rachel Guisti Fleming havia feito a passagem no dia anterior. A morte sempre deixa um vazio, especialmente quando não estamos esperando. Não conheci Rachel pessoalmente, mas ficamos próximos pelas redes sociais. Ela era irmã de Lílian Giusti, colega dos bancos escolares do Colégio Batista, que voou ao encontro da morte, de forma trágica, quando éramos adolescentes.

Ao saber que Rachel era irmã de Lilian, enviei-lhe uma solicitação de amizade, que logo me adicionou. Quando começamos a conversar, Rachel morava em Brasília. Acompanhei seus derradeiros dias na Capital Federal, a mudança para Petrópolis, RJ. Nos falávamos todos os dias. Comentávamos nossos cotidianos, falávamos sobre São Luís do Maranhão, que ela não visitava há tempo. Culta e inteligente, me mandava vídeos de músicas, que gostava. Muito Jazz e Bossa Nova. Sempre uma nova versão de um clássico. Coisa de gente fina. Leitora voraz, me indicava livros. Cinéfila, me dava dicas de bons filmes, especialmente europeus ou iranianos.

Comospolita, viajada, falávamos de lugares que já tínhamos pisado, destacando algo pitoresco. Fluente em línguas estrangeiras, era uma enciclopédia.

Mãe, avó e bisavó coruja, falava dos filhos, netos e dos bisnetos, com alegria e orgulho da prole. Recentemente havia enviado um vídeo com os bisnetos em pura farra. Não houve tempo de lhe enviar fotos de Heitor, meu neto, recém nascido.

Quando lhe enviava minhas crônicas, gentil e generosamente fazia comentários que me deixavam feliz e grato.

Recentemente, enviou-me uma mensagem, em que estava muito preocupada, pois recebera um aviso, via celular, para ficar alerta por causas das fortes chuvas na região serrana do Rio. Era final de tarde, e toda a população local recebera a mesma mensagem. “Luiz, é muito preocupante tudo isso, não temos para onde ir”, dizia a mensagem. Mais tarde, mais tranquila, disse que tudo se acalmara.

Quando lhe falei que estava passando por um problema, logo me perguntou: “Como posso ajudá-lo?”, oferecendo-me coisa rara em tempos líquidos, -atenção.

Dezembro fui ao Rio, viagem rápida, pensei em ligar-lhe, e se possível, subir a serra para conhecê-la, tomarmos um café, desfrutar de sua companhia. Não o fiz.

A morte tem essa maldade. É uma ruptura, nos priva do convívio, deixa além de saudades, muitas indagações. Quantas perguntas sem resposta, quantas coisas que não saberei de minha amiga Rachel, que um dia de chamei de Clarice Lispector, e que ela sorrindo me disse “não mereço tamanha importância”.

A vida, em sua essência, é desmedida e gratuita. O tempo nos é concedido sem contrato, e a morte nos espera sem taxa de devolução. A partida inesperada de Rachel, que escolheu a elegância como marca de sua trajetória, deixou em mim, uma saudade de quem nunca vi pessoalmente, mas fez parte de alguns dos meus melhores dias, provando que a vida passa que nem o vento, mas só fica o que é sentimento. “A parte que parte não consegue por inteiro partir, mas a parte que parte um pouco fica, a que fica um pouco parte. Embora essas partidas nos partam, elas são partes da vida, e a vida não deixa de ser arte”, poema celta. Rachel era puro lirismo.

(*)

Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

Instagram: @Luiz.Thadeu


sábado, 8 de fevereiro de 2025

“A vida presta”


 

Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)

 

Tenho dias vividos. Nasci em dezembro de 1958, na metade do século passado. Não sou velho; velho é o mundo. Quando nasci o mundo já existia, vou embora e mundo fica. Aprendi com a passagem do tempo que o mundo nunca acaba, quem acaba somos nós. O mundo se renova a cada dia. Me adaptei à passagem do tempo, e como diz Mário Lago, “Fiz um acordo com o tempo. Nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Qualquer dia a gente se encontra e, desta forma, vou vivendo Intensamente cada momento”.

Aos 66 anos, recém completados, estou seminovo; tenho tesão pela vida.   O novo me fascina. Tenho fome e sede de conhecimentos.

Hoje tenho mais sonhos do que quando tinha 30. O bom é que há muito a aprender. Curso faculdade de jornalismo, terminei um MBA, começo um novo na próxima semana. Estou escrevendo um novo livro. Aprendendo culinária, mais próximo às caçarolas. Conhecimento nunca é demais, ao contrário, “Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa”, parafraseio Sócrates. Portanto, estou em boa companhia.

O bom de ter vivido um pouco mais é saber que já vi muita coisa. Vi boi voar algumas vezes. Presenciei coisas inimagináveis. Mas, como diz um amigo filósofo e bom observador da janela da vida: “Tudo que existe no mundo, tinha que haver no mundo”. Ouvi, em uma conversa memorável, do ex-presidente José Sarney. Ao 94 anos, quando alguém lhe conta algo inusitado, ele repente: “No Maranhão, há precedente”. Portanto, nada é novo. Nada é original, isso já aconteceu antes. Ainda mais no Maranhão, terra rica em lendas, causos e mistérios. “Terra em que até o tempo mente”, nas palavras do padre Antônio Vieira, que por essas bandas viveu, e presenciou muitas coisas diferentes.

Costumo dizer que se Gabriel Garcia Márquez, escritor colombiano, prêmio Nobel de Literatura de 1982, um dos expoentes do realismos fantástico, tivesse passado um tempo no Maranhão, sua obra seria mais, fabulosa, fecunda e rica.

Sou de uma época em tudo tinha conserto. Quebrava, logo se conservava. Estamos na época dos descartáveis. Sejam eletrodomésticos, roupas, calçados e/ou relacionamentos.

Como acredito no ser humano, otimista por formação e opção, acho que relacionamentos podem ser restabelecidos, restaurados. Depende das partes envolvidas.

Caro leitor, amiga leitora, você pode pensar que sou bobo, ou iludido. Talvez seja mesmo, mas também sou um entusiasta da vida. Ainda garoto eduquei o olhar para o belo. Em qualquer situação enxergo o lado bom da vida. Continuo acreditando que tudo tem conserto, basta mudar o olhar.

Muita coisa poderia mudar, renovar, revigorar, olhando em outra direção.

Tenho visto ao meu redor tanta gente pessimista. Me entristece. Acho que grande parte entrou em uma vibe ruim, em só olhar o lado negativo da vida. Esses precisam mudar o olhar, ter gratidão por cada dia vivido. Descobrir as boas coisas da vida. Saborear cada momento vivido. Para um ano que começou há pouco, informo que viver é mágico. Viver é bárbaro. Viver é dádiva.

O título da crônica roubei da multifacetada Fernanda Torres. Bem-aventurados os que descobriram que a vida presta.

()*

Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor, globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

É no silêncio que a vida fala

Imagem de Edições Paulinas

 

Luiz Thadeu Nunes e Silva (*) 

Procuro me desligar quando a barulheira da vida me perturba, quando a carência me confunde, quando meu ar fica pesado.

Sempre me calo quando já disse tudo e não surtiu efeito, quando não fui compreendido. Incomodado, me mudo. Mudo de lugar, mudo de pessoas. Sempre sei onde fica a porta de saída.

Me afasto quando não enxergam que meu coração sangra, que meus olhos choram apesar de colocar sorrisos no rosto.

Me desligo quando estou entediado com a mesmice. Quando o mundo tenta me atropelar.

Sou do vento, das tempestades, do calor das intensidades...careço de voar! Vim ao mundo para ir cada vez mais longe. Por necessidade aprendi a voar. Aprendi fazer das muletas, asas; elas já me levaram para os todos os continentes do mundo.

Desapareço de mim mesmo quando não me reconheço.

Me silencio, me aquieto, e aos poucos volto a me encontrar.

Encontro respostas no tudo que ainda não sei, no nada que achei que sabia.

Talvez minhas incógnitas, reflexões, serão vozes determinantes, já que meu cérebro entende que precisa de mais.

Sei que viver pede mais, que o saber pede mais, que carinho nunca é demais.

A alma cansa de esperar brotar flores num jardim regado sem entusiasmo.

Espero impaciente por uma chuva de amor que regue com atenção o solo dos meus sentimentos. Assim, caminho.

Demorei para aprender:

Quando não abre, não é a tua porta. Quando não gira, não é a tua chave. Quando não passa, não é o teu comboio.

Quando não (te) ilumina, não é a tua luz.

Quando não torce (por ti), não é teu amigo.

Quando não cura, não é (ainda) o teu tempo.

Quando não serena, não é a tua paz.

Quando não tem certezas, não é a tua pessoa. E, quando não fica... não é o teu amor. Melhor deixar partir.

Aprendi que reconstruir é mais doloroso que preservar. Pois, ao reconstruir, vem à memória tudo como era antes, lembrando do que aconteceu naquele tempo, naquele lugar. Reconstruir surge muitas vezes de algo que estava em ruínas ou que havia chegado ao fim. Aí, vem o engano, que desta vez será diferente, na vil esperança de que desta vez tudo será diferente do que foi anteriormente. Aprender a reconstruir é viver novamente no mesmo ambiente, sendo a mesma pessoa, mas tentando fazer tudo de forma diferente.

“O infinito, esse velho enigma que tanto escapa à razão, não mora nas estrelas distantes nem nas eternidades prometidas. Ele se esconde, sutil, na epifania do instante que passa. É uma sombra translúcida que dança no tempo, um segredo que só se revela quando já não há mais olhos para vê-lo. Não está no vasto, mas no ínfimo; não na extensão, mas na profundidade do agora”, li recentemente, não gravei o autor.

Apenas um conselho, seja paciente com você. Se permita um descanso, um sorriso, um mimo qualquer.

Esqueça as coisas que te angustiam; abre a janela, namore o dia, gaste tempo com as pequenezas que lhe trazem paz. Seja paciente com você.

Não se cobre tanto, não queira acertar sempre, porque o caminho é longo, e os aprendizados, constantes.

Feche os olhos, ouça os sons da tarde caindo, começando outra vez.

É no silêncio que a vida fala. Esteja atento para escutar. Pare para ouvir os sons da natureza.

Desacelere o passo pra ver borboletas, passarinho no ninho, botão querendo ser flor. Reserve um tempo para contemplar um entardecer, para ouvir música, para ler um livro, para tomar um café, um vinho, um aguardente. Ou mesmo um bom banho. Limpo, tenha tempo para um encontro amoroso, dê e receba carinhos e carícias. Erotize sua vida. Sexo é o chocolate da vida.

Permita-se SENTIR.

(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva  é Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter, autor do livro “Das muletas fiz asas”.

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

CÂNTICOS PARA UM NOVO ANO

Imagem extraída do Google

 


Esperança:

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenes
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

(*)  Mário QuintanaMário Quintana

 

Ano Novo:

Meia noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício.

Olho o céu:
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça:
nada ali indica
que um ano novo começa.

E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.

Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho
estelar
que sonha
(e luta)

(*)  Ferreira Gullar - entrevistado por Clarice Lispector | Templo Cultural  DelfosFerreira Gullar

 

Receita de Ano Novo:

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.


É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

(*) Carlos Drummond De Andrade — Câmara MunicipalCarlos Drumond de Andrade

 

Os Dois Horizontes:

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O voo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.

Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? – Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.

Dois horizontes fecham nossa vida.

É preciso esperar contra a esperança
e ser a mão pousada
no leme de sua lança.

E o peito da esperança
é não chegar;
seu rosto é sempre mais.
É preciso desesperar
a esperança
como um balde no mar.

Um balde a mais
na esperança.

Um balde a mais
contra a esperança
e sobre nós.

(*) Frases e pensamentos de grandes escritores sobre Autor MachadoDeAssis -  Migalhas LiteráriasMachado de Assis

 

Os Anos são Degraus:

Os anos são degraus, a Vida a escada.
Longa ou curta, só Deus pode medi-la.
E a Porta, a grande Porta desejada,
só Deus pode fechá-la,
pode abri-la.

São vários os degraus; alguns sombrios,
outros ao sol, na plena luz dos astros,
com asas de anjos, harpas celestiais.
Alguns, quilhas e mastros
nas mãos dos vendavais.

Mas tudo são degraus; tudo é fugir
à humana condição.
Degrau após degrau,
tudo é lenta ascensão.

Senhor, como é possível a descrença,
imaginar, sequer, que ao fim da Estrada,
se encontre após esta ansiedade imensa
uma porta fechada
e mais nada?

(*) Fernanda de Castro | Enciclopédia Itaú CulturalFernanda de Castro

 

O Tempo:

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias

a que se deu o nome de ano,

foi um indivíduo genial.

 

Industrializou a esperança,

fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

 

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar

e entregar os pontos.

 

Aí entra o milagre da renovação

e tudo começa outra vez, com outro número

e outra vontade de acreditar

que daqui para diante tudo vai ser diferente.

 

Para você desejo o sonho realizado,

o amor esperado,

a esperança renovada.

 

Para você, desejo todas as cores desta vida,

todas as alegrias que puder sorrir,

todas as músicas que puder emocionar.

 

Para você, neste novo ano,

desejo que os amigos sejam mais cúmplices,

que sua família seja mais unida,

que sua vida seja mais bem vivida.

 

Gostaria de lhe desejar tantas coisas...

mas nada seria suficiente...

 

Então desejo apenas que você tenha muitos desejos,

desejos grandes.

 

E que eles possam mover você a cada minuto

ao rumo da sua felicidade.

(*) Estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade em Copacabana, Rio de Janeiro -  Bing GalleryCarlos Drumond de Andrade

 

FELIZ 2025 PARA TODOS!!!!

 

 

 

 

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