sábado, 31 de outubro de 2015

Novas Fotografias para o Álbum da Cidade

by Carlos Magno
           Quando nos propusemos a publicar algumas fotografias para compor o álbum da cidade, tínhamos como intenção, levar alegria aos corações dos presidutrenses residentes neste vasto mundo globalizado. E parece que acertamos em cheio nas nossas pretensões, pois as fotos publicadas neste blog são muito vistas e copiadas pelos nossos amigos que muito nos honram com a sua visita. 
          Hoje damos início a uma nova proposta, que é mostrar a cidade em um ângulo completo de  trezentos e sessenta graus, à partir do centro histórico e geográfico da nossa PK, a praça São Sebastião, ou praça da Matriz. 
          A primeira fotografia, por exemplo, mostra a região norte da cidade e nela aparecem duas construções que são como monumentos para nós, o Convento das Irmãs e Caixa D´água que tanta polêmica causou, mas que hoje ninguém admite a sua remoção, posto que já faz parte da paisagem da cidade.
          A segunda fotografia retrata parte da região sul e oeste da cidade, e mostra alguns prédios importantes, como a sede do Banco do Brasil e o antigo colégio São Bento, dos padres capuchinhos, instituição de ensino que acolhia os alunos do sexo masculino, uma vez que as meninas estudavam no colégio das Irmãs que funcionava no convento já descrito. 
            Brevemente voltaremos a publicar outras fotografias que irão fechar o circulo completo.

by Carlos Magno

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O Sertão na Visão do Poeta



                                     
A falta de uma educação de qualidade não é obstáculo suficiente para barrar o talento puro, nascido no berço e lapidado nas experiências da vida. Se isso é válido para muitas coisas, também é verdadeiro para os poetas e prosadores nascidos nos fundões do sertão maranhense. Conheci um desses homens capazes de construir verdadeiras obras primas sem rabiscar nada no papel – por quase não saber escrever - fabricando suas rimas apenas na sua mente e recitando-as depois para sedimentá-las na memória. O nome desse trovador era Pedro Gomes de Oliveira e entre tantas outras profissões que abraçava - como forma de prover sustento para sua família - comercializava peles de animais silvestres, quando isso ainda não era considerado um crime tão grave contra a natureza.

Em uma de suas tantas viagens, certa feita, retornando para Colinas, bela e aprazível cidade de clima bastante ameno, encravada no sertão maranhense, resolveu pernoitar na residência do amigo Zeca Barros, em Presidente Dutra. Naquele tempo, ir de Colinas a Grajaú era tarefa das mais incômodas, em razão das péssimas estradas e da falta de apoio logístico nos povoados e cidades. Se ainda hoje é tarefa das mais indigestas, imaginem naquele tempo. E Pedro Gomes, já entrado na idade, devia sofrer mais do que o normal nesses longos períodos em que era obrigado a conviver com toda a sorte de dificuldades.

Nesse dia, ainda sob os efeitos do cansaço, ossos moídos pelos solavancos do transporte desconfortável, resolveu desabafar para o seu anfitrião da forma que mais gostava de fazer: através das suas rimas. Foi então que ele se vingou das dificuldades vividas nos povoados e cidades que encontrou no último trajeto realizado, cunhando seus versos com um pouco de veneno e uma boa dose de graça. Em decorrência do tempo transcorrido, só conseguimos resgatar uma das estrofes daquele desabafo hilariante, nomeando cada uma das povoações que o poeta popular encontrou pelo caminho, da seguinte forma:

Barra do Corda é uma Ticaca
Naru, curral da fome.
Jacaré, cuia emborcada.
Jenipapo, não tem homem.
Cacete, pau da miséria
Grajaú, só tem o nome.

Passados alguns anos, em outra viagem que o vate sertanejo empreendeu a região, encontrou algumas melhorias nos povoados e nas cidades visitadas, resolvendo então reparar um pouco os versos objetos da sua revolta. Com bom humor, melhorou um pouco o seu julgamento sobre as comunidades existentes desde Barra do Corda até Grajaú, com exceção desta última, versejando assim:

Barra do Corda já está boazinha
Naru já melhorou
Jenipapo já tem homem
Jacaré desemborcou
Cacete por São Pedro, o dono dele trocou
Mas Grajaú, ainda continua do jeito que começou.

Apesar das agruras resultantes da vida errante que levava, o poeta mantinha-se sempre bem humorado, e nem mesmo seu anfitrião escapou de suas tiradas engraçadas, como no dia em que ficou sabendo que Zeca Barros havia posto uma cangalha com alguns jacás em uma égua nova, e nela havia colocado suas filhas para um belo dia no campo. Uma das meninas ia na cangalha e as outras duas nos jacás, como peso e contra-peso. Feito isto, rumou para a sua propriedade onde pretendia fornecer um belo dia de lazer às crianças. Tudo ia bem até que o animal, muito arisco, levando a carga completa sobre as costas, foi entregue a um dos filhos maiores, que também não passava de uma criança na época. E lá se foram os alegres e despreocupados candidatos a um dia feliz na roça.  

Gargalhadas aqui, brincadeiras bem humoradas acolá, podia-se afirmar que ali trafegava um grupo de crianças transpirando felicidade e soltando no ar seus sorrisos espontâneos, qual trinado de pássaros livres. Mas, ainda no inicio do trajeto, o animal se espantou com alguma coisa e começou uma corrida desenfreada levando a bordo a sua carga humana. Presos pelas alças nos cabeçotes da cangalha, os jacás começaram a saltar nervosamente ameaçando soltar-se a qualquer momento. E as gargalhadas iniciais foram substituídas pelos gritos apavorados das crianças; tal gritaria só fazia aumentar o nervosismo do animal, que acelerava mais e mais, seguindo em desabalada carreira. O garoto encarregado de conter o animal já havia ficado pelo caminho, cara enfiada no pó vermelho. Uma das meninas, que ia em um dos jacás, com a arrancada do animal tomou um banho de azeite de coco quando a panela que conduzia, cheia de óleo, foi lançada para o alto entornando o líquido viscoso sobre a sua cabeça. Essa mesma criança, logo depois, foi jogada fora do assento, situação igual a que viria a ocorrer logo depois com a que ocupava o outro jacá, desequilibrado com a queda do primeiro, e ao qual servia de contrapeso.

A última criança a ser cuspida pelo animal desembestado foi a que estava sobre a cangalha. Essa, apavorada com o que havia acontecido com as outras, não teve muito tempo para se agarrar direito e logo já estava no chão como as demais. Acabava dessa maneira quase trágica o que prometia ser um dia feliz no campo. Da mesma forma, Pedro Oliveira ficara sabendo que o amigo havia provocado a morte de um jumento Pega, usado por ele para cruzar com algumas éguas de sua propriedade, ao colocar no pescoço do bicho uma forquilha para impedir que fugisse em busca de aventuras. Juntando os dois casos o poeta produziu a seguinte rima:

Meu amigo Zeca Barros
Tome isto por exemplo
Não bote cangalha em égua
Nem forquilha em jumento.

Ouvindo a brincadeira, o bem humorado Zeca Barros desafiou o poeta, afirmando que ele deveria assinar a peça que acabava de compor. E ele, mais que depressa,  concluiu a sua rima:

Couro de gato(Maracajá) dá dinheiro
Carrapato dá coceira
O autor desses versos
É Pedro Gomes de Oliveira.

sábado, 24 de outubro de 2015

Insônia




ELMAR CARVALHO
Membro da Academia Piauiense de Letras, Poeta, Historiador, Contista, Cronista e Juiz aposentado.

No silêncio abissal
da noite estagnada
a engrenagem pesada
do tempo se desenrola
e desaba sobre mim.

As botas cadenciadas
das horas marcham
- lentas lesmas –
marcham infinitamente
na noite sem fim...    

sábado, 17 de outubro de 2015

Pedido de Desculpas de um Bebê

Minha neta Alice


Mamãe,
       Eu ainda não sei falar, mas se eu soubesse, falaria mil vezes o quanto eu amo o seu sorriso. Quando a senhora abre esse sorriso enorme, eu percebo que, apesar da canseira, a minha chegada trouxe alegria na sua vida. Eu não sei explicar ou até mesmo entender o que eu sinto... Mas quando eu te vejo chegar, para me pegar depois de poucas horas separadas, sinto muita vontade de dizer que eu te amo! As palavras não saem, então eu aprendi a sorrir. Também adoro aqueles momentos que eu fico no seu colinho, porque assim, a senhora fica bem agarradinha comigo. Eu escuto as batidas do seu coração, sinto o calor do seu corpo e me sinto segura e em paz. E quando a fome bate, mamãe? Eu abro o maior berreiro. Antes de me alimentar, a senhora sempre me dá um abraço, tentando me consolar. A fome não passa e logo sei que a senhora vai trazer o meu leitinho.
Também enxergo amor no seu rosto toda vez que troca a minha fralda! Mas também vejo as caretas que faz por causa do cheirinho do meu cocô! Às vezes, eu acordo assustada, sem a sua presença, às vezes eu tô tristinha e só os seus braços me acalmam. Muitas vezes, a senhora não consegue comer tranquila, tomar banhos demorados, vestir suas melhores roupas, arrumar o cabelo, colocar o trabalho em dia, e também não te deixei estudar como deveria... Me perdoa! Não é a sua missão me fazer feliz, essa missão é minha: te fazer a mamãe mais feliz do planeta! Mesmo com tantas dificuldades que passamos, a cada dia que passa, eu vejo o quanto o seu amor é imenso, e que eu só preciso existir pra te fazer sorrir. Mamãe, que os meu sorrisos te digam todos os dias o tanto que eu amo ter você pra mim! E lembre-se: esse meu sorriso é pra te ver feliz! Obrigada pelos 7 meses cuidando de mim e me amando incondicionalmente! Ass.: sua Alice!


PS do Folhas Avulsas – Parabéns Alice pelos seus sete meses de vida que tantas alegrias têm nos trazido.

Vida de Agrônomo

José Pedro Araújo

Avalie um homem que acabou de receber o seu diploma universitário, e o encontrará a alguns metros do chão. Foi isso, pelo menos, o que aconteceu comigo. É verdade que me achava um pouco perdido, desorientado mesmo, sem saber como por em prática o que aprendi nos bancos da universidade. Mas também é verdade que a vaidade havia se apossado de parte de mim, a ponto de me achar um homem diferenciado, um candidato compenetrado à espera do seu prometido, e devido, brilhante futuro.

Agora imagine um homem apresentado ao mundo real. É bem provável que, caso não caia das nuvens, num tombo monumental, ganhe algumas esfregadas que irão arranhar o verniz fresquinho, e fraquinho, da sua falsa grandiosidade. Foi assim que aconteceu.

Como chegar ao primeiro emprego não havia sido problema, - após passar em um concurso relativamente fácil -, ingressei na EMATER poucos dias depois do certame. Tudo parecia correr dentro do script, apesar de não ser o emprego ideal, nem o salário fizesse jus ao meu nível de formação, senti-me no rumo certo. Paciência. Era só o primeiro degrau. Foi o que pensei. E assim, dois ou três dias depois, estava desembarcando na cidade de Bacabal, Maranhão, para assumir o meu posto de trabalho. É certo que o ônibus velho e desconfortável que havia me levado até ali, tinha servido para baixar um pouco a minha bola, levando-me no rumo de um futuro que nem de longe pensava ser o que me estava destinado.  Mas as coisas não parariam por ai.  

Ao me apresentar ao Coordenador Regional da unidade, foi-me dito que eu deveria embarcar no dia seguinte para um município de nome Lago Verde, que eu nunca tinha ouvido falar. Iria instalar o escritório da empresa naquela povoação que, a bem da verdade, não ficava muito distante da regional. Sem problema. Desafios me fazem bem. Fazem bem a qualquer pessoa, dirão. No dia seguinte, duas da tarde, lá estava eu novamente na rodoviária da cidade para tomar o meu ônibus com destino a Lago Verde.

Mais uma decepção. O trambolho que encostou na passarela de embarque poderia ser chamado de tudo, menos de ônibus. Estado era lastimável, o que fazia com que o outro que me trouxera de São Luís no dia anterior parecesse um expresso, na acepção da palavra, o barulhento coletivo encobriu a todos com uma fumaça preta e malcheirosa.  E eu não tive nem tempo para incorporar a minha decepção. O motorista, que havia descido rapidamente para a plataforma de embarque foi logo gritando que todos precisavam se apressar, pois ele precisava pegar a estrada, tinha horário para cumprir.  

Com se já estivessem acostumados com a ordem do comandante daquele autocarro, houve uma correria de passageiros para acomodarem suas bagagens no bagageiro, e quase me derrubam. Atropelaram-me sem respeito. Equilibrei-me e, rapidamente, juntei a minha mala e fui procurar acomodação para ela também. Procurei um cantinho isolado, mas logo vi minha porta bagagem ser soterrada por uma montanha de volumes. Lá se foi a minha mala nova, pensei. Enquanto estava pensando assim, fui empurrado por alguém que tentava colocar no bagageiro um leitão vivo e esguichando feito um endemoniado. Um porco junto à bagagem, fui reclamando ao motorista que se mantinha impassível, àquela hora segurando a tampa do bagageiro para ela não achatar a quem tratava de acomodar suas coisas lá. Foi ai que vi que alguém já haviam colocado lá um engradado cheio de galinhas. Desisti de reclamar e tentei entrar no veículo. Lá dentro a confusão era geral. Gente tentando empurrar outras bagagens no bagageiro interno, como se o troço fosse feito de elástico e se expandisse para comportar o volume que ele tentasse colocar lá dentro. O corredor, já que o pessoal continuava em pé, estava entupido. E, àquela hora, o calor que fazia no interior da lata-velha, era de deixar qualquer um louco da vida. E era um empurra-empurra que só terminou quando o ônibus já havia tomado a estrada. Como num graneleiro, as coisas foram se acomodando por si só. 

Com muito custo, consegui um lugarzinho na janela, no assento sobre os pneus traseiros. Àquela altura, a minha autoestima estava muito baixa. Um doutor não merecia aquilo. Mas, fazer o que? Era melhor relaxar e aproveitar a paisagem que se descortinava pela janela. Mas, como relaxar, se a tal poltrona tinha o encosto voltado para a frente, reduzindo o ângulo de noventa graus das normais em pouco mais de oitenta. Fiquei com o rosto quase enfiado no encosto da poltrona da frente. Com os dois braços apoiados nas coxas, permaneci por cerca de quarenta minutos a uma hora assim. De vez em quando conseguia olhar pela janela para apreciar a paisagem. Decorrido esse tempo, vi que o coletivo deixou a BR e tomou uma estrada de piçarra. Ai a poeira veio se somar a todas as misérias que o maldito transporte nos impingia. E o transporte começou também a sacolejar como se quisesse acomodar direito os passageiros no seu interior. Andamos assim cerca de meia hora mais. Depois disso, o bichão parou e o motorista desligou o motor. O que teria acontecido? – Dirigi-me ao meu companheiro de bancada. “O ônibus já vai até aqui”. – respondeu-me – “Tem um atoleiro muito grande ai na frente impedindo a gente de passar”.

Ninguém tinha me avisado sobre isso. E agora?

Parei de frente ao motorista e indaguei-lhe como íamos fazer o resto do trajeto. E ele, calmamente, respondeu-me: “a pé”. A pé e com a mala na cabeça, desesperei-me. E ele, olhando com pena da minha pouca experiência, avisou-me que logo na frente tinha algumas carroças que, contratadas, podiam levar a minha mala.

- Ainda por cima, tenho que pagar? – revoltei-me.  E ele, do alto da sua autoridade de comandante do nosso coletivo, disse-me que apenas se não quisesse levar a mala na cabeça. Pronto. A conversa estava encerrada, foi o que ele deu entender ao pedir-me que saísse da frente para dar passagem pra os outros passageiros.

Depois de descer e apanhar a minha mala completamente amassada, fiz o que a maioria dos passageiros estavam fazendo: corri até a primeira carroça e contratei o transporte da minha bagagem, depois de perguntar se estávamos  perto da nossa cidade.

- Sim. Apenas dez a doze quilômetros daqui. Já a gente chega lá.

Quase tive um troço. Aquele dia não merecia existir. Que dia aziago!

Tomei a estrada também. Caso não me apressasse, não acompanharia a carroça com a minha mala que já tinha partido rapidamente. A carga da carroça ia por cima. A bagagem havia tomado uma altura louca, e precisou ser amarrada para não cair na lama que inundava o caminho. Consegui caminhar por vinte minutos. Caminhar é a forma de dizer. Na verdade, sai deslizando na lama enquanto me equilibrava para não cair. Depois desse tempo, cansado, olhei para a carga e perguntei ao carroceiro se eu podia subir no veículo também. Ele me respondeu que sim.

Bom. Ia anoitecendo quando entramos na cidade. O acesso era feito por uma rua comprida e sinuosa, sem calçamento, que ia de uma ponta a outra da comunidade. E parecia ser única, mas, a bem da verdade, não era. Alguns pedaços de ruas saiam perpendicularmente e logo se interrompiam. Assim, a rua que trafegávamos não era a única, mas era a mais importante, a principal, como parece existir em todas as cidades do interior.

Bateu-me uma tristeza. Isso era demais para a minha autoridade. Um doutor agrônomo formado na renomada Universidade Federal Rural de Pernambuco, ter que tomar contato com o seu local de trabalho daquela forma, e ainda por cima sobre uma carroça atupetada de bagagem. Só não voltei para trás porque não tinha como. Parabéns a todos os agrônomos desse imenso Brasil!

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Herança

José Pedro Araújo


                O assunto do título acima está sobejamente tratado na literatura, pelo que me consta, pois é um tema que suscita uma série de enredos com várias nuances, ou vários finais. Machado de Assis foi um dos que tratou sobre ele em um conto, chamado A Herança. A jovem escritora americana Kiera Cass, caiu nas graças do público, inclusive o brasileiro, com uma serie de livros intitulados A herdeira. Outros autores cuidaram do tema de modo superficial, quase como enchimento para alongar ou acrescentar um pouco mais de páginas a determinado livro. É um tema instigante, portanto, e é tão poderoso que tem destruído ou desestruturado muitas famílias quando chega a hora da divisão do patrimônio deixado pelos pais. E isso se dá desde os primórdios da civilização, em todas as culturas, em todos os grupos familiares, em todas as classes sociais. A busca pelo maior ou o melhor naco do patrimônio deixado por seus progenitores, põe em lados opostos até mesmo quem antes jurava amizade eterna. Esse tema nunca envelhece, e é também muito citado nos folhetins para a televisão em razão do grau de discórdia que pode alimentar, da trama que pode suscitar.

                Recentemente ouvi uma história contada por um irmão meu, que a disse verdadeira, sobre uma disputa entre alguns irmãos pela herdade deixada pelos pais mortos. Com seu jeito meio jocoso de contar seus causos, ele afirmou que a tal desavença ocorreu no seio de uma família residente no velho e querido Curador. E como não me pediu segredo, repasso o que ouvi, com algum acréscimo, talvez. O fato aconteceu mais ou menos assim, salvo uma pitada de humor acrescentado por ele, ou por mim, ao relatar como o caso se deu.

               Em pouco tempo, morreram os pais de uma família de quatro irmãos. Eles deixaram para os filhos, como herança, apenas e tão somente uma pequena, mas bem estruturada propriedade rural. Antes da passagem do casal, porém, como a terra era relativamente pequena, dois desses irmãos já haviam partido para Brasília em busca de um lugar ao sol, conscientes de que a pequena propriedade não era suficiente para acomodar a todos. Ou até mesmo porque quisessem levar uma vida um pouco menos sacrificada. E esses dois irmãos se deram relativamente bem na capital federal. Arranjaram bons empregos e constituíram família ali. Prosperaram, enfim. Já o irmão mais velho, mais adaptado às coisas da roça, ficou ajudando o pai na tarefa de amanhar a terra e prover toda a família com o que conseguiam retirar dela. E foi desse trabalho ininterrupto, pesado, cansativo, que saíram os recursos para bancar os estudos dos dois irmãos que haviam escolhido outro caminho a seguir. Os tais que estavam vivendo e Brasília.

O irmão número quatro, nasceu com sérias complicações pós-parto, o que comprometeu a sua vida futura. Com problemas graves na fala e no sistema nervoso, tinha surtos periódicos que o leva a ficar um pouco agressivo, mas, bem cuidado pelos pais e pelo irmão, nunca havia causado mal maior a quem quer que fosse.

Pois bem. Falecido o velho chefe de família, algum tempo depois da esposa, os filhos residentes na capital vieram para a missa de sétimo dia, uma vez que não conseguiram tempo para comparecer ao seu sepultamento, assim como aconteceu ao lhes falecer a mãe. E nesse mesmo dia, alegando que precisavam voltar para os seus afazeres, reuniram-se, os três, para determinarem o que fazer com a herança deixada pelos pais.

Conversa vem, conversa vai, os dois irmãos mais bem postados e que haviam recebido uma educação diferenciada e a custa do trabalho do mais velho, conduziam a reunião e, logo, chegaram a uma proposta que julgaram ser a mais adequada para todos: propuseram vender a propriedade, único bem deixado pelos pais. Seria mais fácil dividir o dinheiro do que a terra, afirmaram com convicção e sabedoria. Depois, de tão longe, não tinham como administrar a gleba de terra que tocasse para eles, que não deveria ser muito grande. Seria até mesmo antieconômico, portanto impensável. 
O irmão que havia ficado em casa para ajudar na condução da propriedade, ficou calado o tempo todo enquanto os outros dois, mais sábios, procuravam uma saída para o caso. Algum tempo depois, instado pelos outros a falar o que achava da proposta, saiu-se com essa:

- A proposta que eu tenho é um pouco diferente da de vocês. Eu fico com toda a propriedade, só para mim. Ou então, não fico com nada. Vocês podem ficar com ela pra vocês. E façam o que bem entender: vendam, troquem, faça a doação para quem quiser. 

Não é preciso dizer que suas palavras causaram enorme surpresa aos outros dois. As esposas destes, então, que haviam acompanhado os maridos para prestar as últimas homenagens ao sogro falecido, sentiram-se ultrajadas com aquela proposta. Logo elas que tantos meneios aprovativos de cabeça haviam feito ao ouvirem a proposta mais que inteligente formatada pelos maridos! Tão surpresas ficaram que uma delas não se conteve e interpelou o cunhado.

- Você não acha que está sendo muito ambicioso, não? Seja menos egoísta, não queira ficar com tudo o que pertence também e por direito aos seus irmãos!

- Talvez eu não tenha me explicado bem, minha cunhada. Para mim só serve se eu ficar com tudo. Caso contrário, abro mão da minha parte sem o menor constrangimento. Não estou zangado, nem muito menos decepcionado com a proposta ouvida. Por outro lado, não trago um pingo de egoísmo na minha proposta. A única coisa que me esqueci de dizer, é que abro mão da minha parte em favor dos meus queridos irmãos, desde que eles fiquem com o Chicó também! – Chicó era o irmão doente, e que havia sido deixado à margem da discussão.

- Tomar conta do Chicó?  - responderam em uníssono. E logo as mulheres cuidaram de puxar os maridos para um canto para discutir a nova questão surgida.

Dois minutos depois, talvez menos disso, os dois brasilienses voltaram a conversar com o outro irmão.

- Lembramos de que saímos daqui porque a terrinha era pouca, insuficiente para todos nós. Você tem razão. O que tem aqui não dá pra todos nós. Vamos deixar as coisas como estão. Você vai administrando a fazenda, depois veremos o que fazer.

- Assim, não! Vamos formalizar o inventário nos termos que eu propus. Vocês não vieram aqui com este propósito? Até trouxeram suas amáveis esposas que nunca haviam pisado por aqui para visitar os sogros enquanto ainda vivos? Vamos concluir o inventário, manos. Preto no branco.

Os bacharéis se surpreenderam, mas acederam ante a possibilidade de tomarem conta do Chicó. E voltaram para casa, para o conforto da família, para seus empregos bem remunerados. Ficou para traz o irmão caipira com uma procuração que lhe dava amplos poderes para realizar o inventário da maneira que bem entendesse.