sábado, 28 de março de 2020

DIÁRIO

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Elmar Carvalho é poeta, cronista, romancista e membro da APL.

25/03/2020

            Não sendo um teólogo e nem um religioso, mas tendo a minha religiosidade cristã, e aproveitando este período de quarentena a que quase todos estamos submetidos, fiz algumas reflexões sobre o impacto do novo coronavírus na humanidade.

            De início, acredito que essa covid-19 aconteceu porque Deus permitiu, como de resto creio que nada acontece por acaso, até porque, de fato, não existe o que chamamos acaso; não existe uma entidade, física ou espiritual, com esse nome, que tenha o condão de fazer acontecer ou não acontecer o que quer que seja, e que tenha uma existência concreta, real.

            O que existe é uma sincronização infinita de causas e efeitos. Quando não temos uma explicação para determinado fato ou acontecimento, dizemos que foi por acaso ou que houve uma coincidência. Aliás, dizem que o acaso é o nome que se dá aos momentos em que Deus passeia incógnito.

            Na mecânica quântica, em que tudo parece estar interconectado, há fatos e acontecimentos estranhos e surpreendentes, inclusive o princípio da incerteza. Será se essas estranhezas e incertezas, inacessíveis ao atual conhecimento humano, à falta de outro nome, não seria o “espaço” que Deus reservou para fazer as suas sutis intervenções ou milagres, que de tão discretos quase ninguém percebe, ou mesmo deseja perceber?

            Observo que nas últimas décadas, a ciência e a tecnologia têm feito muitas descobertas, invenções e aperfeiçoamentos tecnológicos. Mas, em contrapartida, o homem em sua ganância, egoísmo, consumismo e hedonismo tem feito muita loucura, inclusive comprometendo o equilíbrio ecológico e o chamado desenvolvimento sustentável.

Com isso, muitos recursos naturais entram em colapso, desastres naturais já se esboçam e o efeito estufa é uma lamentável realidade, que já provoca modificações e catástrofes climáticas. Muitos crimes, cometidos por causa do egoísmo e da ganância, tais como estupros, assaltos, mortes por encomenda, latrocínios tomam proporções nunca dantes vistas.

As pessoas “convivem” mais com os aparelhos eletrônicos (som, celulares, tv, computadores, jogos etc.), do que com o seu semelhante. Esses aparelhos são ligados a partir do momento em que o dono mal acorda. Não existe tempo para o silêncio, para a reflexão, para a leitura ou para uma simples conversa. Mesmo num restaurante poucos conversam. Muitos preferem curtir mais uma rede social do que uma rede de verdade. E muitos só adormecem se o aparelho de som estiver ligado.

O ser humano andava numa aceleração constante, cada vez em busca de maior velocidade, em constante situação de estresse e ansiedade. Agora, foi compelido a pisar no freio.

Tivemos duas guerras mundiais e uma infinidade de outras guerras ao longo de milênios. Temos e tivemos guerras e guerrilhas por motivos étnicos, religiosos, econômicos e ideológicos. Mas a meu ver nada justifica uma guerra, exceto a defesa. Para mim uma guerra não tem nenhum sentido, tais os malefícios e sofrimentos que provoca nas partes em luta e mesmo no seio da sociedade civil.

Contudo, qualquer guerra é iniciada pelo homem e pode ser paralisada pelo homem; porém, o mesmo não se pode dizer da covid-19. Os bunkers e as casamatas protegem as altas autoridades e os generais, todavia, o novo coronavírus não respeita autoridades, generais, valentões, tamanho, cor de pele e nem idade. Todos estamos no mesmo barco, e o mesmo barco se chama planeta Terra. E todos seremos afetados, de uma forma ou de outra, através do confinamento e do medo, ou da infecção de um parente ou amigo, por um pedacinho de molécula invisível e tão diminuto. Dependemos uns dos outros, e estamos todos interconectados, em permanente interação, influenciando e sendo influenciados.

Acho oportuno transcrever o que disse John Donne, velho poeta inglês: "Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."

Creio que, como o homem não aprendeu as lições da História e das guerras, e não escutou as advertências e pregação de Cristo, veio agora essa praga para nos sacudir em nossa zona de conforto, para nos afastar do egoísmo e de todas as formas de egolatria. Veio para nos desacelerar, para nos fazer refletir, para que nos voltemos mais para Deus, e não para o hedonismo, futilidades, “espertezas” e culto ao corpo, que de resto é frágil, vulnerável e mortal. Mas essa pandemia, suponho, é apenas um “cascudo” ou cocre, apenas uma forte admoestação. Talvez, caso não aprendamos a lição, uma segunda onda venha com uma letalidade muito maior. Mas não sou profeta, muito menos do apocalipse; sou apenas um observador dos sinais. E os sinais estão no ar.

Menos casamata, mais “casamáter”, mais hospitais, mais saúde, mais amor e mais fraternidade e caridade. Oremos e vigiemos, como disse Jesus. Tenhamos Esperança e Fé. Afinal, Deus é o construtor e piloto desta nave Terra, e ela há de seguir a sua rota perfeita, consoante a Sua vontade.

Que o homem se humanize, se aperfeiçoando, e se torne realmente humano.   

quarta-feira, 25 de março de 2020

CRÔNICAS SELETAS – SENHOR DA NATUREZA




José Ribamar de Barros Nunes (*)


Essa semana começou agitada com a pandemia do Coronavírus e terminou com o isolamento individual e coletivo, prejudicando a economia e o desenvolvimento. Mas praticamente já existe uma vacina que evita essa pavorosa ameaça mundial.
Aqui em nossa querida terra, reportagem do Jornal Meio Norte destaca que Gilbués, cidadezinha do sul do Estado, conhecida pela mineração rica e pela ameaça de desertificação, tornou-se paraíso das águas, do turismo e do agronegócio.
Yuval Harari, mas famoso escritor da atualidade mundial, diz em suas “21 lições para o século 21”, chegou a uma grande verdade: O universo e a estupidez humana são infinitos. Ele diz que cérebro, ego, mente, consciência são coisas distintas e o Homo Sapiens domina a natureza e pode até destruí-la, porém, é escravo de si mesmo.
Diante da queda de belzebu (coronavirus-covid-19), derrubado dentro de no máximo três meses, por um golpe de uma vacina do Arcanjo Miguel, diante da ressurreição de Gilbués, eu me ajoelho, cego, surdo e mudo.
Senhor da natureza, escravo de si mesmo! Deus, ó Deus, onde estás que não respondes...

(*) José Ribamar de Barros Nunes é autor de 313 Crônicas Seletas.


sábado, 14 de março de 2020

O PRAZER INCONTESTÁVEL DE OBSERVAR A CHUVA CAIR MANSAMENTE

Imagem TV WEB Sertão


José Pedro Araújo
Da minha infância guardo as lembranças dos períodos chuvosos na minha aldeia. Eram chuvas que duravam, às vezes, mais que um dia. Achava aquilo tão bonito, tão acariciador, que até hoje me animo quando o período que chamamos no nordeste de inverno chega. E não estou falando de plantios, esperança de açudes cheios ou algo que o valha. Refiro-me somente à beleza de ver a chuva descendo do alto sobre os telhados ou sobre as copas das árvores. E depois de cair, escorrer mansa e intermitentemente para o solo ou se espatifar com aquele barulho conhecido sobre as lajes ou em cima do chão ressequido e sedento. Quanto calmante há nesse movimento espontâneo.

Alguém pode até pensar que me sinto assim por não morar em uma área de risco. Não faltam razão aos que pensam assim. Talvez, se não tivesse escolhido uma região fora de risco de inundação, as minhas lembranças tivessem sido alagadas e levadas pela enxurrada também. Entretanto, tive esse cuidado. Escolhi a minha casa em um local longe do perigo de enchentes e onde pudesse apreciar um dos mais belos fenômenos da natureza, que é ver a chuva se preparar e depois dar o ar da sua graça.

Naqueles idos dos sessenta, costumamos afirmar, as chuvas caiam com outra intensidade sobre o Maranhão. Especialmente na região dita Pré-amazônica. Lá, também, não existem as quatro estações definidas no ano, como temos em outras partes do país. É tão somente inverno e verão. Verão englobando quase três estações, e Inverno, o que sobra disso. Em verdade, o nosso inverno arrebanha uma parte da primavera, o verão inteiro e frações do outono. Assim mesmo, contra as normas climáticas preestabelecidas.

No nordeste brasileiro, essas duas estações são aguardadas com diferentes expectativas. No verão, especialmente na região do semiárido, o inverno é esperado ansiosamente, no mais das vezes, com extrema alegria. Há até mesmo os estudiosos que se utilizam de alguns indicativos da natureza para saber se este será bom ou não. O João de Barro está construindo a sua casa com a entrada virada para o nascente ou para o poente? Se a porta da morada ficar para o poente, vai chover muito. E as borboletas? Se voarem rapidinho, não vai chover. Os cupinzeiros estão úmidos e cheio de cupins: Então vamos ter inverno sim. São muitos os indicativos naturais utilizados pelos profetas do tempo.

Enquanto que o verão vem recheado de expectativas e lembranças doloridas. Lembranças do cinza tomando o lugar do verde; da falta de água nos riachos e cacimbas, da aflição da sede, enfim. O inverno, não. Vem com a sua carga de esperança. Será que vem água suficiente para segurar a safra de alimentos, para encher os açudes e revigorar os pastos para os animais? Será que pelo riachinho da porta de casa vai correr água abundante. E os peixinhos vão subir e se espraiar pelas vazantes em busca de alimento?

As minhas lembranças são de outra ordem. Rebatem na ansiedade que fazia o meu pai correr atrás de um profissional para reparar o telhado da nossa casa, observar se havia goteiras, substituir as telhas quebradas no teto e, depois, esperar a chuvarada cair com força e sem pena. Via de regra, as casas do interior não eram forradas, e uma goteira sobre a cama, a rede ou o paiol, era um desassossego, poderia provocar um desastre. Acordar no meio da noite com água pingando sobre as nossas cabeças era tudo o que não se almejava. Dai a necessidade de se tomarem certas providências quando o verão se aproximava do seu final. Feito isso, era só esperar. Esperar que a chuva trouxesse o cheiro de terra molhada, que a água espantasse o calor esfalfante para longe.

Aqueles que possuíam alguma condição, trocavam as telhas quebradas, enquanto os que habitavam em casas cobertas de palha de babaçu corriam atrás de material novo para recobrir suas choupanas ou simplesmente fechar os buracos nos tetos. E aí aconteciam uma coisa que ainda hoje me encanta: a solidariedade. O trabalho de revigoramento dos tetos das casas de palha, contava com um número graúdo de pessoas da comunidade. Uns se mantinham encarapitados sobre o teto das casas, enquanto outro, do chão, arremessavam as palhas para o alto. Trabalhavam em regime de mutirão, alegres, um ajudando aos outros. Trabalho árduo e sem pagamento, de graça. E com muita graça. Ao dono da casa, ficava a responsabilidade de fornecer o material para a cobertura, mas, também, o almoço e umas boas talagadas de cachaça para elevar os ânimos. Belo espetáculo de amizade e confraternização.

Quando me ocorreu de escrever este texto, fui remetido às minhas lembranças pela água que batia no telhado do alpendre da minha casa e escorria ligeira para acabar em uma estrepitosa queda sobre as lajes do chão. Sempre que começa a chover eu corro para lá e fico a observar este espetáculo da natureza que tanto me encanta. Quão bonito é observar essa cortina de água que cai do céu sobre a copa das árvores. Certa vez contei que estava em uma fazenda no semiárido piauiense, realizando um cansativo trabalho de vistoria, quando um vento forte chegou anunciando chuva iminente. Não deu tempo para chegar até o carro estacionado um pouco distante. Fiquei todo ensopado e o meu material de trabalho muito comprometido. Não reclamei, porque já esperávamos ansiosamente pelas chuvas para rebater o período seco que tostava tudo e todos.

Choveu nessa tarde quase duas horas ininterruptamente. Quando parou, concluímos o trabalho iniciado e iniciamos o nosso retorno para a cidade. No meio do caminho, um espetáculo de rara beleza: uma impressionante de sabiás e canários da terra brincava despreocupadamente sobre a relva e tomavam banho nas poças d’água que se formaram na estrada pouco transitada. Pedi ao motorista que parasse o carro e ficamos contemplando a alegria e o trinados emitidos por aqueles pássaros felizes. De onde saíram tantos assim? Pareciam crianças a brincar em um piquenique festivo.

É como me sinto vem uma chuva mansa e dadivosa sobre a cidade. Especialmente porque antecipei-me a elas, recuperei o teto da minha casa e o deixei sem goteiras. Que venham as chuvas em forma de bençãos.