sábado, 29 de agosto de 2020

A VIAGEM DE MAURÍCIO LAMBERG, O IGNORADO, ATRAVÉS DA BAHIA, PIAUÍ E MARANHÃO, NO FINAL DO SÉCULO XIX.

Foto de Mauricio Lamberg

José Pedro Araújo

 

Recentemente me deparei com uma obra literária interessante, denominada “O Brazil”, de autoria do fotógrafo e aventureiro alemão Maurício Lamberg. Digo aventureiro, porque não ficou bem claro para mim qual a intenção do autor ao empreender tão custosa travessia do país naquele momento e por terreno totalmente desconhecido. Fruto das suas observações, interesses e dificuldades, surgiu o livro ao qual já me referi acima. Publicado primeiramente na sua terra natal, a Alemanha, não consta que o mesmo tenha tido muito sucesso por lá, coisa que acontecia com frequência naqueles idos com os livros escritos sobre o nosso país. Somente anos depois, por volta de 1896, foi o “O Brazil” publicado por aqui. Não deve ter tido boa acolhida também, pois não consta que tenha sido reeditado.

Pesquisando na internet, não encontrei nenhuma crítica ou comentário acerca das qualidades ou defeitos da publicação referida. Na minha apreciação, contudo, não é possível afirmar que não se trata de uma obra interessante, dada a quantidade de informações que contém sobre o país naquela época que antecedeu à república. Se não por isso, principalmente, pelas fotografias de qualidade ímpar que ilustram a obra citada, e que retratam o Brasil de ponta a ponta pouco antes da virada daquele século. Tratou sobre o povo, sobre colonização, sobre estrangeiros, sobre as cidades pelas quais passou, sobre nossos principais produtos de exportação, sobre os nossos costumes, por fim. E ainda mais. No nosso caso, a obra importa muito por relatar com certa riqueza de detalhes a sua caminhada pelos altos sertões do Piauí e do Maranhão, a parte do trajeto empreendido de Salvador à Carolina, no Maranhão, pelo interior dos estados da Bahia, Piauí e Maranhão.

Por se tratar de um profissional da fotografia, e não de um estudioso ligado às ciências geográfica ou histórica, é bem verdade que o autor deixa a desejar no tocante a informações sobre o relevo, vegetação, hidrografia, clima, zoologia, mineralogia, e, principalmente, a respeito de exatas localizações da sua passagem. Não especifica bem, por exemplo, em que território se encontrava naquele momento em que escreve, principalmente no instante em que adentrou aos estados do Piauí e do Maranhão. E isso nos causa um certo desconsolo ao tentarmos elucidar algumas passagens. Como, por exemplo, o local do território em que ele se encontrava quando se defrontou com índios que classificou de belicosos e até mesmo de antropófagos. Essa é uma informação das mais importantes, pois, no ano em que o encontro com os aborígenes se deu, os nossos historiadores consideram que já não existiam mais no Piauí nenhuma tribo alojada. E, principalmente, com tais características guerreiras e totalmente isoladas do contato com o homem branco.  

Escritor esnobado pelos críticos literários e historiadores brasileiros (só foi citado por  Sacramento Black e m seu Dicionário Bibliográfico Brasileiro), e este disse pouco da sua biografia. Apesar de não podermos considerar a sua obra um primor literário, vem ela recheada de informações sobre o país e a sua gente em momentos que antecederam o advento da república, o que somente por isso já a torna importante. Por sua vez, a viagem pelos territórios do Piauí e do Maranhão, são de grande valia para a história desses dois estados, por noticiar, por exemplo, e como já falei antes, que algumas tribos tidas como belicosas ainda perambulavam pelo interior do território piauiense quase na virada do século XIX para o XX.

O trajeto escolhido pelo viajante, também foi exclusivo. A travessia por ele programada foi única, tendo o mesmo atravessado o estado piauiense na sua face mais ao sul, e transitado pelas serras limítrofes com a Bahia, por florestas, e pela região das nascentes do rio Parnaíba. Francisco de Paula Ribeiro,  por exemplo, cerca de setenta anos antes desse viajante, conhecido desbravador e estudioso desses sertões, bordejou o estado até a altura do povoado Manga, nas imediações da hoje cidade de Barão de Grajaú, no Maranhão, depois infletiu em direção ao oeste, dirigindo-se também para o Tocantins, para a mesma cidade de Carolina.

Por sua vez, somente para citar outros dois viajantes, os cientistas Spix e Martus, aí por volta de 1818, mesmo período de Paula Ribeiro, saíram também da Bahia e fizeram um trajeto quase igual ao de Lamberg, escolhendo, contudo, um caminho já conhecido, traçado e pisado pelos boiadeiros que saiam do Piauí para a Bahia em condução de suas boiadas, até a feira de Capoame, perto de Salvador. Esses dois estudiosos fizeram o trajeto pela Bahia sempre em lombo de animais, enquanto o fotógrafo Lamberg preferiu atravessar uma parte do trecho baiano de trem, depois de barco, e finalmente no lombo de animais. Spix e Martius penetraram no Piauí pela Serra de Dois Irmãos, um pouco a leste da parte do cordão de serras que margeia o Piauí em relação àquele estado nordestino, caminho conhecido, com já falei. E enquanto eles seguiram para Oeiras, em demanda do rio Parnaíba, o fotógrafo Lamberg escolheu uma rota desconhecida e quase não transitada.

Não existe comparação entre as obras desses viajantes. Contudo, não se pode desprezar o trabalho feito por Maurício Lamberg, a ponto de haver pouquíssimas referências este livro entre os historiadores brasileiros, e em especial os piauienses. É fato que o relato do fotógrafo alemão se dá em formado de diário de viagem, enquanto Spix e Martius fazem uma descrição cientificamente apurada da parte física do solo, dos seus minerais, da sua vegetação e de muito mais. Entretanto, somente as fotografias que ilustram o livro, já conferem um valor incomensurável e inestimável à obra de Mauricio Lamberg.  E como o nosso propósito aqui é discorrer sobre a viagem d aquele alemão, vamos falar um pouco, daqui par a frente, sobre a sua epopeia.

Maurício Lamberg chegou ao Brasil por volta de 1880, desembarcando no porto do Recife de um navio que havia partido da Inglaterra. Vinha trabalhar para a empresa Photographia Allemã de Recife, e ficaria responsável pela parte técnica e artística da empresa pertencente a Alberto Renschel, um dos grandes da fotografia mundial.

O recém chegado, foi apresentado como um grande e respeitado profissional das lentes, premiado em Paris e em Viena. É quase tudo o que se sabe dele. Entretanto, Lamberg tinha propósitos muito mais ambiciosos, pelo visto, e pretendia, além de mostrar o Brasil para os europeus através do seu trabalho fotográfico, descrever sobre a sua gente e os seus costumes. E foi isso que ele fez. E nesse mister não poupou nada, nem ninguém. Em suas observações, não procedeu como diversos autores estrangeiros fizeram ao descrever o país sul americano para os europeus como um paraíso ocupado por gente extremamente alegre e feliz. Talvez isso se devesse ao fato de Lamberg não ter recebido pagamento para realizar a sua viagem de conhecimento, como ocorreu com muitos outros que por aqui aportaram. O certo, é que o livro com as suas percepções sobre o país, foi lançado em alemão e, somente muito anos depois, foi traduzido para o português. O próprio autor deixa uma pista sobre suas razões, ao dizer que havia pensado muito antes de tomar a decisão de publicar a sua obra “O Brazil”, pois temia não ser bem compreendido pelos nativos.

O fato, é que ele, tempo depois de se encontrar em terras brasileiras (ele só faz referência ao mês do início da sua viagem, setembro, não ao ano), Lamberg começou a sua aventura e andanças pelo país que duraria vários anos. Juntamente com o filho, Fred, um gigante de menos de dezoito anos, e com um sobrinho, Gil, um pouco mais velho, mas de compleição física oposta ao primo, partiram os estudiosos para a sua aventura brasílica pouco panejada e com poucos recursos, como se pode ver.

Apesar de residir em Recife, preferiu o chefe da missão ter como ponto de partida a cidade de Salvador, embarcando em um trem que fazia o trajeto até a cidadezinha de Alagoinha, não muito distante da capital baiana. Nesta última cidade, Alagoinhas, adquiriu cinco muares, e toda a parafernália de que pensava necessitar, contando aí os mantimentos para a sua manutenção até o término da primeira etapa. Levavam também muitos fogos de artifício, cujo uso contaremos mais à frente. Três dos cinco burros seriam usados para montaria, enquanto os outros dois levariam a carga. Contratou também dois ajudantes e guias para o primeiro trecho da viagem. De lá, eles seguiram com suas montarias até a vila de Queimadas, próxima ao rio São Francisco, gastando no trajeto, de aproximadamente trezentos quilômetros, cerca de quinze dias. Descansaram lá por alguns dias, substituíram os dois ajudantes por outros dois que conheciam melhor o trajeto que teriam pela frente, completaram sua bagagem com alguns equipamentos novos e mantimentos, e seguiram viagem.

A parte seguinte do trajeto ia de Queimadas a Juazeiro, trecho de aproximadamente duzentos e quarenta e cinco quilômetros, percurso que completaram em dez dias. Lá eles venderam os animais (por um valor irrisório, pois não tinham tempo nem paciência para negociação), dispensaram os dois acompanhantes e contrataram uma canoa grande com quatro fortes remadores. A sua meta era subir o rio até a vila de Pilões (Pilão Arcado), localidade situada na margem do São Francisco e mais próxima aos limites com o Piauí. O novo trecho, em linha reta, media cerca de duzentos e oitenta quilômetros, mas levando-se em conta as curvas do rio, possui distancia muito maior. Levaram três semanas subindo o São Francisco. E lá chegando, em Pilões, dispensaram os embarcadiços e a sua rudimentar canoa. A partir dali o caminho seria feito na costa de animais até a chegada ao Tocantins, muitos quilômetros, e muitos dias depois.

 

 Provavelmente, um dos ajudantes de Mauricio Lamberg

Em Pilões adquiriram novos animais e contrataram dois ajudantes para empreenderem a viagem pelos sertões desconhecidos. E o que começou relativamente bem nos primeiros dias, tempo gasto em caminhos até certo ponto transitáveis, complicou bastante à medida que se aproximavam dos limites entre os dois estados. Pretendiam eles transpor a fronteira entre os dois estados pela Serra do Piauí, em um trecho sem estradas conhecidas, e por caminhos abertos por indígenas em tempos passados. O ritmo da viagem era lento, pois, às vezes, levam horas, ou mesmo um dia inteiro, para desobstruírem o caminho das árvores caídas, ou das pedras que haviam deslizado da encosta para interditá-lo. A trilha era muito estreita e o mato impedia que avançassem mais rapidamente, na maioria das vezes, os transeuntes tinham a suas roupas rasgadas pelos galhos e espinheiros que a obstruíam. Em alguns locais tinham que improvisar pequenos pontilhões para ultrapassarem alguma fenda muito profunda na serra, o que levava, às vezes, mais de um dia, e até mesmo dois dias completos. Parecia até que por ali não passava um humano desde muito.

Não foram poucas as vezes que tiveram que retroceder e procurar ajuda de moradores esparsos que vivam isolados pela serra, coisa rara de encontrar também. E nesses casos, além do tempo perdido, tinham que quase intimidá-los ou forçá-los para fazer com que se dignassem a ajudá-los. Essas pessoas que iam encontrando pelo caminho viviam em um estado de fazer pena. Mestiços, quase indígenas, vivam no mais completo obscurantíssimo, em casebres miseráveis, famintos e quase nus.

O sentido, sempre em linha reta, era traçado em um mapa com a ajuda de um compasso. O propósito era o de atingirem as margens do Tocantins, procurando a cidade de Carolina, como já afirmamos. Não temos mais como marcar as distâncias percorridas por falta de informações, mas diremos que o trecho completo chegaria a quase mil quilômetros de distância. E que não estava nada fácil seguir no rumo certo. Em certa altura, passando por uma mata densa e de árvores muito altas, ficava difícil se localizarem pelo sol. Mais na frente, tiveram que contratar outros dois homens que melhor conheciam o caminho que tinham em mente.  Lamberg afirma que estes últimos eram homens fortes e destemidos, que seriam de muita valia até concluírem a viagem. Cada um deles carregava consigo um facão na cintura e uma foice, além de um alforje com os mantimentos, vestiam-se com calças de linho, casaco e chapéu de couro. Iam sempre na frente, e abriam literalmente a estrada derrubando o mato que obstruía a passagem àquela altura do trajeto. Lamberg não afirma, mas com certeza ainda estivessem transitando por território do Piauí.

Semanas depois, começaram a faltar suprimentos de boca, tendo eles que se alimentarem de palmitos e algumas frutas silvestres que os nativos conheciam bem, além de carne de alguma caça que encontravam pelo caminho. Além do sol causticante que tinham que enfrentar, os mosquitos e muriçocas causavam um terrível sofrimento aos europeus, a ponto de se encontrarem com a pele dos braços e do rosto completamente arruinada, dilacerada mesmo. A água também estava difícil de ser encontrada no trecho, de maneira que eles se valiam de uma espécie de bambu que cortavam pelo caule e bebiam o dito líquido precioso lá encontrado.

Doze semanas após o início da travessia, se depararam com o que seria o seu mais perigoso problema: deram de cara com um grupo de índios ferozes. Os homens que lhes faziam companhia como ajudantes, apavorados, queriam fugir, afirmando que aqueles silvícolas eram antropófagos, e já os estavam seguindo há alguns dias. Situação confirmada pelo nervosismo que vinham sentindo nos animais desde algum tempo. Há muito custo, os mateiros foram convencidos de que ficando seria mais seguro para eles, pois havia armas e munições suficientes para um confronto, caso fosse necessário. Decidido isto, decidiram também construir uma espécie de vala protegida com madeira, um tipo de fortim, e permanecerem por lá mesmo até saberem o que aqueles índios pretendiam. Isso não demorou a acontecer. O contato se deu ainda naquele dia, e a situação não foi fácil de administrar. Apesar de transportarem com eles muitas bugigangas com o objetivo de presentear os selvagens, isso não surtiu muitos efeitos, eles pareciam não dar importância aos objetos. Recorreram à aguardente de cana que conduziam e isso terminou fazendo um efeito contrário do que pretendiam, pois os chefes da maloca logo se embriagaram.

A tribo era formada por cerca de sessenta silvícolas, entre homens, mulheres e crianças. Os guerreiros eram em número considerável. E, apesar de entregarem todos os presentes e a cachaça, intuíram que nada daquilo surtira o efeito desejado, e que eles tinham planos de matá-los, possivelmente para comer. Os selvagens eram fortes e de boa aparência, enquanto as mulheres eram desgrenhadas e com feio aspecto, assim como as crianças. E a coisa logo ficariam difícil. O problema começou mesmo quando um índio jovem e grandalhão começou a desafiar o jovem Fred, fazendo-lhe todo tipo de trejeitos e caretas, como a desafiá-lo, para alegria dos outros selvagens. Lamberg pedia calma ao filho, pois todos estavam com seus revólveres em mãos, prontos para entrarem em ação em caso de necessidade. Lamberg empunhava duas armas, o filho possuía duas também, e os quatro ajudantes permaneciam na trincheira com as armas de repetição apontados para eles e prontos para entrarem em ação.

Em certo momento, o índio grandalhão, e provocador, começou a apalpar o filho de Lamberg, e apertou em lugar não permitido, provocando dor e o descontrole do alemão. Acossado, o rapaz aplicou-lhe um murro tão potente que o bugre foi jogado para trás e levou com ele parte dos índios que os cercava naquele momento. O agredido demorou a se recuperar, mas quando conseguiu se levantar já foi com a sua lança pronta para ferir de morte o rapaz. Mas Fred, mais uma vez, demonstrou destreza e coragem, e conseguiu tomar a arma do oponente, quebrou-a, e com ela passou a bater nele até que o deixou quase morto, todo ensanguentado. A reação dos outros selvagens foi de torpor e certo pavor, afastando-se momentaneamente.

Nesse ponto, os dois homens retrocederam até a sua rudimentar trincheira e se postaram em ponto de combate. Entretanto os selvagens não os atacaram de imediato. Preferiram aguardar a escuridão da noite e surpreendê-los, foi o que intuíram os viajantes. Ficaram de prontidão a noite inteira, e viram que os aborígines haviam se posicionado próximos e mantiveram fogueiras acesas enquanto preparavam o ataque, o que deveria acontecer às primeiras horas do dia seguinte, aproveitando-se a horam em que os brancos ainda dormiam. Lamberg concluiu isso ao ver que, a cada momento alguns guerreiros saiam sorrateiramente para estudar a situação. Antes que a noite se encerrasse, o alemão decidiu se antecipar, e preparou os fogos de artifícios para dar início ao seu projeto de ataque.

Como os indígenas não carregavam com eles qualquer objeto ou enfeite que identificasse que já haviam mantido contato com o branco, era muito provável que desconhecessem o pouco poder destrutivo dos fogos de artifício. Antecipando-se ao que poderia acontecer, os homens começaram a soltar os foguetões, rojões, girândolas e outros fogos mais, iluminando a floresta e causando uma barulheira infernal na noite. Os foguetes eram disparados em direção ao acampamento dos indígenas, e até alguns tiros de arma de fogo foram disparados naquela direção também, foi que notou o chefe da expedição no dia seguinte. Alguém havia desobedecido suas ordens.

Como previam, o terror foi monstruoso entre os nativos, e provocou entre eles terrível medo. Assustados, eles abandonaram tudo o que carregavam, e fugiram em disparada e aterrorizados pela mata. De fato, nunca haviam tido contato com o aquele tipo de explosivos. Parecia que se tratava mesmo de um grupo nômade, cujo aldeamento haviam abandonado para formarem uma nova tribo. Talvez fossem originados da região do Tocantins, que não deveria ficar muito distante mais. E pelas características descritas por Lamberg, deveriam ser índios Gamelas, devido ao enfeite que carregavam nos beiços.

No dia seguinte, depois de verificarem que os adversários haviam fugido em debandada, e encontrarem até mesmo marcas de sangue no local, os viajantes empreenderam viagem o mais rápido que puderam. Andaram por vários dias sem encontrar vivalma, afastando-se do local do confronto. Depois de doze semanas caminhando nas imensidões daquelas florestas, encontraram a choupana de um velho índio. A alegria foi contagiante de parte a parte. O indivíduo, seminu, animava-se com a possibilidade de ganhar alguns presentes e conhecia algumas palavras em português. O anfitrião informou aos visitantes que aquele ponto em que eles se achavam ficava na intercessão das serras das Mangabeiras e dos Negros (das Covoadas). Que estavam próximo a uma vila, e a dez dias de marcha da cidade de Carolina. Foi a primeira vez que o autor nos permitiu saber com certa precisão em que local eles se encontravam. A informação nos permite afirmar que já estavam em território maranhense há muitos dias.

Quatorze dias depois, de fato, adentraram à pequena cidade de Carolina, à margem do rio Tocantins. Ali concluíam a primeira parte da sua custosa viagem. Estavam seminus, envoltos nos próprios cobertores, e com um aspecto irreconhecível, tal qual um dos moradores da região que acabavam de deixar para trás. Fruto do ataque de pernilongos, do sol, dos espinhos e galhos de árvores, do sofrimento e da falta de asseio, nem mesmo eles próprios se reconheciam.  

Segundo palavras do próprio Lamberg, a cidade de Carolina “produziu-me a impressão agradável e quase angustiosa que se sente ao pôr, pela primeira vez, o pé em uma cidade brilhante. Apoderou-se de nós poderoso um sentimento de felicidade, de alegria e admiração, ao vermos de novo tantos homens, nossos semelhantes, tantas casas confortáveis, tanta abundância de coisas de que tínhamos estado privados na floresta. Ali ficamos quatorze dias para recuperamos as nossas forças e vestirmo-nos”.

Mauricio Lamberg registrou tudo o que viu e passou nessa viagem que durou meses. Infelizmente, o autor quase não publicou fotos desse período no seu livro. Isso, contudo, não tira a importância da obra para os estudiosos sobre o assunto. Como já disse antes, Lamberg não poupa palavras para descrever a respeito das mazelas do país, e do seu povo, que naquele tempo vivia como os alemães na idade média, um tempo muito anterior. E isso talvez tenha lhe custado o não reconhecimento como escritor aqui no país, a ponto de quase não se ter informações sobre a sua vida, quanto tempo viveu no país, quando e onde nasceu, e também a data do seu falecimento. As suas fotos, contudo, fazem parte das coleções fotográficas dos principais institutos, museus e bibliotecas do país. Como a Coleção Brasiliana/USP e o Instituto Moreira Sales, por exemplo, conceituados arquivos que guardam as principais informações e imagens do país em toda a sua trajetória de vida.

 

À falta de maiores informações sobre o trajeto percorrido quando Mauricio Lamberg adentrou nos territórios piauiense e maranhense, tentei fazer um roteiro baseado na minha própria percepção dos seus escritos, tendo como ponto de partida a cidadezinha de Pilão Arcado, na Bahia, depois Serra do Piauí – Rio Paraim – Território de Parnaguá - Serra do Gurguéia – Rio Uruçuí - Território de Bom Jesus-Gilbués – Serra do Uruçuí - Território de Santa Filomena –Chapada das Mangabeiras – Serra dos Penitentes/Serra das Covoadas – Carolina - final da primeira parte da sua viagem. Esse trecho que fizerem em lombo de animais e a pé, mede aproximadamente mil quilômetros, como já afirmei acima. O mais provável é que tenham atravessado diversos tributários do rio Parnaíba (riacho Medonho, córrego Água Quente, Riozinho ou Riachão), antes que aquele caudal fosse conhecido pelo nome tal qual o sabemos hoje, uma vez que não fez nenhuma citação ao grande rio dos Tapuias, divisor dos estados do Piauí e Maranhão.

Depois de alguns dias descansando para recuperar as forças, tomaria o viajante uma das embarcações que faziam o trajeto do rio Tocantins até Belém do Pará.


domingo, 16 de agosto de 2020

À MINHA AMIGA TERESA CRISTINA(*)

  

Chico Acoram Araújo é poeta popular, cronista e funcionário público federal.

 

 

I

Minha amiga Imperatriz,

te vi pela vez primeira

pelo ano sessenta e hum,

fui assim, que de maneira

acanhada, apresentado,

e um tanto desconfiado

como um “sem eira e nem beira”.

 

II

Eu ainda não completara

os meus nove anos de idade,

e nós, ambos bem meninos,

selamos boa amizade

que perdura por sessenta

anos, que muito se alenta;

sou grato pela bondade.

 

III

Sou da roça, e tu princesa

tinhas tudo a oferecer,

mesmo sendo eu um plebeu

deu-me chances pra viver

tal como uma boa escola

e comprar uma viola

 com poema agradecer.

 

IV

Nesse torrão de Saraiva,

entre tais rios Parnaíba

e Poti, de Norte a Sul;

rua abaixo, rua arriba

no seu encalço eu estava,

ao seu lado eu caminhava

seguro. E quem me “derriba”?

 

V

Seis décadas se passaram.

Hoje, sou bastante grato

a essa minha boa amiga,

pois o que tenho, de fato,

devo a essa jovem Senhora

que aniversaria agora

com as honras e aparato.

 

VI

No dia dezesseis de agosto,

essa minha fortaleza

completa cento e sessenta

e oito anos de tão acesa

vida, com prosperidade

e muita fraternidade,

e com bastante beleza.

 

VII

O seu nome de batismo

seria Teresa Cristina,

 mas o bom pai, Conselheiro

Saraiva, de Teresina

a chamou em homenagem

à Imperatriz; linhagem

de nobreza, com a sina

 

VIII

de ser grande realeza

pelas mãos do construtor

João Isidoro França

com um modernizador

plano, em traçado xadrez,

dando estética e altivez

da esposa do Imperador

 

(*) Uma homenagem a Teresina

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Os "Gringos"

 

Paulo Gustavo Alencar é Poeta, Engº. Agrônomo e Funcionário Público Federal.

 

Um dia todos vão
A estiagem longa
Exclui do Sertão
O Agricultor e o criador
A falta de oportunidade
Empurra os sem labor
O imaginário de riqueza
Ilude o sonhador

Nas oportunidades
Em outros lugares
Nascem outras identidades
O Crediarista
O "Gringo"
O Camelô
Em São Paulo ou no Rio
Fortaleza e Castanhal
Belo Horizonte e Recife
Feira de Santana e Coxim
Aracaju ou Salvador

Nascem outros sentidos
O sentimento de lá
Conflitante ou conciliado
Com uma vontade pulsante
De sempre voltar
Um pé lá
E uma saudade cá

No final do ano
Se tudo der certo
Voltam Tonho, Laley e Zé
O Girunga e o Preta
O Francisco e o Chico
Os meninos de Ulisses
Bastião e o Bode Zé

Sonhando em voltar
Vez em quando
Para cá terram os pés
O reencontro no natal
E no forró dos "Gringos"
Celebram a amizade
A família e a vida
E renovam essa fé.