terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

O fiscal intelectual

Fotografia de autoria desconhecida

 

Raimundo de S. Lima(*)


Um senhor trabalhava na fazenda de meu pai como fiscal da extração do pó de carnaúba. Naquela época a indústria da cera de carnaúba era muito lucrativa. Além dos trabalhadores que derrubavam as palhas, fazendo verdadeiro malabarismo com enormes bambus e suas respectivas foices, havia os chamados aparadores de palha que, com facas peixeiras afiadas, cortavam os talos rentes às palmas, permitindo, assim, a confecção dos feixes, que seriam transportados em lombo de animais até a casa grande, onde deveriam ser riscadas para facilitar a secagem. Atrás dos aparadores, estava a figura do fiscal que recolhia as palmas que caíssem em lugares de difícil acesso, ou que tivessem sido negligenciadas pelos que estavam na linha de frente. Após a secagem, as palhas eram escanchadas sobre cavaletes de madeira, momento em que eram malhadas com cacetes para a extração do pó, matéria prima para o fabrico da cera. Da palha do olho da carnaubeira extraía-se um pó claro que, por sua vez, transformava-se em cera flor (amarela), verdadeiro ouro vegetal, em face do seu valor econômico. Voltando à figura de nosso fiscal, era homem franzino e já avançado na idade e gostava de ser visto como pessoa letrada. Em suas conversas ele sempre intercalava as frases com a palavra “aliás”. Certa feita eu percebi que duas moças da fazenda, escondidas por detrás de uma porta, estavam ouvindo a conversa dele com meu pai. Perguntei-lhes o motivo da curiosidade, ao que responderam que estavam ouvindo o velhinho falante. Como se vê, uma palavra a mais em nosso vocabulário pode fazer toda a diferença e elevar-nos à condição de intelectuais perante aqueles que nos ouvem.

(*) Raimundo de S. Lima é advogado, juiz aposentado, escritor e cronista.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Na vida tudo é arte

Criador e Criatura - arte de Michelangelo (Teto da Capela Sistina)
 

Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)

Com o tempo descobri que tudo na vida é arte. E, nisso acredito. Atos, fatos e comportamento. O que e como você está fazendo? Como você se porta diante dos problemas. O jeito que você ama alguém. A maneira como você fala. Até seu sorriso e personalidade. No que você acredita; e em todos os seus sonhos. A maneira como você escolhe se relacionar. Como você arruma a casa. Sua lista de compras. A comida que você faz. Sua escrita. A forma como você se sente. Enfim, todas as suas escolhas são formas de arte. O bom humor, a autoestima, e a gratidão, também são formas de arte. O bom humor é hábito para os fortes. Para aquele que cultiva a alegria de viver; aquele que dá sempre mais do que recebe. A autoestima é a certeza que você está sendo sua melhor versão. Que você tem muito a oferecer, que você faz a sua parte. A gratidão é o mais nobre de todos os sentimentos. Arrisco-me a dizer que maior até que o amor, pois você pode deixar de amar, mas ser grato transcende tempo e circunstâncias. A gratidão é o sentimento de almas nobres. A vida se renova, toda vez que enchemos nosso coração de paz e resolvemos ter gratidão pelas coisas conquistadas e pelas bênçãos alcançadas.

É vida nova, toda vez que renascemos dos nossos temporais e nos reinventamos diante dos dias nublados.

Quando descobrimos, em meio à nossa "bagunça" e loucura de viver, aquele sentimento de paz que o tempo nos traz, sabemos que estamos no caminho certo.

Quando nos abrimos para outras possibilidades de viver e nos olhar: é vida nova, é reconstrução. É renovação, é mudar o olhar.

Quando desaceleramos o passo somente pra sentir as gotas que o céu derrama: é renovação, é vida reinventada. É nas coisas simples que a vida se mostra mais viva.

E quando, finalmente, aprendemos a nos doar, abraçar com amor, e amar as pessoas como elas são, é transformação. E, como as estações, florescemos.

Podemos escolher focar na dor ou no amor, sempre será uma escolha nossa. Aprendi que “ter problemas na vida é inevitável, deixar-se abater por eles é opcional”. Essa frase é um mantra para mim. É uma questão minha se agiganto ou não os problemas.

“Você não pode evitar que os problemas batam à sua porta. Mas não há necessidade de oferecer-lhes uma cadeira para sentar”; cito Cora Coralina para dizer que não precisamos desperdiçar energia pensando sobre problemas, quando o certo é focar na solução. Lembre-se que se você não pode resolver agora, por que perder energia pensando nisso?

A autocura está a nossa disposição, só precisamos decidir pôr em prática o amor, o perdão e a gratidão com disciplina.

Caro leitor, amiga leitora, permita-me o devaneio deste texto. Mas, diante do cipoal de problemas que nos assolam, neste início de ano: Brasil se desmilinguido, por causa de dirigentes aquém dos cargos que ocupam, sem amor e/ou compromisso com o país; dengue grassando e matando; crise climática, o planeta derretendo; violência por toda parte; detentos de alta periculosidade fugindo de cadeia dita de “segurança máxima”; a morte precoce e já esperada de Alexei Navalny pelo sanguinário Wladimir PUTIN; guerras inclementes e bestiais pelo mundo. Diante de tantas atrocidades é na arte que busco refúgio. A arte nos salva. Cito meu conterrâneo Ferreira Gullar, “A arte existe porque a vida não basta”.

Como sonhador esperançoso, faço da escrita uma válvula de escape, para falar desta coisa mágica chamada vida, que nos mantém ativos, nos conduzindo e ensinando teimosamente a arte da bem-aventurança diante das intempéries, pois nada é para sempre.

Desejo que você se descubra todos os dias, valorize a sua caminhada, coloque os sonhos no varal, e seja capaz de inventar um motivo qualquer para desabotoar o riso. Todo tempo é tempo de ser feliz.  “O que a vida quer da gente é coragem”, João Guimarães Rosa.

(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva, Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. ABLAC, Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências.