sexta-feira, 26 de maio de 2023

Conclusão - A MATA DO JAPÃO MARANHENSE GANHA A PRIMEIRA ESTRADA E COMEÇA A SAIR DO SEU ISOLAMENTO.

Maquete de Caxias 1840 - Museu da Balaiada

 

José Pedro Araújo(*)


No ano subsequente, tanto a população de Caxias, quanto a de Barra do Corda, já cansada de tanto vai-e-vem, resolveu manifestar a sua desilusão e descrédito com os rumos da ação governamental, e oficiou ao Presidente da Província. com um extenso abaixo-assinado em anexo, solicitando uma ação efetiva daquela autoridade para a resolução definitiva da questão que já se arrastava demoradamente. Desta vez, a pressão surtiu o devido efeito, e quela autoridade constituiu nova comissão e determinou que se abrisse uma concorrência com a urgência sugerida. Célere, a Comissão atendeu prontamente à determinação, lançando ao público as bases da nova concorrência. Desta vez, foram apresentadas duas propostas para a construção da estrada Caxias - Barra do Corda: uma no valor de 15:000$000 réis (15 contos de réis), outra orçada em 14:000$000 réis (14 contos de réis). Esta última proposta, apresentada pelo Tenente Coronel José Firmino Lopes de Carvalho, e pelo Sr. Manoel Augusto de Moura, restou sendo a vencedora. Por sua vez, em 05/08/1883 a concorrência foi finalmente homologada pelo Presidente da Província, e os vencedores puderam iniciar a obra tão aguardada. Sobre o andamento dos trabalhos, nem uma nota encontramos.

Entretanto, em 03 de dezembro do ano de 1884, José Firmino Lopes de Carvalho, e o sócio, informaram à presidência da Província a conclusão da obra. E o Engenheiro nomeado para fiscalizá-la, e apresentar um parecer conclusivo, foi Palmério Carvalho Cantanhede, que anos depois ficaria famoso por sua participação ativa na construção da estrada de ferro Teresina-São Luís. Não conseguimos acesso ao citado relatório para saber a opinião do daquele competente técnico a respeito da eficiência do trabalho realizado. Do mesmo modo, teria sido muito importante ainda tomar conhecimento do traçado escolhidos para a estrada e das qualidades e características do empreendimento. É que, conforme já informamos, não foi possível encontrar o relato das suas percepções sobre tão importante empreendimento. Entretanto, como base nos relatos fragmentados que fomos colhendo aqui e ali, vamos nos arriscar a fazer um traçado da citada estrada que, na verdade, era mais um caminho de tropas e boiadas do que propriamente uma estrada de rodagem. Assim mesmo, foi aquele caminho de serviço quem deu início a toda a malha rodoviária que temos hoje, além de proporcionar a ligação da região da mata do Japão com outros centros mais desenvolvidos, isso em um tempo em que a comunidade do Curador nem existia e a região era conhecida apenas com o nome da primeira fazenda de gado: Fazenda Santa Maria do Japão.

A estrada finalmente foi aberta e cortou o centro desconhecido do estado maranhense no qual os mapas cartográficos apresentavam como “região desconhecida e ocupada por índios belicosos e escravos fugitivos”. Foi a partir da abertura deste caminho na mata quase intransponível que levas e mais levas de imigrantes nordestinos, fugitivos das secas cíclicas que de tempos em tempos atormentavam os habitantes daquelas terras, avançaram sertão adentro e foram mais tarde atingir as ribeiras do rio Tocantins.

A Estrada que começou suas tratativas para a sua abertura na Administração do Presidente Eduardo Olímpio Machado (1854), foi, de fato, dada como concluída, no governo do Presidente Leandro de Godói Vasconcelos (1885). Foram trinta um ano de muita espera; três décadas de grandes expectativas e sentidas esperanças.

Mas, também a partir da abertura desta estrada que os conflitos pela posse da terra passaram a tirar a paz dos primeiros colonizadores da região da mata do Japão. Gente como o desbravador Diogo Lopes de Araújo Sales – Datas Santa Maria e Taboa; José de Melo Albuquerque – Datas Preguiça (Coco Grande) e Bonsucesso; Antonio de Sousa Carvalhêdo, Anastácio Martins Chaves e Francisco Ferreira de Sousa – Data Jacoca; e Francisco de Sousa Milhomem – Data Tuntuntum, tiveram suas terras ocupadas de forma incontrolada por humilde em busca de um canto para se estabelecer, mas também por gente graúda e influente politicamente, como o líder político e rico latifundiário de Matões, Tenente Coronel João Rodrigues da Silveira, invasor das terras da Data Santa Maria do Japão.

Para encerrar, arriscamos dizer que o traçado provável da estrada Caxias a Barra do Corda, foi o seguinte: Caxias - Dezessete (BR 316) – Dezessete – Triângulo (MA 026) - Triângulo – Dom Pedro – Curador (Presidente Dutra)(BR 135) (roteiro da velha estrada: Mata do Nascimento – Palma – Sapucaia -Fazenda Fortaleza - Faz. Santa Maria – Curador (P. Dutra) – Tuntum(pela estrada velha dos Poços) – Barra do Corda(fazendo-se uma larga volta pelos sertões das areias, passando-se por Lagoa D’Anta – Coco dos Messenas – Cigana – Cipó – Lagoa do Currais – Dois Irmãos – Flores – Coco – Clemente – Três Lagoas – Riacho Feio – Barra do Corda), em extensão de aproximadamente 48,3 léguas ou 290 km. (Esta informação, sobre o trecho de Presidente Dutra a Barra do Corda, está contido no livro do grande barra-cordense Galeno Edgrar Brandes, intitulado “Barra do Corda na História do Maranhão”, pág. 96).

Concluo, relatando que todos os estudos sobre os sertões maranhenses, e de um modo especial, os mapas apresentados sobre o estado, nada dizem sobre a região conhecida como zona do Japão maranhense. Todos os que estudaram o hinterland maranhense dizem ser esta uma região de grandes vazios e infestada de índios bravios. E só. Nenhuma informação importante nos é repassada. Ninguém jamais se aventurou pela região para estudar as suas características físicas e geográficas. A maioria dos estudiosos sempre transitaram pelos rios Itapecuru ou Mearim, ou por estradas construídas na margem deste último, quando buscavam conhecer a região, enquanto a faixa mesopotâmica existente entre estes dois grandes rios era deixada na mais completa obscuridade.

Aliás, preciso me redimir: existe uma exceção a esta regra. O desbravador Francisco de Paula Ribeiro, militar português transitou por toda a região também conhecida como sertões dos Pastos Bons, deixando preciosas informações registradas em relatórios publicados na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lá pelos anos iniciais do século XIX. Depois dele, somente na primeira década do século vinte passou pela região o engenheiro José Palhano de Jesus e registrou resumidas informações sobre a desconhecida mata do Japão.

Escrever algo sobre a história dessa parcela do território maranhense, deste modo, é uma tarefa repleta de dificuldades e um trabalho quase impossível. Pouco ou quase nada se encontrada na historiografia maranhense sobre esta terra tão profícua. O que nos resta, no final, é sair juntando cacos de informações e tentar montar o seu mosaico histórico com o pouco ou quase nada que nos presentearam.

(*)  José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.

terça-feira, 16 de maio de 2023

PARTE 2—A MATA DO JAPÃO MARANHENSE GANHA A PRIMEIRA ESTRADA E COMEÇA A SAIR DO SEU ISOLAMENTO.

Imagem Mauricio Lamberg 1896


José Pedro Araújo(*)


Em abril de 1858, o Dr. Francisco Xavier Paes Barreto, Presidente da Província do Maranhão naquela ocasião, após um relato conciso sobre os trabalhos desempenhados na execução da obra, resenha inclusa no seu relatório à Assembleia Província, afirma que “Tendo consultado o relatório que sobre esta estrada apresentou o engenheiro Campos (João Nunes de Campos), que foi mandado à Barra do Corda, para examiná-la, resolvi em data de 07 de janeiro último, de acordo com o mesmo engenheiro, dar uma direção à estrada, mandando abrir uma picada que deve ter de 12 a 16 léguas de extensão entre o lugar denominado Santo Antonio do lado de Caxias e a Fazenda Japão de Dentro, do lado de Barra do Corda” – Publicador Maranhense, 23 de abril de 1858. A tal fazenda, ainda tenho dúvidas, mas quase uma certeza, deve ser a mesma Data Japão, pertencente a José de Melo Albuquerque, confinante com a Fazenda Santa Maria do Japão, do Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles, e um dos seus parentes que o acompanharam na difícil epopeia de colonizar aquelas terras interiores e desconhecidas. A dúvida me surgiu porque, em outro relato, informou-se que o trecho da Barra do Corda à dita Fazenda Santa Maria já se encontrava concluído, portanto, não haveria mais a necessidade de abertura do trecho até a Barra do Corda, parando a picada que vinha desde Caxias por ali mesmo.

Na edição de 16 de maio de 1859, o mesmo diário traz informações do Presidente da Província, informando que “Tendo começado em 03 de agosto do ano findo a picada que deve comunicar a cidade de Caxias com a Vila da Barra do Corda, foi interrompida depois de quinze dias, por pretextarem os operários que o trabalho era árduo e insuportável. Engajados novos trabalhadores com mais vantajosos salários, recomeçou em 3 de outubro o serviço, que ainda foi interrompido a 21 de novembro, achando-se já aberta 5 léguas de estrada. Desta vez não só se despediram os operários como o piloto (operador da bússola), com receios mal fundados de correrias de índios selvagens... Resolveu, por isso, fazer novo engajamento de um indivíduo para servir de piloto e bem assim de alguns operários, que se acham empregados desde 14 de março; e a comissão está convencida de que desta vez levará a picada ao lugar denominado – Japão de Dentro” – Publicador Maranhense, 18/05/1859.

Em 16 de maio do ano seguinte, aquele jornal, na prática o diário oficial da província, dava-nos conta de que as obras da estrada estavam em andamento.

Aqui faço mais uma parada para informar que para a retomada dos trabalhos, a estrada mudou o local de seu início e passou a se chamar Estrada de Caxias à Vila da Barra do Corda. Agora, todas as ações estavam concentradas na cidade de Caxias. Nomearam-se comissão encarregada pela sua execução, composta pelas principais autoridades da cidade, incluindo-se aí o juiz da comarca, o juiz municipal, o presidente da câmara de vereadores, entre outros. Tal medida foi tomada em decorrência de uma grave revolta havida entre os índios Guajajaras depois que um comando militar armado assassinou cerca de 10 índios. A funesta ocorrência se deu após indígenas daquela etnia haverem se revoltado contra a obrigatoriedade de prestar serviços na construção de prédios públicos na vila de Barra do Corda. Na ocasião do violento entrevero, quando o diretor de índios entrou na aldeia para requisitar alguns membros que ali aldeavam, houve grande revolta e forte reação, e do embate restou que um membro da diretoria parcial dos índios foi morto pelos silvícolas insatisfeitos com a vexatória situação.

O caso ganhou grande repercussão na imprensa da capital e a rebelião durou até o ano seguinte. Após isto, as obras foram suspensas novamente e a direção da comissão de construção da estrada teve que ser transferida para Caxias.

Por conta disto, agora os operários não eram mais índios das tribos Guajajaras, mas cidadãos residentes em Caxias, a maioria deles originários de outras regiões que ali se encontravam após serem expulsos por calcinante seca que assolava seus estados de origem

Até aí, já havia transcorrido vários anos desde o começo da obra, e chegara-se ao ano de 1878. Diante de tudo isto, a comissão recém-nomeada contratou o Sr. Nuno Candido de Almeida para realizar os trabalhos de abertura da picada desde a Trizidela, localidade situada fronteira à Caxias, rumo à Barra do Corda.

Demonstrando o tempo que vivíamos, ficou estabelecido no contrato celebrado, que o contratado forneceria 6 animais de carga, preparados com arreios, malas e ancoretas para a condução de água, 6 machados, 6 foices, 6 facões americanos, 4 enxadas e uma alavanca, uma arma de fogo para cada trabalhador, além de todos os gêneros alimentícios e todos os demais equipamentos necessários a abertura da picada na mata(As armas serviriam tanto para a defesa pessoal do grupo, quanto para a obtenção da proteína de que precisavam através da caça de animais silvestres. Pelo contrato ainda, receberia o responsável pela obra dez mil réis diários pelos dois meses previsto para o seu término. Entretanto, se ultrapassasse este prazo, este valor cairia para cinco mil réis diários. A previsão para a realização dos trabalhos era de dois meses, mas o contratado levou exatos três meses para concluí-la e depois retornar à cidade de Caxias. Nesse meio tempo, Nuno Almeida ia enviando cartas ao Jornal do Comércio de Caxias com a descrição das suas ações, com exceção do último mês, dado a dificuldade encontrada para o envio das tais correspondências.

E com a demora e falta de notícias, já o davam como morto pelos silvícolas ou escravos foragidos que, segundo acreditavam, infestava a região. Mas Nuno Almeida retornou para casa, e foi recebido com festa pela população da cidade que o conduziu até a sua residência sob o som festivo de instrumentos musicais. Ele apresentaria depois o seu relatório à Comissão de Socorros aos Cearenses, órgão responsável pela atenção aos flagelados da grande seca de 1878/1879, e que na época ocupavam as ruas de Caxias. Nuno Almeida informou ao Jornal do Comércio não ter sido encontrado índios ou escravos fugitivos durante os trabalho realizados na abertura da picada.

Em 06/10/1879, sala das Comissões da Assembleia Provincial, discutiu-se a proposta apresentada pelo cidadão Antonio da Rocha Lima no valor de 28:000$000 réis (vinte e oito contos de réis), prontificando-se a construir a estrada aproveitando a picada agora aberta. Pelo visto, foi mais uma tentativa infrutífera, e a estrada continuou a existir apenas nos sonhos da população da região. E isso é mais um indício de que o trabalho parou no lugar em que findava a estrada aberta pelo Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles.

O trabalho realizado na abertura da picada, e as informações complementares postadas no relatório apresentado, serviu de base para a Lei 1254, de 09 de maio de 1882, diploma legal que disciplinava a construção da citada estrada, e que ensejou discussões tantas e tensas no legislativo provincial. Entretanto, a lei em si não deu causa suficiente para os mandatários da província implementarem, de uma vez por todas, a tão ansiada estrada. Agora já se tinha uma Lei, que previa a sua construção; uma picada, rasgando a mata virgem de um polo ao outro do citado caminho, mas a burocracia impedia que o projeto saísse do papel, a despeito das enormes vantagens que a obra significava para a província maranhense.

Novo orçamento foi aprovado pela Assembleia Provincial dessa vez, o valor estabelecido era de apenas 15:000$000 réis (15 contos de réis), recursos previstos para a construção da obra especificada na Lei 1254/82. Por sua vez, o Presidente da Província havia novamente oficiado ao Juiz de Direito da Comarca de Caxias, e solicitado que ele montasse uma nova comissão sob cuja responsabilidade a construção da estrada ficaria. Foram nomeados, além do citado Juiz de Direito responsável pela Comarca, o Juiz Municipal, o Presidente da Câmara Municipal e o Promotor da Comarca. Poucos dias depois a citada comissão oficiou ao Presidente da Província que havia se reunido para lançar o edital com as regras a serem seguidas, edital já lançado com o fim de dar ciência aos interessados pela concorrência. Não se sabe o que obstou mais uma vez a consumação da obra tão aguardada. A verdade é que a coisa não andou mais uma vez

PS. Revendo alguns autores que se debruçaram sobre a história da região, fui encontrar no celebrado livro do professor Galeno Edgar Brandes (Barra do Corda na História do Maranhão - Edição Sioge -1994), informações acerca da construção da estrada de ligação Barra do Corda a Codó, obra realizada durante o ano de 1870. Às pág. 95/96, aquele incansável barra-cordense, relata-nos o seguinte:

    "A estrada de Barra do Corda a Codó foi uma exigência do desenvolvimento comercial e industrial daquele povoado, a exemplo do que ocorreu com a de Caxias. Foi construída no ano de 1870, extensão da de Caxias, no governo do Presidente Dr. José da Solva Maia, oportunidade em que a Assembleia Provincial era presidida pelo deputado Dr. Fernando Vieira de Souza. Foi um caminho de serviço ligando inicialmente a sede de Barra do Corda à Serra da Boa Vista, limite extremo do 3º Distrito da Vila da Barra do Corda, passando e definindo os seguintes lugares: Barra do Corda; Riacho Feio; Três Lagoas; Clemente; Coco; Flores; Dois Irmãos; Lagoa dos Currais; Cipó, Cigana; Coco dos Messenas; Lagoa D'anta; Tuntum; Curador; Serra da Boa Vista, num total de 180 quilômetros".

 (Final da segunda parte)

(*) José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas. 

sexta-feira, 12 de maio de 2023

A MATA DO JAPÃO MARANHENSE GANHA A PRIMEIRA ESTRADA E COMEÇA A SAIR DO SEU ISOLAMENTO.

Barra do Corda em fins do século XIX

 

José Pedro Araújo(*)

Antes de mais nada devo esclarecer que o Curador nem existia como povoação quando os políticos maranhenses iniciaram as tratativas para a abertura de uma estrada (melhor utilizar o termo caminho, visto que o objetivo era facilitar o trânsito das boiadas e dos animais de carga e montaria) ligando a vila Barra do Corda a cidade de Caxias. Atravessava-se o ano sagrado de 1854, e o Presidente da Província do Maranhão, Eduardo Olímpio Machado, atendendo às solicitações dos barra-cordenses, determinou ao Juiz da Chapada (Grajaú), Polycarpo Lopes de Leão, que desse início aos trabalhos de abertura de uma picada entre os dois lugares acima já nominados, com os seguintes termos: “Constando-me que é fácil a abertura de uma estrada que conduza da Barra do Corda a cidade de Caxias, haja Vmc. de colher a respeito e transmitir-me com a máxima brevidade possível as mais completas e minuciosas informações, devendo desde já mandar proceder a abertura da picada, que se torna necessária para a exploração – Deos guarde Vmc. – Palácio do Governo do Maranhão, 11/03/1854 – Eduardo Olímpio Machado”. Jornal Publicador Maranhense, 07/04/1854.

Esta foi a primeira vez que se falou na abertura dessa estrada, mas, não foi a última. Ao longo do tempo, por mais de trinta anos, e depois de muitos outros Presidentes passarem pelo mesmo posto de mando, o assunto da tal estrada continuava a ocupar as páginas dos jornais da capital e a suscitar debates na Assembleia Provincial. Acontece que a Província do Maranhão, embora tardiamente, procurava uma forma de facilitar o transporte de bens dos altos sertões para as proximidades da capital, e até mesmo da sua principal cidade interiorana. E, segundo a própria autoridade maior da província, encurtar as distâncias, reduziria também o tempo de condução dessas riquezas. Ocorria ainda, que depois de 1852, ano em que o Conselheiro Saraiva superou a força política de Oeiras e mudou a capital para o centro do estado do Piauí, às margens do rio Parnaíba, e a menos de cem quilômetro de Caxias, os vapores começaram a singrar as águas do rio Parnaíba. Levavam também, além dos produtos da própria terra mafrense, os produtos cultivados e o gado dos sertões dos Pastos Bons, Enquanto isto, trazia bens de consumo do litoral para o interior, e o mercado ganhou nova sede na recém fundada cidade de Teresina. 

Caxias, a principal feira do sertão até então, passou a definhar e a perder a sua importância. E precisava contar agora com a força dos altos sertões do Grajaú e do Tocantins. Para que isso acontecesse, precisavam-se abrir caminhos para a condução dos seus gados, além de outras riquezas. Daí, atendendo aos reclames e barra-cordenses e caxienses, o Presidente Eduardo Olímpio Machado adotou a ideia, em 1854, de abrir uma estrada reta, como ele mesmo afirmou, entre Caxias e a Barra do Corda, encurtando as distâncias pela metade.

Todavia, como fazer uma estrada que atravessasse as imperiais florestas do centro do território em uma extensão de mais de 250 quilômetros, se as finanças da Província se encontravam sobremaneira debilitadas? Usando a força de trabalho mais barata que a Província possuía, e que eram abundantes na região: os indígenas. Deve ter pensado aquela autoridade na ocasião.

E foi assim que o Presidente da Província oficiou ao Diretor do Corpo de Trabalhadores índios de Barra do Corda, cargo criado pouco tempo antes por ele mesmo, Frederico Augusto de Souza, estabelecendo as regras a serem seguidas por ele para a consecução daquela obra faraônica para os termos da Província empobrecida.

Logo no seu item 2º, vinha a determinação: “Neste mesmo ano, e com a maior brevidade possível, faça Vmc. seguir da Vila da Barra da Corda o número de índios, que for necessário, acompanhado de um feitor inteligente, que conheça e dirija os rumos da agulha(bússola) para abrir uma picada que ter na povoação da Trizidela, na frente da cidade de Caxias – Eduardo Olímpio Machado - Presidente da Província do Maranhão – Jornal Publicador Maranhense, 08/08/1854. Estava dada a ordem para o tal diretor utilizar coercitivamente os pobres indígenas da região cordina.

E assim, o tal diretor retirou das aldeias Guajajara, nas proximidades da Vila da Barra do Corda, cerca de quarenta índios para realizar os serviços mais pesados da empreitada (abrir a mata à machadadas). Estabeleceu que eles iriam receber como pagamento a quantia de 7$000 réis ao mês, cada um deles. Para se ter uma ideia do que representava o salário a ser pago, esclareça-se que, uma rústica cangalha para animal, havia sido avaliada em 5$000 réis (cinco mil réis) no mesmo orçamento. Dias depois, informou-se orgulhosamente que os serviçais indígenas haviam recebido o primeiro pagamento: em alimentos, não em dinheiro, e que o juiz da vila havia testemunhado esse acerto de contas. Não deu para sabermos o tipo do alimento que foi entregue.

Por importante, informe-se que, para a execução total da obra, foram alocados recursos da ordem de 7.000$000 réis (7 contos de réis). E ainda mais. Informava o dito jornal, uma espécie de diário oficial da época, que o Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles, rico fazendeiro estabelecido em Grajaú, ainda deu início à obra de abertura da picada. Contudo, o Presidente da Província não concordou com o valor exigido por ele para executar o trabalho e determinou que o próprio Diretor do Corpo de Trabalhadores Índios se responsabilizasse pela realização do trabalho, mediante o recebimento de uma gratificação mensal.

Aqui, abro um parêntese para dizer que era provável que o Coronel Diogo Lopes já tivesse aberto um caminho entre a Barra do Corda e uma de suas fazendas situadas na região em que surgiria mais tarde a Povoação do Curador. Aliás, esta afirmação foi depois confirmada pelo engenheiro e deputado provincial caxiense Teixeira Mendes, em debate na Assembleia. Este Coronel, juntamente com familiares seus, foram os primeiros ocupantes das terras da região conhecida como Mata do Japão de Dentro em 1849, e uma de suas fazendas era justamente a Data Santa Maria, em cujas terras a cidade de Presidente Dutra (ex-Curador), foi assentada. A Fazenda Santa Maria do Japão era um dos pontos por onde a picada passaria, seguindo depois rumo a Caxias. Por sua vez, a sua Fazenda São Marcos, estava situada no povoado Campo Largo, localizado em região mais ao sul do território barra-cordense, e com ligação antiga com a vila de Barra do Corda, é provável que ele conhecesse, como ninguém, o rumo a ser seguido, além de já ter boa parte do caminho aberto para o seu próprio trânsito e dos seus rebanhos. Entretanto, como já afirmei algumas linhas atrás, a sua proposta foi recusada. E o governo se meteu em uma encrenca sem tamanho, uma vez que o novo contratado utilizou parte significativa dos recursos previstos no orçamento (2:130$100 réis), e abriu apenas 16 léguas de picada, cerca de noventa e seis quilômetros. Todavia, o problema não ficaria somente aí. A questão maior é que a picada aberta sob a direção do Diretor dos índios tomou um rumo diferente daquele que era o ideal, e foi dar em uma região de topografia muito acidentada, fazendo com que os recursos aplicados fossem perdidos na sua totalidade.

Somente depois disto, foi que o Presidente da Província enviou um engenheiro para região, com a missão de realinhar a picada, colocando-a no rumo predeterminado. É o próprio Presidente da Província quem nos dá conta disto: “Incumbi o Eng. João Nunes de Campos de fazer a competente arrumação, para que a estrada não se alongue mais do que for aconselhado pelos acidentes dos terrenos porque tiver que passar... Segundo informou o dito engenheiro já se havia dado começo à arrumação” - Jornal Publicador Maranhense.

E a obra que era para durar apenas dois meses, segundo exigências do Presidente da Província, se arrastou lentamente, parando algumas vezes por insubordinação dos índios responsáveis pelo trabalho braçal, para depois ser retomada, e outra vez ser paralisada. E assim, foi a mesma acontecendo lentamente até que, tendo o Barão de Coroatá substituído temporariamente a Presidência da Província em 1857, e alegando dificuldades com as finanças públicas, determinou a suspensão definitiva da obra. (Final da primeira parte)

(*) José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.