segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A orelha de Acoram

Auto retrato - Van Gogh sem a orelha


 

Elmar Carvalho, é poeta, romancista, cronista e juiz aposentado. É membro da APL.

Conforme expliquei no registro anterior, o Chico Acoram Araújo me pediu fizesse um poema sobre Licurgo de Paiva, meu patrono na Academia Piauiense de Letras; lhe apresentei fundamentadas escusas para não aceitar a missão, mas ante sua amável insistência terminei cometendo o poema acima transcrito.

Mas logo após, o Acoram disse que ficaria honrado se eu fizesse a orelha de seu importante livro "O menino, o rio e a cidade". Sem relutância aceitei o honroso ofício. O texto segue abaixo, mas antes tenho a satisfação de informar o leitor que o Chico é um servidor público exemplar pela sua dedicação e pelo tempo de serviço prestado, pois acaba de completar 45 anos de efetivo exercício, sendo 30 no INCRA e 15 na Advocacia Geral da União, na condição de cedido, fora 3 na iniciativa privada.

Mas não pude deixar de lhe advertir que o otium cum dignitate, nos dias de hoje, é uma dádiva e um privilégio de poucos. A aposentadoria bem usufruída é importante para uma vida mais digna e mais feliz e para o exercício da criatividade em outros setores, sobretudo das artes. Eis a orelha, que espero não seja troncha, nem de abano:

ORELHA DO LIVRO DE ACORAM

Ao me pedir Chico Acoram para que eu lhe fizesse a orelha de seu livro, fiquei um tanto apreensivo, porque esse espaço deve necessariamente ser diminuto, e eu temi não ter a devida capacidade de síntese. Por outro lado, receei fazer uma orelha troncha, como a de Van Gogh, que em ato impulsivo e tresloucado se automutilou.

Mas, depois, pensei comigo mesmo, que o texto não precisaria ser uma “orelha de anjo”, muito certinha, muito perfeita, muito cheia de detalhes e arremates minimalistas, pelo que decidi fazê-la humana, demasiado humana, com imperfeições, chistes e emoções.

O próprio autor nos revela, em sua apresentação, que começou a escrever textos literários já sexagenário, por estímulo inicial do escritor e historiador José Pedro Araújo, e depois por instigação do poeta e advogado da União Dr. Francisco de Almeida e deste rabiscador.

Embora temporão (mas nunca extemporâneo), ao produzir belas crônicas e excelentes artigos e ensaios historiográficos, já começou por cima, sobrevoando um planalto, como um condor andino, enquanto muitos, que começaram precocemente, nunca saíram da planície e da várzea, onde mourejam em dura labuta.

Na apresentação, o autor conta um fato pitoresco, em que eu teria sido protagonista. Farei uma síntese desse episódio, e lhe darei a minha justificativa.

No velório de meu pai, Miguel Arcângelo de Deus Carvalho, acontecido em 06/11/2017, já que ele morrera ao pôr-do-sol do dia anterior, eu, ao conversar com ele e com os escritores Fonseca Neto e José Pedro Araújo, o estimulara a publicar um livro, posto que ele já teria material suficiente, em termos de quantidade e qualidade.

Ele me respondeu que não o faria, uma vez que ainda não havia sido picado pela mosca azul. Incontinente, eu teria retrucado: – Mas você, Acoram, jamais será picado pela mosca azul; sabe por quê? Porque o amigo é a própria mosca azul.

Com isso não estava eu querendo dizer que ele fosse um vaidoso. Muito pelo contrário. A mosca azul não é vaidosa, ela apenas inocula nos outros o veneno da vaidade, que não mata, mas muitas vezes cega a consciência, fazendo com que a vítima descambe para a ostentação e falta de senso crítico e do ridículo.

Eis que agora, passados mais de três anos do fato anedótico relatado, o Acoram, barrense, último cacique da tribo dos Marataoãs, nos aparece com este excelente livro, em que coligiu suas belas e emocionantes crônicas evocativas, memorialísticas, e seus instigantes e elucidativos artigos e ensaios historiográficos, que muito contribuirão para o enriquecimento da História de Barras e do Piauí.   

 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Arraial de Campo Largo – Portal de entrada da região chamada Japão maranhense

Rio Alpercatas - Campo Largo Foto de Jean Carlos Gonçalves


Por Creomildo Cavalhêdo*

O Campo Largo ainda hoje é um lugar desconhecido para muitos pesquisadores e escritores que amam a história das povoações no sul do Maranhão, situação análoga a de tantos quantos habitam as terras centrais deste rico estado. Falar a respeito desta região sertaneja é levantar o véu da história e deixar que raios de luz jorre sobre ela e nos mostre todo o seu esplendor, toda a sua magnitude. Mesmo que em um pequeno vislumbre, é possível clarear para nós o que foi, e o que representou, “as paragens do antigo Arraial de Campo Largo”, portal de entrada para o Alto Sertão e do imenso território fértil do Japão, para os primeiros vaqueiros, sitiantes, povoadores, pioneiros e desbravadores do centro-sul do Maranhão.

O antigo Arraial de Campo Largo, localizado nas barrancas do famoso rio Alpercatas, foi o lugar escolhido nos primeiros anos do século 19, pelo então cidadão Diogo Lopes de Araújo Salles, oriundo de Tamboril, província do Ceará, filho da capitão Francisco Salles de Araújo, proprietário da fazenda do Serrote, para situar suas primeiras fazendas de gado naquela região maranhense, à época desabitada. Originário daquela região conhecida como Inhamuns, terra de homens de palavra, de têmpera forte, honrados e destemidos, precisou o bandeirante cearense de toda a sua valentia para se transformar no primeiro habitante destas terras interiores do Maranhão. E junto com ele, trouxe alguns familiares e amigos, todos gente da mesma cepa, do mesmo padrão e com a mesma índole desbravadora. Entre estes, seu sobrinho Antonio de Souza Carvalhêdo.

Portanto, o Arraial de Campo Largo, desde 1826, foi lugar de residência de Carvalhêdo, do major Antonio de Souza Carvalhêdo, que muito contribuiu para escrever a história da região centro-sul do Maranhão, perfilando com o tio, Coronel Diogo Salles, e muitos outros mais, como o genro deste, José de Melo e Albuquerque. Estes homens destemidos e seus parentes, amigos, agregados e escravos, situaram também as primeiras fazendas de gado nas terras do velho Curador, às margens dos riachos Preguiça e Firmino, poucos anos depois da ocupação da ribeira do Alpercatas.

No Brasil, muitos fatos narrados pela família Carvalhêdo, foram sendo transmitidos através das gerações, ao longo destes 340 anos (1680 a 2020), que, deste modo, entrou para a história escrita e oral, e também foi publicada em livros e jornais da província maranhense e de outras mais, até mesmo na capital do Brasil imperial.

A título de esclarecimento, diremos que os Carvalhêdo do Maranhão, do Piauí, Ceará e de Pernambuco, são todos membros do mesmo tronco da árvore genealógica, provenientes que são do cidadão português Antonio de Souza Carvalhêdo. E este, Antonio Carvalhêdo, foi o precursor da família no Brasil, casando-se em 1704 com Nazária Ferreira Chaves, filha do rico sesmeiro e coronel Manoel Martins Chaves, originário do Porto da Folha, antes Capella do Buraco, em Penedo das Alagoas, quando aquele local ainda pertencia a capitania de Pernambuco. Saiu desse tronco, portanto, uma parte dos desbravadores que primeiro habitaram a região desconhecida da Mata Maranhense, também conhecida como Japão maranhense

Casebre no Campo Largo (Foto de Jean C. Gonçalves)
O antigo Arraial de Campo Largo, já citado como primeira morada estabelecida nestes sertões, situada na beira do rio Alpercatas, teve sua expansão impulsionada pela existência das antigas fazendas dos padres Jesuítas, e que nesta citada região a história nos legou duas fazendas, das quais cito apenas uma aquela que entraria para a história como: “Fazenda Nacional de São Bernardo” às margens do riacho Ourives que deságua no rio da Corda ou rio Canela, que depois seria denominado apenas rio Corda.

Voltando ao tempo presente, o glorioso e histórico Arraial Campo Largo é atualmente um lugar desconhecido até mesmo pelas autoridades do assunto chamado história das povoações do sul do Maranhão. Recentemente, em uma crônica histórica publicada no blog Ecos do Tuntum, o professor e historiador Jean Carlos Gonçalves, descreve o que é hoje o local onde se situou o Arraial do Campo Largo: “Atualmente, o secular arraial do Campo Largo se resume a uma meia dúzia de habitações, pois perderia a sua importância como portal de entrada para os bandeirantes e boiadeiros que partiam do sul do Estado transpondo o rio Alpercatas rumo às feiras de Caxias e São Luís, sendo relegado ao abandono, ao isolamento, cuja relevância histórica não se apagou de nossa memória, graças aos nossos mais célebres historiadores e memorialistas”.

*Creomildo Cavalhedo Leite é barra-cordense de Santa Vitória, historiador e pesquisador, mora em Palmas (TO).