quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O FUTEBOL NO CURADOR – NASCE O RENNER FUTEBOL CLUBE




José Pedro Araújo

A história é impressionante e continuamente nos apresenta surpresas que, muitas vezes vão de encontro ao que achávamos ser uma verdade indiscutível. Especialmente quando nos baseamos na oralidade, nas tais informações “confiáveis” para formarmos convicção de um fato ou acontecimento. No presente caso, não se trata propriamente de um desvio da verdade, mas de uma omissão involuntária, talvez um descuido. Quando escrevemos o nosso livrinho sobre a história de Presidente Dutra (Do Curador a Presidente Dutra – história, personalidades e fatos), dissemos que muita coisa que deixava de constar ali ainda viria à tona, e que deixava para os novos historiadores a tarefa de escavacar tal qual um arqueólogo em busca de novos fatos que haviam sumido nas brumas do tempo para ir completando o que faltava dizer.
Pois bem, de lá para cá, muita coisa apareceu, documentos deram o ar da sua graça para nos relatar passagens importantes da nossa história. E continuam aparecendo, surpreendendo-nos com relatos de que desconhecíamos totalmente. O que vou relatar agora, não possui grande importância histórica, relevância póstera, e também não muda nada do que já sabemos. Mas foi um fato que me chamou a atenção pelo meu total desconhecimento dele, apesar da pompa e circunstância em que aconteceu, tendo até sido publicado em um jornal de grande circulação em São Luís. Refiro-me à fundação do Renner Futebol Clube de Presidente Dutra, clube do qual fazia parte um seleto grupo de cidadãos presidutrense.
Habituei-me a atividade da pesquisa histórica, coisa que faço quase diariamente. Ontem, portanto, estava eu dedicado à cata de informações novas em um site da Biblioteca Nacional, quando me deparei com uma notícia do Jornal maranhense A Pacotilha/Globo, edição de 18 de junho de 1958, que trazia informações sobre a fundação do Renner FC, evento que, como já afirmei algumas linhas acima, desconhecia completamente. E olha que passei um bom tempo pesquisando sobre o meio esportivo no município para tratar do tema no livro. E nesse afã, conversei com muitas pessoas ligadas ao meio esportivo. Descobri, até mesmo, informações com uma tia quase centenária, que dizia que os dois primeiros times de futebol criados no Curador foram o Teresita e o Santa Cruz.  Disse-me até quais os tipos e as cores dos uniformes que os craques dos dois times envergavam. Falou-me do campo de futebol onde as partidas eram jogadas (largo do Mercado). Fui à procura de novos informantes e confirmei tudo com a máxima fidedignidade. Mas a respeito do Renner ninguém me falou nada, daí a minha surpresa, o meu total desconhecimento a respeito da sua existência.
Acredito que nenhum time de futebol criado em Presidente Dutra mereceu tamanha divulgação pela imprensa a respeito de sua diretoria e coisa e tal. Não bastasse isso, times que deixaram um legado para os seus torcedores, e que ainda estão em atividade, como o Central Esporte Clube, o Grêmio Esporte Presidutrense e o Bahia Esporte Clube, por exemplo, nunca mereceram tamanha divulgação. O Renner, sim. Está estampado na matéria jornalística daquele ano da graça de 1958, o nome dos homens que iriam dirigir os destinos do novo clube de futebol local e, entre esses, o alcaide municipal, Adilon Arruda Leda.
Mas não apenas ele. Figuras importantes como o Promotor Público da Comarca, empresários, funcionários públicos, agro-pecuaristas, desportistas, gente que marcaria depois a história do querido município formava na composição da diretoria do bravo Renner, como é possível ver na foto da matéria que ilustra a mesma. Vejam que seleto grupo de esportistas contribuíram para a formação da diretoria do clube.
Só não conseguiu encontrar nada que possa me falar se o tal clube de futebol escreveu uma bela página futebolística na cidade e região; que batalhas travou; quantas vitórias conquistou, ou mesmo até quanto durou a sua existência. Acredito que alguns dos amigos que se desdobram diariamente para escrever sobre as coisas do esporte bretão no município podem avançar na pesquisa e colher maiores informações sobre a saga escrita pelo Renner Futebol Clube nos campos do velho Curador. Gente como o meu amigo Dalvino Barbosa Lima Filho, que trabalha e vibra incansavelmente com e pelo sucesso do futebol no município e região.
Estou, assim, preenchendo a lacuna que deixei ao não registrar a existência do incensado Renner F C e, se for possível o lançamento de uma nova edição do livro com novas informações que tenho colhido durante esses últimos anos, prometo me redimir da falta cometida. Fora das quatro linhas, é claro. E somente então, será possível reclamar o meu efeito suspensivo. 
Desde então, apareceram muitos times na cidade, até mesmo um denominado Curador Esporte Clube, o que muito me alegrou com o nome adotado. Animado com isso, até solicitei ao seu presidente, e consegui, uma camisa uma camisa do clube que homenageia o nosso querido município que gosto de chamar pelo seu primitivo nome.

sábado, 25 de janeiro de 2020

Reminiscências do Cine Paroquial

Espaço à esquerda que abrigava o Cine Paroquial - Foto: Carlos Magno



José Pedro Araújo

Zapeando ontem à noite com o controle remoto pela SKY à procura de algo para me entreter, achei-me no BRASIL TV, um canal pouco visto por mim e, acredito, por muitos assinantes. Estava passando um documentário interessante sobre a antiga Cinelândia Paulista. Criada nos idos anos 40 no chamado centro novo de São Paulo, a Cinelândia Paulista contava com um grande número de salas de cinema em um quadrilátero bem na região da Av. São João com a Ipiranga. O Cinema vivia o seu auge no mundo inteiro, tempo de ouro também da meca do cinema, a Holywood Americana. 
A região recebeu esse nome em uma referência à Cinelândia Carioca, ponto central da cidade do Rio que contava com grande número de salas de cinema e que atraia verdadeiras multidões para aquela glamorizada área. O documentário abordava o início do grande Boom cinematográfico incentivado também pela energia expansionista emanada pela grande metrópole paulista. Transitou pelo seu apogeu, mas, e sobretudo, pelo período da sua derrocada, quando os grandes cinemas perderam a importância e cederam espaço para as grandes lojas, e até mesmo para as inúmeras denominações religiosas. Passaram, até mesmo, a partir de então, a servir para estacionamentos para veículos.
Veio-me à lembrança os dois cinemas que já tivemos no Curador nos anos 60 e 70, fator de grande efervescência, sobretudo para a juventude da época (desde muito não temos nenhum). Sobre o velho Cine Canecão, já tratei aqui nesse espaço. A respeito do Cine Paroquial, seu concorrente, falei muito pouco. E agora, estimulado pelo documentário citado no parágrafo acima, bateu-me saudade das grandes daquela época em que, ainda imberbe, acorria à Praça São Sebastião em busca da diversão certa que os autofalantes postados no alto da torre da igreja matriz, alardeava. Era assim que ficávamos sabendo da novidade que seria projetada naquele dia. Erigidos a poucas centenas da metros um do outro, os dois cinemas competiam nos finais de semana, e faziam verdadeiro alarde através de suas amplificadoras, uma mais potente do que a outra. Enquanto o Samuel Barros, e até mesmo o Ilnar Pacheco, o proprietário do Cine Canecão, esgoelavam-se com as mensagens relativas à ficha técnica dos filmes, tratando até mesmo sobre o estúdio responsável pelo filme, o Zequinha dizia, em poucas palavras, da qualidade da película que iria exibir no Cine Paroquial.  A bem da verdade, os dois cinemas exibiam filmes muito antigos, era comum a quebra das fitas mais de uma vez durante a apresentação.
O Canecão já contava com poltronas individuais, enquanto o Paroquial ainda se utilizava dos bancos estilo de igreja, duros e desconfortáveis. Entretanto, o Paroquial já se utilizava de um piso em rampa, facilitando a visão de quem estava nas fileiras de traz, enquanto o Canecão, no tempo em funcionava em um salão na Praça do Mercado, tinha um piso plano, o que dificultava muito para quem estava atrás, sobretudo se o sujeito da frente possuísse alta estatura. Depois, já no seu prédio próprio, o Canecão corrigiu esse defeito e ainda melhorou consideravelmente o seu sistema de som. Ganhou do concorrente quase sempre.
Apesar disto, o velho Cine Paroquial tinha os seus encantos, sobretudo por ficar localizado bem na praça principal da cidade. Lá assisti muitos filmes que haviam feito sucesso décadas antes, alguns bons clássicos, e que ainda cativava e arrastava um bom público para as suas dependências. O único senão acontecia quando aparecia uma cena de amor com beijo, mesmo aqueles tipo selinho, sem língua, pois nesse momento entrava em ação o vigário, se não me engano Frei Ulderico, para atrapalhar a cena, postando um livro, talvez um missal, defronte da lente impedindo que assistíssemos a esperada demonstração de amor por parte dos dois protagonistas. A plateia não deixava barato e explodia em assobios e reclamações. O padre, nem aí. Na cena seguinte repetia o antipático gesto de censor. Que reclamassem os atrevidinhos. Nada disto, contudo, oblitera as lembranças agradáveis daquelas sessões de cinema no querido cinema pertencente aos Capuchinhos. A maioria ainda exibidos em preto-e-branco, aquelas películas possuíam inegável valor mesmo depois de tantos anos passados desde o seu lançamento.
Havia um verdadeiro clima de festa na cidade e uma preparação prévia até a chegada do momento das exibições. As amplificadoras despejavam músicas lá do alto da torre sobre quem jornadeava na praça, em geral músicas italianas de bom gosto, playlist elaborada pelos padres, originários da velha bota. E o locutor aproveitava os intervalos entre uma música e outra tocada para estimular os futuros clientes, conclamando-os e contando, em ordem decrescente, o tempo que faltava para o início da sessão. O coração se acelerava à medida que a hora ia chegando, e todos corriam para adquirir seus ingressos e escolher lugares que não ficassem muito próximos da tela. Velho Cine Paroquial de tantas e tantas emoções.
Hoje, como aconteceu em quase todos os cantos do mundo, os cinemas estão restritos aos shopping centers e apresentam um nível de conforto e segurança muito maiores para os aficionados pela arte. Os prédios que abrigavam as salas de projeção estão hoje ocupados com outras atividades. No velho Cine Paroquial, por exemplo, funciona hoje o Auditório Santa Clara, utilizado para palestras e conferências, como é possível deduzir da foto que ilustra o presente texto.
Quanto à Cinelândia Paulista, local de funcionamento de mais de uma dezena de salas de cinema, hoje resiste apenas o Cine Marabá, reinaugurado há alguns anos, depois de permanecer desativado e adormecido por longo tempo.
Saudoso Cine Paroquial, em cujo recinto projetamos muitos sonhos ao nos depararmos com cenas na telona que insuflavam a nossa imaginação e faziam avultar os nossos sentidos em direção a um futuro venturoso.  

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

PROFUNDAS MUDANÇAS DE HÁBITOS




José Pedro Araújo

Agora há pouco vinha transitando pela Homero Castelo Branco quando me lembrei de algo que ainda precisava fazer antes de chegar em casa. Então falei para a minha esposa que ia do meu lado: “Minha filha, preciso passar na farmácia para sacar algum dinheiro”. Sem nenhuma surpresa ela me respondeu "tudo bem". Logo depois dessa resposta, virei-me para ela e lhe disse: ”Se você tivesse adormecido no início dos anos Sessenta e só tivesse acordado neste presente momento, a sua reação seria de surpresa" – comentei sem um propósito definido.  
Nesse instante, ela olhou para mim, aí sim, com surpresa estampada no rosto e me perguntou o porquê daquela conversa. Sorrindo, disse-lhe que alguém que tivesse mergulhado em sono profundo em 1960 e só tivesse acordado neste instante se depararia com algumas surpresas. A primeira delas seria a afirmação que acabara de lhe fazer que precisava passar na farmácia para sacar dinheiro.
Naquele ano, minha cara, os nascidos no velho Curador, como eu, responderia de pronto que eu havia me enganado, que farmácia era lugar para se comprar medicamentos, e não sacar dinheiro. Aliás, a surpresa seria maior ainda por que de banco mesmo somente ouvira falar, nunca havia posto os pés em uma, pois na terrinha não havia agência de qualquer banco. Contudo, mesmo assim, sabia-se que era no banco que se buscava dinheiro.
A conversa parou por ali, uma vez que estacionei o veículo e entramos no banco, digo, na farmácia. Eu, para fazer o meu saque de dinheiro. Ela, para procurar algum protetor solar, uma vez que na manhã seguinte estaríamos descendo para o litoral. Aquele assunto, contudo, continuou a martelar na minha cabeça até que decidi passar para o papel o caso da minha viagem mental rumo ao passado(nos anos sessenta se anotava tudo no papel, quer com uma caneta ou na máquina de escrever). Portanto, o que estou a fazer mesmo é passando para a tela do computador esse assunto bobo. E se não fizesse assim, ele não pararia de martelar na minha cachola por horas e horas até que eu me decidisse registrá-lo. Coisa que faço agora para me ver livre de vez dessa inutilidade.
Então, já que é assim, digo que naqueles anos aos quais me referia nos parágrafos acima, as farmácias só vendiam medicamentos para a clientela, quem precisasse sacar algum dinheiro teria que procurar uma agência bancária (a mais próxima do Curador ficava em Codó, a mais de cem quilômetros de distância), e enfrentar uma fila enorme no caixa antes de colocar as cédulas no bolso. Lá na terrinha, portanto, as pessoas teriam que se virar com o dinheiro pouco que circulava na própria cidade, ou fazer uso das suas próprias reservas guardadas sob o colchão ou nos bolsos dos paletós nos armários (cofres somente uns poucos possuíam). 
E a carência de dinheiro circulante era tão grande, que alguém da cidade terminou por inventar a sua própria moeda, um tal “Sunguelo”, um pequeno vale-compra com um valor estampado na face que vinha assinado por esse criador da ideia. Aquele pequeno tíquete era aceito por parte do comercio sem contestação. 
A propósito disto, sai agora à procura do significado do nome Sunguelo e me deparei com o seguinte resultado: “Sunguelo, espécie de vale compras fornecidos pelos responsáveis pelas obras de construção de estradas, açudes e obras em geral da SUDENE. O Cassaco recebia o Sunguelo que constava o valor correspondente ao limite de crédito individual. Em geral era usado nas obras contra a seca”. Sunguelo também é um termo nordestino utilizado para definir uma pessoa magra, raquítica.
Na minha terra, pelo que me lembro, estavam em construção, nessa época, algumas estradas que melhoraram significativamente a ligação da cidade com Barra do Corda, e também à capital, São Luís. Do mesmo modo, uma infinidade de outras cidades, como Teresina, por exemplo, mas também outras dos sertões foram beneficiadas naquele momento. Talvez tenha sido esse pessoal os responsáveis pelo pequeno pedaço de papel em forma de moeda que passou a circular por lá. Lembro-me bem que se tratava de um pequeno pedaço de cartolina no qual constava um valor em Cruzeiro, bem como um carimbo e a assinatura de alguém.
Sobre alguém que dormiu anos atrás e acordou em um mundo totalmente diferente, mudado em todos os sentidos, a literatura e o cinema já trataram com enorme clarividência e sucesso. Não apenas isto, mas até mesmo uma viagem em sentido contrário, para frente, rumo ao futuro, como nos filmes 2001- Uma Odisseia no Espaço ou na série De Volta para o Futuro, além de tantos outros, a criatividade humana já trabalhou.  A própria Globo já tratou sobre esse tema em algumas novelas.
É assunto instigante que mostra o choque sofrido pelo protagonista frente às mudanças sofridas nos costumes, nos hábitos ou comportamentos das pessoas, bem como na própria maneira como a humanidade encara certas situações da vida.
Quanto às mudanças tecnológicas, essas nem dá para enumerar aqui, são imensas e tantas. Nesse momento, por exemplo, digito o texto na tela do meu computador, corrijo, apago, mudo o sentido de uma frase inteira, sem precisar de uma borracha ou mesmo de corretor de texto (o tal branquinho, um produto líquido inventado anos atrás com o qual se cobria uma letra ou mesmo uma palavra inteira e depois se escrevia sobre ela quando o liquido secava). Um trabalhão, mas já um avanço, pois permitia que não se perdesse a página inteira. Nos anos sessenta, nem isso existia. Errou, perdia-se tudo. 
Outro exemplo vivo da mudança a qual venho me referindo: por instantes, no computador, parei de digitar este texto, passeei pelo Google em busca do significado da palavra Sunguelo, copiei e o colei no meu texto. Tudo com muita rapidez e segurança.
E o que dizer das comunicações, dos meios de transportes, das estradas, dos veículos com navegador, GPS, ar condicionado? Falar o quê do minúsculo Pen Drive no qual tenho arquivadas mais de quinhentas músicas e que vai comigo na viagem para aliviar o estresse? Ou do aplicativo Streaming que tenho no meu telefone móvel (o tal celular que era uma coisa impensável na época), no qual tenho uma montanha de músicas à minha disposição, caso enjoe das que trago no Pen Drive?
São tantas as mudanças, até mesmo no vestir, que ficaria horas e horas digitando aqui e não chegaria ao fim da descrição de tantas mudanças. 
Para terminar, digo apenas que na farmácia, caso quisesse poderia ter comprado um telefone novo, um umidificador, um secador de cabelo, um picolé, um pote de sorvete, uma caixa de chocolate, um shampoo para lavar os poucos cabelos que ainda tenho, ou até mesmo um simples comprimido para dor de cabeça.
As coisas mudaram muito nesse meio tempo, meu caro dorminhoco. A internet, por exemplo, trouxe um mudo de novidades para as nossas vidas, facilitou-a de uma maneira avassaladora, mas, ao mesmo tempo, trouxe um mundo de problemas para dentro da minha própria casa. Hoje, um sujeito pode roubar os parcos dinheirinhos que tenho no banco sem me apontar uma arma, apenas com um comando rápido lá do outro lado do mundo, ao tempo em que escrevo essas bobagens. Pronto. Já voltei, apenas com um clique dado pelo meliante estrangeiro, a ser o liso completo dos anos sessenta.
É, crianças, como diria Billy Blanco, na sua música Canto Chorado,

O que dá pra rir dá pra chorar. Questão só de peso e medida. Problema de hora e lugar, Mas tudo são coisas da vida”.


segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

DEPOIS DO GINASIAL, VOO PARA FORA DO NINHO



José Pedro Araújo

Já discorri aqui neste espaço sobre a minha vida estudantil no inesquecível Colégio Presidente Dutra onde cursei o meu ginasial. Mas falei muito pouco sobre o que aconteceu depois disto. Faço isto agora muito mais para que não me caia no esquecimento do que propriamente como fonte de informação que, acredito, interessar a poucas pessoas, além dos da minha família ou alguns amigos. De qualquer forma, algumas pessoas podem até mesmo relembrarem que trilharam caminho parecido ao meu e voltarem um pouco ao seu próprio passado, e nesse retroceder no tempo saírem colhendo fiapos de memória do começo de suas vidas.
Naqueles tempos, ano primeiro da década de setenta, levávamos quase um dia inteiro para vir de Presidente Dutra a Teresina, apesar de já possuirmos rodovias e veículos automotor. No começo de março, diploma do ginásio embaixo do braço, embarcamos em um velho ônibus com a carroceria de madeira com destino a Teresina. Era nesta cidade que iríamos prosseguir com os estudos. O velho misto do Galinha sacolejava em baixa velocidade pelo piso irregular da estrada poeirenta atrasando a viagem e prorrogando o tempo de sofrimento. A saudade já devidamente agasalhada no peito fazia o coração sangrar. Sabia que dificilmente retornaria para casa em definitivo outra vez. Como de fato ocorreu.
O trecho da BR 135 não era asfaltado ainda, e muito menos a parte da MA-026 que tomamos no Triângulo e que nos conduziria até o Povoado 17. Ali tínhamos contato, pela primeira vez, com o asfalto da BR 316, estrada que faz a ligação Peritoró à Teresina, fugindo da poeira terrível que nos sufocava. Viagem demorada e que levava cerca de dez horas, comendo a dita poeira e padecendo de maus-tratos dos solavancos do velho Chevrolet misto. Reclamo do desconforto, mas já era um avanço significativo. Era o que diziam as pessoas que precisavam de três dias para fazerem o mesmo trajeto somente até Caxias no lombo de um animal de sela. Nessa minha primeira viagem o velho ônibus do Galinha quebrou uma roda logo que ultrapassamos a cidade de Caxias em direção a Teresina. E nós, que havíamos embarcado no ponto inicial da viagem às cinco da matina, só chegamos à margem do Parnaíba quando a noite já era velha. Menos mal que as luzes da cidade sobre as águas do Velho Monge me encantaram para sempre.
O dia seguinte me encontrou subindo a escadaria do velho Liceu Piauiense, também conhecido como Colégio Estadual Zacarias de Góis. Ia em busca de informações sobre o material escolar que iria precisar, e do fardamento, além de outras informações pertinentes. Fiquei impressionado com a majestosa imponência do prédio que abrigava o colégio. Era ali que eu deveria passar os meus próximos dois anos de aprendizagem e isso sem conhecer vivalma. Tímido como sempre fui, confesso que fiquei um pouco amedrontado com o desafio que tinha à minha frente, pois a fama da escola era a de que possuía os melhores professores e exigia muito de seus alunos. Ali também teria contato pela primeira com matérias que nunca havia estudado, como física, química e biologia, além de me debruçar com uma matemática mais avançada, diferente mesmo de tudo o que já havia visto até então.
Some-se a isto o fato de estar saindo de casa pela primeira vez, e isso era o que me causava mais apreensão. Não foi fácil encarar tudo isso. A saudade dos meus, dos lugares que costumava frequentar, a falta dos amigos e, inicialmente, o contato com disciplinas tão desconhecidas para mim, se constituiu em um fardo de considerável peso para um jovem que ainda não havia completado os seus quinze anos. Fui um aluno apenas razoável nos dois primeiros anos, confesso. E a maior culpa disto jogo nas minhas próprias costas; não me dediquei o suficiente.
Por outro lado, o colégio havia perdido muito da qualidade que o fizera granjear tanta fama. A maioria dos bons professores que lá ensinavam, e que haviam feito o educandário chegar a um bom patamar, não estava mais em atividade, e os novos mestres tinham que conviver com baixos salários e não frequentavam muito as salas de aulas, uma vez que tinham que ministrar aulas em outros estabelecimentos para conseguirem sobreviver na profissão. Depois, ainda tínhamos as reformas processadas no ensino que o fizeram piorar em muito o que já não era tão bom. Por tudo isso, atrevo-me a dizer que sem a presença efetiva e responsável de um professor, dificilmente irão os alunos se aprofundar com a necessária responsabilidade nos livros e colher deles o que necessitam. A necessidade de bons professores ainda é uma constatação. Mas, para isto, precisam receber salários compatíveis com a sua importante função que é a de fazer com os alunos se dediquem com afinco aos livros e deles extraiam o que necessitam. Sem a presença deles em sala de aula, nada feito, tudo é utopia e discurso vazio.  
O fato é que logo me aclimatei com os novos colegas e com as novas matérias. Vivíamos um período de mudanças profundas no mundo e essas novidades meio que atrapalhavam os estudos daqueles jovens imberbes e curiosos como eu. Como se ainda fosse necessário.
Naquele tempo, por conseguinte, o velho Liceu já estava na descendente, perdia qualidade e se debatia com todas as dificuldades que fariam com que se encaminhasse para se igualar por baixo com as demais escolas públicas da cidade. No que pese isto, somente o Diocesano, o Colégio das Irmãs e a Escola Técnica possuíam melhor padrão de ensino na cidade. Ainda. Não esperei para ver para onde se encaminhava. E terminei me transferindo no terceiro ano para outro Liceu, o de São Luís. As notícias que eu tinha daquela instituição de ensino eram as melhores possíveis. Ainda não havia caído na vala comum do ensino público estadual no país. E essa mudança me trouxe muitos ganhos. Provou que eu estava certo em mudar.
De fato, o Liceu Maranhense ainda oferecia um ensino de ótima qualidade na época. Tive que correr mais que os outros colegas, é bem verdade, estudar muito mais para aprender tudo que deixara para trás nos dois primeiros anos do científico para poder acompanhar o ritmo de aprendizagem que se desenvolvia no terceiro ano. Ao custo de muito esforço terminei por conseguir. E isso foi muito bom para a minha vida futura.
Somente então, aprendi, de fato, a me dedicar aos estudos com responsabilidade e sabedoria.  Passar no vestibular, por conseguinte, foi um passo que dei com certa facilidade, apesar da concorrência não ser pequena. A UFRPE, Universidade Federal Rural de Pernambuco, foi a minha escolha. E sobre isso, acho que já falei um pouco.