quarta-feira, 28 de março de 2018

A HISTÓRIA DE PRESIDENTE DUTRA (Parte 6)





A arquitetura das residências e a configuração das ruas – Com paredes de palha ou taipa e teto com cobertura também de palha, eram rudimentares as primeiras casas que, se não bastasse, ainda possuíam o piso de chão batido, e as portas e janelas, na sua maioria, feitas de esteiras tecidas também à partir da palha do babaçu. Com o passar dos anos as pessoas foram melhorando o padrão de suas habitações, e em substituição à palha, ergueram paredes de taipa; depois começaram a se utilizar do Adobe cru, fabricado por eles mesmos, o que já se constituía em um avanço considerável em termos de segurança e conforto.
Num primeiro momento, na rua que hoje conhecemos como Magalhães de Almeida, com suas casas comerciais belas e coloridas, era comum as pessoas construírem o próprio curral junto à casa de morada. E em lugar de muros, faziam cercas de faxina circulando o quintal da moradia.
Com o crescimento da vila, as casas foram também se modernizando, o tijolo substituiu o Adobe e a taipa, e o piso de chão batido deu lugar ao cimentado, ao tijolo e ao ladrilho, até finalmente chegar à cerâmica como vemos hoje. Construídas rente à calçada, sem recuo, era praxe o vizinho do lado “emprestar” a parede lateral ao outro que começava a erguer a sua casa também. Formou-se então o arruado como conhecemos hoje, com as casas geminadas, ligando-se umas às outras para baratear o custo de construção.
A casa padrão possuía paredes grossas, dobradas, sendo que as outras construídas internamente não chegavam até ao teto, formando o que se convencionou chamar de “meia-parede”. Mas, essas paredes grossas tinham como função primordial diminuir a temperatura interna do ambiente, uma vez que o calor se mostra muito forte em locais de baixas latitudes, como a que vivemos. E as paredes internas, que não chegavam até ao teto, tinham também como função permitir que o ar circulasse internamente beneficiando todos os cômodos, especialmente os dormitórios, com temperaturas um pouco mais amenas.
À falta de alpendres na frente, era comum se erguer outro na parte de trás das residências, de modo que se pudessem armar uma rede para descansar da labuta diária. Da mesma forma, também na parte de trás das casas era bastante comum se cultivarem jardins simples, com as plantas ornamentais mais conhecidas, onde pontificavam as rosas, os jasmins, os onze-horas, os lírios e os copos-de-leite, entre tantas outras plantas, beleza que ficava escondida, à disposição apenas dos amigos. Às vezes, construíam-se as casas, deixando-se espaços vazios no centro, uma espécie de pátio interno, e ali se cultivavam também plantas ornamentais, espaço hoje denominado de jardins-de-inverno. 
Os chamados “quartos de banho” eram construídos separadamente das latrinas, que invariavelmente eram erguidas no quintal, distante da casa para não incomodar com o seu mau odor característico. Por essa época não se tinha água encanada e o banho era tomado utilizando-se baldes, latas, bacias ou tinas para armazenar a água retirada de poços construídos no próprio quintal. O aparelho sanitário era na verdade um buraco cavado no chão sobre o qual se colocava um tablado com um furo no centro à guisa do tal aparelho. Somente em fins da década de 60, quando do aparecimento da água encanada, as famílias foram construindo os banheiros no interior das próprias residências, eliminando-se o desconforto de ter que procurar o quintal em noites de chuva torrencial.
Esse tipo de casas pioneiras, cujo principal material de construção era a palha de babaçu e o barro, ainda hoje são muito comuns em todo o interior maranhense, especialmente na região dos cocais, pela facilidade de sua construção, usando-se a madeira abundante, a palha, também sempre à mão e o barro visguento, chamado de massapê. Os costumes também ainda são os mesmos nessas pequenas comunidades: dorme-se em redes, utiliza-se do mato próximo para as necessidades fisiológicas e a higiene corporal é feita em banheiros rudimentares construídos nos quintais. Grande parte das pessoas residentes nessas habitações simples nunca se utilizou de um chuveiro para tomar banho ou de um vaso sanitário para fazer as suas necessidades fisiológicas. Contudo, a maioria dessas comunidades já possui energia elétrica, e recebe sinais de televisão através das famosas antenas parabólicas, o que lhes transmite algum conforto. Quanto aos outros hábitos, esses permanecem os mesmos de muitos anos atrás.
Por outro lado, as ruas sem calçamento, favoreciam a formação de uma poeira vermelha que penetrava nas casas e impregnava tudo, transformando as tarefas domésticas de uma dona de casa em algo muito mais difícil. Pior mesmo era quando chegavam as chuvas. Esse mesmo barro solto que provocava a poeira, quando molhado, transformava-se em um lamaçal digno dos grandes atoleiros. As águas escorriam velozes e livres aproveitando a inclinação do terreno, e formavam grandes valas no leito das ruas, verdadeiras voçorocas.
Foi dessa maneira que o arruado começou a ser formado, e em pouco tempo já existia o que se poderia chamar de uma rua, encontrando-se até algumas casas comerciais. Assim, aí pelos idos de 1920, era possível descrever a Rua Grande, como uma artéria ainda em formação, onde se alternavam algumas casas com paredes de tijolo, outras de taipa, e outras completamente de palha; era até possível encontrar alguns currais juntos as casas mais importantes, seguidos de trechos com capões de mato, para logo em seguida aparecer outra casa. Ganhou ate mesmo um nome, Rua Frederico Figueira, em homenagem a um político famoso de Barra do Corda, para, finalmente, receber o nome de Magalhães de Almeida, um militar maranhense que ocupou o destacado cargo militar de comandante da Marinha, vindo depois a se tornar um governador dos mais operante para o nosso estado.
Quando menino, aí pelos idos dos sessenta, a residência de um tio meu, Chico Barros, tinha a frente voltada para a Magalhães de Almeida(hoje funciona lá o Armazém Paraíba), e o quintal servia como curral para o seu rebanho, e ficava voltado para a rua Cel. Sebastião Gomes. Mais na frente, local onde hoje residem os Bezerra, existia um engenho para moer cana-de-açúcar. Lá se fabricava rapadura, garapa de cana, e até mesmo um pouco de aguardente.
Depois que  a chamada rua Grande ficou sem espaço, vieram as ruas do Cisco, do Segredo, do Sol, do Campo, da Mangueira, o Largo da Feira, entre tantas outras que foram se formando a medida que a povoação ia crescendo.
Assim se formavam as vilas pobres do sertão, sem a presença dos sobradões habitados pelos coronéis, sem as praças com fontes no centro, sem a opulência, por fim, das regiões de fronteira agropecuária como se vê hoje em dia, quando ricos desbravadores erguem seus impérios em poucos anos.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Os Personagens da Marechal

Av. Marechal C. Branco com pista sinalizada


José Pedro Araújo

Marechal Castelo Branco é a avenida que ombreia o rio Poti pela sua margem esquerda, importante via que se transformou rapidamente em alternativa importante ao tumultuado trânsito para buscar o centro da cidade. Bela no seu aspecto paisagístico virou também pista de caminhada para os apreciadores do jogging. Gosto de fazer as minhas caminhadas matinais por lá, em detrimento da outra pista que margeia o mesmo rio pelo seu lado direito, e que foi batizada com o nome de Raul Lopes. Esta outra avenida recebe uma quantidade maior de “atletas”, especialmente nas tardes mornas de Teresina. Porém, foi na Marechal que eu me adaptei e queimo algumas calorias, desfrutando do seu sombreamento e da sua paisagem atraente. Já afirmei certa vez, para responder à indagação do porquê de não gostar de caminhar pela Raul: gosto de bater pernas durante a parte da manhã, quando o clima é mais ameno, e também por não possuir muitos conhecidos por ali que possam atrapalhar a minha caminhada e a meditação que faço nessas horas. Por isso, gosto de caminhar sozinho e incógnito, ao contrário de muitos que gostam de conversar muito durante a caminhada. Dizem, para se justificarem, que o tempo passa mais rápido. Só que eu prefiro meditar ao invés de emitir ideias, ouvir pontos de vista. Pronto.
Tenho observado alguns personagens que transitam sempre por lá para aprimorar a forma física, em busca da saúde perdida. Começo pelo mais ativo deles, um cidadão magro, careca e que usa sempre calça de jogging, talvez para esconder as pernas finas e ágeis. Vejo que deve estar aí pela casa dos quarenta anos, quem sabe, um pouco mais. Este é um viciado no mister. Por ser um dos poucos com quem me comunico, mesmo rapidamente, fiquei sabendo que caminha ( e corre também) todos os dias, inclusive aos domingos. Afirmou também que se sente mal no dia em que, por um motivo ou por outro, tem o seu hábito prejudicado. É uma figura que representa fartamente esses tempos em que as pessoas repõem as pernadas substituídas pelo uso do carro ou da moto, coisa que fazem até para ir à padaria logo ali na esquina.
Depois tem aquela jovem mulher que, não muito assídua quanto o nosso carequinha, vez por outra põe em dia o aprimoramento físico. Alta, forte, sempre com uma leg colada às pernas longas, passa por mim correndo e agitando a trança comprida e elegante. Poderia ser eleita a musa da Marechal, mas, pensando bem, isso não vem ao caso. Não que não transite por ali belas mulheres. Mas é que não pretendemos desfeitear outras atletas até mais assíduas e dedicadas.
Tem também aquela senhora cinquentona que, vez por outra, leva os seus cães para passear. Gorducha, claudicante ao caminhar, arrasta três cachorros pelas coleiras. Um dos animais é fêmea, grande e gorda, com um pouco de sangue Rottweiller nas veias, e me parece bonachona e tranquila. O outro é um Poodle de pelagem branca. Melhor dizer que possui um resto de pelos bancos, posto demonstrar que a sarna o tem atacado sem dó nem piedade, derrubando os cabelos sedosos e deixando ver uma pele avermelhada, maltratada. Apresenta essa característica mais destacadamente na parte de trás que ficou parecida com as ancas vermelhas de um babuíno. E o terceiro é um Pequinês de pelo também branco, rechonchudo e agitado, que parece comandar a matilha. Irrequieto, ele puxa o cordel que o prende para um lado e para o outro, para, retrocede, e a mulher, calmamente, atende a todos os seus comandos. Merece uma comenda da parte da Sociedade Protetora dos Animais pelo trabalho realizado.
De maneira igual, outra senhora traz sempre à mão uma sacola com ração para gatos e algumas garrafas plásticas com água limpa. Acredito que por ali são abandonados muitos gatos, pois a quantidade e variedade deles é enorme. E ela até já improvisou dois abrigos sob os bancos de concreto, utilizando-se de pedaços de compensado ou de papelão para erigir duas casinholas para os bichanos. As duas mulheres, tanto a dos cachorros, quanto a que abastece os gatos de comida e água, vestem-se a caráter para realizar a sua caminhada matinal. Em nada se distinguem das outras caminhantes.
Vejo por lá também aquele senhor gordo – não, não estou falando de mim - que caminha sempre acompanhado da esposa. Alto, pernas grossas qual patas de elefantes – acredito que inchadas – quando o vi começar os seus exercícios pensei que não prosseguiria por muito tempo, tal o aspecto de sofrimento que mostrava no rosto alvo e de barba branca e cerrada. Mas me enganei. Já o vejo por ali há muitos meses e observo que o seu aspecto é muito mais tranquilo, mais desenvolto, respira melhor, já não mostra mais aquele cansaço de quem vem caminhando há séculos. Esse merece ser parabenizado pela sua persistência.
Faço referência agora àquela gordinha, baixa compleição física, formas infladas dentro de uma malha muito colada que passa por mim numa velocidade estonteante como se eu estivesse parado. Deve estar com o peso dobrado. Não tem o perfil que eu penso ser o ideal para alguém caminhar com tanta desenvoltura. Era o que eu pensava antes. Mas estava engando quanto a isso. Ela passa por mim em marcha batida e sem demonstrar o menor cansaço, sacudindo o corpo dentro daquela calça de malha fina que parece uma segunda pele do tipo que as mulheres usam para conferir maior beleza às pernas. Essa moça me mostrou ainda que a idade me fez caminhar mais lento, por mais que eu queira imprimir velocidade às minhas pernas. Mal comparando, pareço aquele fusca barulhento que parece desenvolver uma velocidade estonteante, tão alto está o giro do motor, mas que trafega se arrastando pela pista qual uma tartaruga. E isso me incomoda, reconheço.
Depois, tem aqueles atletas de uma vez só. Chegam um dia, alongam-se, exercitam-se espalhafatosamente, e partem numa correria desenfreada. Logo à frente encontro-os prostrados sobre um dos bancos existem no passeio, soltando o ar com dificuldade. Nunca mais aparecem na Marechal. São muitos iguais a estes. Aves de arribação. Quase todos os dias vejo uma cara nova por lá.
Tempos atrás apareceu por lá um sujeito esdrúxulo, magro, fantasiado de indiana Jones, que parecia uma figura saída dos programas de humor. Trajando calça de jogging, tênis pouco apropriado para uma caminhada, camisa de malha mangas longas, tipo essas que vemos hoje nas praias - e que alardeiam possuir elementos para a defesa contra raios ultra violeta. Portava ainda um chapéu do tipo usado pelos exploradores sobre a cabeça que me parece perturbada. Parece conhecer os moradores da região, pois vejo-o sempre parar para uma conversa com alguns deles. Dias atrás retomou a caminhada exatamente quando fui passando por ele. Andou um bom tempo perto de mim e observei que ele cantava algumas musiquinhas para criança, tipo A dona Aranha... E mal terminava uma emendava outra. Depois entoou marchinhas de carnaval e, mais à frente, desandou a cantar músicas da Jovem Guarda. Uma coisa que eu observei, foi que ele não termina a música, canta somente uma parte dela e já vai emendando com outra.  Ou por não saber, ou por querer mostrar a sua “play list” completa. Encontro-o quase todas as vezes que vou caminhar, e, invariavelmente, traja o mesmo tipo de roupa, e está sempre cantando. Vai se saber porque!
Finalmente, quero falar aqui de um personagem que vejo quase todas as vezes que vou me exercitar por ali: um bem-te-vi. Quando menino chamava esse tipo de ave de “João Besta”, pois ficam sempre a se mostrar para nós, fazendo estripulias. Acredito que este já me conhece, e até sente alguma amizade por mim, pois fica caminhando na minha frente, ligeiro, saltitando sobre aquelas perninhas finas, compridas e desajeitadas, mas quando me aproximo mais ele entra no mato rasteiro e some. Desaparece tão rapidamente como apareceu. Sempre caminhando, nunca ao sabor das suas asas, e sempre no mesmo ponto da avenida. Penso que tem o seu ninho por ali.
No dia que não vou caminhar na Marechal Castelo Branco sinto falta e a minha consciência pesa por achar que é uma atividade inescapável a qual não posso prescindir. E ainda aproveito para me deleitar com os personagens que vejo transitar por ali. É o meu passatempo, melhor e mais saudável. E como não fico conversando durante todo o trajeto, deixo de engolir quilos de fumaça emitida pelos veículos que trafegam ligeiro pela avenida.

terça-feira, 20 de março de 2018

A HISTÓRIA DE PRESIDENTE DUTRA (Parte 5)




A vida na Vila de Curador
 José Pedro Araújo

              O que podemos afirmar com certeza é que bem antes de 1896, a vila do Curador começou a se organizar. Talvez nos idos 1877, período da grande seca que assolou o nordeste, atingindo parte do Maranhão também. Então, aproveitando-se da faixa de terra mais elevada localizada entre a lagoa do Curador, o riacho Firmino e o rio Preguiça, que a transformava na nossa Mesopotâmia, os pioneiros foram construindo suas casas rudimentares obedecendo ao sentido Leste-Oeste, a partir das imediações da dita lagoa, e rumando para o pequeno outeiro, lugar onde hoje se situa a praça da matriz de São Sebastião.
               Á falta de material cerâmico, utilizavam-se da palmeira do babaçu abundante, da madeira farta e da ótima qualidade do barro existente para erigir as taipas e cobrir os primeiros prédios residenciais.
            As casas espaçadas ficavam separadas umas das outras por currais, capões de mato ou sítios, e foram sendo construídas subindo o pequeno morro até o largo da igreja, serpenteando, sem muitos cuidados em seguir uma reta ou alinhamento bem definido. Nesse largo, que se tornaria o ponto central da vila, além da rudimentar capela, erigida em intenção a São Bento - construída a princípio de taipa e coberta de palha de babaçu – surgiram rapidamente por volta de dez casas, construídas no mesmo padrão da capela. Neste local, nos primeiros anos do século 20, aconteceu um grande incêndio que reduziu à pó cerca de sete residências, constituindo-se no maior sinistro ocorrido no princípio da vila.
Esta capela, construída inteiramente a expensas da comunidade, mais tarde ruiu, para desgosto dos devotos e iniciados. Mas novamente os moradores a levantaram. Dessa vez de adobe cru, mais sólida, seguindo padrões de maior segurança e conforto.
            São Bento foi o padroeiro escolhido para dar nome a ela, não por uma devoção fervorosa da senhora que a levantou em primeiro lugar, mas em decorrência dos variados tipos de cobras e animais peçonhentos que infestavam aquele morro. Depois, desconhecendo-se o compromisso de quem primeiro habitou essa região, quando a capela simples foi demolida para dar lugar ao majestoso templo que hoje temos, o nome do santo padroeiro também foi substituído. Passou-se a homenagear São Sebastião.
Situado à cerca de 100 quilômetros do município sede, aos poucos esses desbravadores foram construindo também os acessos para outros lugarejos, em trilhas abertas na mata por onde os tropeiros tangiam seus animais. Tratava-se de simples caminhos para tropas de animais, despretensiosas picadas que ao longo do tempo foram ganhando uma feição mais alargada, lisa, já possibilitando o tráfego de carros-de-boi.
Foram longos anos de total isolamento, quando uma viagem à cavalo até Barra do Corda durava muitos dias, varando a mata fechada. Era preciso transpor os vários riachos e rios que obstaculizavam o caminho. Esse tempo de viagem caiu depois para menos de dois dias, um avanço considerável. Construíram-se caminhos para Caxias também, centro mais desenvolvido situado a leste, e ponto de irradiação para os sertões. Fazia-se o percurso em quatro a cinco dias, desde que os animais não estivessem transportando carga muito pesada. Já a capital, São Luís, ficava em lugar inatingível, tão distante que apenas uns poucos cidadãos a conhecia. Tratava-se de privilégio para poucos ir à capital de todos os maranhenses.
Todas essas dificuldades, contudo, não se constituíam em impedimento para as centenas de cidadãos que começaram a chegar de todos os lados, para juntarem-se aos que aqui já se encontravam, e trabalharem com afinco até construírem o lugar de seus sonhos.
O registro civil, o registro de imóveis, ou atividades equivalentes, só podia ser realizado na sede do município, Barra do Corda, o que, pela distância obrigava muitos pais de famílias a manterem seus filhos sem registro de nascimento até a idade adulta. Por conta disso, a identidade dessas pessoas não era do conhecimento das autoridades nos levantamentos realizados junto aos cartórios. Ficavam fora das estatísticas oficiais para o bem e para o mal.
Acorreram também para a vila que se formava outros desbravadores que já exploravam diversas fazendas situadas na região, formando-se logo uma comprida rua, nesse local sem acidentes naturais, como riachos, ou morros muito elevados. Foi nesse período que começaram a aparecer também as casas de negócios. Atribui-se também à senhora Luvandoura Melo, prima em primeiro grau de D. Marica Melo, e que viera para a região acompanhando o casal de parentes, a abertura da primeira casa comercial do vilarejo. Ao que parece, seu comércio não chegaria a prosperar como era de se prever, e logo outras pessoas também abriram pequenas casas comerciais, iniciando-se o que é hoje o maior centro comercial da região do Japão.
Como foi dito anteriormente, foi a senhora Luvandoura Melo quem também erigiu a primeira capela no povoado. Construção rústica, que com suas paredes de taipa e cobertura de palha, protegia um piso simples de chão batido, e um altar humilde sem a solenidade do existente nas igrejas importantes. Contudo, o local logo passou a ser procurado por um grupo de pessoas da comunidade para rezar, suprindo a falta de um templo melhor erigido.
            A povoação tomava novo impulso à medida que as secas se abatiam sobre os nordestinos de outros estados nordestinos. Grandes contingentes dos chamados “retirantes”, chegavam à região em lombo de animais ou a pé, a princípio, e depois nas carrocerias dos caminhões, os conhecidos “paus-de-arara”, em busca de lugar seguro que os abrigasse da seca que lhes açoitava duramente na terra natal. Foi assim nas grandes secas de 1915 ou 1932. Ou nas que sucederam estas. Sempre que faltava chuva por lá, aumentava consideravelmente o número de habitantes daqui.
                Para mostrar as dificuldades enfrentadas pelos pioneiros, como viviam e se alimentavam, discorreremos sobre alguns aspectos que são do conhecimento de muitos que ainda estão entre nós, mas, que são obscuros para os mais jovens, ou para os que virão no futuro a habitar essas terras. Que fique claro que não se constrói uma cidade em uma região de difícil acesso como a nossa sem uma dose acentuada de coragem, e certa atração pelo desconhecido. Homens destemidos e valorosos saíram de suas terras já colonizadas para reconstruírem suas vidas em uma região onde a natureza se mostrava receptiva, mas os problemas da falta de infraestrutura eram gravíssimos, a começar pela falta de estradas de acesso e de todos os demais serviços públicos.  No próximo post trataremos sobre usos e costumes na vila.

sexta-feira, 16 de março de 2018

A HISTÓRIA DE PRESIDENTE DUTRA(Parte 4) – De onde viemos(2)?

Capa do livro "Viajando do Curador a Presidente Dutra"


José Pedro Araújo

Pastos Bons, Barra do Corda, Codó ou Caxias(2)?Na Monografia do Município de Presidente Dutra, editada pelo IBGE, existe a informação de que dois cidadãos oriundos de Codó, José de Souza Carvalheiro e José de Souza Albuquerque, que seriam cunhados, ainda no século XIX, embrenharam-se pela mata adentro buscando um local ideal para se fixar, atingindo as brejeiras de São Bento, São Joaquim do Caxixi e Corrente, hoje município de Tuntum, as duas primeiras, e Barra do Corda, “tomando conhecimento de que já existiam brancos por lá”.

A informação nos serve como exemplo de que era possível a penetração de pessoas advindas da não tão distante povoação de Codó. Mas, sobretudo, que já existiam pessoas residindo na região. E isso afasta a possibilidade de serem eles fundadores da povoação.

Uma outra informação contida na Monografia é que em 1.901 chegava à região o cidadão Cesário Saraiva da Costa, juntamente com algumas outras pessoas e se fixava na região do Curador, mais precisamente na confluência dos riachos Firmino e Preguiça, onde construíram suas moradas. A informação é, no mínimo, questionável, uma vez que nesse lugar citado não há vestígios de nenhuma morada anterior, sendo uma região em que dificilmente alguém escolheria para ali construir uma morada, por se constituir em um ponto alagável no período das chuvas.

 Por sua vez, já existiam outros moradores na região, como o cidadão José Nunes de Almeida, que chegou ao Curador por volta de 1897 juntamente com um grupo de vaqueiros, e fixou sua fazenda nas margens do riacho Preguiça, no lugar chamado Caiçara e, mais tarde, construiria sua residência no largo de São Bento, depois Praça de São Sebastião. Escolheu o local porque algumas famílias já se achavam estabelecidas naquele local seguro e ao abrigo de enchentes. José Nunes, pai de d. Maria José Nunes Barros, seria o precursor da grande família Barros no Curador.

Temos, por fim, voz corrente entre os mais antigos, a informação de que antes mesmo da formação do povoado que mais tarde se transformaria na Vila de Curador, algumas fazendas já haviam sido instaladas em diversas localidades do município. E citavam o Mandacaru, a Jacoca, a Canafístula, o Angical, a Lagoa de Dentro e a Palma, além do Calumbi e da Santa Maria, entre outras localidades, como sendo alguns dos locais onde alguns fazendeiros instalaram as primeiras fazendas de gado. Trata-se de uma informação verdadeira porque esses locais estão encravados dentro das Datas de Sesmaria doadas aos primeiros proprietários de terra da região, as Datas Jacoca, Taboa do Belizário, Santa Maria e Serra dos Veados, esta ultima situada no novo município de São José dos Basílios. As últimas Datas Sesmarias foram emitidas em 1822. Portanto, as Datas acima referidas são anterior a esse ano.

Outra certeza que tinham era a de que parte desses pioneiros possuía origem nos Estados do Ceará e Piauí, expulsos de lá pela fome e pela sede advindas da maior seca que se tem registro no Nordeste, quando o rebanho cearense ficou reduzido a algo em torno de 30%. Nesse mesmo período milhares de pessoas pereceram atingidas pela fome e pela sede. A grande seca de 1877 foi o maior flagelo vivido pelo povo nordestino.

Não acredito ser possível que o personagem que deu nome ao povoado, contudo, como muitos querem, se tratasse de um curandeiro cearense, que emprestava seus conhecimentos às pessoas que o procuravam em razão de algum mal, fosse um desses retirantes da seca. Assim como é pouco provável que seu nome fosse Abel Martins, como alguns dos nossos historiadores também tentam fazer crer.  O pior de tudo é que tal informação já faz parte de algumas monografias escritas por nossos futuros historiadores, distribuindo inverdades com se fossem informações históricas confiáveis.

Por outro lado, os principais argumentos daqueles que defendem que o curandeiro que habitava as margens da lagoa do Curador era, na realidade, um índio remanescente das tribos que habitaram a região estão sedimentadas exatamente no fato de ninguém conhecer a sua procedência, seu nome correto, se tinha filhos, e até mesmo que rumo tomou ao sair das terras do Curador. Seria pouco provável que uma pessoa tão útil à comunidade que se formava tivesse seu nome desconhecido, caso se tratasse mesmo de um branco. Em caso contrário, é muito comum as pessoas conviverem por anos a fio com um indígena sem lhe conhecer o verdadeiro nome. Faz muito sentido.

De minha parte, prefiro achar que o nosso curandeiro fosse, na verdade, uma pessoa oriunda de Codó, município cujos limites chegavam próximo do Curador. Naquele município existia, e ainda existe, uma grande quantidade de descendentes de escravos, ou por outra, de pessoas de origem humilde que praticavam o Curandeirismo, o chamado Terecô. Terecô é um seguimento do Candomblé que adota como pratica o curandeirismo e a medicina natural para tratar as doenças do corpo. E nos terreiros de Codó se adota exatamente a chamada “linha da mata” ou de cura/pajelança. A antropóloga Mundicarmo Ferretti, professora da UEMA e pesquisadora do CNPQ, uma maiores estudiosas do assunto, apresentou um trabalho na VI Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste, em Belém, no qual afirma que os seguidores da Linha da Mata ou Barba Soeira, praticam o curandeirismo em seus terreiros. Ao discorrer sobre o depoimento de uma Mãe-de-santo fundadora de um terreiro famoso da capital, diz ter ouvido que ela era “macumbeira, médica, rezadeira e conselheira. Cruzava menino com ervas, cheiro(orisa, jardineira, pau d’Angola), vela, copo d’água, embira, nó e reza”(“Tambor-de-Mina e Tambor-de-Crioulo”, 60 anos depois, p. 8, 1.999).    

Em outro trabalho, denominado “Opressão e resistência na religião afro-brasileira”, esta renomada antropóloga registra que os praticantes do Candomblé foram perseguidos durante muito tempo, acusados de práticas de feitiçaria e curandeirismo. E cita que, em Codó, em 1848, foi adotado um Código de Posturas em que os praticantes eram punidos com penas severas. E que, até mesmo depois da Proclamação da Republica, “o Código Penal de 1890 e posteriores, passaram a enquadrar os seguidores do candomblé em crimes contra a saúde pública, e os terreiros passaram a ser encarados como centros geradores de loucura(em virtude do transe ser visto por eles como uma alucinação, como um estado mórbido).(Ferretti, 2001).

Diante da perseguição perpetrada dentro dos terreiros em Codó, muitos praticantes do Candomblé fugiram para não serem presos. No povoado Santo Antonio dos Pretos, localizado as margens do rio Codozinho, entre Codó e Dom Pedro, existe uma comunidade negra onde se professa o curandeirismo desde tempos imemoriais. Um dos descentes mais famosos dessa localidade é o pai-de-santo Mestre Bita do Barão Guaré, conhecido mundialmente e com terreiro em Codó.  Deste povoado, mais próximo do Curador, pode ter saído também o nosso curandeiro. Não é uma constatação, mas pode ser uma hipótese que não deva desprezar. De minha parte, encaro até como uma possibilidade bastante plausível que o homem que deu nome ao antigo município tenha saído de Codó, lugar não muito distante e onde o curandeirismo é uma pratica largamente adotada. Portanto, a meu ver, o curandeiro que se situou às margens da lagoa do Curador deve ter partido de Codó, acossado que se achava pelo poder policial da época.

De qualquer forma, pouco importa qual a origem do nosso personagem, ou qual o seu verdadeiro nome. Nem mesmo o fato de ele ter desaparecido sem deixar vestígios é tão importante assim, a não ser para que pudéssemos homenageá-lo, dando seu nome a uma rua ou escola da região. Importa, sim, que seu codinome ficou registrado para a posteridade na história deste município, passando a ser conhecido como Curandeiro ou Curador, nome que será respeitado por toda a posteridade. Está, portanto, o cidadão Curador umbilicalmente ligado a esta terra, ao seu passado, assim como também ao seu futuro. E todos os cidadãos nascidos nessa parte do estado maranhense consideram-no como um dos primeiros habitantes do florescente município de Curador. Ele seria apenas o primeiro morador a se estabelecer na região.

Entretanto, não pretendemos polemizar com quem quer que seja sobre o local de onde viemos. Pretendemos, sim, historiar como o município se formou, desenvolveu-se, bem como relatar os costumes da nossa gente, as lutas travadas contra o isolamento e a pobreza, e, finalmente, como os nossos munícipes o construíram, tijolo a tijolo, rua a rua, povoado a povoado, até os dias de hoje, deixando para os que nos sucederão a saga de um povo operoso e destemido que venceu todas as barreiras do atraso e do descaso, para construir com suas próprias mãos um destino seguro e voltado para o progresso.