quarta-feira, 29 de maio de 2019

Fragmentos da Memória de Uma Viagem a Portugal e Itália (Parte 8)

Panorâmica de Florença(Duomo e Campanille)
FLORENÇA

José Pedro Araújo
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e Lucca a Florença são pouco mais de 76 km pela belíssima e segura autoestrada E76. Nosso ônibus levou pouco mais de uma hora de viagem para chegar até aos subúrbios da cidade em que o Renascimento foi deflagrado, causando um verdadeiro terremoto nas artes. A princípio, passamos pelo parque industrial na periferia, com suas fábricas de instalações modernas, diferenciando totalmente do que veríamos no centro histórico da cidade. Depois, quando nos aproximávamos mais da região central, as belas construções foram aparecendo. Pouco tempo depois chegamos ao nosso hotel, o Villa Gabrielle D’Annunzio, um quatro estrelas belíssimo e confortável que ocupa um velho monastério reformado. Cercado pelo verde, o aconchegante hotel apresenta uma variedade de belas esculturas e outras obras de arte desde os jardins com uma grande variedade de flores e arbustos bem cuidados. E em meio a estes, algumas estátuas de valor histórico foram implantadas sobre pedestais. E o melhor: fica localizado a menos de três quilômetros do centro histórico da bela Firenze.
Cansado da viagem de um dia inteiro, com passagem por belas e históricas cidades italianas, ainda tínhamos que cumprir uma última e especial etapa: o aniversário da Ana Lúcia Almeida era nesse dia 27/03. Só deu tempo fazer o check-in, tomar um banho e trocar de roupas, e logo estávamos atrás de um restaurante próximo ao hotel para a merecida comemoração. Estávamos é força de expressão, pois não aguentei o tranco nesse dia. Estava com os pés em desgraça e não consegui sair do quarto depois do banho. Helena e eu, e também a Benedita, aproveitamos o conforto da bela acomodação e tratamos de refazer as forças para um dia deslumbrante pelo centro histórico da belíssima capital da Toscana. Henrique, Ana, Fernando, Lair, Jônatas e Wilana partiram resolutos atrás de um local aonde pudessem homenagear a aniversariante com pompa e circunstancia. E não demoraram a encontrar um belo ristorante com boa comida e vinho de boa cepa.  Por falta de condições físicas, e uma boa dose de preguiça, perdi o Special Happy End para aquele dia.
Para mim, Florença está entre as cinco melhores cidades que cheguei a conhecer. Foi amor à primeira vista. Tudo o que pensei sentir por Veneza, aconteceu na bela e encantadora cidade toscana. Caminhar pelas ruas sinuosas da cidade é um programa que supera qualquer outro. E não nos fizemos de rogado, não agimos com parcimônia. Café da manhã tomado, partimos para conhecer as atrações que a cidade tinha para nos oferecer. Eram muitas. Tantas que não se consegue visitá-las em menos de uma semana. E nós só tínhamos dois dias para isso. Tivemos que escolher o melhor do melhor, o crème de la crème, e partimos para uma panorâmica pelo seu centro histórico cheios de curiosidade e o coração transbordante de alegria.
O coletivo nos largou na margem do Rio Arno, as nove da matina. Fazia um sol belíssimo, mas o clima mantinha-se bastante frio para os nossos padrões. Saímos dali em busca da Piazza di Santa Croce, para visitar a basílica de mesmo nome. A Chiesa di Santa Croce é também um Panteão, uma vez que nela estão sepultadas mais de 250 personalidades notáveis da cidade. Sua estrutura, antes inteiramente gótica, sofreu alterações ao longo do tempo, e hoje o seu exterior é revestido por colorido mármore de Carrara. Do seu lado esquerdo, chama a atenção uma estátua de Dante Alighieri.
De lá fomos conhecer a estonteante Piazza dela Signoria, a praça central da cidade. Lá fica o seu centro administrativo, o Palazzo Vecchio, antiga residência da família Médici. A praça é também o centro social da cidade, com belas fontes e um sem número de estátuas espalhadas pelo seu quadrilátero. Em frente à velha sede do poder civil, acha-se uma bela cópia da estátua de David de Michelangelo, em tamanho real, uma das obras de arte mais admiradas e fotografadas em todos os tempos. O original, que hoje se encontra abrigada no Museu da Academia, esteve neste lugar por muitos anos, até ser substituída, para evitar mais desgastes. Piazza della Signoria é um museu ao ar livre, tantas são as suas obras de artes.
Partimos dali para conhecer a Ponte Vecchio, sobre o rio Arno, um dos cartões postais da cidade, que apresenta estrutura coberta e uma infinidade de lojas ao longo de todos os seus 84 metros de extensão, ocupadas, especialmente, por joalharias. A ligação do Palazzo Vecchio com a ponte é feita pelo Corredor de Vasali, também conhecido como o Percurso do Príncipe. Por esta passarela coberta passava o príncipe e sua família rumo ao rio para o banho. Trafegavam eles protegidos das intempéries e de algum ataque inimigo. Foi construído em 1565, por Francisco I. Não dá para visitar Florença sem ir conhecer este monumento ao desperdício, mas de uma beleza histórica sem par.
No trajeto para visitar a Catedral de Florença, ou Duomo di Firenze, passamos ainda por diversos pontos de atração e lojas com suas vitrines que atraem mais às mulheres do que qualquer obra antiga. O Mercado da Palha, com o seu Javali da sorte, é um dos pontos que passamos ao longo do caminho. E fomos surpreendidos por um dos feirantes que, ao ver o Jônatas vestido com a camisa do Fluminense, começou a entoar o hino do clube a plenos pulmões. Era um carioca que havia adotado a cidade há quinze anos e tinha como profissão a arte da venda em espaços públicos, o tradicional camelô.
A visita ao Duomo é um caso a parte. O conjunto composto pelo Batistério, A Chiesa de Santa Maria del Fiore e o Campanário de 114 metros de altura, é um espetáculo que deslumbra e emociona. Não há como descrever isso aqui em tão curto espaço. A obra é a junção de vários estilos arquitetônicos, passando do neogótico, renascentista, para a Gótica italiana, e a finalmente a gótica pura. O conjunto da obra produziu algo que transcende a tudo o que já havia visto até então. Tanto pela beleza plástica, quanto pela sua conservação.
A qualidade e conservação da obra não têm paralelo em qualquer outro lugar já visitado nessa viagem, ou que ainda veríamos dali para frente. O Batistério de São João, que compõe o trio maravilhoso, possui uma obra de inigualável beleza: as Portas do Céu. Obra encomendada por Giotto, no ano de 1329, ao artista Andrea Pisano, é toda feita em bronze, com imagens em alto relevo representando a vida de João Batista e suas virtudes, e levou seis anos para ser concluída. O Batistério imita uma lanterna octogonal e simboliza o Oitavo Dia, o dia da Ascensão de Cristo.
Essas poucas informações são uma espécie de síntese de tudo o que se pode ver em Florença, a cidade mais importante da bela, estonteante e atrativa região da Toscana. Precisamos parar por aqui, pois ainda temos que prosseguir por mais alguns dias nessa viagem de sonhos.



sábado, 25 de maio de 2019

Essas Comodidades Que Acabam Com o Meu Salário



José Pedro Araújo

Outro dia estava conversando com meus botões: para onde estará indo o meu salário? Pus-me a pensar e descobri coisas interessantes sobre o destino desse dinheirinho suado que eu morro de trabalhar, e quando mais faço isso, mais sobram dias do mês para cobrir.
 Em tempos passados, lá no meu velho Curador, vivia-se muito bem, mesmo com salário pequeno. Isso quem tinha salário. Quem não tinha vivia também. Milagre? Nem tanto. Para começar, a alimentação básica da família era à base de arroz, feijão, carne, farinha de mandioca e, às vezes macarrão (caramba, o mesmo que hoje?). O arroz e o feijão eram produzidos pela própria família, ou adquiridos na mercearia do amigo mais próximo. A proteína da carne, em boa parte do tempo, era suprida pelas galinhas ou pelos leitões que criávamos no nosso próprio quintal. E quando precisávamos recorrer ao açougue, pagávamos preços bem em conta, uma vez que tudo era produzido no próprio município, e sem o custo dos transportes ou mesmo sem a avassaladora carga de impostos.
Hoje não funciona mais assim. O arroz vem do Rio Grande do Sul em carroçarias de caminhões, um frete que custa fortunas. E ainda tem mais uma fila interminável de gente atrás do dono do caminhão. O produtor lá no Rio Grande entregou o seu produto para um atravessador, que o repassou para um cerealista, que por sua vez fracionou o saco de sessenta quilos adquirido, e o acondicionou em embalagens de cinco quilos. Depois disso, entregou para o distribuidor. Foi esse individuo quem embarcou o produto no seu caminhão (ou em outro alugado), rodou o Brasil inteiro até entregar no mercadinho da nossa cidade. Foi, portanto, o dono do mercadinho quem me vendeu o produto. 
Nessa cadeia perversa que se formou antes que o arroz chegasse até a mim, todo mundo pagou imposto e cobrou o seu lucro. Imposto municipal, estadual e federal. (Esqueci-me de dizer que o meu arroz era pilado na minha própria casa, não precisava pagar nada também pelo serviço). Pois bem, finalmente o arroz chegou à minha casa. Sobrou para mim todos os impostos cobrados antes, nos três níveis de governo e em todas as mãos por onde passou até chegar às minhas. O lucro de cada mão por onde passou também. 
A despesa do caminhão também foi paga por mim, e o lucro do dono da máquina também. O arroz que saiu das mãos do produtor a R$ 0,89 (oitenta e nove centavos o quilo). Chegou a minha casa custando R$ 2,90, esse mesmo quilo. 225% a mais. Essa mesma conta pode ser feita para o feijão que vem da Bahia, ou mesmo do Paraná. E também para a carne de boi, que vem do Pará, Mato Grosso, Tocantins, ou do próprio Maranhão. Para o frango e o porco, a mesma conta pode ser feita.
Se fosse somente para isso que vai o meu salário, ainda poderia me dar por satisfeito. Agora, quando vou ao supermercado, trago mais uma quantidade enorme de produtos para acompanhar o meu arroz com feijão e carne de outrora. Tudo para terminar me alimentando do mesmo jeito. Ou pior. Dizem que o arroz e o feijão vêm com veneno. E a carne de gado, de frango ou de porco, vem com anabolizantes e outras cositas mas. E eu ainda tenho que pagar para consumir essas porcarias que só me fazem mal? Além de incluir o médico e o farmacêutico nessa conta dolorosa.
Mas ai veio mais gente, não satisfeita com o meu infortúnio, querendo tirar um naco do meu humilde salário já tão atacado. O governo (nos três níveis também), resolveu implantar um sistema de abastecimento de água na cidade. Dizia que a água que provinha de graça do meu poço não prestava para o consumo. E então o governante, preocupado com a minha saúde, é claro, pegou o dinheiro do imposto que eu paguei, fundou uma empresa de águas, pagou com ele a perfuração de um poço, colocou alguns canos sob o chão, adquiridos da mesma forma, com o meu dinheiro (contratou todo o serviço com um parente ou amigo), empregou seus familiares na minha empresa(minha?), e passou a me vender a água que eu antes consumia de graça. 
Fez a mesma coisa com a energia. Toda a empresa montada com o dinheiro dos meus impostos. Aqui a coisa foi até pior. Criou uma empresa para construir uma barragem e outra para distribuir a energia lá produzida. A que produz, vende para a que distribui, e tira o seu lucro, paga os seus impostos. E esta passou a me vender a energia por um valor absurdo, ai também embutido o valor da produção (aqui também teve emprego para todos os familiares e amigos), e ainda me cobra uma carga de impostos de fazer chorar pelo serviço. Eu que gastava pouco dinheiro para manter minhas lamparinas acesas durante a noite, agora me habituei a usar a tal energia durante o dia inteiro. E a que custo?
Tive que gastar mais com a saúde, a educação, a segurança, telefone, e até para transitar pelas estradas construídas com o dinheiro dos meus impostos. Pois os serviços que o governo me oferece são de péssima qualidade. É de chorar, não é mesmo?
Mas não o aconselho a chorar ainda, tem mais. Pela casa que eu pensava ser de minha propriedade(já que comprei o terreno e construí a choupana), passaram a me cobrar um tal imposto predial e territorial urbano. Para o sitiozinho, um tal de imposto territorial rural, mais taxa de cadastro rural, e mais tributo sobre tudo o que eu tiro de lá. Esses bens são meus ou não?
E achando pouco o que já fazem comigo, abandonei o meu cavalo, vendi a minha bicicleta, descansei as minhas pernas, e agora ando de carro para os mesmo lugares a que ia antes. Talvez vá um pouco mais distante. Mas, para quê? E a que custo? Na bicicleta só precisava trocar dois pneus quando acabavam os que estavam em uso. Agora tenho que comprar quatro, mais um de reserva. A um valor vinte vezes maior. Não precisava encher o tanque da magrela com o caríssimo combustível, pagar taxa de emplacamento, seguro, pagar para ter uma carteirinha que me autoriza a dirigi-la, multas, impostos, e até mesmo pagar um motorista, caso não soubesse dirigir.
E não parou por ai. Não chore ainda. Em casa, entrava ano, saia ano, e ninguém falava em aniversário, ou melhor, só falava (agora tem que comemorar, e até mensário). E quando alguns bacanas chegaram à cidade com essa moda, passamos a adotá-la também. Ainda saia baratinho, contudo. Alguém da casa fazia um bolinho, espremia algumas laranjas ou cortava alguns maracujás colhidos no próprio quintal, misturava com bastante água, e estava tudo bem. Podíamos cantar os parabéns que ninguém ia reclamar.
O presente que se dava também era coisa barata. Sabonete Carnaval, pasta Kolynos ou, no máximo, um pote de brilhantina Glostora ou mesmo um tubo de Trim. Depois apareceu o Ki-Suco para facilitar a vida de quem não tinha laranja ou maracujá no próprio quintal. Já não precisava mais pedir na casa vizinha. Custava pouco o saquinho. E, além de tudo, tratava-se de uma novidade! Estava resolvida a questão.
E agora, o que fazemos? O bolo tem que ser originado de uma confeitaria. Os salgadinhos devem ser variados, e também adquiridos em pastelarias da moda. Tem mais a decoração, a música (sem falar que temos que ficar horas batendo palmas e acompanhando o parabéns pra você enquanto a criançada pede quinhentas vezes para apagar as velinhas). Refringentes em caixas. Ou dezenas de garrafões de dois litros. Nem vou falar de cerveja para os pais dos convidados, whisky e coisas que tais! Já está se vendo quanto custa um aniversariozinho em casa de assalariado, não é? Mas tem que ser feito, porque o vizinho que (aparentemente) ganha menos que eu o faz para toda a família? Por quê não eu?
Acho que vou parar por aqui. Pode começar a chorar. Não vou nem falar de internet, telefone celular, streaming de filmes, canais por assinatura, etc, etc, etc. Para quê? Só para me martirizar mais ainda. Eu quero é voltar para o passado. Lá vivia como um rei e a baixíssimo custo!

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Fragmentos da memória de uma Viagem a Portugal e Itália (Parte 7)

Pisa - Muralha com portal de acesso à torre(Foto do autor)


PÁDUA/PISA/LUCCA

José Pedro Araújo

PÁDUA
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anto Antônio está sepultado na catedral de Padova(Pádua), como todos sabem. E por isso, a cidade faz parte do roteiro da maioria dos pacotes do tipo “Conheça a Itália”. Acordamos cedo, pois, mesmo andando de ônibus fretado, tínhamos horário marcado para embarcar. Por isso, café reforçado e devidamente agasalhado no estômago, embarcamos às 7:00 horas da matina no nosso Bus. A manhã estava fria, e por isso o amigo Fernando já amanheceu o dia reclamado do clima. Acho que ser magro, em situações como esta, é uma desvantagem. E o Fernando ainda tinha que retirar as luvas a cada cinco minutos para fazer uma foto da Lair. Era um bota e tira, que ele acabava por perder pelo menos uma delas, quase todos os dias. A propósito disto, aprendi algo importante com as mulheres. O porquê de elas nunca repetirem nem um dos componentes que compõe a sua vestimenta daquele dia: não podem aparecer nas fotos em locais diferentes trajando a mesma roupa. E isso é uma preocupação e tanto. Por isso, carregam malas e mais malas para acomodar as inúmeras roupas, cachecóis, casacos, sapatos, sapatos, sapatos... e tudo o mais.
Enquanto isso - voltando para nossa viagem - meu experiente amigo, Henrique, afirma que leva, no máximo, três calças Jeans para os doze dias de viagem. Ele prefere utilizar a mala para acomodar o que comprará na viagem.  Sábia decisão, mesmo achando que ele diz isso de brincadeira, pois o vejo sempre trajando roupas limpas e novas.
De Veneza para Padova são somente 37 km. E nós fizemos esse trecho em pouco mais de meia hora, trafegando em uma rodovia muito bem conservada, pista duplicada, trânsito relativamente tranquilo. E como os ônibus são proibidos de trafegarem pelo centro da maioria das cidades italianas, deixamos o nosso cerca de quinze minutos da Basílica de Santo Antônio de Pádua e fizemos o trajeto a pé e sob intenso frio. Cidade medieval, daquele tipo que ainda possui as suas muralhas de proteção, tivemos pouco tempo para visitar a cidade e gastamo-lo na visita a catedral. O ambiente escuro do interior do templo, sua arquitetura vetusta, além do silêncio interior, faz com que o passado volte ao nosso encontro trazendo a história daquele religioso que têm tanta importância para grande parte dos brasileiros, pois é ele um dos três santos festeiros que embalam as festas juninas, além de ser incensado e muito requisitado - como o santo casamenteiro - pelas moças com dificuldade para arrumar um marido.
Por tudo isso, posso afirmar que vale a pena uma visita à basílica de Santo Antônio. Aliás, fiquei sabendo pelo nosso guia, que Portugal e Itália travaram verdadeira guerra verbal pela posse dos despojos do santo. Como Santo Antônio era nascido em Portugal, deveria ser sepultado lá, diz nossos patrícios. Enquanto, para os italianos, ele havia escolhido Pádua como a sua morada, portanto, deveria permanecer lá. E assim ficou até os dias de hoje.
Padova possui a segunda universidade mais antiga da Itália, com quase 800 anos de existência. Possui ainda um acervo com as melhores obras de Giotto, além de uma belíssima praça com muitas e belas estátuas sobre pedestais, conhecida como Piazza dela Pacce Ythazac Rabin. Passamos pelo meio dela, contemplado aquele belo cenário, pois o estacionamento do nosso ônibus ficava próximo. Ainda tivemos tempo para um lanche, e logo voltamos para a estrada. A viagem só estava no começo e ainda tínhamos outros lugares para visitar antes da chegada a Florença. Próximo destino Pisa.

PISA
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e Pádua a Pisa são 293 km por estrada de ótima trafegabilidade. A paisagem que vemos pela janela do ônibus é um tônico à nossa visão e não nos permite ficar um instante de olhos fechados. Atravessamos belos campos agrícolas, e vilarejos de cartão postal pelo caminho. As casas rurais, a maioria construídas de blocos de granito, possuem dois pavimentos, sendo o térreo para acomodar os petrechos de trabalho, os animais e as silagens, quando inverno chega e não permite que os bichos pastem mansamente em pleno campo. E o andar superior para acomodar a família. Dá para ver que são confortáveis, diferentemente do que vemos aqui no nosso país, especialmente no nosso estado.
Em Pisa, no que pese ser também uma bela cidade medieval, uma coisa atrai a maioria dos viajantes: a Torre Inclinada. Ou Torre de Pisa. Quando lá chegamos, estava ela ainda interditada para uma das suas costumeiras reformas e melhoria na sua sustentação. Por isso, passamos a visitar o seu entorno, fazer as costumeiras fotos como se estivéssemos segurando-a para não tombar, essas coisas.
O pequeno quadrilátero em que fica situada a Catedral, a torre inclinada, que é, na verdade, um campanário, e o Batistério, é uma atração, tanto pela história que encerra, como pela beleza das construções revestidas em mármore branco. A torre atrativa é a mais nova das três construções, e começou a ser edificada no ano de 1.173, medindo 56,70 metros na sua parte maior, dada à inclinação. E possui 294 degraus na sua escadaria interna. A torre, a construção mais interessante, começou a ficar inclinada pouco depois da sua construção, tornando-se, com isto, uma das imagens mais conhecidas no mundo.
É, de fato, um lugar imperdível, e conhecê-lo é uma obrigação para aqueles que gostam de uma viagem cujo propósito é aumentar seus conhecimentos. Observar aquela torre com 14.500 toneladas de peso, inclinada daquela forma desde muitos séculos - e sem que viesse a tombar definitivamente -, é uma experiência que ficará para sempre na mente dos que tem a primazia de contemplar aquela obra de engenharia que, a princípio, foi mal executada. Mas que, até hoje, no que pese dizer-se que ela se inclina um pouco mais a cada ano, ainda continua lá para quem quiser apreciá-la.
Tivemos que fazer o nosso almoço em um dos templos da modernidade gastronômica mundial, um fast food: o Mcdonalds. Papei um Big Mac em lugar de uma pasta italiana. E fomos em frente. Lucca estava a nos esperar.

LUCCA
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eixamos a rodovia E70 e seguimos pela Strada Estatale 1 por 18 km apenas, até a cidade medieval de Lucca. Fizemos o percurso em menos de meia hora e estacionamos fora da cidade, bem próximo às muralhas quase intactas da cidade. Mais uma vez, ficamos encantados com tudo o que vimos. Luca é uma cidade de menos de 90.000 habitantes, situada na região da bela Toscana, que atrai milhares de turistas anualmente, tanto pela sua incomparável beleza estética, mas também pela sua história. A propósito, como Lucca existem várias pequenas cidades na região que são uma atração a parte. E quase todas, diferentemente de Lucca, que está situada em um local plano, ficam encarapitadas no alto de algum monte íngreme.
Deixamos o ônibus estacionado em frente ao seu principal portal de acesso, e fomos a pé apreciando a beleza dos edifícios históricos, a atratividade das vitrines bem chamativas, e subimos a estreita rua até a Praça da Chiesa di San Miguel in Forum, uma bela construção do século VIII. Enquanto estávamos entretidos com um caixa eletrônico, tentando liberar alguns euros para suprir as nossas necessidades, Henrique, Jônatas e Fernando foram para outro lado atrás de um boteco para matar a sede e apreciar a principal bebida da região, o Licor Stregga. Gostaram do sabor, mas não do preço. Optaram por uma dose de Whisky, não menos barata. Mas, pelo menos, desse conheciam o sabor.
Enquanto procurava por eles, dei com a praça que homenageia o músico Giácomo Puccini, com uma bela estátua de bronze, a Pizza Cittadela, na sua terra natal. De volta, depois de apreciar o maestro em sua poltrona granítica, encontrei os companheiros que procurava já voltando para se juntar ao grupo de mulheres que também haviam dado por terminado o seu passeio pelas lojas da pequena cidade.
A visita foi curta, mas o suficiente para ficarmos apaixonados pela bela cidade medieval que viu nascer um dos maiores artistas italianos, criador de Madame Batterfly, Turandot e La Bohéme, entre tantas outras. Mas estava na hora de pegar a estrada novamente, e seguir para Firenze. Tínhamos pouco menos de 80 km para percorrer antes que a noite nos pegasse na estrada.


quarta-feira, 15 de maio de 2019

Fragmentos da Memória de uma Viagem a Portugal e Itália(Parte 6)

Veneza à partir do alto do Campanário(foto Wilana Araújo)

VENEZA (II)
José Pedro Araújo

Voltamos para a Praça de San Marco. Ainda teríamos outra experiência única: fazer um passeio de Gôndola pelos inúmeros canais da cidade aquática. O grupo foi dividido, tomamos duas belíssimas Gôndolas, ricamente decoradas e impulsionadas pelos gondoleiros venezianos vestidos com o seu traje característico: calça de tergal escura, camisa com listas horizontais nas cores banca e com listas azuis ou vermelhas. Uma sorte: o nosso gondoleiro era dos que gostavam de cantar. Até me arrisquei e o acompanhei no Sole Mio. Peço desculpas, pois estava empolgado, depois de degustar algumas taças de Champanhe on board. Enquanto isso, o nosso gondoleiro (no rio Parnaíba seriam chamados Vareiros, uma vez que não usam remos, e sim varas, para impulsionarem os barcos) nos levava por canais estreitíssimos situados entre prédios que, em decorrência da baixa maré, mostravam na sua estrutura e o peso dos séculos nas suas fundações deterioradas.
Essas construções, aliás, são mais um exemplo da inteligência humana que, se levada na direção do bem, faz coisas maravilhosas. Os edifícios têm a sua base assentada em estacas de madeiras que são fincadas no solo argiloso e mole até encontrar terreno firme. E a madeira utilizada é encontrada na própria região, e nunca apodrecem.
Belo passeio! Mais uma etapa foi cumprida com muito prazer. Estávamos quitando uma promessa de criança. No final, nem o mau humor do nosso gondoleiro (aí mostrou a sua verdadeira face europeia) que insistia para que deixássemos a Gôndola rapidamente, afim de que ele pudesse embarcar novos sonhadores (Prego, prego! gritava ele, aflito), empanou o brilho daquele passeio maravilhoso.
De volta ao embarcadouro, rumamos para a praça famosa para novas fotos. Feliz, Wilana pedia a cada instante: “saca la foto!”. E a Lair não parava de reclamar que o Fernando quase não tirava fotografias dela. E o pior era que era verdade: ainda no começo da viagem, ele só havia feito umas 600 poses com ela. A Helena logo se assenhorou do meu quepe de comandante veneziano e passou a posar em todas as fotos com ele, enquanto a Ana Lúcia partia célere em busca de um autêntico gelato italiano.
Nessa altura, perdemos o Henrique de vistas. Visitamos a vetusta igreja de San Marcos, fizemos as fotos tradicionais no seu interior, admiramos a sua bela arquitetura, seus afrescos impressionantes, e logo voltamos à praça para um gostoso café. Foi nesse instante que descobrimos o porquê de tantas cadeiras e mesas vazias, em meio a um mar de turistas: o preço do cafezinho tomado de pé, era bem inferior ao que se tomava aboletado em uma daquelas cadeiras coloridas.
Mas meus pés já estavam reclamando muito, e eu tive que escolher uma das mesas, apesar do preço. Um alerta: o cafezinho italiano vem em uma xicara minúscula, e ainda é servido apenas pela metade. Só dá para um gole. Escolhi a xícara grande do cappuccino. E nele me demorei mais de meia hora. Era preciso dar tempo aos pés.
Quando estávamos terminando o café, o Henrique apareceu com a Ana. Disse-nos que tinha subido ao alto do campanário e que a vista lá de cima valia a pena. Fomos todos para a fila da bilheteria. Subimos pelo elevador os seus 98,6 metros. A vista que nos esperava era algo estonteante. Lá do alto temos uma visão de 360 graus da cidade, ou seja, vemos Veneza em toda a sua inteireza, a sua plenitude. Imperdível! Valeu cada centavo de euro gasto e o tempo que levamos na fila.
Uma coisa que eu não sabia na época da viagem. Os sinos do Campanile de San Marco foram feitos na mesma oficina que forjou os da bela igreja matriz de São Sebastião, em Presidente Dutra: a Fundição Fratelli Barigozzi, em 1955, vários séculos depois de ter fundido as campânulas de San Marco .
De volta ao rés do chão, fomos em busca de um Dolce Gelato e saímos a apreciá-lo enquanto caminhávamos pela praça. Não queríamos perder um só minuto do pouco tempo que ainda nos restava ali. E depois, tinha aquela história: tomar o gelato em pé era mais barato. Caminhando pela praça, aconteceu algo inusitado para nós: um pombo, dos milhares que vivem por ali, veio sentar no ombro do Jônatas, querendo uma bicada do seu sorvete. A Piazza de San Marco tem tudo a ver com eles.
Terminamos o dia andando pelas vielas da cidade, e reencontramos o nosso amigo Henrique, que não víamos desde que o viramos à saída do campanário. Estava empolgado a admirar uma autêntica Ferrari em uma loja da escuderia. Foi um choque ver aquele artefato que, no final das contas, era o maior exemplo da modernidade automobilística, em uma loja encrustada em uma viela estreita e sinuosa da velha e milenar Veneza. Já noite, voltamos de Vaporetto para o nosso hotel em Mestre. No dia seguinte voltaríamos a tomar o nosso ônibus. Nosso próximo pernoite seria em Firenze, outro símbolo da beleza e da inteligência dos arquitetos italianos.
Mas, antes, ainda conheceríamos outras cidades pelo caminho. E vimos cada coisa, cada monumento!


domingo, 12 de maio de 2019

FELIZ DIA DAS MÃES




José Pedro Araújo

Se me falta competência para elaborar uma homenagem à altura a todas as mães, sobram-me lembranças felizes da minha que já não está mais entre nós. Lembranças como o primeiro presente de dia das mães que meu pai comprou para ofertarmos a ela: um bonito quadro emoldurado da Santa Ceia (Última Ceia). Cúmplice na tarefa de guardar bem a surpresa para ser entregue somente no dia comemorativo, a professora Valdé, de quem também guardo ternas lembranças, levou-me até a sua casa para me mostrar o belo presente. Durante muitos anos vi aquele presente exposto na parede da nossa casa, sinal de que a homenagem fora recebida com alegria e estima. 
Cursava eu as primeiras letras. Fiquei deslumbrado com a homenagem, e então tomei conhecimento de que existia um dia dedicado exclusivamente para as nossas protetoras, as Mães.  
E foi assim que, à falta da aludida competência poética, conclamei um dos maiores poetas piauiense a me substituir na tarefa. E como ele se desincumbiu da missão!


MATER VENERANDA

Da Costa e Silva(*)
Por ti, que o ser me deste, eu vivo apenas;
Vivo junto de ti, mesmo sozinho,
Sem as carícias mansas e serenas,
E a ventura materna do teu ninho.

Em extremos de afeto e de carinho,
Com a essência de dor das minhas penas,
Vou regando a aridez do teu caminho,
Para que brotem lírios e açucenas...

Sabem do meu amor os que em ti pensam,
Mas não sabem que, na alma que me deste,
Nossas almas em uma se condensam.
...
Em horas de incerteza, de amargura,
Quando, sem fé, o espírito vacila,
Surge ante mim uma visão tranquila,
Num sonho de esperança e de ventura.

É a alma de minha mãe que, suave e pura,
Desprendida, talvez, da humana argila,
Me vem à ideia, em meu olhar cintila
E o meu aflito coração procura.

(*) Poeta piauiense da mais fina sensibilidade, nascido em Amarante.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

ALFREDO NUNES: CBF, TCE E OUTRAS SIGLAS E INSÍGNIAS.

Alfredo Nunes recebendo homenagens



Elmar Carvalho*

Esteve no fórum, tratando de assunto processual, o Dr. Alfredo Nunes, ex-prefeito de Regeneração, ex-deputado estadual, em várias legislaturas, e procurador de Justiça em inatividade. É o atual venerável da A.: R.: Loja Maçônica Tabelião Manoel Isaac Teixeira. Seu pai, Gonçalo Nunes, empresário, também foi prefeito e deputado à Assembleia Estadual. É casado com a professora Teresinha Nunes, que foi reitora da Universidade Federal do Piauí, há 57 anos.

Segundo me foi revelado, em outra ocasião, recusou-se a ficar recebendo proventos, como parlamentar aposentado, o que é um fato raro em nosso meio. Também ouvi falar que, em sua época, teria sido o único prefeito a receber honraria do Tribunal de Contas do Estado, em virtude de haver tido todas as suas contas aprovadas. Não tive tempo de conferir essas informações. Deixo que o leitor diligente o faça.

Foi dirigente esportivo no Piauí durante vários anos. Quando era prefeito de sua terra natal, foi convidado pelo ministro da pasta do Esporte a ir a Brasília, com a finalidade de assumir, interinamente, a presidência da Confederação Brasileira de Futebol, no impedimento do titular, Ricardo Teixeira, que estava de licença médica. Disse não ter interesse, em virtude de seu cargo de chefe do Poder Executivo local.

O ministro insistiu, e disse tratar-se de um pedido pessoal do presidente da República, que estava preocupado com a classificação da Seleção Brasileira na etapa eliminatória da Copa do Mundo. Conversou com Fernando Henrique Cardoso e terminou aceitando a missão. Por recomendação pessoal sua ao técnico, um jogador renomado, mas que não estava atuando bem, não foi escalado, e o certo é que em sua gestão o Brasil terminou obtendo a classificação.

Quando ele me brindou com um distintivo da CBF, que muitas vezes tenho usado na lapela do terno, disse-me que me ofertava o mimo em virtude de eu haver sido um bom goleiro do futebol amador. Como não sou cabotino, não direi se concordo com o que ele disse.

Em 1957/1958, estando residindo no então povoado de Papagaio, hoje Francinópolis, em virtude de nomeação para cargo do antigo Departamento de Correios e Telégrafos, com raríssimo meio de transporte para Teresina na época, meu pai “pegou” uma carona no jipe do Dr. Alfredo, que era deputado estadual, até a localidade Estaca Zero, onde era mais fácil conseguir transporte rodoviário para a capital.

Meu pai, que na época, início de sua carreira, era guarda-fio, sozinho, no lombo de um cavalo, percorreu, várias vezes, a solidão formidável da Chapada Grande, de Papagaio ao Alto Sério, já no município de Regeneração, a contemplar os soberbos pequizeiros, vergados de frutos, e as floradas luminosas dos paus-d'arco, a balouçarem à brisa, como lustres dourados de imponentes catedrais.

(*) Elmar Carvalho, é poeta, contista, ficcionista e membro da APL.


quarta-feira, 8 de maio de 2019

Fragmentos da Memória de Uma Viagem a Portugal e Itália (Parte 6)

Veneza vista do alto do Campanário de San Marco(foto do autor)

VENEZA (Parte 1)
José Pedro Araújo

   Q
uem nunca sonhou conhecer Veneza, andar de Gondola por seus canais, dar milho aos pombos da Piazza de San Marco, ou simplesmente se sentar naquelas cadeirinhas multicoloridas para degustar um Capuccino? Pois isso era voz corrente entre o nosso grupo. Todos estavam ansiosos por conhecer La vecchia citá, aquela que emerge da laguna. Chegamos a Mestre, a parte continental de Veneza, no final da tarde e fomos logo preparando-nos para a visita noturna. Visita que faríamos ao centro da cidade, localizado em uma das ilhotas no meio da laguna. Após as formalidades iniciais, trocamos de roupa rapidamente e embarcamos em nosso ônibus que nos levaria até a margem do mar lacustre. De lá partiríamos em um barco de dois andares que nos deixaria em um píer localizado no outro lado da cidade. O primeiro contato com o centro de Veneza é algo indescritível. A primeira pergunta que nos ocorre é: será que eu estou aqui mesmo?  
Seguindo pelo Grande Canal (Gran Canal), íamos avistando o esplendor daquela cidade bela e inconcebível, que desafiou a inteligência dos engenheiros da época, pois tiveram de erguê-la em terreno lamacento e instável. Fizeram uma obra incontestável e de uma beleza inigualável. A sombra da noite escondia um pouco alguns prédios comerciais, mas as luzes dos palácios refletidas nas águas davam um aspecto de contos de fada àquele primeiro contato com a Veneza dos filmes de amor e de encantamento. As luzes no interior dos prédios à margem do canal realçavam a beleza das construções que foram sendo erguidas por mercantilistas e endinheirados de todos os naipes em um regime de competição acirrada para se saber quem fazia a melhor e mais bela moradia. Para isto, não regateavam e mandavam buscar os mais renomados arquitetos da época dourada que inflava o comércio de Veneza e enchia as suas burras de dinheiro. Saudável competição de egos. Fizeram um dos mais belos lugares do mundo em meio a uma laguna insalubre.
Logo que o Vaporeto ancorou no cais descemos apressadamente para pisar naquele solo sagrado com as emoções aflorando por todo o corpo. A noite escondia o semblante de todos nós, mas, ao me tomar como referência, posso interpretar o sentimento dos demais membros do nosso grupo. Estávamos pisando as pedras seculares da velha Citá que externa o luxo e o esplendor de uma era comercial em que os navegantes venezianos dominavam o mundo com os seus navios mercantes. Deste ponto, partiam em busca de riquezas para aquela pequena ilha da fantasia. Caminhado apressadamente, chegamos ao ponto essencial da cidade: a Praça de San Marco. À noite ela parecia ainda mais bela. Inebriados nos metemos pelas vielas do centro e fomos até a Ponte do Rialto, ponto também culminante. Passamos ali bons momentos ouvindo o nosso guia discorrer sobre a história daquela pequena ponte em formato de arco de modo a permitir a passagem das gôndolas e demais pequenas embarcações sob ela. Primeira travessia a ser construída sobre o Gran Canal, ela também ambientou tantos filmes, que virou nome de cinema em diversas partes do mundo.
Depois das fotos de costume, voltamos pelas vielas estreitas e sinuosas até a praça central, aquela dedicada a San Marco. Observamos que nos muitos bares e cafés no entorno da praça as mesas estavam muito vazias. Logo saberíamos o porquê.
                A visita foi curta. Deveríamos voltar para o Vaporetto que retornaria a Mestre às nove e quinze da noite. Era isto ou passar a noite na ilha. Resolvemos não arriscar e voltamos apressadamente para o lugar aonde havíamos deixado o nosso barco. No dia seguinte voltaríamos para a famosa praça e visitaríamos os monumentos mais importantes que naquela hora já estavam fechados. Por outro lado, o corpo já estava fatigado e pedia o aconchego de uma cama limpa, macia e quente para descansar do puxado dia. Buonasera, Veneza!
Como já dissemos, ficamos hospedados em Mestre, parte continental, situado a 10 km de distância da ilha famosa. A paisagem do entorno não é propriamente o que se espera ver da Bella Itália. A depressão do terreno é recoberto por água sempre que a Laguna se eleva obedecendo o ritmo das mares. E por isto, a vegetação rasteira apresenta-se cinzenta e desfolhada, tornando a paisagem feia, um tremendo contraste com a beleza das obras erigidas pelo homem há séculos. Talvez seja este um dos poucos exemplos em que a natureza esteja suplantada pela mão humana em sua beleza comparativa. Assim, manhã ainda fria, embarcamos novamente para conhecer as belezas que a cidade famosa tinha para nos mostrar. O passeio de barco já é uma aventura indescritível. Visitávamos Veneza em todo o esplendor do sol da manhã, agora cintilante.
À medida que avançávamos pelo Grande Canal, a beleza ocultada pela escuridão da noite anterior ia se mostrando por inteiro na exuberância de um lindo dia de sol, no seu afã de sempre se superar a cada instante. E assim fomos navegando pela laguna, sempre contornando o centro da ilha. Estávamos em busca de Murano, outra das ilhotas que compõe a colcha de retalhos que é a grande Veneza. No cais fronteiro à oficina escolhida para visitarmos, o simpático gerente do empreendimento nos recebeu com o hit “Delicia, delicia, assim você me mata, ai se eu te pego!” Foi o máximo. O nosso anfitrião era, de fato, um lídimo representante dos grandes comerciantes venezianos. E com a sua simpática acolhida, deixou-nos mais a vontade ainda para começar aquele dia e acalentar o nosso sonho. É lógico que ele também tiraria proveito daquilo, pois conseguiu nos vender uma boa quantidade dos produtos de Murano.
Fomos introduzidos em uma espécie de anfiteatro para assistir a fabricação das inigualáveis peças de decoração com a marca Murano. Depois da demonstração de habilidade, veio a parte que mais gostamos de fazer quando em viagem: adentramos à loja da fábrica para nos encantarmos com uma infinidade de peças de cristal, cada uma mais bonita que a outra. Como sair de um lugar como aquele sem gastar mais do que havíamos previsto? Bom, sem encontrar uma resposta para a pergunta, largamos de lado o receio e compramos algumas peças para levarmos conosco. Nesse instante não dava para dizer quem é mais gastador, homem ou mulher. A algazarra que fizemos envolvia indistintamente os dois sexos. Depois nos arrependeríamos um pouco, pois teríamos que carregar com o máximo cuidado aqueles cristais em todo o restante da viagem. Bem que o nosso orientador, Henrique, nos havia avisado. Mas, como provar depois que havia estado em Murano? Sei, sei. Havia as fotos, mas isso não era bastante para nós. Depois, hoje, podemos olhar para essas peças adquiridas e a felicidade daquela estada na ilha famosa volta a habitar o nosso dia a dia. Valeu a pena, mesmo que fosse somente por isso.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Fragmentos da Memória de Uma Viagem a Portugal e Itália(Parte 5)

Em frente ao Castelo de Sirmioni, as belas do nosso grupo


LAGO DE GARDA E VERONA (Itália)

José Pedro Araújo

A
pós Café da Manhã reforçado, porque o futuro de um viajante que desconhece a estrada é um voo cego. Embarcamos em um dos dois ônibus que nos levaria a Veneza, aonde chegaríamos ao final do dia. Nosso grupo seguiu junto no mesmo veiculo, e seria assim em toda a viagem que teria como parada final a velha cidade de Roma. Junto conosco estava também o nosso guia português. Era um gordinho falante, engraçado, mas, muito exigente quanto aos horários, e competente nas suas atribuições, repassando incansavelmente informações importantes sobre o trajeto. O ônibus também era um veiculo muito confortável, dirigido por um profissional competente e muito discreto, fato que nos passou muita confiança.
É um exercício gostoso ficar olhando pelas amplas janelas a paisagem que vai se descortinando à medida que o Busão come distância. Interessante também é verificar as mudanças que vão se processando de uma região a outra do trajeto. A autoestrada é de excelente qualidade e passa ao largo de uma infinidade de cidades de pequeno, médio e grande porte, com suas igrejinhas com o campanário sempre igual, apontando para um céu límpido e banhado por raios amarelados do sol nascente. Parecia até que todos os espaços estavam ocupados com essas cidades que não cessavam de aparecer no nosso campo de visão à medida que avançávamos em direção ao Lago de Garda, o maior da Itália.
Chegamos às suas margens ainda no começo da manhã, e desembarcamos na bela Sirmioni, província de Brescia. Viagem curta pela A4 – Milano-Venezia, apenas 137 km rodados. Indescritível, é a palavra mais simples que podemos usar para descrever a visão que tivemos daquela cidadezinha tão aconchegante e cheia de encantos. Aqui também o moderno foi fundido ao antigo e quase o suplantou. No espaço reservado para o estacionamento dos ônibus encontramos já uma grande quantidade desse meio de transporte, sinal de que iriamos encontrar muitos turistas aqui também. Alertados de que o nosso tempo era curto para apreciarmos as belezas do lugar, aceleramos as passadas em busca do nosso alvo: a beira do famoso lago, ao lado do castelo de Scaliger.
No caminho sobrava pouco tempo para apreciarmos o casario, os jardins, as quitandas e lanchonetes convidativas para um café. “Lá mais afrente vocês vão encontrar algo mais convidativo”, nos alertou o guia. Depois de poucos minutos de acelerada caminhada avistamos algo que nos chamou atenção pelo inusitado nome: Terme Fonte Boiola. Ou Termas Fonte do Boiola. Todo mundo quis pousar na frente daquilo que parecia ser uma brincadeira. Mas, era sério. Tinha até mesmo um hotel com o mesmo nome da fonte térmica. Seguimos em frente e logo estávamos às portas do castelo. Construído a partir de 1277, a construção é uma das principais atrações da cidade, com suas torres e fortins edificados, certamente, para defender o lugar de invasões inimigas. O Lago de Garda é um espetáculo à parte. A beleza de suas águas azuis é brindada com um acréscimo de alto luxo: a bela visão das montanhas Trentino.
Ainda era possível ver resquícios de neve nos picos mais elevados, lá ao fundo. Sirmioni é apenas uma das muitas cidades e vilas que se situam no contorno do grande lago. Possui pouco mais de 6.200 habitantes, ocupando uma área territorial de 33 km2. O casario da idade média, construído em pedra lavrada, contrasta com prédios de arquitetura contemporânea no entrono da marina repleta de embarcações. Situa-se, ainda, em Garda as ruinas de uma construção erigidas no século Um antes de Cristo, as Grutas de Catulo. Nosso tempo não foi suficiente para chegarmos até lá. Tempo mesmo só tivemos para um rápido cafezinho e uma ida ao banheiro em uma charmosa Spagheteria. Aliás, como depois tivemos oportunidade de confirmar em todo o trajeto, usar o banheiro só pagando. E o cafezinho, contudo, pode gerar o direito de usá-los pelo mesmo valor que desembolsaríamos sem apreciá-lo.
Era hora de seguir em frente. O único senão de uma viagem desse tipo é a ditadura instalada pelos guias de turismo. Também, já pensaram como seria sem eles! Até juntar todo mundo, a noite já teria chegado. E nós tínhamos hora marcada com a Julieta e com o Romeo, em Verona. Finalizo a descrição da nossa estada em Sirmioni com a informação de que a divisa das regiões da Lombardia e do Vêneto é uma linha imaginária que corta o Garda no sentido longitudinal. Assim, já entramos logo na região do Vêneto, em busca da sonhada Veneza. Antes uma passadinha pela inesquecível Verona.


VERONA

Verona é daquelas cidades que a gente nunca mais esquece e que, devotadamente, fazemos promessa de voltar um dia pare revê-la. Mais uma vez deixamos nosso ônibus em local apropriado para estacionamento e seguimos a pé pelo centro da cidade. Seguimos acompanhando as muralhas medievais perfeitamente conservadas até a Praça da Prefeitura, em frente ao Coliseu de Verona, a segunda arena em tamanho na Itália. Pareceu-me mais bem conservada do que a arena de Roma, o Coliseu. Fotos tiradas, imagens incrustadas na retina, seguimos nosso caminho em busca da Casa de Giulietta. No trajeto de quase dez minutos deixei minha câmera ligada no modo filmagem e segui filmando... meus pés, e o chão sagrado da medieval Verona, até próximo a casa da famosa musa de Shakespeare.
Transitando por uma viela repleta de turistas, chegamos ao nosso destino tendo que fazer força para arranjar um espaço até a entrada da casa famosa. Ao entrar em um pátio estreito e apinhado de gente, lá avistamos uma estátua em bronze da grande musa. E à direita, no alto, um balcão por onde a bela Giulietta recebia o amado Romeo para tórridas noites de amor. Difícil não se emocionar com a visão de tudo aquilo. A lenda do amor impossível de Giulietta Capuletti e Romeo Montechi evoca os nossos mais profundos e sagrados sentimentos. A visita, como já se tornou praxe, termina com os homens segurando com uma das mãos o seio da bella, representado em tamanho avantajado em bronze polido. E as mulheres, mais recatadas, apenas posam ao lado da estátua. Dizem que o gesto de por a mão sobre o seio da musa traz sorte no amor.
Chama atenção também uma grade de ferro cheia de cadeados presos a ela, simbolizando duradoura união a quem deixa um fixado para sempre nela. Do mesmo modo, as paredes da entrada da casa estão cheias de rabiscos com declarações de amor e desenhos de corações com os nomes de muitos amantes. Esperamos que essas demonstrações possam, de fato, eternizar as relações amorosas de tantos quantos já repetiram aqueles gestos. Depois disto, sobrou tempo apenas para degustar um almoço em um ristorante aconchegante encrustado no pátio de um dos palácios seculares existentes na cidade, na Piazza delle Erbe. Comida boa, o serviço de atendimento foi melhor ainda, pois encontramos um brazuca para facilitar a nossa vida. Ciao, Verona! Até outra oportunidade, que esperamos não demorar muito.