quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Cuidando para não fritar o juízo.

A conexão entre crises de endometriose e ansiedade - Clínica Ayroza Ribeiro
Imagem do Google


Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)


Uma coisa tem chamado minha atenção, está aumentando o número de pessoas ansiosas ao meu redor. Amigos, familiares, vizinhos, conhecidos, sempre alguém que tenta acelerar o tempo, - que segue seu curso, impávido, sempre.


No sábado levei o carro à oficina mecânica, para corrigir um barulho, fruto da fadiga de material. Enquanto esperava o mecânico fazer seu trabalho, duas jovens, acredito na faixa dos vinte anos, também levaram seu veículo para uma inspeção. Chegaram falando alto, perguntaram por alguém que pudessem atendê-las o mais rápido possível, estavam apressadas. Como a atendente demorou, as duas começaram a andar em círculos. Uma saiu, acendeu um cigarro, rosto crispado, a murmurar algo. Em seguida, pela demora, entrou no carro, onde a outra já estava, saíram em disparada. Jovens! Sempre corridos, agitados, estressados, sem paciência. Têm muito a aprender. Acredito que a paciência é um dos maiores ativos dos tempos contemporâneos.


A ansiedade é uma reação normal do nosso corpo em relação a um acontecimento futuro. Pode ocorrer, inclusive, por algo bom que está para acontecer. A ansiedade é caracterizada por sensações físicas de agitação, alerta, inquietação e pensamentos focados em ameaças”. “Já o transtorno de ansiedade, ou seja, a ansiedade patológica, tem o cérebro enganado”. “Ele percebe o perigo onde não existe e não reconhece nossa capacidade de enfrentamento. Nesses casos, a ansiedade torna-se um padrão, um hábito tóxico de sensações, pensamentos negativos e comportamentos de fuga que causam muito sofrimento, não permitindo que a pessoa faça suas escolhas”. “Além disso, faz com que ela se torne refém da ansiedade com prejuízos no trabalho, nos relacionamentos e na saúde”, dizem os especialistas.


Em recente matéria publicada, li que o Brasil figura como o país mais ansioso do mundo no último grande mapeamento global dos transtornos mentais, anterior à pandemia, sendo que nestes dois últimos anos a situação só se agravou.


Conforme o estudo, em 2020, “o Ministério da Saúde vem conduzindo uma pesquisa para avaliar a saúde mental dos brasileiros” [...]. “Mais de 17 mil pessoas, em todo o Brasil, participaram do estudo. O resultado mais alarmante: 86,5% dos entrevistados estavam enquadrados em algum tipo de ansiedade patológica”.


Todos com pressa, todos atrasados, com compromissos, afazeres, urgências.


O estudo mostra que “A ansiedade é uma reação defensiva usada para manifestar a expectativa de sofrimento iminente. Ela possui diferentes formas, sendo a mais comum a geral (transtorno de ansiedade generalizada ou TAG), em que as preocupações se multiplicam e o nervosismo impera. Apesar dos casos mais severos estarem relacionados à expressão de variantes genéticas no cérebro, a ansiedade é sobretudo um mal cultural, com características locais, dentro de uma tradição de sofrimentos mentais orientados ao futuro”.


Já somos o povo que mais toma ansiolíticos no planeta. Estamos perdendo o melhor da vida: viver o presente, aproveitar o agora. A angústia nos cerca. A ansiedade nos mata. Vejo crianças de cinco anos nervosas, irritadas, ansiosas, estressadas.


Há tempos os estudiosos se debruçam sobre o tema. A ansiedade faz parte existência humana, conhecida ao longo do tempo.


A ansiedade é uma expressão mais mundana desse mesmo conjunto de sentimentos ligados à falta de controle sobre o que pode acontecer. Ela também é mais democrática e iminente, dando o tom às expectativas imediatas dos brasileiros. Com a pandemia do coronavírus, as redes sociais, e a disputa eleitoral no Brasil, potencializou-a, tornando-a patológica.


Segundo o estudo, o Brasil ocupa o último lugar em confiança interpessoal na América Latina, região em que a mesma atinge um dos piores níveis do mundo (Latinobarómetro, 2020). Noventa e cinco por cento dos brasileiros declaram que, “ao lidar com desconhecidos, todo cuidado é pouco”.
Isto, tanto se relaciona à violência generalizada, quanto a fenômenos mais sutis, ligados à representação ética e empática do outro, que persistem mesmo quando o risco à integridade física é afastado. A percepção dominante no país é que desconhecidos representam perigo. Quanta coisa mudou no Brasil, já fomos descritos com um “país cordial”.


Engana-se, quem assume que o mal-estar aflora, primariamente, da falta de credibilidade institucional. A desconfiança soma-se a outros fatores ansiogênicos, como o desemprego e a criminalidade. A resultante surge como abertura diminuída à construção de laços interpessoais no mundo físico, o que estimula os brasileiros de todas as idades a se relacionarem mais pelas redes sociais, e os mais jovens a fazê-lo também por meio de jogos online. Esse é um fator-chave para a compreensão do nosso lugar de destaque mundial no uso desses canais.


Ainda, segundo o estudo, redes sociais e jogos aumentam o senso de conexão, mitigando o isolamento social, ao mesmo tempo que reforçam sentimentos negativos e minam as relações presenciais, ao condicionar as pessoas a checarem o celular o tempo inteiro ("phubbing"). Um estudo recente mostrou que “uma semana sem redes sociais leva a melhoras significativas no bem-estar, reduzindo a ansiedade”. As redes não são intrinsecamente nocivas; o problema é o seu uso imoderado. No período eleitoral me afastei de alguns grupos de WhatsApp, por causa do acirramento de ofensas. Desta forma preservei um pouco minha saúde metal. Acontece que o ódio digital e as fake news atingiram níveis sem precedentes no Brasil.


A ansiedade diluída no ambiente social é a enzima que corrói a empatia, criando as bases para que o ódio se propague entre as fissuras que se formam. A polarização é causa próxima e não última do mal-estar.


No mundo hoje tão moderno, ou pós-moderno, involuímos. Desaprendemos a viver de forma simples; tudo acelerado, corremos para que mesmos?


Estamos adoecendo, nos tornamos presas fáceis para a indústria farmacêutica. Tudo é regulado por drogas, lícitas e/ou ilícitas. Estamos nos tornando seres químicos. Precisamos de fármacos para dormir, para estabilizar o humor, para desacelerar e administrar o dia a dia. Nada mais funciona de forma natural.


Pobres homos sapiens; desvendamos muitos mistérios do universo, já fomos à Lua, estamos a caminho de Marte, não aprendemos a controlar a própria mente.


Cada gesto positivo orientado a um estranho reduz em um pouquinho a animosidade geral. O retorno esperado é fenomenal: Pessoas felizes dedicam mais tempo a falar com os outros e, quanto mais diálogos têm, mais felizes elas se sentem. Ter hora para o ócio, dividir a mesa de bar com os amigos é fundamental.


Foi no bar, entre um chopp e outro que ouvi de um amigo sábio: “Triste de quem fritar o juízo”. Ao que acrescentei, “Após frito, lascou”. “Garçom, trás mais um chopp”.

(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva, Engenheiro Agrônomo, Palestrante, cronista, escritor e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. O latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra.