sábado, 29 de outubro de 2016

Crônicas Vividas - Testemunho de Um Oitentão

Foto do autor em toda a sua pujança


José Ribamar de Barros Nunes*

Agora, em outubro, completo oito décadas de existência nascida nas margens do Rio Gurguéia, até o momento com saúde, gosto e garra de viver. Aproveito a data para fazer à família e amigos algum comentário sobre minhas vividas experiências: Imagino um pequeno e comum relato de vida, desprovido de flores e de luxo, única herança que deixo aos meus descendentes. Talvez sirva, ajude ou inspire na busca, vivência e interpretação do saber de experiência feito, como recomendava o imortal vate lusitano.

Tenho sonhos em preto e branco e também coloridos de manhã, de tarde e de noite. Sonho até com a Mega Sena, pois acredito que qualquer filho de Deus, arriscando números, poderá receber um abraço da cega e enigmática sorte que, segundo a sabedoria popular, onde bate, aprega...

Nos caminhos e ruas da coexistência social, muitos erros, equívocos e falhas sei que cometi e deles me arrependo com sinceridade. O maior arrependimento, porém, decorre da certeza de que, muitas e muitas vezes, perdi a oportunidade de ser bom, compreensivo e amável com as pessoas que conheci, convivi ou privei.

Ao longo de minha vida, bem vivida e também sofrida, passei noites de agonia e também algumas manhãs de aurora boreal. Ainda não fiz as contas, mas tenho esperança de que no final, as manhãs de aurora superem as madrugadas tristes e indormidas.

Registro e destaco três casos, momentos ou detalhes felizes por mim anotados, a saber: a) Tenho recebido e louvado o tesouro de uma boa saúde (até agora); b) Em fevereiro de 1985, atingi o ápice da carreira administrativa, ingressando no céu (Senado Federal) por concurso; c) publiquei em junho de 2016, meu livro “Duzentas Crônicas Vividas”, herança e lembrança que almejo passar adiante àqueles que me conheceram ou venham a conhecer.

Finalizando, invoco os versos do famoso vate maranhense para quem a vida é combate que os fracos abate e os fortes e os bravos só pode exaltar... No final almejo exclamar com o Apóstolo dos Gentios haver combatido o bom combate. Lamento e detesto alma pequena e digo que valeu a pena viver.

Sobre o além não consigo dizer nem prever nada. Além do horizonte celeste, belo, cósmico e enigmático, não consigo vislumbrar nada. Só resta esperar a luz do fim do túnel e o fechamento da cortina do palco.



*José Ribamar de Barros Nunes, é cronista, formado em línguas neolatinas, consultor legislativo e autor de Crônicas Vividas e Duzentas Crônicas Vividas.

** O Blog parabeniza o autor, mesmo com atraso, pela passagem da sua tão esperada data natalícia, em 24.10. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Diário de um Náufrago (Capítulo I)











Foto meramente ilustrativa by Google
José Pedro Araújo

EM TERRA ESTRANHA


Antes de tudo devo dizer que não sei como vim parar aqui. Da mesma forma, não sei que lugar é este. Já estou por aqui há pelo menos algumas semanas e ainda não conseguiu identificar todos os limites geográficos deste lugar. Andei em círculos e sempre me deparei com água, com ondas, com muita areia de praia, o que me leva a pensar que estou perdido em uma ilha. Quanto ao tempo, impossível dizer com certeza desde quando estou aqui. Ainda tentei registrar a contagem dos dias com riscos na areia, mas os perdi. Isso foi antes de começar a montar uma cabana simples com a madeira que encontrei na praia. Com o descuido, os tais riscos que registravam os meus dias por aqui o vento apagou.

Tenho me deparado com tanta madeira que daria para construir uma mansão, caso tivesse eu jeito para construtor de alguma coisa. Com alguns pedaços de lona encontradas, folhas de alumínio, pedaços de compensado náutico, além de outros materiais servíveis, vou erigindo e cobrindo o meu barraco, que, apesar do mau jeito, está ficando até legal!

Também não me lembro de onde vim, como vim, como já disse. Às vezes, flashes relâmpagos de memória querem me dizer algo, mas logo volta tudo ao estágio anterior, à completa escuridão que comanda hoje o meu cérebro. Deste modo, fico a pensar no que aconteceu comigo, se deixei uma família para trás, qual a minha origem, mas até este ponto é de um obscurantismo total.  O que eu sei é que dei por mim vestido com roupas de ótima qualidade, sapatos de boa procedência, e um relógio no pulso que não me serve de nada, pois parou às duas horas e quinze minutos. Não sei dizer se do dia ou da noite. Pelo mostrador do contador do tempo, vejo que é um Tag Heur Carrera. Não deve ser bom, pois parou sem explicações. E pela etiqueta das minhas roupas, dá para ver que são brasileiras, ou portuguesas, ou de alguma outra ex-colônia de Portugal.

Deste modo, tenho a impressão de que sou originário de um desses países, pois falo e leio com mais facilidade as coisas escritas nessa língua. Como sei que é portuguesa, a língua? Porque vi isso escrito em um velho livro que também encontrei na praia. Encontrei outros em diversas línguas diferentes, mas li com facilidade um de origem inglesa, outro de origem espanhola, além do que estava na língua de Camões. Os outros eram de uma escrita esquisita, mais pareciam pequenos desenhos, e nesses não consegui sair do lugar. Aliás, livros tenho muitos comigo, um bom suprimento encontrado nas areias escaldantes da ilha.

Bem, acho que é uma ilha mesmo, mas não tenho cem por cento de certeza ainda, somente imagino. Se bem que não encontrei nenhum coqueiro por aqui. E a ideia que eu tinha de ilha, era a de que todas elas tinham bastante coqueiros, alimento certo para os náufragos. Aqui não tem nenhum. Mas, mesmo assim, continuo achando ser esse lugar uma ilha, pois tem o formato quase circular, pelo menos na parte que eu já desbravei.

E por não encontrar os tais coqueiros me veio a maior complicação de todas: como arrumar comida por aqui? Encontrei alguns arbustos com muitos frutos, alguns de bonito formato e cor. Mas, todos desconhecidos para mim. Não me arrisquei a comê-los sem saber se eram apropriados. E olha que a fome chegou forte, prova de que já estava sem comer desde muito tempo. Parti então em busca de algo para forrar o estômago e sai perambulando pela praia, onde encontrei algumas latas de conserva intactas, mas muito envelhecidas, enferrujadas, não dava nem para ler o nome do produto, a origem, essas coisas. Achei melhor não arriscar.

Mas ai pensei, premido pela fome que já era intensa: devo tentar pescar alguns peixes, devem ser abundantes neste mar. Mas, como pescar, se não tinha anzol, tarrafa, nada que me fizesse aprisionar alguns deles? Até vi que muitos peixinhos nadavam até a parte rasa, e tentei pegar alguns com as mãos em concha. Nada feito. Eram muito ariscos. 

Foi então que me lembrei: mesmo que eu consiga pegar alguns, como vou prepará-los, se não sei cozinhar? E também não tenho nem fósforo para acender uma fogueira? Deixei-me abater por instantes. A minha situação era, de fato, vexatória. Voltei a pensar nas frutas. E foi ai que uma luz se acendeu no meu cérebro: como os primeiros homens descobriram que tipo de fruta era comestível? Só pode ter sido ao observar os pássaros, ora essa! Se os pássaros podem comer algum fruto, é porque não são venenosos. E corri para a mata próxima. Achei que deveria haver por ali por perto algumas árvores com muitos frutos. Achei fácil. Foi nas proximidades de algumas delas que eu fiquei na expectativa de ver algum passarinho beliscando algo bonito e maduro.

 Plantei-me ali e esperei. Na árvore escolhida, os frutos eram amarelos, redondos como uma bola de sinuca. Deviam ser suculentos, pensei. O problema é que não vi nenhum passarinho por ali naquele momento. E a minha fome aumentava no mesmo ritmo em que o sol ia se pondo no horizonte. Todavia, antes de escurecer, vi alguns pássaros chegarem e se postarem nos ramos mais altos da minha árvore. Mas, nada de beliscarem um dos frutos. Ai me ocorreu: e se eles vieram apenas para procurar dormida? Parecia ser isso. Nada de comida queriam naquela hora.

A minha mente entrou em ebulição, pois precisava encontrar um saída para o meu problema. Com o homem as coisas funcionam melhor quando estão necessitados. É parti dai que surge as melhores ideias.  E foi isso o que me ocorreu. Levantei-me sorrateiramente e passei a procurar por alguns dos frutos caídos. Precisava ver se havia algum indício neles de que os pássaros haviam lhe aplicado algumas bicadas. Encontrei vários pelo chão, mas possuíam a casca muito dura. Difícil algum pássaro penetrar naquela proteção dura e resistente. Sai dali à procura de outra árvore frutífera.

Uma alegria incontida me encheu o peito quando avistei um pé de fruta-pão carregado de frutos. Aqueles eu conhecia bem, e até já havia provado deles. Entretanto, cai no mesmo problema. Decaiu-me o espírito novamente. O fruto era comestível, mas precisava ser cozido. E eu ainda não tinha como fazer isso. Continuei procurando até que a minha persistência gerou ... frutos! Descobri um pé de carambola carregado. Aquele também conhecia muito bem e estavam no ponto para serem comidos! E passei a coletar freneticamente alguns dos que estavam em melhor estado, enchendo as mãos com alguns grandes e bonitos. Não resisti e dei uma primeira mordida em uma delas. Minha boca encheu-se de um liquido saboroso, com leve variação entre o doce e o azedo, mas sem um travo que pudesse atrapalhar a excelência daquele presente divino. Que sorte! – pensei – nunca havia me perguntado qual a origem daquele fruto delicioso. E ele veio me socorrer ali em terras desconhecidas. Sem o cuidado de lavá-los, comi vários deles até me sentir saciado. No dia seguinte procuraria por outros tipos comestíveis. Comer somente carambola não daria certo por muito tempo.

Não foi difícil encontrar outros tipos de frutos, como um que me apareceu, com a casca parecida com uma pele de cobra. Achei-o ali perto, muitos com sinais de terem sido repasto de pássaros ou de pequenos animais. Depois, sabem aquele que primeiro encontrei, especialmente bonito e com a casca amarela e bem dura? Voltei a ele. E ao conseguir quebrar a sua carapaça, mostrou-se parecido com o bacuri cujo interior se apresenta separado em compartimentos. Não resisti e provei um deles. Era delicioso, e parecia não ter contraindicações, efeitos negativos. Pelo menos não senti nada de imediato.

Escolhi aquele local também para erguer a minha morada habitual. Era uma pequena elevação a pouco mais de uma centena de metros do mar, de modo que o barulho da água em constante movimento me chegava aos ouvidos com muita intensidade. Da mesma forma atraia-me a vista que eu tinha pela frente. Era muito bonita, paisagem de cartão postal.


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Noturno de Oeiras, Com a Arte de Edson Guedes de Morais.

* Elmar Carvalho,  é Poeta, Cronista, Contista, Crítico Literário e Membro da APL.


          Este poema já foi publicado aqui neste espaço e gerou muitos acessos daqueles leitores que apreciam um trabalho de incontestável magnitude como é o caso. Contudo, esta semana o autor desta obra incomensurável em homenagem à velhacap piauiense foi surpreendido por um presente que lhe foi ofertado pelo também Poeta, Artista Plástico, Editor, entre tantas outra atividades exercidas no campo literário, Edson Guedes de Morais. Refiro-me ao primoroso trabalho apresentados abaixo em treze lindos postais feitos artesanalmente pelo artista paraibano que hoje reside em Jaboatão dos Guararapes. Juntou, o artista, em um só espaço, o engenho da sua criatividade inesgotável com a beleza lírica dos versos de Elmar Carvalho e deu nisso que ora este blog publica. 













quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Uma Busca Determinada



José Pedro Araújo

As pessoas tomam determinadas decisões que se torna difícil de assegurar se se trata de uma situação de completa teimosia ou, por outro lado, determinação, ou mesmo afeição. Muitas das vezes, perdem-se vultosas somas de dinheiro na busca de um bem que não custa tanto quanto se gastou para readquiri-lo. Será isso teimosia ou outra coisa? As respostas podem ficar para depois, pois, em algumas situações, como a que vamos narrar a seguir, pode surgir uma vertente que enquadre o caso como pura determinação. Vejamos, então.

Basiliano Barros, ou simplesmente Bazu, que é como todos o conhecem na pequena Presidente Dutra, cidade encravada no sertão central do Maranhão, possuía um jumento com algumas características que o tornava especial, diferente mesmo da maioria dos animais de sua raça que hoje são completamente desprezados e abandonados para morrerem atropelados nas margens das rodovias nordestinas. Animal de porte avantajado, esse jumento caracterizava-se como excelente cargueiro, transportando quase tudo que era produzido na propriedade Silveira, situada às margens do rio Preguiça. A distância entre o terreno e a cidade, não é tão grande assim, mas o seu trajeto, em especial no período invernoso, é muito difícil em decorrência do lamaçal liguento que se forma, uma autêntica armadilha para tantos quantos se aventuram a passar por lá no período das águas. E isso valia também para todos os animais de carga, com exceção do jumento que historiaremos. Outra característica sua, era e empatia e a amizade que existia entre o seu dono e ele, fazendo com que, onde estivesse, atendesse prontamente ao chamado do seu dono.

Pois, certo dia, um grupo de ciganos que estava arranchado na região da Santa Maria, próximo à cidade, aproveitando-se da liberdade que o animal tinha de transitar sozinho do Silveira até a casa do seu proprietário, o bando o incorporou ao seu rebanho, levando-o com eles. Para aqueles que não conhecem bem o modo de vida desse povo que transita pelas estradas maranhenses, eu diria que, na sua maioria, são formados por famílias pobres que vivem de negociar com animais e outros objetos de origem duvidosa. Gente de vida livre, esses ciganos não possuem pousada certa, pernoitando em um local para, no dia seguinte, já estar na estrada novamente. Também é certo que existem outros grupos que negociam com pratarias e, principalmente, com vasilhames de cobre, situação que lhes confere certo poder econômico. Mas não é desse tipo que falamos aqui.

Poderíamos dizer que esses ciganos que transitam costumeiramente pelo interior maranhense, são muito pobres, levam vida muito simples, e a sua profissão de negociantes faz com que, em um dia esteja aqui, e, no outro, acolá. E nesse constante vai-e-vem, muitos deles saem praticando atos não muito éticos por esses caminhos, como ocorreu com o grupo que juntou o jumento do Bazu ao seu rebanho de animais. 

Quando tomou conhecimento do desaparecimento do seu animal, Bazu saiu a investigar o seu paradeiro. Como aquele animal era muito conhecido no lugar, algum tempo depois obteve a informação de que ele havia sido visto reunido ao rebanho dos ciganos. E que, para sua tristeza, o bando tinha partido no rumo da cidade de Dom Pedro já há alguns dias. D. Pedro é um município situado há cerca de trinta e seis quilômetros dali. Sem perda de tempo, Bazu convidou o irmão Zeca Barros para acompanhá-lo e, juntos, tomaram um ônibus para o destino indicado. Ao chegaram à cidade vizinha, para seu desgosto, obtiveram a informação de que os ciganos pouco haviam se demorado por ali, prosseguido no rumo de Santo Antônio dos Lopes, município situado a pouco mais de trinta quilômetros dali. Mas não mais os encontrou lá.

Os dois irmãos continuaram a perseguição ao bando, sempre colhendo informações nos lugares por onde passavam, até chegarem à cidade chamada Independência, situada há cerca de cem quilômetros de onde haviam partido. Lá chegando, obtiveram outra notícia ruim: o grupo, de fato, havia passado por ali, mas já haviam seguido no sentido da cidade de Pedreiras, distante cerca de 40 quilômetros. E mais: que haviam dito que seu objetivo era alcançar o povoado de Marianópolis, lugarejo antigo, histórico, e bastante conhecido.

Nesse ponto, Zeca Barros, seu irmão, já cansado daquela busca que parecia não ter fim, ponderou que as despesas estavam ficando muito altas, e que era contraproducente se gastar tanto tempo e dinheiro para encontrar um simples jumento, animal quase sem importância nesses dias. Mas Bazu rechaçou qualquer possibilidade de retorno sem o seu animal. Nesse momento o irmão, conhecendo a índole do outro, disse que o havia acompanhado até aquele ponto, mas que precisava retornar para os seus afazeres.

Cada vez mais determinado a encontrar o seu animal, Bazu continuou a sua perseguição, agora sozinho, embarcando dali direto para Pedreiras. Lá chegando, tomou condução para o povoado de Marianópolis, que não ficava longe. Uma vez chegando ao povoado, foi em busca de informações sobre o bando de ciganos e logo encontrou um rapaz que lhe disse saber onde o grupo estava. Bazu não contou mais tempo: contratou o rapaz para lhe conduzir até onde sabia estarem os ciganos. Mas, ao chegarem próximo ao rio Mearim, o contratado disse temer uma reação dos ciganos e, portanto, só ia até ali. Informado de que os ciganos estavam acampados do outro lado do rio, Bazu seguiu sozinho para lá.

E como era conhecido do bando, que habitualmente comprava pães e biscoitos em sua padaria, o homem arregaçou as pernas da calça, colocou um chapéu de palha na cabeça e tomou uma canoa para atravessar para o outro lado do rio. No trajeto, verificou que viajava com um dos componentes do grupo de ciganos, aumentando ainda mais o cuidado para não ser identificado por ele.

Do outro lado do rio, uma pequena parte deles estava acampada, mas logo observou que o chefe não se achava ali, nem a tropa de animais. Bazu decidiu passar pelo meio deles sem ser reconhecido.

Assim, adotou uma postura de alguém com um defeito em uma das pernas e, mancando, passou por eles incógnito, tendo ainda que responder aos cumprimentos de alguns sem ser reconhecido. Seu objetivo era seguir até onde se achava o grosso do bando e verificar se seu animal ainda estava no meio dos outros. Chegando lá, sua procura se mostrou exitosa ao localizar o seu animal junto aos outros, pastando calmamente.

Bazu retornou até onde se encontra o grupo maior, já com sua suas vestes e o seu caminhar completamente recomposto. Ao avistar o homem com quem havia contatado por diversas vezes, sempre que ia à sua padaria, o líder do grupo demonstrou grande satisfação por encontrá-lo por aquelas bandas. Com certeza tentava um despiste, um gesto de dissimulação, procedimento vez por outro adotado por eles quando confrontados com situações como aquela.

- E não é o “seu” Bazu, o homem da padaria! – levantou-se o homem para cumprimentar o visitante, demonstrando contentamento. – O que está fazendo tão distante de casa, homem?

Sem se impressionar com a falsa alegria demonstrada pelo líder do bando, Bazu respondeu com certa cortesia, mas energicamente.

- Minha viagem se encerra aqui. Estava atrás de vocês.

- Então já nos encontrou, meu amigo! – o homem continuava com a sua fala mansa e cativante, sem demonstrar o menor temor.

- Vim atrás de um animal que acompanhou a tropa de vocês – respondeu Bazu sem acusar diretamente o homem de ter roubado o seu animal. Contudo, encarava-o de frente.

- Ora, não me diga! Mas, será possível uma coisa dessas? Pois saiba de uma coisa “seu” Bazu. Se o seu animal estiver no meio dos nossos, o senhor o terá de volta imediatamente. Qual é o animal?

Basiliano seguiu fazendo o jogo do líder cigano e descreveu com riqueza de detalhes o jumento que estava no encalço. Ao final de sua explanação, o homem, continuando com a farsa, chamou um de seus homens e determinou que fosse ver se o animal estava de fato junto com os seus. E em caso afirmativo, que o trouxesse até ali para entregá-lo ao verdadeiro dono.

Sabendo que o que o homem estava fazendo era determinar que o animal fosse afastado do rebanho para ser escondido, Bazu rechaçou energicamente:

  - Não se preocupe com isso? Eu mesmo já vi o animal junto ao de vocês há poucos instantes. Dê ordem ao seu rapaz para trazê-lo até aqui, por favor.

O homem acusou o golpe, mas, em seguida se recompôs:

-Ah, então o senhor já viu que o animal estava lá? Vá lá e traga o jumento do meu amigo aqui, menino! – determinou com um gesto de mão, para depois se desculpar - às vezes, “seu” Bazu, os animais perdidos nas estradas seguem o nosso rebanho. Mas, sempre que notamos isso, apartamos o bicho e seguimos em frente. O que deve ter ocorrido com o seu jumento, é que quando ele se juntou aos nossos animais não demos fé disso. Pode ocorrer também – concluiu o homem olhando diretamente para o visitante.

- Eu não tenho dúvidas disso! Mas, agora que eu já localizei o meu animal, só me resta agradecer por terem cuidado tão bem dele.



Logo o rapaz que havia recebido ordens para ir buscar o animal chegou, trazendo-o puxado por um cabresto. E quando o animal ficou de frente com o seu verdadeiro dono relinchou alegremente abanando o rabo e empinando as orelhas.

O líder cigano não demonstrou em nenhum momento estar se sentindo mal com aquela história e ainda convidou o dono do animal a pernoitar com eles. Bazu agradeceu solenemente agradecido, mas precisava empreender o trajeto de volta.

Ao chegar ao povoado, Bazu contratou o dito rapaz que o havia ajuda antes para levar de volta o animal até Presidente Dutra. Cortando caminho por algumas veredas conhecidas, mas quase intrafegáveis, encurtaria em muito a distância. Quanto a ele, faria o trajeto de volta de ônibus, tal como havia feito na vinda.

As despesas tinham sido muitas, mas a alegria de ter concluído as suas buscas com absoluto sucesso compensava o prejuízo e reforçava a sua convicção de que o homem deve lutar com todas as suas forças por algo que de fato quer. E que as dificuldades, por maiores que sejam, nunca devem se transformar em barreiras intransponíveis.

Com certeza, não fora o fato de ter se sentido subtraído por um bem valioso, no sentido do seu valor econômico, que o havia feito seguir aquele bando de ciganos por um trajeto tão longo. Mas, por se ver afastado de um bem que tanta admiração lhe causava. E isso fora motivo suficiente. Motivação que o fizera se aventurar, sem hesitações, naquela demorada perseguição.