domingo, 28 de abril de 2019

A Agonia do Rio Parnaíba e os Lavadores de Automóvel

Lavadores de carro (Foto do autor)


 José Pedro Araújo

No passado não muito distante, os trabalhadores que viviam do rio Parnaíba, além dos pescadores, eram barqueiros, timoneiros, vareiros, balseiros (navegantes de balsas de buriti que trafegavam em sentido jusante no rio posto que suas rudimentares embarcações não possuíam motor propulsor). E quando a nobre atividade dos embarcadiços se extinguiu, ficaram as lavadeiras de roupas, figuras cantadas em prosa e verso na literatura piauiense, instaladas em pontos determinados, utilizando-se do cais para quarar as roupas lavadas nas águas do Velho Monge. Sobraram, daquela época de grande atividade na exploração comercial do rio, as prostitutas que vivam pelo cais em busca de clientes, uma vez que as lavadeiras quase não são vistas mais. Hoje, superlotam a margem do Parnaíba, especialmente em Teresina, os lavadores de carro a assombrar ecologistas de todos os naipes e cores. Esses cidadãos se torcem de raiva sempre que trafegam em seus automóveis pela margem direita do velho e querido rio e dão de cara com esses pobres trabalhadores em atividade.
Várias pessoas, sobretudo homens, vivem dessa nova profissão, uma espécie de subemprego, desde que os embarcadiços sumiram ante o aparecimento das estradas e dos veículos a motor. Normalmente trabalhadores à margem do mercado formal, que buscam o sustento das famílias promovendo a limpeza dos veículos de outras de melhor sorte, veículos que, contraditoriamente, são responsáveis pelo sumiço da atividade de navegante do rio. Entre o Iate Clube de Teresina e a Ponte da Tabuleta, existem mais de mil lavadores trabalhando nessa atividade que começou em fins dos anos oitenta. Se naquela época utilizavam latas para transportar a água do rio, hoje instalaram bombas centrifugas para captá-la de forma mais eficiente e rápida. Entretanto, desde o começo da atividade, têm sido perseguidos. No princípio foram expulsos das imediações do Troca-troca e deslocados para as proximidades do Iate Clube. Agora, padecem de constantes ameaças de definitiva expulsão em razão da acirrada campanha que movem contra eles.
Em um ponto de lavagem normalmente trabalham três pessoas, o seu proprietário, e mais dois ajudantes. A propósito, alguns desses pontos são terceirizados (talvez a maioria), pertencem a outros que os sublocam. Existem até quem possua vários desses pontos de lavagem, e mensalmente recebem o valor acertado do seu aluguel. Alguns destes proprietários são também agiotas que cobram juros inacreditáveis pelos empréstimos realizados, semanal ou mensalmente.
Muita gente acorre até ali. Já foram mais numerosos, alguns deixaram de ir depois de deflagrada insidiosa campanha contra eles através dos meios de comunicação. Aproveitando a presença de muita gente, clientes e trabalhadores do local, lá também se instalaram as vendedoras de comida, de bebida, e de produtos eletrônicos contrabandeados (CD’s de música e filmes, pen drives, cabos e outros periféricos), mas também os vendedores de drogas ilícitas e as prostitutas em busca de clientela rara também apareceram.
Esses trabalhadores encontraram inimigos poderosos que fazem força para retirá-los de lá: os chamados defensores do rio. Esses ditos ecologistas alegam, com certa razão, que a atividade é poluidora, e que os lavadores devem ser removidos pelo poder público. E por conta do clamor que se levantou muitos clientes até deixaram de frequentar o lugar, como já falamos acima. O assunto tem sido tratado com certa assiduidade na imprensa, e sempre de forma negativa.
De minha parte, apesar de achar que o rio pode estar sendo prejudicado com a ação desses lavores de automóvel, faço uma análise diferente do caso. Em uma cidade em que o emprego é uma coisa raríssima, sobretudo para as classes menos preparadas para o mercado de trabalho, retirar esses pais de família dali sem lhes oferecer alternativa, significa empurrá-los para a criminalidade. Está implícito que trabalham ali porque não encontram serviço em outro lugar, e em outra atividade. Depois, se tiverem o cuidado de realizar uma visita ao rio nesse mesmo trecho já descrito, vão encontrar uma quantidade enorme de bocas de esgoto despejando seus efluentes diretamente nas águas do rio sem nenhum tratamento prévio. Esgoto até mesmo de procedência altamente contaminadora, como os derivados de hospitais. Deste modo, antes que o poder público retire esses homens e mulheres que encontraram na atividade o sustento de suas famílias, façam primeiro o dever de casa: promovam a captação das águas servidas e realizem o seu tratamento antes que elas caiam no rio e o emporcalhe.
Não restam dúvidas que algo precisa ser feito. O rio, tão importante para todos nós, consumidores diários de suas águas (é dele que vem a água que bebemos, tomamos banho ou cozemos os nossos alimentos, por exemplo), está a padecer horrores com a nova matriz econômica em execução. O velho rio grande dos Tapuias se apresenta quase morto, está há muito a reclamar de todos nós uma ação positiva para a sua defesa.
Se nos debruçarmos sobre o que já foi escrito sobre ele, veremos que essa atividade destruidora vem de longe. O engenheiro, geógrafo e etnógrafo Gustavo Dodt, por exemplo, contratado pelo governo em 1872 para realizar estudos sobre o rio, navegou por ele desde a sua nascente até o litoral, onde se encontra a sua foz.  Naquele tempo, já denunciou que o Parnaíba sofria um profundo processo de assoreamento devido ao crescente desmatamento de suas margens. De lá para cá pouca coisa foi feita para que isso fosse interrompido. Contrariando as ideias apresentadas pelo estudioso, e devido a crescente exploração dos cerrados nos últimos anos, próximo a sua nascente, acentuou-se drasticamente o problema. Centenas de riachos, lagoas e nascentes que alimentavam o rio e engrossavam o seu volume, foram soterrados  e já não correm em direção ao Velho Monge. Assim, me parece que esse é o problema primordial que deve ser atacado, enfrentado. Sem esquecer, é claro, a problemática do despejo de esgoto sem tratamento no seu leito. Depois disto, aí sim, devem-se resolver a questão daqueles pais de família que buscam o seu sustento através da lavagem de veículos automotores no local.


quarta-feira, 24 de abril de 2019

Fragmentos da Memória de uma Viagem a Portugal e Itália (Parte 4)

O Duomo de Milão(foto do autor)

José Pedro Araújo

A PARTIDA PARA A ITÁLIA

   A
cordamos no dia seguinte tomados por uma saudade enorme da bela Lisboa, mas com o coração aflito para conhecermos o famoso “país da bota”, a bela e decantada Itália. De volta ao luxuoso aeroporto de Lisboa, embarcamos num voo da TAP para dar prosseguimento ao nosso rápido giro pela Europa. Nosso destino era Milão, a capital da moda italiana. A proposta era passar uma tarde e noite na cidade, tempo muito curto, infelizmente. E de lá seguirmos de ônibus no sentido de Roma, nossa parada final em terras italiana.

MILÃO

Foi uma viagem relativamente curta até Milão. Durou pouco mais de duas horas e meia, ocasião em que sobrevoamos a Espanha, parte da França, até chegarmos ao espaço aéreo dos descendentes de Caruso. Pouco depois, coração apertado por estarmos prestes a conhecer La Bella Itália, descíamos no aeroporto da Milão. Malpensa é um aeroporto moderníssimo que dista cerca de 50 km do centro da cidade. A curiosidade era muito grande e a sensação de estarmos pisando solo Etrusco fazia nossos corações transbordarem de emoção. Demoraríamos pouco ali na capital da região da Lombardia, norte da Itália, de onde partiríamos no dia seguinte para fazer um virtuoso arco rodoviário conhecendo outras cidades importantes, transitando por várias outras regiões, até chegarmos, como já esclarecemos, à bela Roma.
Apreciando a paisagem da janela do ônibus que nos apanhou no aeroporto Malpensa, partimos para o nosso hotel, o Una Scandinavia, situado próximo a  uma via expressa, quase nos subúrbios da cidade. Sem perda de tempo, concluímos nosso check in em tempo recorde, trocamos de roupa mais rapidamente ainda e logo estávamos ocupando uma Van que nos levaria para o centro da cidade. Nosso destino era o coração de Milão, a estonteante Piazza del Duomo, ao lado da também famosíssima Galeria Vittorio Emanuelle II, a meca das grifes italianas, próxima ao não menos famosos Teatro Scala. Somente ao desembarcarmos ao lado da famosa galeria foi que nos demos conta de que o relógio já marcava duas e meia da tarde e nós não havíamos almoçado ainda. Foi uma discussão acirrada: almoçamos ou vamos logo conhecer as belezas do lugar. Logo alguém avistou uma lanchonete da rede Mac Donald’s e propôs uma rápida refeição antes de começar a nossa breve visita ao centro da cidade. Concordamos de pronto com a ideia. Não gostaríamos de perder tempo com... comida.
Proposta aceita, refeição rapidamente realizada, começamos o nosso périplo. A tal galeria Vitorio Emanuelle é realmente algo de um refinamento a toda prova. Construída nos idos dos de 1865, é o mais antigo centro comercial da Itália. Seu espaço central é recoberto por uma cúpula com vitrais belíssimos e um piso de mosaico com vários e maravilhosos desenhos, em especial do Touro que simboliza a cidade. Naquele espaço nababesco convivem lojas da Versace, Doce e Gabbana, Prada, Gucci e Armani, entre outras feras da moda mundial. Pena que nossas carteiras não pudessem suportar os preços ali praticados. Até mesmo entrar em uma loja daquelas nos constrangia. Saímos de lá como entramos, de mãos abanando, e rapidamente nos dirigimos para a vizinha Catedral da Cidade, o Duomo.
A Catedral de Milão é a sede da Arquidiocese e sua construção teve inicio em 1386, na idade média, portanto. Sem dúvidas o Duomo merece a fama que tem. Belíssimo prédio em estilo gótico passou por alterações em sua fachada ao longo dos séculos, sem que o charme e a beleza sofresse o mais leve arranhão. Não há como não se encantar e se emocionar com a visão daquele templo erguido em homenagem ao cristianismo. Difícil mesmo é não se perder em meio àquele mar de turistas de todas as nacionalidades que ocupam cada centímetro da praça que abriga a famosa Catedral. Lugar para sentar, descansar as pernas, nem pensar. Tudo está ocupado pela avalanche de turistas, a maioria de olhinhos puxados, descendentes de orientais. Se no passado os japoneses já ocupavam o primeiro lugar no mundo em termos de turismo, agora, com a chegada dos chineses, o mundo foi tomado por uma maré de semblantes oriental ainda maior. E essa visão estaria fadada a acontecer durante todo o nosso percurso. Para registrar as ocasiões, ficava quase impossível não enquadrar algum oriental em nossas fotografias.
                Todavia, as pernas precisavam de descanso e, finalmente, decidimos procurar assento em um dos cafés existentes na Galeria Vitorio Emanuelle II. Estávamos dispostos a gastar uns poucos euros tomando uma cervejinha enquanto descansávamos. Um dos companheiros de viagem, ressabiado com o preço das coisas, logo se apossou de um cardápio e começou a compulsá-lo, procurando pelo preço da cerveja. De repente, não mais que de repente, ele apontou assustado para o preço da minúscula garrafinha de cerveja que mal dava para encher um copo. O que vimos naquele cardápio provocou uma reação em cadeia: levantamo-nos a um só tempo, com que picados por  um enxame de abelhas e fomos logo procurando a saída. Os outros amigos já estavam se distanciando o mais que puderam daquele ambiente que cobrava inacreditáveis doze euros por uma garrafinha minúscula de cerveja. O cansaço nas pernas e a dor nos pés que aguardasse por ocasião que atacasse menos os nossos bolsos. Aliás, durante toda a viagem verificamos que os italianos cobram mais pelo assento do que propriamente pelos produtos que vendem. Ai que saudade de casa! 
                O tempo passou rápido naquela curta tarde de primavera, nosso primeiro dia em chão italiano. Foi apenas um pequeno aperitivo do que viria nos dias que se seguiriam. Já era noite quando nos recolhemos ao nosso hotel, e lá jantamos e conhecemos o grupo ao qual nos juntaríamos. Agora, ao invés de nove pessoas, formaríamos uma trupe numerosa que ocuparia todos os lugares de dois belos ônibus de turismo. Permaneceríamos juntos, doravante, por longos oito dias, até a nossa parada final, em Roma, ocasião em que cada um retornaria a sua cidade de origem.
Finalizo a descrição da nossa estadia em Milano, afirmando que o grupo de turistas que se juntou ao nosso, era composto por brasileiros de vários estados, com exceção de um Argentino e um Português, que, contudo, eram casados com brasileiras e residiam no Brasil.
Começamos bem. A breve parada em Milão encantou a todos, abriu com chave-de-ouro as portas da velha bota. O sonho de conhecer a Itália estava sendo realizado com pompa e circunstancia.
Fomos dormir naquele dia com a gostosa sensação de que o futuro nos reservaria belos dias no velho continente. Estávamos certíssimos, é o que veremos a seguir.


segunda-feira, 22 de abril de 2019

VIDA DE AGRÔNOMO (4) – Aprendizagem etílica




José Pedro Araújo

Se existe uma coisa que estudante universitário aprende antes mesmo de aparecer o primeiro rasgão na velha e surrada calça jeans, é a beber. A beber, não. A entornar voluptuosamente todo tipo de bebida. Isso, no meu tempo. Porque, hoje, já desde o segundo grau, e até antes mesmo, a molecada já enxuga dadivosas ampolas geladas de douradas birras. E se no meu tempo – há quem desdenhe quando alguém avoca um tempo só para si – este hábito estava restrito aos homens - aos do sexo masculino, quero dizer – nos dias que correm as mulheres passaram a engrossar o time dos beberrões desde muito cedo. Bendita mudança de costumes! Olhar para os lados e dá de cara com uma bela ragazza, é uma sensação muito melhor do que a que sentíamos quando só se viam cabeludos e barbudos honrosos e malcheirosos em volta da mesa. O ambiente era puramente o clube do Bolinha. Hoje não, as meninas rivalizam em volume consumido e em animação com os rapagões.
Volto ao fio do nosso texto, quando afirmava que a meninada antes de se aclimar direito com os costumes da universidade, já se filiava a um grupo de estudantes veteranos e passavam a frequentar uma birosca qualquer.  No Recife, por exemplo, lá para as bandas do subúrbio de Dois Irmãos, onde fica a UFRPE, havia, dentro do próprio campus, um dos barzinhos mais miseráveis que já frequentei. Instalado por um modesto funcionário dentro do departamento de fitopatologia, nos fundos da sua residência, ocupava espaço exíguo e de topografia acidentada. Desse, restrito aos estudantes dos últimos anos do curso de engenharia agronômica, só fui me tornar cliente quando já cursava o terceiro ano.
Naquele ambiente, a turma se encontrava sempre após o final da última aula de sábado para o pontapé inicial de um final de semana olimpicamente etílico. Conhecido pelo epíteto de Fito Drinks (Fito em referência ao vocábulo fitotecnia, técnica de estudo das plantas), fora instalado nos fundos da residência e em terreno declivoso que esbarrava logo com um riacho que passava a poucos metros. Dado ao desnível do terreno, as mesas precisavam de calços para equilibrá-las, assim como os tamboretes para os assíduos frequentadores. Resumindo: sob uma latada toscamente construída com madeira roliça e ordinária, abrigava-se a turma, disputando as cervejotas, quando o dinheiro dava para isso, ou as fartas doses de cachaça Pitú ou Serra Grande.
Havia tira-gosto também, e de dois tipos: o de calabresa frita e acebolada, era o mais caro. E o de peixe, também frito, de tipo desconhecido, e de procedência também, a opção mais em conta. Corria à boca larga que o peixe sem-nome era pescado pelo proprietário do boteco no córrego poluído que corria logo atrás da casa. A única certeza que eu tenho é a de que nunca na vida vi peixe com mais espinhas, e nem mais gorduroso. Comer um pedaço daquele tira-gosto era um exercício de paciência e de grande maestria. Tinha gente que se dava por satisfeita somente com o cheiro arripunante da iguaria, e nada mais. Tempos que não deixam saudades aquele em que frequentava o Fito Drinks.
Saído da universidade, concluído o curso, carregamos o hábito pelos diversos locais para onde fomos deslocados a serviço. Aprendizagem tão ou mais significativa do que propriamente a ministrada por professores ou aprendidas em livros sobre agricultura.
Em Pedreiras, cidade maranhense situada na margem do Mearim, onde fizemos o nosso estágio, passamos a frequentar o bar do Josué. Ambiente animado, bebida para todos os gostos, não havia local mais atraente na cidade para um Happy Hour. Frequentavam aquele bar, mercearia e casa de sinuca, quase toda a gente que gostava de jogar conversa fora em volta de uma mesa de bar. Funcionários da Emater e do Banco do Brasil, empresas situadas próximas, estavam entre seus frequentadores mais assíduos. Lá, combinavam-se a simpatia do proprietário com cervejas estupidamente geladas, além de um tira-gosto mediano, tão desimportante que não lembro mais qual a especialidade da casa, nem se era um atrativo a parte.
Em Lago Verde, no Maranhão, já funcionário contratado da empresa de assistência técnica, batíamos ponto todo início de noite, após o expediente, em um barzinho sórdido e de nome pomposo: “Boite” Pecado Capital, nome de novela da Globo. Na construção miserável feita de taipa, cobertura de palha e piso de chão batido, degustávamos geladas Antárticas e ouvíamos música de qualidade duvidosa em companhia de pessoas gradas e de ilustres desconhecidos: um Sargento (e delegado da cidade) e um cabo, as maiores autoridades policiais do município, as primeiras e únicas pessoas com quem fiz amizade durante o curto período em que trabalhei ali. E isso porque fazíamos as nossas refeições na mesma pensão, o que facilitou a aproximação.
Já em Araguatins, pequena e isolada cidade situada à margem direita do portentoso Araguaia, frequentávamos assiduamente dois bares. Esses com uma qualidade bem melhor do que os dois primeiros já descritos. Um possuía duas ótimas sinucas nas quais combinávamos jogo com bebida. O outro, apesar de mais humilde, situado na esquina da mesma praça, possuía uma coleção de pingas batizadas com ervas, frutos e cascas de árvore. Mas possuía também geladas cervejas, e o ambiente era mais sóbrio, não havia música, daí demoramos pouco nele. Antes que os puritanos tirem conclusões apressadas, diremos que na cidade não havia outra forma de diversão. Minto, havia o belíssimo Araguaia aonde íamos tomar banho, sempre acompanhado por um isopor com algumas latinhas de cerveja. Na cidade não tinha sinal de televisão, não havia cinema, nem qualquer outra forma de atração para se passar o tempo. Daí a procura pelos botecos. Isso antes que se instalasse no rio Araguaia um flutuante. Porque, depois disso, virou ponto de encontro, e logo a poucos metros do trabalho.
A mudança para Araguaína não processou grandes mudanças em meus hábitos. Logo na esquina mais próxima à casa que alugamos, havia um barzinho charmoso e atrativo, ponto de encontro de várias confrarias. Fundado e tocado por um cidadão muito jeitoso e cordato, fora batizado com o nome de Bip Bip, personagem de desenho animado e nome de botequim famoso em Copacabana, no Rio de Janeiro. O empresário havia sido garçom naquele tradicional e premiado boteco, fundado lá pelos idos de 1968, e ainda hoje funcionando com eficiência. Pesquisando na internet, dei de olhos em várias fotografias do Bip Bip carioca, e uma delas estampava uma placa de bronze afixada na parede, e com os seguintes dizeres: “Bip Bip, Fundado em 13-12-1968, em homenagem à mocidade Brasileira”.
No boteco araguainense o proprietário servia um tipo de bebida que agradava ao paladar, mas tonteava rapidamente os incautos que se aventuravam a tomar várias dozes seguidas, atraídos pelo sabor adocicado. Isto apesar das orientações repassadas pelo ético proprietário, sempre alertando a freguesia que a dose era para abertura do expediente. Ou, no dizer dos experientes, para bater o tiro de meta. O nome da beberagem? Tip top, mistura de pinga com mel, e sem limão. Era servida em um “copo de dose”, daquele tipo especial, duas marcas, a identificar se dose simples ou dupla. Copo que os bebedores de pinga conhecem muito bem. Preparava-se colocando primeiro o mel, uma pequena porção, no fundo do copo, depois se adicionava a pinga até a marca que definia ser aquela uma dose dobrada. Mexia-se com uma colherzinha para mexer café. Ficava saborosíssima.
Já em Teresina, abdiquei logo do costume de frequentar os botequins da vida, pois me casei pouco depois de chegar, mudei de hábito, não propriamente por vontade própria. Todavia, ainda conheci um bar tão famoso quanto sórdido. Situado na principal avenida da cidade, a Frei Serafim, era desprovido de qualquer luxo, mas recebia clientela especial. Seus frequentadores eram magistrados, empresários de sucesso, médicos, engenheiros, advogados, jornalistas, gente muito conhecida na cidade. Alguns transitavam por lá diariamente, nem que fosse para uma rápida passagem. O Bar do Ulisses, que hoje já não existe mais, era conhecido pejorativamente pelo nome de “Pé-inchado”.  Tal epiteto lhe foi pespegado em razão de todos os clientes se postarem de pé e no entrono do balcão do estabelecimento.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Fragmentos de uma Viagem a Portugal e Itália (Parte 3)

O moderno e o antigo convivendo harmoniosamente no Estoril(Foto do autor)



SINTRA/CABO DA ROCA/CASCAIS E ESTORIL

José Pedro Araújo

L
ogo após um reforçado café da manhã embarcamos no nosso ônibus com destino a Vila de Sintra, Patrimônio Mundial da UNESCO, terra que os nobres portugueses escolheram para erigir seus belos e luxuosos palácios de verão. Não apenas cidadãos com sangue real circulando pelas veias escolheu o lugar para descanso, mas toda uma plêiade de velhos ricos e novíssimos detentores de fortunas mirabolantes procuraram Sintra e ali ergueram verdadeiros monumentos de beleza arquitetônica que rivalizam com os mais belos palácios europeus. Escolha também de religiosos mais preocupados com o sagrado do que com o mundano, no alto das montanhas de Sintra também foram erguidos inúmeros conventos, posto que diversas ordens religiosas também escolhessem a região como lugar para meditar sobre os pecados do mundo, local ideal para mergulhar por inteiro na clausura. O inicio da história dessa vila bela e aconchegante, data de 1154 e está recheada de ocupações por estrangeiros, mas também de retomadas espetaculares por renomados heróis portugueses. Depois de ocupada pelos romanos, muçulmanos, pelos franceses de Napoleão Bonaparte, mas também pelos vizinhos espanhóis, Sintra tem vivido em paz nos últimos séculos para satisfação de toda a humanidade que tem enviado para lá levas de turistas cada vez maiores.
Andar de maneira descompromissada pelas ruas, becos e ladeiras da vila é um exercício prazeroso e que requer algum preparo físico, em razão das inúmeras ladeiras que suas vielas serpenteantes possuem. Algumas delas levam tão alto, até onde se situam os castelos mais belos e estonteantes que, vistos das partes baixas, parecem tocar nas nuvens. Para aqueles menos compenetrados com a sua forma física, sempre existem as lojinhas repletas de belos suvenires e os cafés espalhados na parte baixa da vila estonteante.
                Situada a pouco menos de trinta quilômetros de Lisboa, ou a pouco mais de trinta minutos de uma deliciosa viagem, chegamos a Sintra antes das oito horas da manhã de um belo dia de sol. Uma brisa fria, mas profundamente aconchegante, nos acolheu logo que descemos do nosso veiculo. Estava armado o clima para um belo dia de visita aos arredores da bela Lisboa. Difícil foi embarcar novamente no ônibus para continuar a viagem rumo ao Cabo da Roca. No trajeto observamos as belas quintas – como são chamadas as chácaras portuguesas – que os endinheirados do mundo inteiro mantem na região. O solo rochoso e acidentado do local é recoberto por uma bela e verde vegetação formada por árvores de porte alto e luxuriante.
                Tomamos uma estradinha sinuosa, mas bem conservada no sentido de Cabo da Roca. Difícil era manter o olhar fixo em um ponto único. A paisagem estonteante e a beleza das Quintas que íamos encontrando pelo caminho nos surpreendiam a cada instante, impedindo que aquela imagem que acabávamos de capturar instantes atrás ficasse gravada para sempre na nossa memória. O todo, o conjunto da obra, tomou o lugar do individual e ficará para sempre nas nossas recordações.
                Por fim, Cabo da Roca. Ponto mais ocidental da Europa, seus paredões rochosos avançam mar adentro, recebendo a um só tempo as fortes lufadas de vento e as chicotadas das águas do Oceano Atlântico. No alto, ponto culminante daquela fração de terreno rochoso, um imponente farol serve de aviso aos navegantes, que descem para o sul ou de lá estão voltando, é que o local guarda imensos perigos. Luís de Camões descreveu com a maestria da sua pena, e o canto lírico brotado da sua alma, a importância de Cabo da Roca: “Eis aqui, quase cume da cabeça de Europa toda, o Reino Lusitano, onde a terra se acaba e o mar começa e onde Febo repousa no oceano”.
                Fizemos muitas fotos, grande parte delas voltada para o mar sem fim, como se quiséssemos enquadrar como pano de fundo da imagem os contornos sinuosos e o verde das matas do nosso país distante. Não sabemos se as nossas mulheres guardam boas lembranças daquela parte de Portugal uma vez que aquele impertinente vento teimava em deixá-las assanhadas, mandando ao espaço os laquês e as escovas que levaram horas para deixar seus cabelos bem arrumados para a posteridade nas fotografias que tão freneticamente se prepararam em poses compenetradas. Mas, afinal, devem ter gostado sim. Testemunhar aquela beleza selvagem e a dureza da rocha íngreme ficará para sempre na nossa memória de viajante. Perder mesmo, só aconteceu ao Jônatas que teve o seu novíssimo boné arrancado pelo vento indomável. Havia sido adquirido poucas horas antes, em Sintra. Deve hoje proteger a cabeça de alguma entidade marinha que habita aquelas velhas águas ibéricas.
                Hora de seguir em frente. Embarcamos novamente e seguimos em direção a Cascais. Aliás, Cascais e Estoril, estas duas cidades gêmeas, apresentam um padrão de beleza idêntica também. Mas contrastam frontalmente com o estilo barroco das construções de Sintra. Enquanto esta transpira antiguidade e beleza, aquelas duas irmãs apresentam uma feição mais moderna e clássica, no que pese ainda estarem de pé alguns belos e antigos palácios, como a atestar que, apesar de modernas, já estão plantadas ali há séculos. Se perguntarmos a alguém pouco afeito ao local, dificilmente saberá dizer em que ponto termina Cascais ou começa Estoril.
Paramos no Estoril para apreciarmos a beleza incomparável do lugar e, como já está se tornando hábito, fazermos as nossas fotografias. A mistura de história antiga e moderna, aqui se funde como em nenhum outro lugar. A presença do Forte de São Pedro defronte a um conjunto de moderníssimos prédios de apartamento na conhecidíssima, e cara, Praia da Poça, é um exemplo patente de como o velho e o novo podem conviver harmonicamente sem alterar a beleza da paisagem natural. A vista idílica da baia, coalhada de embarcações de todos os tipos e tamanhos atrai a quantos tem a sorte de conhecer tão aprazível lugar. Tudo isso, bordejado por uma linda avenida recheada de belas palmeiras e coloridos jardins que acompanha o formato sinuoso da bela baia. A visita não comporta palavras exatas para a sua descrição, mas encerra, e traduz bem, o que foi a nossa maravilhosa manhã. Precisávamos retornar a Lisboa, pois ainda tínhamos muito a apreciar no restante do dia.
                Fomos deixados no Shopping Center Vasco da Gama para o almoço. Como sempre, as mulheres foram logo em busca das vitrines e com muito custo chegamos até a uma bela churrascaria brasileira instalada na Praça de Alimentação (Somente para constar: Homens também gostam de vitrine. E mais ainda do interior da loja, aonde já vão descuidadamente enfiando a mão na carteira). Comida boa, churrasco ao gosto do brasileiro e um Chopp para distrair, foi o que tivemos. Foi também a última alimentação parecida com a nossa excelente culinária até o término da viagem (Apenas doze dias fora do nosso país e já ficamos loucos por um prato de feijão com arroz, não é mesmo Henrique Almeida?). Sem querer desmerecer o estupendo bacalhau português, é claro.
Depois fomos conhecer o comentado Oceanário de Lisboa. Maravilhoso, é tudo que podemos dizer de imediato. Caminhar pelo fundo do mar e ficar a menos de um metro de Tubarões e Arraias gigantes, e sem sermos molestados, é tudo de bom. A sensação é indescritível. Vale a pena passar pelo local quando estiverem em Lisboa. A imagem daqueles peixinhos coloridos convivendo com alguns grandões na maior paz e harmonia é algo que deve servir como reflexão.
Depois de admirar as belezas contidas no Oceanário, fomos passear um pouco e tomamos o teleférico do Parque das Nações. A vista é admirável, como tudo o que vimos na terra dos nossos patrícios. O Rio Tejo, que tanto ouvimos falar na história que une os nossos países, é visto de um ângulo maravilhoso, vários metros acima do solo. Os portugueses fizeram um trabalho primoroso ao construir um espaço moderno e arrojado para a EXPO 98, a Feira Mundial que o país sediou em 1998. Onde existiam construções decadentes, foram erguidos monumentos em arquitetura moderna e de altíssimo bom gosto, deslanchando o desenvolvimento da região e proporcionando o aparecimento de um bairro chique para a novíssima classe média-alta da cidade. Mais uma passadinha no Shopping para um jantar frugal e retornamos ao hotel para uma noite de descanso merecido. Precisávamos nos aprontar para a viagem à Itália. Milão nos esperava com a sua perfeita e harmoniosa união entre o antigo e o novo sem grandes preocupações com os puristas.  


sábado, 13 de abril de 2019

HISTÓRICO DO PROJETO(RIO)FLORES






Jean Carlos Gonçalves*

O Projeto Hidroagrícola do Flores fora um desdobramento do Plano Geral do Mearim e Afluentes (criado em 1978), o qual previa uma série de obras para resolver o problema das enchentes e consequentes prejuízos ocasionados às populações ribeirinhas ao longo do curso do rio Mearim [...].

Outros fins oficialmente declarados do Projeto Flores seria a implantação de núcleos agrícolas às margens do Flores, a partir da utilização de tecnologia de irrigação, como forma de beneficiar pequenos produtores, e, por conseguinte a promoção do desenvolvimento sustentável da região. Também era previsto o aproveitamento do potencial hídrico para a produção de eletricidade.

No entanto, sua prioridade mais urgente seria solucionar o problema das enchentes, especialmente nas cidades do vale do Mearim – Pedreiras, Trizidela do Vale, São Luiz Gonzaga, Bacabal, Vitória do Mearim e Arari. Estas, a cada inverno mais rigoroso, se deparavam com verdadeiras calamidades.

Em relação ao problema, o Jornal Pequeno publicou uma matéria intitulada: “Presidente João Goulart autorizou a Construção da Barragem do Rio Mearim – ATENDIDO PELO PRESIDENTE A SOLICITAÇÃO DE EURICO RIBEIRO E DEMAIS TRABALHISTAS”, dias antes do Golpe de 1964, no qual este presidente foi deposto:

Procedente do Rio de Janeiro, encontra-se, nesta cidade, o vereador Artur Lacerda de Lima, integrante da bancada do PTB do legislativo municipal de Pedreiras. O edil sertanejo participou da reunião dos deputados Cid Carvalho, Luís Coelho, Alberto Aboud, Eurico Ribeiro e o engenheiro Remi Archer, com o presidente João Goulart no Palácio das Laranjeiras, quando foi examinada a tragédia das enchentes e a ajuda do governo Federal às vítimas do flagelo.
Nesse encontro do chefe da nação com os membros do bloco petebista na Câmara Baixa do País, foram traçadas as medidas imediatas de socorro às populações dos vales do Mearim e do Parnaíba, atingida pelas inundações. Diante da dramática situação o deputado federal Eurico Ribeiro, inclui no orçamento da República a verba de 400 milhões de cruzeiros, além de outros auxílios através dos seguintes órgãos SPEVEA, SUDENE e DNOS, destinados à construção de uma grande barragem no rio Mearim, evitando que se repitam os anos, o doloroso drama das enchentes, que assolam rica região do Estado, devastando lavouras e habitações, arrastando tanta gente humilde ao sofrimento, a fome e o desespero. A referida obra, velho anseio do povo do fecundo Vale do Mearim. O vereador Artur Lacerda de Lima conseguiu do Ministério da Agricultura, por intermédio dos deputados Cid Carvalho, 25 milhões de cruzeiros, para o auxílio à lavoura de Pedreiras, destruídas pela enchente. Conseguiram também, junto ao ministério da saúde uma ambulância para transportar enfermos aos hospitais e a instalação do SAPS naquela cidade ribeirinha. Onde funcionará também dentro em breve uma agencia do Banco Nacional de Crédito Cooperativo. Para assistência econômica aos homens do campo. Chegará domingo a São Luís o deputado Federal Eurico Ribeiro, em companhia do deputado Cid Carvalho aonde os dois parlamentares petebistas irão a Pedreiras para examinar a situação das enchentes naqueles naquele município. Deverá visitar também a princesa do Mearim o engenheiro Remiu Archer e o presidente do Banco Nacional de Crédito Cooperativo, que está sendo esperado hoje nesta capital. ”(JORNAL PEQUENO, 26/03/1964).

A "Barragem do Mearim" citada acima é a mesma do Flores, pois teria sido, o já falecido, deputado federal Eurico Ribeiro o primeiro político maranhense a levantar o problema das enchentes e sugerido o barramento do rio Flores e o Mearim como solução. Através do projeto nº. 2976, publicado no Diário do Congresso Nacional em 20 de maio de 1961. Evidentemente, motivado pela catastrófica cheia de 1961, ressaltando ainda, que a enchente de 1933 marcou sua vida, pois seu pai residente na cidade de Pedreiras, “perdera quase tudo que possuía: uma usina de beneficiamento de arroz e algodão e uma loja de tecidos, ferragens e miudezas.” (RIBEIRO, 1986).

Para Vaz em, “O Projeto Flores: Solução e Problema”, o:

“Projeto Flores é a denominação dada a uma etapa do Plano Geral do Mearim e Afluentes, elaborado em 1978. O Plano visava à construção de várias barragens no rio Mearim e seus afluentes, a fim de conter as cheias deste rio, evitando a situação de calamidade vivida pelas populações ribeirinhas a cada inverno rigoroso. Ao mesmo tempo, buscava melhorar a situação do transporte através do Mearim e proporcionar condições de aproveitamento do seu potencial agrícola e energético.
O Projeto Flores foi a etapa inicial do Plano, compreendendo a construção de uma barragem na confluência dos rios Mearim e o seu afluente Flores e a implantação de projetos de agricultura irrigada ”.(VAZ, p. 8).

Segundo a Assessória de Comunicação Social da Secretaria de Desenvolvimento e Irrigação – SRD, os estudos da Barragem do Flores foram iniciados em 1964. Naquela época o Departamento Nacional de Obras e Saneamento – DNOS procurava uma maneira mais viável para controlar definitivamente os problemas causados pelas cheias, nos vários municípios ao longo do Mearim. Paralelamente, os estudos técnicos identificavam naquela região, solos férteis com elevada aptidão para o uso com tecnologia de irrigação.

Mas, durante uma década os estudos de levantamento ocorreram em ritmo muito lento, e, somente a partir da histórica cheia de 1974, a qual mais uma vez arrasou a cidade de Pedreiras é que o Governo Federal passou a ser pressionado para intensificar as ações que viessem de fato resolver o problema. Porém, somente em dezembro de 1977 é que o Ministro do Interior Maurício Rangel Reis, através de correspondência, presta esclarecimentos ao ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República general Golbery do Couto e Silva, sobre a elaboração de um plano geral dos recursos naturais do vale do Mearim e afluentes:

“Senhor Ministro,
Refiro-me ao Aviso nº1340, datado de 14 de outubro do corrente ano, através do qual Vossa Excelência encaminhou-me expediente do Senhor Deputado Eurico Ribeiro (ARENA), no sentido de ativação dos estudos da bacia dos rios Mearim e Flores.
O DNOS, no âmbito do convênio celebrado com a PORTOBRÁS, ‘para a elaboração do estudo e projeto geral de aproveitamento e controle dos recursos de águas e solos das bacias dos rios Mearim, Grajaú, e Pindaré, no estado do Maranhão’, contratou a elaboração de um plano geral de controle e aproveitamento dos recursos de água e solos dos vales do rio Mearim e afluentes”. (RIBEIRO, 1986).

Neste fragmento pode-se claramente perceber o engajamento do deputado Eurico Ribeiro na busca de solucionar o flagelo dos ribeirinhos do Mearim. 

Contudo, para compreender melhor o processo de gestação do Plano Geral do Mearim e Afluentes, e, por conseguinte, do Projeto Flores, se faz necessário uma análise do modelo de política econômica adotada pelos governos militares. Mas tal análise merece uma postagem específica.

O que buscamos demonstrar aqui foi um breve histórico de como foi gestado o Plano Geral do Mearim e seus Afluentes, projeto cujo desdobramento fora a construção da Barragem do rio Flores. A obra de maior impacto na história de TUNTUM.

(*) Jean Carlos Gonçalves, é professor, cronista e historiador.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Fragmentos da Memória de uma Viagem a Portugal e Itália(Parte 2)

Lisboa - Monumento aos Descobrimentos(ao fundo Ponte 25 de abril sobre o rio Tejo) -foto do autor


CHEGADA A PORTUGAL
O
O avião da TAP pousou no Aeroporto da Portela, em Lisboa, às 6:30 da manhã do dia 22 de março. A cidade ainda estava acordando de uma noite típica de final de inverno e o sol travava uma luta difícil com uma leve bruma que tornava o ambiente frio para os nossos padrões tropicais. O aeroporto era enorme, mas não tivemos dificuldades em identificar a nossa guia (Catarina) que nos acompanharia nos dois dias que passaríamos no país dos nossos ancestrais. A ideia era realizar logo de imediato um tour pela bela cidade de Lisboa, visitando seus principais pontos turísticos.  A emoção de estar pisando em solo português é indescritível e tomou conta dos nossos sentidos desde o primeiro instante.
Em menos de 24 horas – contando ai o tempo de permanência em Brasília - havíamos chegado a Lisboa, localidade de onde partiram os primeiros portugueses que se aventuraram em navegar por mares bravios, rumo ao atlântico sul para, afinal, descobrirem o Brasil. Se naquele tempo eles levavam até noventa dias para fazer a travessia, em pouco menos de 24 horas havíamos feito o mesmo trajeto, em sentido inverso. Mesmo com as diferenças de fuso e o tempo gasto em conexão (a viagem transoceânica, caso partíssemos de Fortaleza, duraria menos de dez horas). Sinal dos tempos, mas, e principalmente, em função da forma de transporte por nós escolhido.

LISBOA
  E
Embarcamos em um micro-ônibus que realizou sua primeira parada cerca de 7 km depois. Estávamos no alto do Parque Eduardo VII contemplando a beleza da cidade baixa, especialmente conhecida como Baixa Pombalina. Trata-se de uma homenagem ao ministro plenipotenciário português que reconstruiu Lisboa por ocasião do grande terremoto de 1755. Pombal é muito citado na história da nossa região, tendo tido importância vital na criação da Província do Piauí e na nomeação do seu primeiro presidente, João Pereira Caldas. Foi dele também a decisão de expulsar os jesuítas que administravam as trinta e três fazendas de gado, antes pertencentes a Domingos Afonso Mafrense. Dessas fazendas sairiam, depois do confisco, parte significativa dos recursos que abasteceriam o tesouro provincial. Fazíamos, assim, nosso primeiro contato com a história de nossos países.
Não havia como controlar a curiosidade a cada monumento que avistávamos o que nos levava a indagar se tinha alguma relação com a nossa pátria. Afinal, Portugal viveu o seu apogeu exatamente na época do Brasil Colônia, ocasião em que a metrópole importava a maior parte das riquezas que permitira ao país lusitano a reconstrução da sua capital arrasada pelo terremoto, e até mesmo antes disto.
                Depois das primeiras fotos tiradas naquele belo lugar, embarcamos novamente no nosso ônibus e, em poucos minutos já estávamos no famoso bairro do Chiado, um dos mais conhecidos da capital lusa, após atravessarmos o não menos famoso bairro do Rossio. Logo mais, após trafegar por menos de um quilômetro, já chegávamos à Cidade Alta, belo e frequentado bairro boêmio da cidade. A cada momento nos deparávamos com a beleza desta cidade que encanta pela sua arquitetura muito parecida com a que temos em São Luís, Olinda, Recife e Salvador, além das cidades históricas de Minas. Descemos, em seguida, no sentido da beira mar, para o belo e muito cultuado bairro de Alfama. Muito central, dista menos de três quilômetros de onde nos achávamos, e é um dos pontos mais bonitos da cidade, enfeitado pelos seus casarões aparentemente ainda mais antigos, cuja arquitetura deve-se aos antigos Mouros quando ocupavam a península ibérica.  
A esta altura do dia, Alfama fervilhava de gente a procura do comércio que naquela área é muito intenso. Pena que não tenhamos parado em cada local daqueles para fazer algumas fotos. Todos os lugares por onde passamos durante esse curto trajeto nos atraia enormemente e clamava por uma parada. Infelizmente o tempo era escasso, pois estávamos em busca de um dos mais belos cartões postais da cidade, o Mosteiro dos Jerônimos.  Mas, antes, precisávamos passar por um lugar também importante para fazermos nosso primeiro lanche em terras portuguesas: a Pastelaria de Belém, local especial por onde passam milhares de pessoas para se deliciar com os famosos e gotosíssimos Pastéis de Belém. A propósito disto, em um letreiro no frontispício do estabelecimento, já se pode observar o tamanho da tradição daquela casa comercial. Ano de fundação: 1837. Entrar em local com aquela tradição já é algo que mexe com os nossos sentidos; degustar suas iguarias, aí já atropela dois deles, o olfato e o paladar. O tal pastelzinho que já foi considerado pelo prestigiado Guia de Viagem Lonely Planet como um das onze melhores iguarias de rua do mundo, é feito ali desde a fundação do estabelecimento. O interior do local é muito aconchegante e a vista dos famosos doces, quitutes e salgados expostos em seus belos e vetustos balcões, enche-nos a boca de saliva. Alguns colegas de viagem não acharam grande coisa, os tais pasteizinhos. Eu, por meu turno, me deliciei com a sua história e o seu sabor incomparável. Estava degustando a história portuguesa através dos séculos. E isso, para mim, não tem preço. Poucos anos depois voltei lá, mas a multidão de clientes impediu-me de me aproximar do balcão para pedir um daqueles pitéus deliciosos.
                Andamos poucos metros para pisar a calçada do Mosteiro dos Jerônimos, monumento construído por D. Manuel I na primeira metade do século XVI, para homenagear as grandes descobertas realizadas por Portugal, que teve início quando do retorno de Vasco da Gama com a notícia do descobrimento da América. Construído em estilo manuelino, de frente para o Rio Tejo, exatamente no ponto de onde partiam as famosas caravelas em busca de novas descobertas, seu interior é de uma beleza incomparável. E guarda muitas surpresas, como a representação nas colunas das desconhecidas frutas tropicais encontradas pelos descobridores das novas terras. Atas, abacaxis, entre outras frutas, disputam lugar com florezinhas belas e singelas, também desconhecidas dos lusitanos.  
Para afirmar a sua importância histórica, basta dizer que no seu interior estão sepultados o próprio Vasco da Gama, D. Manuel I e sua mulher, Dona Leonor – bem como outros reis de Portugal. Está lá sepultado também, Fernando Pessoa, considerado o maior poeta lusófono da era moderna.
                Saindo dali, mais em decorrência do tempo restante do que propriamente por nossa vontade, nos dirigimos a um imenso e bonito parque, O Parque das Nações, espaço em que antes ficava a praia de Belém, e onde agora estão erguidos vários monumentos relativos aos descobrimentos, como o próprio mosteiro já descrito, a Torre de Belém e o Monumento aos Descobrimentos. Somente neste local que transpira história, passamos a maior parte desse dia admirando a beleza do lugar e fazendo incontáveis fotografias. Aqui a emoção aflorou de forma incontrolável ao observarmos o ponto de onde partiram as Caravelas de Pedro Álvares Cabral para descobrir o Brasil. A viagem já estava bem paga, não restava a menor dúvida. Mas ainda teríamos muito a ver e a admirar nesse nosso périplo por terras Portuguesa.
                Após conhecer as belezas acima descritas, era hora de nos recolhermos ao hotel para o nosso check-in, e para descansar um pouco também. Afinal, há mais de 24 horas estávamos no ar, com curtos intervalos de sono durante o voo de Brasília a Lisboa. Mas não nos demoramos muito no hotel e logo já estávamos prontos para conhecer uma loja de departamentos muito famosa que fica a poucos metros do nosso hotel, a El Corte Inglês.  As primeiras compras em terra europeia foram realizadas naquela importante casa comercial. Ali também nossos bolsos começaram a ficar aliviados do peso dos Euros que destinamos para a viagem. Foi preciso pedir parcimônia nas despesas, senão todo o nosso dinheirinho ficava ali, e no primeiro dia da viagem.
                Como se não bastasse o cansaço do dia puxado, à noite fomos conhecer uma bela casa de Fado. Lá se servia uma ótima comida durante a apresentação das várias cantoras deste apaixonado ritmo musical português que esteve muito na moda no nosso país anos atrás. O Fado é daqueles ritmos musicais que entornam paixão por todos os poros: ou se gosta ou se abomina. Corroborando com o segundo caso, as artistas que se apresentaram naquela noite não traziam propriamente consigo a beleza das raparigas portuguesas. Mas, em apoio a primeira opção, possuíam uma ótima voz que somada à bela música, e ao excelente vinho, compensaram com folga este pequeno senão. A casa que visitamos, no melhor estilo lisboeta, encravada em um prédio com vários séculos de existência, ficava no tradicionalíssimo Bairro Alto ( Café Luso, se não me engano). E apesar da entrada singela, possuía no seu interior o luxo e o bom gosto das grandes casas do ramo. O bacalhau servido, acompanhando  bom vinho português, também foi algo que deve permanecer nas nossas lembranças por muitos anos ainda. Passava da meia noite quando resolvemos que era hora de nos recolhermos ao hotel. O dia seguinte nos reservaria muitas surpresas e exigiria mais esforço físico da nossa parte. Faríamos de Ônibus uma rápida visita a Sintra, Cabo da Roca, Cascais e Estoril.


sexta-feira, 5 de abril de 2019

Fragmentos da Memória de uma Viagem a Portugal e Itália(Parte 1)

José Pedro Araújo

INTRODUÇÃO


D
esde quando estávamos imaginando a viagem que faríamos a Portugal e Itália, ocorreu-me a ideia de registrar os principais momentos dela em um documento em forma de diário. Desde então essa vontade somente cresceu, mas a preguiça sempre venceu a parada até que, no que pese já terem se passado vários meses, um dia acordei determinado a realizar este intento. Não deveria ser uma tarefa fácil, especialmente por já terem decorridos tantos meses daquele acontecimento que catalogo como um dos mais importantes da minha vida no tocante ao assunto. Todavia, as ferramentas hoje existentes ajudam a repor o que a memória cuidou de esquecer. Assim foi que recorri às fotografias, e a própria internet, para relatar, par e passo, o que vivemos naqueles dias de grande prazer e inesquecível alegria.
                Alguém já falou que uma viagem para ser inesquecível deve conter pelo menos dois ingredientes básicos: companhias agráveis e hospedagem com relativo conforto. Tivemos tudo isso. Do grupo, mais importante, posso dizer que foi formado por pessoas cuja companhia nos traz imenso prazer e companheirismo: meus irmãos Jônatas e Benedita, minha cunhada Wilana, seguido dos meus amigos Henrique Almeida e Ana Lúcia e Fernando Fontenelle e Lair e, obviamente, minha companheira de todas as horas, Helena. Assim, a viagem foi tomando forma na nossa mente depois de algumas reuniões para discutir o roteiro que deveríamos seguir.
                A princípio, decidimos fazer um tour pela Itália, conhecendo alguma das suas principais cidades, como Milão, Veneza, Florença e, naturalmente, aquela que eu considero a mais bela e charmosa de todas: Roma. Depois, estudando detalhadamente o roteiro, o tempo de voo, as conexões e tudo o mais, decidimos incluir Lisboa no nosso roteiro, decisão que se mostrou das mais acertadas por tudo que conseguimos passar naqueles poucos dias de estadia em Portugal. Afinal, depois do longo tempo sentado em cadeiras não muito confortáveis nas aeronaves que nos levou de Teresina a Brasília, e de lá para Lisboa, precisávamos de um descanso a fim de concluir a viagem aérea até Milão, ponto inicial da nossa viagem pelo belíssimo país da bota.
                Feitas essas considerações iniciais, vamos tentar relatar nessas despretensiosas linhas tudo o que ocorreu ou, pelo menos, o que a memória guardou desses doze dias que vão ficar para sempre nas nossas melhores lembranças. 

A PREPARAÇÃO DA VIAGEM
   A
pesar de não nos consideramos um novato nessa matéria, em razão das inúmeras viagens realizadas pelo Brasil, e até mesmo por uma rápida escapada para reconhecimento do Chile, para planejar uma visita a Europa era preciso contar com a experiência de alguém que já tivesse se aventurado em algo assim, o que para nós não foi problema, pois nosso casal de amigos, Henrique e Ana, já havia realizado algo parecido ao que estávamos pensando fazer. Um problema a menos, então. Acertado o roteiro, fomos em busca de uma empresa de turismo que aliasse experiência, confiança e, naturalmente, preços mais acessíveis. A escolha recaiu na Aerovip, da nossa já conhecida Lenita Medeiros. Ciente do que queríamos, a empresária cuidou de nos oferecer um pacote de viagem com todos os ingredientes que queríamos, ajudando-nos, inclusive, na organização da nossa bagagem.
                Foi interessante observar que essas reuniões preparatórias se revestiram de algo muito prazeroso também, ocasião em que estreitamos ainda mais os laços de amizade, aumentando a confiança de que tudo sairia a contento, o que, afinal, mostrou-se perfeitamente de acordo com os nossos sonhos de uma viagem segura, sem erros ou falhas que pudesse por em cheque tudo o que esperávamos daqueles dias em terras do velho continente.
                Assim, malas prontas, passagens e documentos nas mãos, embarcamos no aeroporto Santos Dumont, em Teresina, no dia 21 de março de 2012, às 5:30 horas da manhã de uma belíssima quarta-feira, quando um sol de raios festivos começava a se levantar a leste da cidade.

O DIA DA PARTIDA
A
 sensação de estar iniciando uma viagem como esta é indescritível. Nesse instante não há mais como desistir da ideia, mas as indagações se não deixamos nada por fazer, ainda persistem em nossa mente, agora definitivamente inflamada. Mesmo após o avião já está rolando pela pista de decolagem, ainda ficamos nos perguntando se não nos esquecemos de nada. Afinal, os últimos dias de preparativos são frenéticos e passam rápido demais. A alegria de está iniciando uma viagem desde muito sonhada, contrasta com a saudade dos nossos que estão ficando, o que só faz aumentar a adrenalina e a desordem nos nossos espíritos já tão revolto pelas perguntas ainda sem respostas.  Contudo, à medida que o avião vai ganhando altura, os pensamentos vão se fixando no futuro e a alma vai se aquietando, a adrenalina baixando e a respiração voltando ao seu ritmo normal. Não há mais nada a fazer, caso tenhamos nos esquecido de algo. Assim, o melhor é relaxar e aproveitar o que virá pela frente. E, graças ao nosso bondoso Deus, tudo correu conforme o planejado sem que nenhum imprevisto viesse atrapalhar aqueles dias de total enlevamento.
                Escolhemos partir por Brasília em razão do horário de chegada a Lisboa. Saindo por lá - no que pese termos que voar duas horas a mais do que se saíssemos de Fortaleza - a nossa chegada a Portugal se daria no inicio da manhã. Assim aproveitaríamos melhor o nosso curtíssimo tempo de estadia naquele belíssimo país. Foi, de fato, mais uma das nossas decisões que se mostrou bastante acertada, como veremos a seguir.
                Era preciso nos juntamos ao resto do nosso grupo que já estava, desde a véspera, em Brasília, caso do casal Fontenele, e do Jônatas e Wilana, que aproveitaram a viagem para passar um dia com familiares seus que residem naquela cidade. De Teresina, logo no dia seguinte, partimos eu e Helena, Benedita, e Henrique e Ana. E já que teríamos algumas horas de espera, aproveitamos o tempo vago para visitar alguns pontos interessantes da bela capital do país a bordo de um ônibus de turismo que parte do próprio aeroporto, trafega por alguns dos pontos mais belos da cidade e retorna após duas horas para o ponto de partida no aeroporto. Matamos assim o tempo de espera, até a hora do check-in, revendo a bela obra de Niemayer, Lúcio Costa e Juscelino, acompanhados pelo batalhão de brasileiros de todas as partes do país, que transformaram um sonho de Dom Bosco em uma das obras mais belas do planeta. Ver a moderna arquitetura da Catedral de Brasília, a esplanada dos ministérios, com seus edifícios perfilados como se estivessem a guardar o belíssimo complexo de edifícios do congresso nacional, ficou nas nossas retinas como um paradoxo com a velha e bela arquitetura dos edifícios, igrejas e palácios da Itália e Portugal. Estilos diferentes, beleza igual.

 (A segunda parte de Fragmentos... na próxima quarta-feira).

segunda-feira, 1 de abril de 2019

NA MADRUGADA DE UM CERTO INVERNO

Imagem by Google



                                                                 (Chico Acoram Araújo)*

Na madrugada de um certo inverno. A noite por um fio.
Acordei. A essas horas, ainda no turvo?
O galo mudo, pássaros bem quietinhos, sequer um pio!
Os galhos das árvores balouçando lá fora -  obscuro.

Escuto um agradável ruído naquela quase manhã.
Será chuva? Será o vento nas folhas das palmeiras?
Ou será a suave brisa vinda do Marataoan?
Fui olhar. Chovia de mansinho. Alvissareiras!

Frias gotas d´água caíram no meu rosto, a abolhar.
Na noite anterior, minha mãe falou: vai chover!
Quantas saudades, meu Deus, da janela a chuva contemplar!

Um rio de lembranças inunda o meu ser,
Ouvir o cair da chuva no teto da casa de palha,
Nos dias de aguaceiros em um belo amanhecer.


 (*) Chico Acoram Araújo, é funcionário público federal, contador e cronista.