terça-feira, 28 de junho de 2022

1949 - Governador Archer e Senador Vitorino Freire no Curador.

Imagem cedida por Wellington Reis (WR)


José Pedro Araújo (*)

 

Pouco depois de completado o seu primeiro ano de mandato, Ariston Leda, primeiro prefeito eleito do município de Curador, recebeu visitantes ilustres na sede do novo município. A campanha política estava solta em decorrência das eleições gerais que aconteceriam no ano seguinte. Acredito que o último governador a visitar a povoação havia sido o bravo Magalhães de Almeida, por volta de 1929. O tempo havia passado, corria agora o ano de 1949, quando uma grande comitiva composta pelos políticos mais influentes do estado aportou à cidade recém-fundada. O governador Sebastião Archer vinha acompanhado pelo senador Vitorino Freire, além de uma grande comitiva. Contudo, o jornal governista, mostrando quem de fato mandava no estado, dava ênfase total ao senador Vitorino, deixando de lado a figura do governador, e tratando-o como um mero coadjuvante. Vitorino, aliás, era o diretor do jornal, isso pode explicar muita coisa. E por conta disso, todo o foco da notícia jogava luzes sobre o senador, apresentando-o como a principal estrela da companhia, mesmo não sendo ele candidato a nada nas próximas eleições que se avizinhavam. 

A grande comitiva, antes mesmo de entrar na cidade, passou pela Fazenda Santa Maria, residência do Capitão Honorato Gomes, uma das maiores lideranças no município, e que logo viria a se tornar a principal liderança local quando Ariston Leda passou a comandar o novo município de Tuntum. No ano seguinte, haveria eleições gerais no país e o vitorinismo se afirmaria como liderança inconteste na região, elegendo o Governador, Eugênio Barros, o senador, Antonio Bayma, todos os nove deputados federais, e vinte dos trinta e seis eleitos para a assembleia legislativa estadual. Foi um massacre eleitoral. Contudo, as Oposições Coligadas trombetearam e botaram a boca no mundo denunciando ter ocorrido no estado a maior fraude eleitoral já acontecida no estado maranhense, já tão versado nesse tipo de ação criminosa. Era o tempo do “voto de cabresto”, aquele em que o eleitor, antes de ir votar, dava uma passada na casa do líder político local para apanhar uma cédula eleitoral já preenchida e, na volta da cabine, deixava com o chefe a cédula em branco que recebera do mesário.

Voltando à nossa história, depois de passar pela Fazenda Santa Maria, a comitiva chegou à sede do município às 3:00 horas da tarde, debaixo de um foguetório tremendo. As principais lideranças do município esperavam por ela na entrada da cidade, logo após a passagem do Riacho Firmino. Afirmou na época o jornal O Diário de São Luís, órgão oficial do grupo governista, que cerca de cinco mil pessoas aguardavam a comitiva vitorinista também, talvez uma falsa informação, uma vez que a sede municipal praticamente não contava com tanta gente na época. E o que era para ser uma grande festa, deu começo a uma tragédia que poderia ser bem pior, caso não fosse logo controlada. Logo no início da Rua Raimundo Freitas, única entrada da cidade, depois terem ultrapassado o riacho, que à época não possuía ponte alguma, fazendo com que os veículos da comitiva governista passassem pelo seu leito, os visitantes foram recebidos e aclamados pelos curadoenses em festa. 

Naquele instante, o que era para ser uma festa inesquecível quase se transforma em uma grande tragédia. Algumas fagulhas dos fogos e morteiros explodidos caíram sobre duas casas de palha, provocando um princípio de incêndio que alvoroçou a população em festa. Vitorino Freire, aproveitando o ensejo, e para cair de vez nas graças dos habitantes locais, saltou do carro em que andava, e munido de um facão subiu para o teto de uma das casas se utilizando de uma escada que apareceu como que por encanto no local, e começou a cortar os cipós que prendiam as palhas ao madeirame da cobertura de uma delas. Com este gesto repleto de heroísmo, interrompeu o incêndio que poderia se alastrar sobre as outras casas vizinhas. Contudo, os dois imóveis atingidos já haviam sido consumidos pelas chamas. Mas isso não impediu que o senador de se transformasse na maior celebridade do evento, objeto de todas as conversas. Dando continuidade à festa interrompida pelo fogo nas casas, Ariston Leda entregou a Vitorino simbolicamente as chaves da cidade, sob intensa salva de palmas. Estava consumado o primeiro ato.

Depois disto, a comitiva seguiu pela rua Magalhães de Almeida, a nossa rua Grande, e chegou ao largo da matriz de São Sebastião, onde foi recebida pelo pároco local, o capuchinho frei Carmelo de Trucazzano. Lá chegando, durante os discursos que se seguiram, o senador Vitorino Freire afirmou que já havia ordenado ao prefeito Ariston Leda a reconstrução, já no dia seguinte, das duas casas consumidas pelo fogo, e que todas as despesas decorrentes sairiam do seu próprio bolso. 

O jornal trazia notícia ainda que a caravana ficou hospedada na residência da família Gomes. 

 

 

Colégio visitado pelo governador Archer e comitiva

 

Enquanto isto, a população era atendida pelos médicos que acompanhavam a trupe, Drs. Nunes Freire e Antonio Dáher que, no momento da consulta, distribuía os medicamentos prescritos aos pacientes. Osvaldo Nunes Freire, a propósito, muitos anos depois, seria indicado pelo regime militar para governar o Maranhão no quadriênio 1975-1979, e era, naquele momento, candidato a deputado estadual nas eleições do ano seguinte, tendo sido eleito pela primeira vez. Por uma dessas coincidências da vida, foi o governador Nunes Freire, salvo melhor juízo, quem construiu e instalou a regional de agricultura(Sagrima) e a empresa de Mecanização Agrícola no local onde funcionou o Educandário São Francisco.

Um lauto banquete foi servido aos viajantes na própria residência dos Gomes, e durante o mesmo houve forte manifestação de desapreço das lideranças ali presentes contra a adesão do vice-governador Saturnino Belo e do deputado José Neiva ao grupo opositor, as Oposições Coligadas, fato acontecido naqueles dias. 

Durante a visita das lideranças à cidade, foram feitas promessas de obras importantes para o município, como a construção do trecho da estrada entre Curador e Peritoró, com início para o ano seguinte, cujo orçamento já havia sido aprovado. Estrada de “primeira classe”, conforme afirmou o senador, e alardeou o jornal. Vale aqui lembrar que o acesso anterior era feito pela estrada Curador a Codó, via Dezessete, prolongando em muitos quilômetros a viagem de quem pretendia se dirigir a para a capital, São Luís. 

Outra promessa feita na ocasião, foi a de que, ainda no ano em curso, portanto, 1949, seria implantado o sistema de iluminação pública na cidade, um anseio de muito tempo da população. Houve comemoração geral dos presentes com aquela alvissareira notícia. Essa promessa, entretanto, não foi cumprida. Conforme sabemos,  somente na administração Gerson Sereno, alguns anos depois, a cidade ganharia a sua iluminação e sairia da escuridão total, com a instalação de duzentos postes de ipê (Pau d'Arco) na sua principal rua, e em alguns outros pontos mais, conforme ficou registrado para a posteridade em uma placa de bronze que foi afixada no prédio em que estava instalado o velho motor de luz, na praça do Mercado, hoje, coincidentemente, Praça Vitorino Freire. Na parte de baixo da citada placa, estava identificado o ano de 1953, como aquele em que foi instalado o sistema de iluminação pública da cidade. A placa trazia a informação: “Uzina Elétrica Municipal Dep. Marques Teixeira”, e logo abaixo, em números robustos, o ano de 1953 (o deputado Marques Teixeira deve ter sido o político responsável pela liberação da verba para a execução da obra). 

Anos depois, o próprio Gerson Sereno me mostrou a emblemática e histórica placa, em visita que fiz à sua residência, cuja foto encontra-se registrada no livro de minha autoria “Viajando do Curador a Presidente Dutra – história, personalidades e fatos”. Naquela ocasião, ele me informou que administradores posteriores haviam mandado retirar a placa da parede do prédio público onde funcionava a tal usina elétrica, e a havia jogado em um canto qualquer. E que alguém cuidadoso havia lhe levado a mesma para que esta não se extraviasse. Menos mal, agora aquela placa de bronze, que atesta a realização da obra de eletrificação da cidade, encontra-se afixada em uma parede da residência do ex-prefeito para conhecimento de qualquer um que queira registrar a história do município. 

Ainda à tarde, os políticos foram visitar o Educandário São Francisco, situado no canto baixo do Largo de São Sebastião, local onde hoje funciona a regional da Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão-Aged. Sensibilizado com os problemas orçamentários vivenciados pela ordem capuchinha, que passava por dificuldades para levantar fundos para a construção do futuro Convento onde deveria funcionar o colégio e o internato, ao lado da praça, Vitorino Freire se comprometeu de envidar esforços juntos ao governo federal e alavancar recursos para a obra. E, de fato, algum tempo depois, conseguiu com o Presidente da República, Eurico Dutra, a doação de quarenta mil cruzeiros para ajudar na construção daquele estabelecimento de ensino. Essa história já foi contada aqui no blog quando tratamos da mudança de topônimo do município, que passou de Curador para Presidente Dutra. A propósito, o terreno onde o belíssimo prédio do convento foi erguido, havia sido adquirido pelo bispo da Prelazia de Grajaú, Dom Emiliano Lonati. Antes, naquele local existia uma usina de beneficiamento de algodão, como também a residência do seu proprietário.

Na noite da chegada da grande comitiva à cidade, houve um grande comício e, ao final dele, um grande baile em homenagem aos visitantes. No dia seguinte, o grupo partiu com destino à Barra do Corda. Estava encerrada a visita do segundo governador a visitar a cidade. Visita que contou também com o senador Vitorino Freire, político que comandou o estado do Maranhão por longos anos sem se sentar na cadeira de governador. Dizem seus desafetos, que ele não queria ser governador para não ficar residindo em definitivo em São Luís. Queria residir no Rio de Janeiro e ficar ao lado dos mandatários do país para obter suas benesses. 

 

PARABÉNS, PRESIDENTE DUTRA, PELOS SEUS 78 ANOS DE EXISTÊNCIA!

 

(*) José Pedro Araújo, é engenheiro agrônomo, funcionário público aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.