domingo, 24 de dezembro de 2023

No Natal, presente é estar presente.


 

Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)

 

Todos corridos, parece que o tempo acelerou as horas, os dias, as semanas, os meses, os anos. Não temos tempo para nada. Estamos açambarcados de coisas quase sempre inócuas. Perdemos tempo com questiúnculas. Vivemos a época do descartável. Não precisa nem quebrar, basta avariar. Joga-se fora, troca-se, coloca outro no lugar. Isso serve para objetos, coisas e relacionamentos.

É Natal outra vez. Tempo de reunir, juntar, ajuntar, aglomerar, para celebrar. Mas celebrar o que mesmo? O Papai Noel e suas renas? O panetone e os presentes? Roupas novas e reluzentes?

Com o mundo cada vez mais mercantilista, onde o consumismo virou religião, falar em Jesus Cristo ficou quase démodé.

O número de agnósticos cresce no mundo todo, especialmente nos países ditos “desenvolvidos”.

 A mídia nos bombardeia a cada segundo: compra, compra, compra.

Importamos novo modismo norte americano, -mais um, a Black Friday, onde compramos o que não precisamos, gastando o que não temos, nos endividamos. Tempos em que tudo tem preço, nada tem valor.

Aprendi que o melhor desconto da tal Black Friday foi aquele que não comprei o que não precisava e economizei 100%.

Natal para mim remete ao tempo em que minha querida e saudosa mãe Dinha, com seu salário de professora primária, ia ao comércio, nos armazéns, e comprava “pano”, como era chamado o tecido e seus aviamentos. Depois íamos todos na costureira, nossa vizinha, para tirar as medidas e fazer a roupa nova de toda a família para a noite de Natal. Nossa pequena casa, com piso em cimento corrido, vermelho, era encerrado com um escovão pesado e cera Parquetina vermelha. A pequena árvore de Natal verde, com ponteira dourada, bolas que lembravam casca de ovo de tão frágeis, e pisca-pisca de frutinhas e Papai Noel a enfeitar nossa pequena casa. Na radiola Telefuken, pé de palito, madeira clara, togava ‘Jingle bell’.

Embaixo da árvore os presentes, que por mágica amanheciam debaixo de nossas camas de campanha no dia seguinte. Presentes de Papai Noel.

As melhores comidas que tenho registradas em minha memória gustativa vêm dessa época. Arroz com passas e abacaxi, farofa, pernil, torta de camarão, macarronada e peru. Detalhe, o peru era comprado vivo e morto na véspera. Nessa época não exista chester. Acompanhado de refrigerantes e espumante George Aubert, da garrafa verde, que à época era chamado de champanhe. E, o melhor, as sobremesas: pavê, bolos, torta fria e rabanadas. O Natal era a única época do ano que se comia nozes, tâmaras, damasco, castanhas portuguesas e queijo do reino Jong, o famoso queijo cuia.

Tudo tão simples, tão marcante. Antes da meia noite, íamos: mamãe e os filhos maiores, para a igreja do bairro assistir à Missa do Galo.

Hoje, fico a me perguntar como minha mãe, com seu minguado salário de professora primária fazia para nos sustentar. Milagre de mãe, bênçãos divinas.

Nos Natais eu ganhava carros de fricção ou de controle remoto. Tive carro de polícia, dos bombeiros, ambulância; além de Forte Apache. Quando o dinheiro dava, até Autorama e Ferrorama da marca Estrela, o maior fabricante de brinquedo da época, eu ganhava.

Hoje tudo mudou. Os brinquedos são eletrônicos e tecnológicos, de última geração. Crianças de dois anos se entretém com celulares e tablets.

Naqueles natais não via tantas pessoas passando fome em nosso entorno.

É vergonhoso e aviltante vê 30 milhões de pessoas passando fome, segundo o IBGE, em um país tão rico, um dos maiores produtores de alimentos do mundo.

O Brasil com enorme concentração de renda e má distribuição, nos torna iníquos e bestiais. Sai governo, entra governo, de todas as colorações partidárias, muitas promessas, e as coisas só pioram.

Se você não tem muito para dar, dê atenção e afeto neste Natal, são coisas que nunca envelhecem, não saem de moda. E, lembre-se que celebramos o nascimento de Jesus Cristo, o filho de DEUS.

Mas é Natal, é nascimento, tempo de renovar a esperança de tempos melhores. Fico com a simplicidade da poetisa goiana Cora Coralina: “Enfeite a árvore de sua vida com guirlandas de gratidão! Coloque no coração laços de cetim rosa, amarelo, azul, carmim. Decore seu olhar com luzes brilhantes, estendendo as cores em seu semblante. Em sua lista de presentes em cada caixinha embrulhe um pedacinho de amor, carinho, ternura, reconciliação, perdão. Tem presente de montão no estoque do nosso coração e não custa um tostão”. E, lembre-se o Natal não é somente em dezembro, mas o ano todo.

Feliz Natal para todos, com saúde, fé, paz, amor, respeito e proteção divina.

(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é Eng. Agrônomo, Palestrante, escrevinhador, cronista e viajante. O latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. Membro do IHGM.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

ÀS PALMEIRAS DA CASA DO CANTADOR (Em Teresina-PI).

Palmeiras Reais da Casa do Cantador(Imagem: Joames)


Joames(*)

Essas palmeiras são almas

De poetas falecidos;

A brisa nas horas calmas

Passa soltando gemidos

 

Entre as delicadas palmas,

Cujos sons são parecidos

Com poemas de vivalmas,

Mas que nunca foram lidos.

 

Diversas placas gravadas

Nos rudes troncos pregadas

Dizem numa exclamação:

 

Por ordem do Soberano

Poetas mudam de plano,

Mas as suas poesias não!

(*) Joaquim Mendes Sobrinho (Joames) é escritor, cordelista, poeta, estudioso e professor de Literatura de Cordel nas escolas municipais de Teresina. É membro da União Brasileira de Escritores – UBE/Tersina; da Associação dos Poetas Populares de Timon e Região dos Cocais (MA). Autor de livros: Antologia dos Cantadores e Poetas Populares do Piauí; As Proezas de Konaré (Poema); Como fazer Versos; Ajuricaba; Pérolas do Improviso; poemas avulsos e dezenas de folhetos de Cordel.

sábado, 16 de dezembro de 2023

A NOITE DE AUTÓGRAFOS NO CURADOR FOI IMPACTANTE

 

Minhas netinhas: Bela, Alice, Lavínia e Gabriela
(Foto de autoria de Caroline S. Araújo)

José Pedro Araújo (*)

Já repeti, até quase a exaustão, o que me levou a escrever um livro sobre a história da ocupação das terras centrais da região conhecida como Japão maranhense. Mas vou repetir, para que alguém que não tenha lido algum dos textos em que fiz referência a este fato, ou mesmo ouvido o que eu dizia oralmente em alguma das minhas conversas sobre o tema.

Essa história começou assim: estava, certo dia em uma rodada de conversa com o meu irmão Jônatas e outros amigos do velho Curador, quando o tema sobre a história da região veio à baila. E na continuação da conversa, alguém tocou no ponto nevrálgico do assunto, ao afirmar que a memória da cidade estava apenas no formato oral e que vinha desaparecendo rapidamente com o falecimento dos nossos pioneiros. Foi nesse ponto da conversa que o meu irmão me desafiou a escrever sobre a história da região. E por mais que eu alegasse não ser versado no assunto, que gostava era de escrever crônicas e até mesmo alguns textos de ficção, ele continuou insistindo. Para não encompridar muito o assunto, antecipo logo que terminei me dobrando ao desafio, afinal, a gelada que consumíamos já estava elevando o nível do meu otimismo aos píncaros. Saí de lá com a promessa de preparar um livrinho sobre a história do nosso torrão natal, e com o compromisso de que haveria de conseguir o patrocínio para a publicação do opúsculo.

No dia seguinte – sempre tem um dia seguinte para os seguidores da deusa Ninkasi – arrependi-me de ter feito a promessa e levei a história do meu arrependimento para o meu irmão. Mas ele não aceitou o meu retrocesso e me cobrou o cumprimento da palavra dada. Bom, o certo é que fui à luta e me debrucei nas pesquisas para levantar os fatos verdadeiros que culminaram com a colonização e ocupação da região em que o velho Curador se insere.

Em 2007, publiquei, com uma aceitação gloriosa da população de Presidente Dutra, a primeira edição do livro que intitulei “Viajando do Curador a Presidente Dutra – história, personalidades e fatos”, pois contar a história de um lugar é uma viagem no tempo. A noite de autógrafos, que aconteceu na sede da AABB na cidade, foi um grandioso sucesso. Mas o que me deixou mais contente naquele dia já tão distante, foi ver a felicidade estampada no rosto que cada um dos nossos munícipes ali presentes. Mostravam-se imbuídos daquela certeza de que agora as lutas e o suor derramado pelos nossos pioneiros não cairiam em absoluto esquecimento, estando agora registrado para a posteridade. E isso, como não poderia deixar de ser, me deixou imensamente feliz e com aquele sentimento de ter retirado dos meus ombros um peso enorme, dada à responsabilidade da missão a que havia me proposto.

Contudo, em razão do peso e da responsabilidade já descrita no parágrafo anterior, prometi para mim mesmo que aquela primeira edição seria também a última. Mal sabia eu que as coisas não funcionam bem assim. Que elas escapam do nosso querer e que, quando nos damos conta, estamos debruçados sobre novas pesquisas a cada dia que o Criador nos concede.

E foi assim que, logo nos dias que se seguiram ao lançamento do nosso humilde trabalho, voltamos a pesquisar sobre o tema, pois acreditávamos que muitas coisas ainda precisavam ser descobertas e trazidas à luz. E assim, os dias foram passando e novos fatos foram surgindo; muitos documentos foram encontrados, muitos testemunhos foram obtidos, e várias lacunas foram supridas na montagem da história real do nosso amado Curador.

Sabedor de que eu continuava com o hábito de continuar com as minhas pesquisas, meu irmão voltou à carga e disse-me que achava que já era hora de lançar uma edição revista e ampliada do livrinho com a história da região. Não havia como desprezar a proposta, pois até podia contar novamente com o apoio dos beneméritos Jônatas Barros de Araújo/Wilana Carvalho de Araújo, Paulo Sérgio Ferreira Falcão/Maria Neusa Falcão, José Alves de Carvalho/Hilarilda Carvalho Torres, Dr. Orlando Sousa Pinto Filho/Kárita de Guadalupe Gomes, Raimundo Alves de Carvalho e Fabiana da Silva Carvalho. E dos novos parceiros, Dr. Elian Oliveira Barros/Dra. Rosy Ane Barros, e Arão Oliveira Barros/Elenice Fonseca Barros. Devo admitir que, dessa vez, não foi preciso muitos argumentos da parte dele. Afinal, eu já vinham meditando nessa possibilidade, dada à necessidade de atualizar algumas informações e, até mesmo, fazer alguns ajustes em algumas situações que estavam necessitando de complemento ou mesmo de alteração. E se eu já estava com um calhamaço de documentos em mãos, faltava ainda transformar tudo em texto, coisa que demanda muito tempo e trabalho. O fato é que levei este último ano trabalhando na montagem da nova edição do livro. Finalmente, dia 7 do mês em curso, estávamos mais um vez na terrinha para o seu lançamento.

Estranhamente, eu estava mais preocupado do que na vez anterior, por acreditar que aqueles que haviam se dedicado à leitura da primeira edição, esperavam alguma coisa bem melhor do que o que havia feito nela. Não sei se conseguiu isso, mas a receptividade dos meus conterrâneos foi estupenda. Por sua vez, os patrocinadores do livro também responderam prontamente ao chamado e ensejaram que apresentássemos um livro com algo em torno de duzentas páginas a mais, e com um nível de qualidade material muito melhor.

Portanto, no dia 7 deste mês de dezembro do sagrado ano de 2023, o auditório da Câmara de Vereadores da cidade estava lotado. A imprensa, capitaneada pelos jornalistas Paulo Andrews e Léo Souza, deu cobertura total ao acontecimento e a noite de autógrafos se transformou em um evento dos mais concorridos na cidade. A minha mulher, Assistente Social Helena de Sousa Lima Araújo, partícipe e vítima ao mesmo tempo – fiquei com o comportamento instável – que também havia se jogado de cabeça na tarefa de me ajudar na montagem do livro ainda no ano corrente, observou que a plateia se mostrava muito feliz naquela noite para receber a segunda edição do livro Viajando do Curador a Presidente Dutra. Que isso era um bom sinal. E que magnífico evento cultural conduzido pelo cerimonialista, poeta Orfileno Gomes! Quão gratificante foi assistir a minha irmã, juíza aposentada e presidutrense Benedita Araújo Lima desfiar a sua competência e oratória na apresentação do livro.  Como o povo da minha terra tem sido condescendente com esse projeto de escriba. Obrigado, Presidente Dutra!

Na solenidade de lançamento da primeira edição do livrinho ainda não contava com as minhas quatro netinhas esbanjando alegria na família. Agora, fiquei imensamente feliz em ver três das quatro princesas do vovô, correndo alegremente por entre os presentes, inundando o ambiente com seus sorrisos cantantes. Parentes e amigos também vieram de longe para abrilhantar a festa em que se transformou o lançamento desta edição. Meus filhos e minhas noras, que também haviam colocado suas mãos na massa e somaram comigo na cansativa tarefa, também estavam exultantes em ver que a solenidade organizada pela minha cunhada Wilana Carvalho de Araújo estava acima da altura dos nossos merecimentos.

O espaço em que se deu o evento, o novo auditório da Câmara Municipal, mostrou-se mais que adequado aos nossos propósitos e por isso agradecemos imensamente ao presidente daquela casa, Ricardo Lucena, e aos vereadores André Jardins e Raimundo Nava pela disponibilidade e empenho de fazer com que a Casa do Povo se transformasse também no espaço ideal para a solenidade de relançamento do nosso livro. Ao prefeito de Presidente Dutra, Raimundo Carvalho, representado no ato pelo advogado Lucas Castro, pelo apoio ao nosso projeto. Agora, só nos resta esperar que o resultado do trabalho seja adotado pelas escolas e bibliotecas da região na difusão da história do nosso município de Presidente Dutra.

Ademais, como já falei anteriormente, quão grande é o prazer de ter nascido em um lugar que tem o venturoso nome de Curador. Senti-me como os pioneiros que buscavam o nosso Curandeiro para tratar dos males do corpo naquela encruzilhada que se formou na região da Santa Maria do Japão em meados do século dezenove. E quanta ajuda me prestaram os meus conterrâneos. Aliás, em matéria de ajuda, olho para trás e vejo a multidão de pessoas que ombrearam comigo a fim de que esse projeto chegasse a bom termo. Esposa, noras, filhos, netos, irmãos, cunhadas e cunhado, amigos, conhecidos, além dos mantenedores deste livro, formamos uma só corrente na execução deste trabalho. Nunca estive sozinho!  

(*)José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.


segunda-feira, 27 de novembro de 2023

PRÉ-LANÇAMENTO DO LIVRO "VIAJANDO DO CURADOR A PRESIDENTE DUTRA" - história, personalidades e fatos.


 

Queridos amigos e amigas, estamos iniciando o processo de pré-venda do nosso livro Viajando do Curador a Presidente Dutra, livro que relata, entre outras coisas, a forma como se deu a colonização da região conhecida como Mata do Japão Maranhense. Trata-se de uma edição revista e atualizada, o que a faz vir encorpada em cerca de duzentas laudas, elevando o seu total para 576 páginas. A edição de 2007, que se encontra esgotada, foi levada ao conhecimento daquelas pessoas que têm alguma curiosidade acerca da história da região, e há tempos vinha sendo requisitada pelos citados interessados a sua reedição. No dia 07 de dezembro próximo, faremos o lançamento do novo livro em solenidade a ter lugar no auditório da Câmara Municipal de Presidente Dutra - MA, à partir das 18:30 horas. Contudo, aqueles que estiverem fora do município, região ou estado, poderão adquiri-lo também, e receberão o produto no endereço que nos informarem, sem os custos de postagem. Na imagem que emoldura este aviso, temos o número de Whatsapp (86) 8118-0785, para o envio de mensagens e demais informações necessárias à aquisição do citado livro. O valor do mesmo é de R$ 85,00. E como vamos adentrar ao período natalino, aquele em que as trocas presentes se dão em maior volume, poderá ser esta uma forma barata e interessante de presentearmos alguém, sobretudo aquelas pessoas interessadas na história do seu ou de outros povos.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

O “CARRO DO CARDOSO”: A DESASTRADA “CARONA” DE UM MENINO

Ônibus Misto ou Horário - Foto meramente ilustrativa


(Chico Acoram)*



Boca da noite de um certo dia de verão do ano de 1959 ou meados de 1960. Não lembro exatamente o ano. Talvez eu tivesse sete ou oito anos de idade. Uma grande lamparina cheia de querosene estava acesa alumiando preguiçosamente a sala principal da nossa casa, localizada na confluência do rio Marataoã (margem esquerda) com um pequeno lago, entre o bairro Boa Vista e a então localidade Pedrinhas, em Barras-PI.

Minha mãe “engomava” com esmero algumas muda de roupas do meu pai. Pacientemente, com uma das mãos, deslizava com delicadeza um velho ferro de passar à brasa sobre o vestuário. De vez em quando, me chamava para eu colocar um pouco mais de carvão e abanar aquele rústico utensílio doméstico. Três dias antes meu pai, que estava em Teresina em busca de meios de sustentação para a família, enviou pelo Ajudante do “Carro do Cardoso” uma trouxa com suas roupas sujas para que minha mãe providenciasse a lavagem, e as devolvesse pelo mesmo portador o mais depressa possível. Depois de passar a roupa, mamãe pegou todas as peças e as embalou, com carinho, sobre um pedaço de pano, alinhavando as extremidades do mesmo com uma grossa agulha. Em seguida me chamou:

- Meu filho vá dormir, pois amanhã bem cedinho você irá até a “Rua” levando esta encomenda para o Ajudante do “Carro do Cardoso” entregar para seu pai em Teresina.

De imediato, fui para o meu quarto. Deitei na minha rede pensando na tarefa do dia seguinte. Meu irmão mais novo, ao lado, ressonava. Não demorou muito, adormeci. Nessa noite, sonhei que viajava no “Horário” com destino a Teresina. Estava radiante em viajar nesse veículo. No sonho, meu pai me aguardava em Teresina onde me abraçou ternamente quando cheguei.

Cabe esclarecer que “Horário” é uma expressão regional dada aos caminhões adaptados (em madeira) para transportar passageiros e cargas, muito utilizados nos anos 40, 50 e até mesmo na década 60 do século passado, com características de ônibus. Segundo o escritor barrense Antenor Rêgo Filho, em seu livro BARRAS, HISTÓRIAS E SAUDADES, definiu com muita propriedade a expressão “Horário”:

“Era um caminhão com dupla finalidade: transportava mercadorias e passageiros. A cabine ou boleia era modificada, algumas formadas por três ou quatro filas de banco que ocupavam a metade da carroceria do caminhão e acomodavam 5 ou 6 passageiros cada uma. O restante da carroceria destinava-se ao transporte da carga. Em outros, a modificação era total, e ocupava-se toda a carroceria com bancos, tudo isso construído em madeira. Sobre a coberta dos bancos existia o toldo, onde eram colocadas as bagagens dos passageiros, levando de tudo: porcos, galinhas, carneiros, bode, sacos de farinha, arroz, frutas etc. Partindo de uma localidade, fazia o percurso, que se chamava “Linha”, uma ou duas vezes por semana. O motorista era figura de destaque, e gozava de muito prestígio. Trazia notícias, recados, cartas, encomendas, jornais e revistas. As partidas eram obrigatoriamente pela madrugada. Como sinal de partida, usava-se a buzina do veículo. A primeira buzina significava que já estava nos preparativos para a viagem, a segunda que já estava próxima a saída e a terceira e última era a partida iminente. Este mesmo código valia também para as paradas durante o percurso. A velocidade era pequena, dado o tipo de estradas e potência dos motores dos caminhões.”

Em Barras do Marataoã havia um “Horário” que era chamado “Carro do Cardoso” de propriedade do senhor Francisco Cardoso, mais conhecido pela alcunha de Chico Cardoso. Fazia a linha Barras a Teresina, com escala em José de Freitas. Partia de Barras rigorosamente às seis horas, e retornava de Teresina às quinze horas do mesmo dia.

Na manhã seguinte, ainda ao alvorecer, estava eu a caminho do centro da cidade levando aquela preciosa encomenda. A passarada cantava com todo seu esplendor junto às matas das margens do rio e do lago. Antes de eu sair, um último aviso de minha mãe:

- Cuidado com a roupa do seu pai. Não deixe cair no chão!

O percurso entre a nossa residência e o centro de Barras, cerca de 2,5 km, era percorrido, inicialmente, por um caminho arenoso até chegar a Rua do Cedro (sem calçamento), no Bairro Boa Vista. Depois de atravessar esse bairro, caminhei por um trecho de piçarra poeirenta entre o já mencionado bairro e o final da Rua Grande, atual Rua General Taumaturgo de Azevedo, próximo do comércio do Mestre Aurélio. Subi a ladeira desta larga via, passando pela bela praça Monsenhor Bozon, e logo em seguida, cheguei à praça da igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, dobrando à esquerda em direção a Rua Leônidas Melo onde estava localizada a Agência do Chico Cardoso, vizinha ao “Bar do Chico Correia”.

Antes da primeira buzinada, eu já estava na Agência entregando a encomenda ao Ajudante do “Carro do Cardoso”, ou seja, o dito portador (que não lembro seu nome) para que a levasse para o meu pai que se encontrava em Teresina.

No segundo apito, eu já estava escondido, na última fileira de bancos do “Horário”, agachado, de cócoras, aguardando ansiosamente a partida do veículo. Até aqui, estava tudo de acordo com o plano que elaborei na minha mente durante o tempo em que eu caminhava rumo à Agência do Cardoso. Coisas de menino traquino!

- Vou pegar é uma carona até ao Posto Fiscal! Pensei. E lá chegando, desembarco do veículo, e retorno para minha casa, tranquilamente! Assim, realizo meu sonho em andar de carro.

Eu sabia que em frente àquele Posto Fiscal havia uma grande e grossa corrente de ferro comumente atada em dois troncos de madeira para obrigar os carros (que chegavam ou partiam) a estacionarem para a vistoria das mercadorias que transportavam. Meu plano era perfeito!

Na terceira e última buzinada, o “Horário” deu partida para Teresina. Com o veículo em movimento, fiquei logo de pé, do lado direito da última fileira de banco de passageiros, olhando atentamente para frente daquele caminhão que trafegava lentamente pela Rua Leônidas Melo em direção ao mencionado Posto Fiscal, que distava cerca de 300 metros da velha ponte de madeira sobre o rio Marataoã, construída em 1935. Eu estava muito feliz em andar pela primeira vez no “Carro do Cardoso”, embora de forma clandestina.

Logo que aquele primitivo ônibus passou pela serraria do senhor Edmar Rocha, olhei para o local do Posto Fiscal para verificar se a corrente de ferro estava alevantada ou não. Para minha surpresa, a corrente estava rente ao chão de piçarra daquela estrada (PI-113), permitindo a livre passagem dos veículos. Nesse momento, o motorista decidiu aumentar a velocidade do carro. Os tripulantes desconheciam minha presença entre os passageiros. Entrei em pânico! “Vou bater em Teresina! Minha mãe vai ficar preocupada com meu sumiço. Certamente meu pai me dará uma boa “sova” por essa minha traquinagem. E agora?” Lamentei-me, com arrependimento.

O carro desenvolvia uma velocidade um pouco acima de 20 km, e sem pensar nas consequências do meu ato tresloucado, pulei, mortalmente, em queda livre para o chão duro e áspero da estrada de piçarra. Caí qual os mergulhadores que imergem nas águas com seus tanques de ar nas costas. Apenas com uma diferença: a água é macia, e o chão é duro! Alguns passageiros que presenciaram a cena gritaram para o motorista:

- Pare! Um menino maluco pulou do carro!

O motorista meteu o pé no freio, levantando poeira e piçarra para todos os lados. Foi um alvoroço geral. O Ajudante que conhecia meu pai, olhando para trás, me reconheceu. Correu em minha direção onde eu estava caído.

- É o menino do Chico Maroca! - gritou o Ajudante.

Antes que o auxiliar chegasse até a mim, fugi em desabalada carreira, cambaleante, pela Rua Leônidas Melo até chegar na praça da igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. De lá, caminhando, andei trôpego até chegar em minha casa. Estava ofegante, sentindo muitas dores na região lombar. Felizmente, sem nenhuma costela quebrada. Da tresloucada aventura, havia ganho apenas alguns riscos de sangue nas costas.

Minha mãe, com olhar incisivo e perscrutador, logo após identificar a minha lastimável situação, indagando-me com a autoridade de quem não admitia mentiras:

- O que aconteceu contigo? Diz-me logo, menino?

Respondi-lhe que, quando estava retornando para casa, tropecei caindo de costas em um barranco de piçarra do pontilhão que fica no trecho entre o final da Rua Grande e o Riachinho. Obviamente, a mamãe não acreditou muito naquela história, ficando um pouco desconfiada. Entretanto, não me perguntou mais sobre o acontecido, preferindo verificar cuidadosamente os estragos sofridos por mim.

Meu Anjo da Guarda amorteceu aquela mortal queda, amparando-me nos seus braços. Um milagre! Comentei isso em minhas orações.

Não me recordo se meu pai retornou de Teresina no dia seguinte, ou se foi no final daquela mesma semana. O fato é que ele soube pelo Ajudante que eu tinha pulado do “Carro do Cardoso”, mas que não sabia informar como eu havia ficado após a queda. Ficou preocupado e muito triste com aquela notícia sobre o seu filho, o que fez com que ele voltasse para casa antes do prazo previsto.

Chegando em casa, foi logo procurando por mim:

- Cadê o Carlos? Ele está bem? - indagou antes mesmo dos primeiros cumprimentos.

- Ele está aqui por perto de casa, e está bem. Só que está com uns pequenos arranhões nas costas. Dizendo ele que foi um tombo que levou lá no pontilhão do Riachinho. Eu achei muito estranho o que me contou – respondeu a minha mãe - Francisco, você soube de alguma coisa?

Escutando a voz de minha mãe a me chamar da janela da nossa casa, encerrei o delicioso banho nas águas do rio Marataoã. Não sabia, até então, que meu pai havia retornado da viagem. Quando entrei em casa, ainda bastante molhado, lá estava ele de braços abertos para me abraçar, e, em seguida, apalpou minhas doridas costas, me falando:

- Graças a Deus! Não quebrou nenhuma das tuas costelas. Até parece que levou uma “pisa” com cipó de tamarindo? - estava muito feliz com o meu estado físico com apenas alguns arranhões para se ocupar de alguma admoestação mais severa.

Papai já havia contado para minha mãe tudo que o Ajudante lhe falou em Teresina sobre aquela desastrada carona que peguei no “Carro do Cardoso”.

No início do ano de 1961, meu pai decidiu levar a família para residir em Teresina por necessidade de melhores condições de vida. E eu descrevo essa viagem em uma das minhas primeiras crônicas que escrevi no gênero. 

(*) Chico Acoram é funcionário público federal, poeta cordelista e cronista, autor do Livro O Menino, o Rio e a Cidade.