terça-feira, 29 de dezembro de 2020

DR. FRANCISCO DE SOUSA MARTINS: O Herói e o Misantropo.

Fazenda Boa Esperança e Colégio Interno do Pe. Marcos de A. Costa

 

José Pedro Araújo

Poucas personalidades na história do Piauí tiveram uma vida tão curta e ao mesmo tempo tão intensa quanto o Dr. Francisco de Sousa Martins. Nascido em uma família rica e com amplo domínio sobre o estado do Piauí por uma larga faixa de anos, foi o biografado uma mente luminosa e brilhante em meio a tantos outros que se destacaram na sua poderosa família. Entretanto, o seu ocaso foi tristemente melancólico e prematuro.  Sem a pretensão de ser confundido com um biógrafo do citado homem público, discorro a seguir sobre a vida do eminente piauiense, político de estofo, na mais alta acepção da palavra, que honrou com o seu trabalho e a sua inteligência, a terra em abriu os olhos pela primeira vez para contemplar o azul celeste do céu do seu sertão agreste.

Nascido em Jaicós, em 06 de janeiro de 1805, na fazenda Canabrava, rica propriedade pertencente à família, era filho do coronel Joaquim de Sousa Martins e de dona Teresa de Jesus Maria. Também era sobrinho do poderoso Visconde da Parnaíba, potentado que comandaria o Piauí com mão de ferro por quase vinte anos. Uma prática comum, naqueles tempos, era que as grandes e poderosas famílias escolhiam um dos filhos para seguir a vida de clérigo, e foi justamente o menino Francisco o escolhido para investir na vida monástica. E com este propósito, foi enviado ainda criança para a escola mais famosa da época, bem perto de casa, na Fazenda Boa Esperança, pertencente ao Padre Marcos de Araújo Costa, um parente muito próximo e chegado. O colégio em que passaria a maior parte da sua infância e adolescência, era referência na qualidade de ensino em toda a região nordestina, e até com excelente reputação em todo o território nacional. Lá o menino Francisco se prepararia para ingressar na carreira apostólica, como já estava programado e decidido.

Por esse tempo, seu pai, que além de fazendeiro abastado, dono de muitas terras e de um numeroso rebanho bovino, era também o comandante militar da província então sob o domínio do seu poderoso irmão, o Visconde da Parnaíba. E comandou as forças de segurança locais, inclusive, durante a guerra pela independência do país.

Com uma mente aguçada, e sequiosa de conhecimentos, logo o menino se destacou dos demais alunos, aproveitando-se do fato de possuir o colégio uma das melhores e mais completas bibliotecas da região, quiçá do país. Sobre a biblioteca famosa, aliás, até mesmo o biólogo inglês George Gardner, em passagem pela região, surpreendeu-se e teceu grandes elogios à sua qualidade e posse de importantes publicações a respeito de variados assuntos. Surpreso por encontrar semelhante bibliógrafo em pleno sertão nordestino, destacou o viajante sobre o que vira: “Ele próprio (Padre Marcos) é um erudito possuidor de vasta biblioteca de clássicos e filósofos; de botânica e história natural possui suficiente conhecimento para que estes assuntos lhe tornem agradável distração. Entre os seus livros encontrei quase todas as obras de Lineu, as de Brotero, e uma de Vandelli, muito rara, sobre as plantas de Portugal e do Brasil, obra que ele acabou por me oferecer de presente”.

Foi nesse ambiente de cultura elevada, que o jovem Francisco Martins passou a sua infância e adolescência, aproveitando-se do largo conhecimento e erudição do tio e da sua vasta coleção bibliográfica. Isso acabaria por formatar o seu caráter e a sua alta ilustração. Não é difícil de imaginar que, para um jovem retraído e averso às brincadeiras comuns aos da sua idade, a biblioteca seria o seu refúgio natural. É esta uma dedução lógica para se formar a personalidade de um jovem que se tornou um adulto retraído e circunspeto. Um misantropo, nas palavras dele próprio.  

Alguns anos depois, contudo, a situação política da Província mudaria de figura, ocasião em que seu pai oficializa o rompimento de relações com o irmão, tendo sido apeado da condição de comandante militar por conta disso. Por essa época, tendo completado vinte anos de idade, o jovem Francisco foi levado pelo pai ao Rio de Janeiro para continuar seus estudos. Como atesta o insigne historiador piauiense, Monsenhor Chaves, o coronel Joaquim de Sousa Martins aproveitaria a viagem ao Rio de Janeiro na qual apresentaria queixas do irmão para o Imperador Pedro II, para conduzir o filho até a capital do império. Seu propósito inicial, com relação ao filho, seria que ele recebesse as ordens sacras e desse início à sua carreira apostólica. Contudo, sua pouca idade não permitiu que assim acontecesse. E talvez precisasse complementar seus estudos antes de ser ordenado padre.

O certo, é que, ao invés da sua ordenação, o jovem Francisco Martins teve que ingressar no Seminário São José para concluir seus estudos teológicos. Não passaria muito tempo naquele seminário, contudo. Talvez tenha abandonado os estudos de religião um ano, ou menos que isso, depois de tê-lo iniciado. É o que depreendemos ao nos depararmos com informações de Clóvis Bevilácqua, importante jurisconsulto brasileiro, além de escritor respeitado, quando ele afirma em seu livro “História da Faculdade de Direito do Recife”, que Francisco ainda cursaria o primeiro ano da Escola Militar, mostrando que havia mudado de opinião e não pensava em levar uma vida de clérigo, como era a vontade dos seus familiares. E como seu pai, seguiria a carreira militar.

Entretanto, mesmo essa ideia, durou pouco. Pouco depois, o jovem piauiense mudaria outra vez de planos e seguiria para Portugal, para ingressar na faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra. Esse fato aconteceu após dois anos de sua chegada ao Rio de Janeiro, em 1828. Foi uma virada brusca no planejamento inicial da sua carreira profissional.

Nesse ponto da sua vida, há uma discrepância entre o que afirma o historiador piauiense, o meticuloso Monsenhor Chaves, e o que registra o jurisconsulto e acadêmico Bevilácqua. Enquanto o primeiro afirma que o estudante piauiense travou conhecimento com alguns internos portugueses no seminário e lá decidiu abandonar a carreira religiosa e seguir diretamente para Portugal, o segundo diz que ele abandonou o Colégio Militar, e não o Seminário, e embarcou para Coimbra com o propósito de se tornar advogado.

O certo é que ele cursou os dois primeiros anos do curso jurídico, mas foi mais uma vez forçado a mudar de planos em função da disputa sangrenta havida entre os irmãos D. Pedro I e D. Miguel pelo domínio da coroa portuguesa. A história registra que tal disputa envolveu toda a sociedade portuguesa em apaixonado e exacerbado conflito interno. Os reflexos dessa briga familiar pela sucessão de D. João VI, pai dos dois desafiantes, chegou até Coimbra, tendo a Universidade fechado suas portas por algum tempo e por ordem superior.

É provável que os estudantes brasileiros tenham cerrado fileiras junto aos partidários de Pedro I, Ex-imperador do Brasil, e contra os partidários de D. Miguel, que já possuía o comando do país em suas mãos. Os estudantes brasileiros, por esta razão, passaram a ser perseguidos e, por conta do fechamento da Universidade, foram obrigados a retornar ao país de origem. Francisco de Sousa Martins estava entre estes.

Menos mal que, justamente nesse período, inaugurava-se a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco, a primeira no país, e o piauiense se matriculou ali, para fazer parte da primeira turma. O escritor piauiense Jesualdo Cavalcante Barros afirma, em seu livro “Sertões de Bacharéis”, baseando-se em levantamento realizado por Clóvis Bevilácqua, que dentre os 3.930 bacharéis formados no período de 1832/1898 naquele estabelecimento de ensino superior, somente constavam 108 piauienses. Dr. Francisco de Sousa Martins foi um desses. Formou-se logo na primeira turma. Já estava com vinte e sete anos.

Corria o ano de 1832, quando o jovem piauiense colou grau, finalmente, e nessa ocasião o seu pai e o Visconde já haviam superado suas desavenças e voltaram a marchar juntos no comando político da província piauiense. O advogado recém formado retornou para a terra natal e instalou seu escritório de advocacia em Oeiras, capital da província, onde passou a advogar. Entretanto, logo no ano seguinte, 1933, aproveitando o prestígio da família, foi nomeado Juiz de Direito da Capital. E no ano seguinte, eleito Deputado Geral para representar o Piauí no Rio de Janeiro, capital do império. Tornou-se um dos grandes oradores do parlamento, e ocupou lugar de destaque entre seus pares quando a discussão se dava no campo das finanças. Clóvis Bevilácqua - outra vez ele -, afirma que tal prestígio fez com que o piauiense fosse convidado a ocupar o cargo de Ministro da Fazenda, tendo, mais de uma vez, declinado do convite.

Eleito Deputado Geral em cinco legislaturas, a maioria delas pelo Piauí, mas também pelo vizinho estado do Ceará, o Dr. Francisco Martins deixou a tribuna para ocupar a presidência em duas províncias diferentes; a da Bahia, e a do Ceará. Na da Bahia, em 1834, chegou em um período conturbado, quando os escravos baianos deflagraram uma sangrenta revolução contra seus senhores, movimento de sedição que ficou conhecido com a Revolta dos Malês.

O historiador e acadêmico, Reginaldo Miranda, um dos biógrafos do insigne político piauiense, destaca que a revolta partiu dos “negros muçulmanos que tentavam tomar o governo da província e proclamar um reinado. Para isso planejaram assaltar o Palácio do Governo, o Quartel Militar, o Forte de São Pedro e o Quartel de Infantaria de Linha, dominando, assim, a cidade de Salvador, para matar todos os brancos cristãos e coroar a escrava Sabrina, que a tinham como princesa em sua terra. A maioria dos negros revoltados era formada por ex-escravos libertos, africanos, islâmicos da etnia nagô, que exerciam atividades livres em Salvador, daí serem chamados “negros de ganho” (alfaiates, pequenos comerciantes, artesãos e carpinteiros)”.

Nesse período, a província estava desfalcada de suas forças bélicas, enviadas que haviam sido para o Rio Grande do Sul, onde ocorria naquele instante a Revolução Farroupilha. O Presidente Francisco de Sousa Martins demonstrou ser dotado de elevada coragem e profundos conhecimentos em estratégia militar, combatendo mais de 40.000 insurretos que se aproveitavam do momento de desmilitarização e espalharam o pânico e a morte nas cidades baianas. Especialmente na capital da província e na região do recôncavo baiano. Deste modo, organizando a pequena força que possuía na sede administrativa, lutou sem temor contra os sitiantes que atacaram o palácio do governo naquela madrugada. De armas em punho, venceu-os, mesmo com força militar muito inferior em número, e conseguiu restituir a paz à província conflagrada. Mostrou o político piauiense toda a sua bravura e competência, ganhando fama e respeito pela vitória alcançada de arma em punho.

Em 1838 foi novamente nomeado para a Presidência de uma província, a do Ceará, deixando o parlamento mais uma vez. O Ceará atravessava uma crise política sem precedentes, ocasião em que o Padre e Senador José Martiniano de Alencar, pai do escritor José de Alencar, militava na oposição mais uma vez. É que o partido Liberal, do qual era o senador um dos líderes de maior expressão, havia perdido a Regência para o partido Conservador mais uma vez. Martiniano de Alencar era um chefe político com grande poder sobre aquela Província, que chegou a presidir em outra época, e defendia essa liderança com mão de ferro. A princípio, ele ainda tentou se aproximar do indicado Presidente da Província, Dr. Francisco de Sousa Martins, mas não obteve existo nesse seu intento, passando então a fazer-lhe dura oposição.

Acontecia naquele momento eleições para o preenchimento de uma vaga de senador pelo estado, e o candidato apoiado pelo novo Presidente do Ceará, o piauiense Martins, era um “estranho” à região, um baiano indicado pelo Regente Araújo Lima, que com o gesto declarou guerra aberta ao senador e líder político cearense. O candidato indicado para concorrer ao cargo vago não foi aceito pelo senador Martiniano de Alencar. Este, demonstrando toda a sua insatisfação e repulsa, apoiou outro nome para a vaga aberta para o senado, alguém saído das suas próprias fileiras políticas. Tendo, após isto, o senador cearense, como represália, a apoiar a decretação da maioridade do Imperador D. Pedro II, proposta esta que era do partido Conservador quando se achava na oposição, e encampada agora pelos Liberais. Martiniano de Alencar, anos depois, em 1842, fundou a Sociedade dos Patriotas Invisíveis, uma organização política secreta que tinha como principal objetivo a decretação da maioridade do Imperador e o fim do período das regências. Essa campanha espalhou-se pelo país, tendo se apresentado muito forte, principalmente, nas Províncias de São Paulo e Minas Gerais. A campanha ganhou corações e mentes no país e acabou por finalizar o período dos governos regenciais. Passando, então, o jovem imperador, Pedro II, a governar, de fato, o seu império.

Também acontecia naquele momento a Revolta da Balaiada que assolou o Maranhão e o Piauí, um movimento sangrento e que causou enorme mortandade na região. Movimento de crescente ascensão, a revolta dos balaios chegou até ao território cearense naquele momento. O Dr. Francisco de Sousa Martins organizou a defesa da Província, e atacou duramente os balaios, cujos chefes foram acusados de contarem com o apoio do grupo político chefiado pelo Senador Martiniano de Alencar. Os revoltosos foram vencidos e escorraçados da província cearense com alguma dificuldade. Não foi um período fácil para o político piauiense, a sua estadia no Ceará.

Homem culto, quase sempre moderado nas suas ações, passou o piauiense a ser atacado duramente pela imprensa partidária do Senador Alencar. Periódicos, como o jornal “O Despertador”, o acusava severamente de perseguir seus adversários com ameaças de prisão e recrutamento militar, e com promessas de enviá-los para servir à Guarda Nacional na Província do Maranhão para combater os Balaios.

E se o período do Dr. Francisco Martins frente ao governo cearense foi curto, os ataques à sua pessoa foram demorados. O periódico “Pedro 2º”, também um jornal conservador, e simpático ao grupo político de Martiniano de Alencar, dez anos após o término do mandato do piauiense, ainda o acusava duramente de ter praticado malefícios ao povo cearense durante o período em que esteve como chefe maior do executivo naquela província. Entretanto, havia também quem o defendesse. Nesse mesmo período, o jornal “O Cearense” tomava suas dores e o defendia e qualificava como um grande administrador e um democrata de escol que muito fez pelo Ceará no pouco tempo que que esteve no comando político estadual.

Terminado o seu curto mandato, que durou poucos meses, posto ter ocupado o cargo de Presidente da Província do Ceará de 03 de fevereiro a 09 de setembro de 1840, retornou o piauiense ao Rio de Janeiro para o reocupar o seu mandato de Deputado Geral. E depois, retomou o seu cargo de juiz.

Para concorrer a mais um mandato de deputado geral, desta vez pelo Ceará, Francisco Martins teve as suas pretensões obstadas. Possivelmente ainda uma vindita do poderoso senador Martiniano de Alencar. Deste modo, o seu pedido de licença do cargo de juiz de Direito de Niterói, não foi autorizado, segundo o jornal oposicionista Sentinela da Monarquia, do Rio de Janeiro. Na sua edição de 19/06/1844, o jornal afirmava: “sabe-se também que foi excluído o Sr. Sousa Martins da lista de deputados que o ministério decretou para o Ceará”.  Fazia ele parte de uma relação de pessoas que aquele jornal denominou de “Os Proscritos”.

Contudo, demonstrando toda a sua capacidade de sobrevivência política, é certo que Sousa Martins concorreu pela sua província natal. E foi eleito, pela Província do Piauí, para a 6ª legislatura, no período de 1845-1847. Por esse tempo as relações de Francisco de Sousa Martins com o tio, o Visconde da Parnaíba, andavam bem estremecidas. Afirma-se, que o deputado, usando um nome falso, um pseudônimo, escrevia no jornal Diário do Rio de Janeiro atacando duramente o então presidente da Província do Piauí, e seu tio.

  No parlamento, o piauiense Sousa Martins foi um dos mais respeitados oradores, tanto pela sua alta formação, quanto pela capacidade que possuía de tribuno combativo e frio, deixando seus desafetos em embaraçosas situações em diversas ocasiões. Por sua vez, a capacidade de discorrer sobre temas econômicos fez dele um candidato em potencial para ocupar o cargo de ministro da fazenda, posto que ele nunca aceitou ocupar.

O médico e biólogo inglês, George Gardner, já aqui citado, nos dá notícia de um encontro com o parlamentar piauiense quando de sua estadia na Fazenda Boa Esperança, do padre e educador Marcos de Araújo Costa, em Jaicós, em março de 1839. Isso aconteceu um pouco antes de Francisco de Sousa Martins ocupar o cargo de Presidente da Província do Ceará. Gardner faz essa referência no seu livro “Viagens no Brasil”. O livro é uma espécie de Diário de sua viagem pelo interior do país catalogando minerais e plantas nativas. Enquanto descansava de suas fadigas na fazenda do renomado religioso e educador, o cientista se encontrou com o político que seguia de Oeiras para o Rio de Janeiro, juntamente com seu irmão, o Major Clementino de Sousa Martins.

A última fase da vida do Dr. Francisco de Sousa Martins no Rio de Janeiro, foi marcada pelo seu casamento com uma jovem daquele estado. São poucas as informações sobre esse seu período da sua vida. E o pouco que sabemos, são informações parcas coletadas aqui e ali pelos seus biógrafos mais conhecidos, como o jornalista Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, por João Pinheiro, e por Joaquim Chaves, além do acadêmico contemporâneo, Reginaldo Miranda. Pouca coisa, contudo, para um homem de vida tão intensamente vivida durante os primeiros quarenta e dois anos de vida. De fato, temos a certeza de que casou já quarentão, e que este casamento não lhe gerou herdeiros.

Sabemos, por exemplo, que esse casamento não cobriu de felicidade o ilustre piauiense, pois coincidiu com o período em que teve fim a sua ativa vida parlamentar e recaiu sobre ele sofridas e duradouras enfermidades. Francisco Martins passou a padecer de doenças do corpo e do espírito, o que o levou a ser acusado até mesmo por antigos aliados de falta de lucidez. Os últimos cargos por ele ocupados foram o de Juiz dos Feitos da Fazenda Pública e o de chefe de polícia do Rio de Janeiro. Mas então, ele já padecia de graves enfermidades que aos poucos foram lhe minando o entusiasmo e a alegria de viver. O Decreto nº 435, de 05 de julho de 1847 lhe concedeu licença pelo período de dois anos do cargo de Juiz dos Feitos da Fazenda da Corte. Ainda em 1847 partiu para a Europa em busca de ajuda médica, tendo chegado a Paris em um período de grande conflagração revolucionária. A esposa, também, não o acompanhou quando viajou a tratamento de saúde, e muito menos quando retornou definitivamente ao Piauí e se internou na sua Fazenda e por descansou definitivamente desta vida. Talvez um indicativo de que já estivessem separados. Abreviando a sua estadia na cidade de Paris, por conta da convulsão social lá instalada, foi para Lisboa, onde demorou-se algum tempo.

A situação de dificuldades pelas quais vinha passando, conhecemos, pela primeira vez, através de suas próprias palavras quando o indigitado se encontrava na capital portuguesa. O acadêmico Reginaldo Miranda publicou um alentado estudo sobre o citado Dr. Francisco de Sousa Martins no blog do Poeta Elmar Carvalho, em que nos traz importantes informações sobre o estado de saúde física e mental do nosso biografado, informações publicadas por ele em correspondência enviada ao jornal “Diário de Pernambuco”, no qual ele confessa, amargurado:

É inútil aqui mencionar tudo quanto tenho sofrido nos últimos três anos; posso, porém, dizer em geral, que durante esse espaço de tempo, um só dia não tenho vivido com humor contente e espírito livre e satisfeito. Aos males físicos que diariamente me oprimem, acrescem noites contínuas de completas vigílias e anuviadas com as mais lúgubres e funestas meditações; a sociedade humana tem-se-me tornado um flagelo, e a minha vida converteu-se em uma agreste e selvática misantropia. A única satisfação que ainda experimento é a que me confere a solitária leitura de meus livros; estes são hoje os meus únicos amigos, os companheiros dos meus momentos de infortúnio, os consoladores das minhas tristezas, o único conforto que neste vale de lágrimas da vida humana não pode ser roubado ao infeliz, ainda que desamparado de toda  natureza”.

‘Mas, esse mesmo derradeiro refrigério de uma existência amargurada, em grande parte me tem sido impedido e contrariado pelos sofrimentos de meus olhos; pois que, ainda que agora possa ler e escrever, contudo isto não o posso fazer sem grande fadiga, cansaço da vista e exaltação do cérebro, o que acarreta penáveis incômodos nas mal dormidas noites. Ainda isto mesmo, só agora, depois que estou em Portugal, me tem sido permitido, porque antes quase que nenhuma leitura me era possível por mais de meia hora”.

Já sem a confiança devida na sua recuperação, resolve voltar para casa, embalado pelas saudades dos seus sertões de dentro, e define desse modo o que sentia naquele instante, assim anotou Monsenhor Chaves:

“Sim, é lá que o meu corpo deve descansar; ao menos repousaria a fronte no túmulo dos meus pais, depois de ainda uma vez respirado o ar livre dos meus sertões”. Não acreditava mais no restabelecimento da sua saúde; era o fim da sua luta em busca da cura para os seus males entre os médicos europeus. E só lhe restava voltar para casa.

A Coleção de Leis do Império do Brasil, traz no seu bojo o Decreto nº 804, de 23 de setembro de 1854, que confere ao Dr. Francisco de Sousa Martins a sua aposentadoria do cargo de Juiz de Direito e com o seu ordenado “inteiro de hum conto e seiscentos mil reis”, afirmava o texto aprovado. 

No seu retorno para casa, foi o insigne piauiense bem recebido e festejado com honras de estadista pelos seus conterrâneos em Oeiras. Depois, recolheu-se à fazenda Canabrava, pertencente a sua família, local onde também nasceu, para viver os seus últimos dias de vida. Faleceu em 05 de julho de 1857, com apenas 52 anos de idade.

O Monsenhor Chaves escreve que o ilustre piauiense ainda tentou o suicídio em uma ocasião no ano de 1857, mesmo ano da sua morte.

Uma das atividades pouco difundidas do grande piauiense, é a sua condição de escritor e tradutor.  Apenas dois dos seus trabalhos literários foram publicados, ou chegaram ao conhecimento do público, como o seu “Progresso do jornalismo no Brasil”, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB, tomo VIII, p. 262 a 275). O restante da sua obra continua desconhecida ou foi publicada sem a identificação do seu criador em jornais ou revistas.

Quando da sua morte, foi “encontrado entre seus pertences na fazenda Canabrava, uma tradução por ele feita, e que ficou inédita, de “Viagens em redor do meu quarto”, de Xavier de Maistre, entre outras, e escritos sobre finanças”, nos informa Reginaldo Miranda.

Por sua vez, o historiador F. A. Pereira da Costa, no seu livro “Cronologia Histórica do Estado do Piauí”, afirma que o ilustre Francisco de Sousa Martins, como membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, foi homenageado postumamente pelo seu confrade e renomado escritor, Joaquim Manoel de Macedo. Discurso esse publicado no Suplemento do Ano Biográfico do IGHB, no qual, entre outros elogios extremados sobre a vida e obra do extinto piauiense, declara ter sido ele uma “inteligência ilustrada por sérios e profundos estudos, caráter nobre e severo, e de probidade experimentada, Francisco de Sousa Martins foi muito menos do que devia e podia ter sido”.

PS. O título que emoldura o texto foi tomado por empréstimo de um poema do Chico Acoram sobre o notável piauiense.  

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

2020 – UM NATAL DIFERENTE


 

José Pedro Araújo

 

O Natal está chegando este ano com um gosto amargo para muita gente. Um vírus mortal que veio lá das bandas do oriente é o principal responsável por isso, somos sabedores. Muitas famílias estão enlutadas e, por isso mesmo, terão um período natalino mais triste do que o do passado. Até mesmo para aqueles grupos familiares que escaparam até agora do poderoso e nefasto inimigo microscópico, as festividades serão mais simples, mais magra, e sem a pompa de outras épocas. Nas igrejas, por exemplo, onde costumávamos comemorar alegremente a virada do dia vinte e quatro para o vinte e cinco, haverá modéstia nas comemorações, simplicidade nas apresentações. Entretanto, nada disso apagará o brilho desta data que encanta a todos os cristãos, nem interromperá a sua realização por completo. E a razão disso está no fato de que, o que comemoramos nessa data, é a chegada do Filho de Deus, a ocorrência da esperança para nossas vidas, da alegria de sabermos que a vinda do Redentor nos trouxe a certeza de que há salvação para as nossas almas, bálsamo para as nossas dores, e a certeza de uma vida eterna plena de  paz e alegria. Isso, ninguém, nenhum vírus maléfico, vai nos tirar. Nunca sairá de nós a alegria do tocar dos sinos no alto das catedrais, de nos encantarmos, e nos emocionarmos, com o som maravilhoso das lindas canções invadindo nossos lares, ocupando o espaço da tristeza em nossos espíritos.

Pensando no assunto, comecei a imaginar como deve ter sido o Natal dos britânicos em 1943/1944 (e de muitos europeus), no momento mais agudo da segunda grande guerra, quando os alemães escolheram o período da noite para lançar suas bombas mortíferas sobre os lares londrinos. A história nos conta que, mesmo com a permanente tensão, os moradores da cidade nunca perderam a sua fleuma, parte da sua rotina; não esmoreciam e procuravam levar uma vida como se os nazistas não pudessem afetar o curso delas. E com esse pensamento, muitos enfeitaram suas casas normalmente para esperar o Natal, e a maioria comemorou frugalmente o grande dia nos abrigos subterrâneos da cidade. A data, e o motivo da comemoração, precisava ter continuidade, mesmo sem a pompa de outras épocas. Deste modo, venceram o medo com a Fé; o terror das bombas V1 com o som maravilhosos dos cânticos.

Do mesmo modo, deve ter acontecido assim na primeira grande guerra, ou em períodos de pestes mortais, como a Gripe Espanhola, a Peste Negra, a Varíola, a Peste Bubônica, entre tantas outras. Nada disso foi suficiente para estancar o curso das festividades do dia em que comemoramos a vinda de Cristo.

A terra onde Jesus nasceu, por exemplo, tem sido um local permanente de incertezas de como será o Natal do ano que corre. O conflito árabe/israelense tem apagado, ano após ano, o brilho desta festa, mas não a interrompe por completo. Um exemplo disso aconteceu em 2006. Belém fica hoje localizada fora do território de Israel, na Cisjordânia, mas, mesmo assim, dezenas de milhares de turistas procuram a cidade nesse período natalino para visitar o local onde o Filho de Deus se fez homem. O conflito entre os dois povos ocasionou o surgimento de um muro entre as duas regiões litigiosas. E isso tirou o acesso dos trabalhadores que diariamente adentravam em Israel para exercer suas funções em Jerusalém, cidade próxima à fronteira, especificamente naquele ano. A Intifada, provocada pelo Hamas, foi a responsável por Israel levantar o muro para proteger a sua população dos ataques quase diários promovidos pelos seus inimigos. Pagaram por isso os trabalhadores do outro lado do muro, em Belém, que precisavam do dinheiro ganho dos Judeus para promover o sustento de suas famílias.

A cidade de Belém, de pouco mais de 40.000 habitantes, ficou sem recursos financeiros, sem condições até mesmo de pagar os salários de seus funcionários. Aquele Natal foi muito triste. Até mesmo os produtos retirados das fazendas existentes no outro lado do muro, foram impedidos de chegar até a mesa das famílias na cidade de Cristo. Contudo, não duvido de que os cristãos lá residentes deram um jeito de comemorar a data mais importante da cristandade. Eles sempre conseguem. A Fé que move montanhas, segundo as escrituras, sempre encontra um modo de acender a chama da esperança nos corações cristãos. E não há peste ou flagelo suficientemente grande que impeça que eles festejem a sua data célebre.

Quem não tem acesso à energia elétrica para acender as luzes da árvore mais humilde, acendem velas de cera e o brilho das chamas fazem refletir as cores nas bolas e arranjos natalinos. Elas emitem o fulgor e o brilho de suas belas cores: O Vermelho, que representa o sangue de Cristo, e o amor incondicional ensinado pelo Mestre; e o Dourado, que significa a presença do divino, a luz, o sol. Essas cores, esse brilho, nunca morrerão nem faltarão nos lares cristãos. Mesmo em tempos de guerra ou de peste, como a que vivemos hoje.

Em algum lugar encontrei uma lista de coisas que podemos fazer para alegrar as crianças nesse Natal diferente: 

1 – Tirem o dia para cozinhar receitas natalinas;

2 – Façam cartões de natal personalizados;

3 – Organizem uma chamada de vídeo com Papai Noel;

4 – Decorem a casa juntos;

5 – Invista em maratona de filmes de natal;

6 – Façam um Karaokê com músicas de natal;

7 – Troquem presentes virtualmente;

8 – Passeie de carro pela cidade para admirar as luzes de natal pela cidade;

9 – Criem uma lista de agradecimentos e pendurem na árvore. Motivos para agradecer a Deus pelo ano passado não faltarão.

10 - E, principalmente, ajoelhem-se e renovem os votos de Aliança com o nosso Poderoso e Amoroso Deus. 

Um Feliz Natal a todos!