quarta-feira, 30 de agosto de 2017

A MORTE DO PRESO DO CAMBO D’ÁGUA

Pórtico de entrada da antiga Penitenciária



(Chico Acoram Araújo)*

O jornal “O Dia” denuncia o estado de abandono em que se encontram os detentos da Penitenciária de Teresina. Sobre a fome porque passam os presos, fala-se que o “Estado está ensaiando, embora sem consciência formada [aplicar] a pena de Talião”. (10 de fevereiro de 1957).

                 A antiga penitenciária de Teresina, demolida em 1978, ficava situada em um quarteirão fronteiro ao Estádio Lindolfo Monteiro, onde hoje é o Ginásio Verdão. Em uma tarde calorenta de verão, um preso carregando um cambo de duas latas vazias de querosene sobre os ombros descia a Rua Jônatas Batista, em direção ao rio Parnaíba, acompanhado por um policial armado com um Fuzil Mauser fabricado no começo do século vinte. O soldado, vestido com sua surrada farda cáqui, um pouco atrás, caminhava com passos lentos e cadenciados, mas mantinha olhar vigilante. Abastecer o presídio com as águas do Velho Monge era a missão cotidiana dos presos. Nesse mister, outras duplas se sucediam, diariamente, até o sol se por. O nome do preso não consta de minha memória. Só sei que não era o temido pistoleiro Joaquim Leandro Marciel, conhecido no mundo do crime, nas décadas de 50 e 60, como Catanã, morador da Penitenciária Campo de Marte há muito tempo por conta de vários assassinatos que cometera no Piauí. Ele era natural da Paraíba, da região de Cajazeiras. Feroz e temido, aterrorizou, além do Piauí, os Estados da Paraíba e Ceará. Catanã tornou-se famoso pelas suas façanhas de exímio matador. “Já estou com raiva”, dizia quando era contratado para matar alguém. Este não carregava água do rio Parnaíba; tinha certas regalias, protegido que era pelos poderosos. Na época, falava-se que, nos finais de semana, o famoso pistoleiro saía da cadeia, na calada da noite, para fazer uns “servicinhos extras” até mesmo fora do Estado do Piauí. Será que isso é lenda?
Esse fatídico itinerário diário dessa estranha dupla consistia no seguinte:  saiam da prisão pública (construída em 1866, depois denominada de Penitenciária Campo Marte), dobravam à esquerda, entrando na Rua Jônatas Batista, passavam pela antiga Santa Casa de Misericórdia (primeiro hospital de Teresina, edificado em 1860; hoje funciona uma entidade voltada para assistência aos surdos e mudos). Em seguida, descendo a mesma rua, passavam em frente ao Grupo Escolar João Costa (atualmente funciona uma escola estadual de teatro, música e dança) e pelo Asilo de Alienados, fundado em 1907 (hoje funciona a Escola Benjamin Batista), ambos localizados ao lado Norte do Estádio Lindolfo Monteiro; depois, ultrapassavam o desativado Posto Fiscal, situado no final da Rua Jônatas Batista, até chegar ao rio Parnaíba, sob a ponte metálica “João Luís Ferreira” (a primeira ponte construída sobre o Rio Parnaíba, no estado do Piauí, inaugurada em 2 de dezembro de 1939), onde as latas eram abastecidas com o precioso líquido.
Na época, as famílias que moravam fora do limite urbano de Teresina, e que não possuíam poços d’água em suas moradias, costumavam se abastecerem com água do velho monge, transportada em ancoretas no lombo de animais, ou em cambo d’água nos ombros dos moleques, ou em vasilhas postas sobre rodilhas de tecido acomodadas nas cabeças das mulheres. Cenário comum de Teresina do século XX.
Naqueles tempos, era comum observar prisioneiros da velha cadeia carregando água que coletavam do rio Grande dos Tapuias, nas proximidades da ponte metálica, pois a penitenciária não possuía água encanada.
Mas, a Capital do Piauí, no seu perímetro central, já possuía sistema de abastecimento d’água, iluminação pública, coletivos, bondes motorizados e outras modernidades vistos em outras cidades do Sul do Brasil e também da Europa. A cidade estava em franco desenvolvimento. A população chegava em torno de 100 mil habitantes. Imigrantes vinham de todos os lugares, principalmente dos vizinhos Estados do Maranhão e Ceará, e do interior Piauí.
Certo dia do início dos anos 60, ouvi, da minha sala de aula do então Grupo Escolar João Costa, o som de um tiro seco e forte no cruzamento da Rua Rui Barbosa com a Jônatas Batista. O prisioneiro escalado para pegar água no rio Parnaíba empreendeu fuga e tentou embarcar em um ônibus que passava, no momento, em direção à Timon, do outro lado do rio. O soldado, atento, não vacilou e desferiu um tiro certeiro que acertou a nuca do pobre homem, abatendo-o incontinente. O sangue escorreu pela calçada do centro social, a antiga Santa Casa de Misericórdia.
                No livro “Teresina 160 Anos do Jornal “O Dia”, 2. Ed., pág. 33 e 34 (org. por Antônio Fonseca Santos Neto) observa que a Santa Casa de Misericórdia foi  o primeiro hospital da nova Capital do Piauí, e que representa uma das tentativas de criar em Teresina um sistema de saúde pública. Essa instituição foi concebida com a intenção de ajudar aos pobres e indigentes de Teresina que precisavam de cuidados médicos e laboratoriais. Os ricos de Teresina não eram internados nesse hospital, mas atendidos em suas próprias residências por médicos particulares. A Santa Casa de Misericórdia, e outros estabelecimentos do tipo, tais como o Cemitérios São José, o Asilo dos Alienados, a Cadeia Pública, foram todos construídos fora do limite da zona urbana da cidade.
                Hoje quando passo nesse local, recordo-me do corpo ensanguentado do infeliz preso estendido no chão. E por algum tempo após a morte do detento, uma caridosa senhora que morava nas imediações acendia, ao anoitecer, uma vela no peitoril de uma das janelas daquele vetusto prédio. Triste memória; tinha eu, apenas 10 ou 11 anos de idade.
               
(*) Chico Acoram, formado em contabilidade, é funcionário público federal e cronista

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Diário de Fralda (Parte 26)

Ops... fomos descobertos!


(Empolgado com o nascimento da sua primeira filhinha, papai Bruno começou uma brincadeira que logo caiu no gosto de todos: a produção de um diário que ele convencionou chamar de “Diário de Fralda”. Diante disso, o blog resolveu publicar semanalmente o depoimento da Lavínia que, em último caso, vem a ser a netinha do coordenador do Folhas Avulsas).


SEMANA 28 – Ainda no Egito



(Bruno Giordano)

205º DIA: “Tomos, Tomos e mais Tomos! Enterrados a pelo menos 12.000 anos! Escritos numa língua antiga que lembram os hieróglifos, mas ainda sim bem diferente! Os símbolos que vejo pelas paredes do grande salão possuem uma sequência intrigante .. se minha leitura estiver correta parece que tratam sobre os primeiros astronautas e como eles construíram as pirâmides... Como atravessavam o universo num piscar de olhos... Poderia passar um século aqui e não desvendar todos os segredos desse salão... Espere.. barulho... Amarula!! TEMOS QUE FUGIR!!" - Lavínia, a iluminada! 

206º DIA: “Corremos, mas nossa velocidade não foi suficiente! Estamos presas, eu, minha loba gigante Amarula e todo esse conhecimento inexplorado! Vasculhei minha mochila e só achei ração para lobos e uma manga! Enquanto não achar uma saída para minha situação tenho que economizar o máximo possível... Ops.. comi a manga!" - Lavínia, a avexada!

207º DIA: “Depois de ficarmos aprisionadas e sem recursos, só nos restou correr por toda a câmara a procura de uma saída! E encontramos! Uma portinhola que parecia mais um alçapão estava escondida abaixo de uma das estantes... E por ela descemos... Por muito tempo... Parecia quase uma viagem ao centro da terra de Júlio Verne... Passamos pelas mais diferentes paisagens que eram extremamente incoerentes com o deserto em que estávamos a menos de 2 horas atrás. Quando finalmente acabamos de cair, fomos atacados por o que parecia ser um pato gigante... Pelo menos nosso problema de comida tinha acabado!" - Lavínia, a beastmaster! 

208º DIA: “Aproveitando uma pausa nesse final de semana, pois ninguém é de ferro, para desejar um feliz dia dos pais para todos! Lembrando: pai não ajuda, pai também é responsável!” - Lavínia, a filha dedicada do servo careca!  

209º DIA: “Depois de encher a barriga com pato gigante ao tucupi, aproveitei para tirar uma soneca!!! Aaaahhh!, mas que preguiça ..." - Lavínia, a jiboia!

210º DIA: “Hoje é dia de ser boneca! Estou esperando meu servo careca voltar para continuarmos nossa aventura! Tenho muitas coisas bacanas a confidenciar!" - Lavínia, a Barbie!

211º DIA: “Zzzz zzzzzzz zzzzzzz zzzzzzz ... Eita semana que está demorando.. zzzz zzzzzzz ... Vou tirar um cochilo pra ver se passa mais rápido" - Lavínia, a impaciente!

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Diário de Fralda (Parte 25)

Pronta para mais uma aventura



Empolgado com o nascimento da sua primeira filhinha, papai Bruno começou uma brincadeira que logo caiu no gosto de todos: a produção de um diário que ele convencionou chamar de “Diário de Fralda”. Diante disso, o blog resolveu publicar semanalmente o depoimento da Lavínia que, em último caso, vem a ser a netinha do coordenador do Folhas Avulsas).


SEMANA 27 – Uma aventura no Egito



(Bruno Giordano)

197º DIA: “Apesar da boa acolhida por aqui e de estar sendo muito bem alimentada, devo começar o planejamento para minhas próximas aventuras! Pesquisando em alguns livros antigos, descobri que a esfinge do Egito não é meramente uma escultura, mas, realmente, guarda enigmas. Os textos também se referem aos primeiros astronautas ... Mas o que querem dizer com isso? Isso deve ser examinado in loco... Reunirei minha equipe! Vamos ao Egito!” - Lavínia, a arqueóloga!

198º DIA: “Mochila pronta, com antídotos contra animais peçonhentos, cordas, facas, isqueiro, lanternas táticas, comida, água, fita durex, tesoura, leitinho e outras cositas más! Estou pensando em levar um chicote! Nunca se sabe! Minha genitora, que será minha perita em armamentos, também já está com tudo pronto! Apenas o servo careca está atrasado! Mas fui informada que toda pesquisa, meios de locomoção, programação e disfarces já foram providenciados pelo mesmo! Agora com todo equipamento pronto podemos embarcar rumo aos segredos dos faraós!" - Lavínia, a escoteira!

199º DIA: “Partimos em direção ao Egito preparados da melhor forma possível! Tínhamos tudo... Equipamento, informação e vontade! Houve testes de sonar que comprovam a existência de uma câmara entre as patas da esfinge, o que poderia conter documentos de uma civilização que atingiu seu ápice a mais de 12.000 anos. Alguns dizem tratar-se de uma cápsula do tempo! O que nunca descobriram foi como acessar essa câmara sem destruir o monumento! E é justamente isso a minha missão! Esse tesouro arqueológico será descoberto por mim e minha equipe!” - Lavínia, a egiptóloga!

200º DIA: “Ao chegarmos não perdemos tempo! Procuramos as autoridades egípcias para solicitar a licença para escavar.. só que ao indicar o local que pretendíamos transformar em nosso sítio arqueológico, nossa licença foi vetada sem nenhuma explicação. Pior .. nos deram prazo para sair do país... Mas não iremos desistir assim... Sei o que procuro e sei que está lá! Hora que começar o plano 'b'!” - Lavínia, a clandestina!

201º DIA: “Tendo sido negado nosso pedido de escavação, só nos restou duas opções! A primeira seria desistir e voltar para casa! A segunda seria ignorar esse revés e escavar sob o manto da noite! Mas não esperávamos que nossas intenções despertariam atenção de alguns grupos locais... Acredito que tínhamos estampados em nossas testas que não iríamos desistir, e por isso toda Cairo parecia prestar atenção em todos nossos movimentos! Teríamos que ser discretos, mas discrição nunca foi o forte do nosso grupo!" - Lavínia, a quase-discreta!

203º DIA: “Saímos sob o manto da noite para nossa missão clandestina! Minha loba gigante ficou responsável pela segurança do grupo, enquanto o servo careca e minha genitora atuariam como batedores para que não fossemos surpreendidos por nenhuma organização secreta trabalhando para manter todo esse conhecimento ancestral enterrado! Eu disse organização secreta?! Está mais para várias organizações secretas com todo tipo de objetivo! Mas não importa... Já estou vendo a esfinge! Mãos a obra!" - Lavínia, a arqueóloga!
204º DIA: “Tudo estava indo bem! O sonar localizou a câmara secreta abaixo da esfinge... com um pouco mais de dificuldade também localizou o que pareceu ser um pequeno túnel de pouco mais de 40cm de diâmetro, o suficiente para uma pessoa pequena passar.. e isso me fez a pessoa ideal para o serviço! Minha loba gigante também veio junto! Nós esgueiramos pelo diminuto túnel até chegar num grande salão. E lá encontramos o tesouro enterrado a 12.000 anos! Ficamos encarando e imaginando...

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

CRÔNICAS VIVIDAS - CAINDO NA REAL

Imagem by Google



(José Ribamar de Barros Nunes)*

Gosto de repetir que a escola da vida oferece-nos, diariamente, alguma lição, grande ou pequena, aumentando a cada dia esse acervo de experiências. O imortal vate lusitano, Luiz de Camões, ensinava que vale mais o “saber de experiência feito”...
Penso que, nessa aprendizagem quotidiana a lição mais presente se refere ao realismo da vida, que nem sempre corresponde ao esperado. Daí certamente surgiu a expressão popular “cair na real” que significa reconhecer e aceitar, na medida do possível, as pessoas, os acontecimentos e as coisas como eles são, independentes da nossa vontade...
Muitos exemplos a história registrou e registra. O famosíssimo Maquiavel deixou-nos ensinamentos políticos e filosóficos, verdades que perduram até hoje, mormente na difícil ciência política. A lei da “traição” na política, por exemplo, se comprova com frequência e líderes do porte de Ulisses Guimarães comentam-na abertamente.
Nunca esqueci e até publiquei o desabafo de um ex-governador do Estado de Goiás que declarou e repudiou em nota oficial a traição por parte de um seu primo e protegido... Outro exemplo deram o ex-presidente Peron e um importante embaixador brasileiro. Eles afirmam que a “Lei da Realidade” deve orientar e reger as pessoas, os acontecimentos, o comportamento social e as cousas em geral.
Diante disso e por isso, concordo com a sabedoria e o conselho popular de sempre tentar “cair na real”. Acrescento que “levantar” é preciso e possível...

*José Ribamar de Barros Nunes é autor de Duzentas Crônicas Vividas
E-mail: rnpi13@hotmail.com