quinta-feira, 23 de março de 2023

Saudade que só aumenta.

Foto da mãe do autor


Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)


Neste 23 de março, caso ainda estivesse aqui, minha mãe completaria 89 anos. Quis o destino que partisses muito nova, com apenas 43 anos, em novembro de 1976. Soube de sua morte na madrugada do dia 02 de novembro, quando fui acordado por meu pai, que chegara em casa e já a encontrou sem vida.


Alguém já disse que as mães não deveriam morrer. Quando uma mãe parte, todos ficam órfãos. As mães povoam o mundo com seus ventres, e o sustentam com seu amor. Não há nada mais sublime na terra que amor de mãe. Amor de mãe é incondicional, supera tudo. Quando um filho está doente, quem não se afasta da cabeceira da cama é ela, a mãe. Quando o filho é preso, todos podem abandoná-lo, menos a mãe. É amor genuíno. Quando mãe perde um filho, ela morre junto.


Tive o privilégio de conviver com minha mãe por dezessete anos, onze meses e doze dias. Que mãe maravilhosa Deus me deu. Mulher forte, decidida, lutadora, trabalhadora. Era empoderada, quando o termo não constava dos dicionários.


Com seis filhos para criar, trabalhava os três turnos. Ela nos deu amor, nos educou, vestiu, alimentou, nos deu o melhor que podia nos proporcionar. Nada nos faltou. Com o pouco que tinha fez a multiplicação dos pães e peixes.


Minha mãe era professora primária, lecionava em três lugares diferentes. Quando vejo mulheres se queixarem que estão exaustas, exauridas com o que fazem, penso, isso é muito pouco perto do que ela fazia. Assim, admiro-a ainda mais.


No início da década de 70, fez faculdade de Educação, e mesmo com sua jornada puxada, e seis filhos pequenos para criar, concluiu o curso.


Dizem que a passagem do tempo ajuda a aplacar a saudade, permita-me divergir, amigo leitor, querida leitora. A passagem do tempo avivou em mim a saudade.


Quantas coisas foram interrompidas com sua partida. Ela não acompanhou eu entrar na faculdade de Agronomia e me formar. Não conheceu minhas namoradas, nem a mulher que escolhi para dividir minha única vida.


Não conheceu seus netos, Rodrigo e Frederico, que certamente adorariam tê-la como avó. Não acompanhou minha trajetória. Não soube do acidente que quase ceifou minha vida. Seguramente estaria na cabeceira dos leitos hospitalares, por onde passei, lutando pela vida. Quantas orações e promessas ela teria feito pela minha recuperação.


Não a vi criar meus irmãos, se aposentar, envelhecer.


Você não viu minhas andanças pelo mundo, a conquista de cada etapa, minhas viagens para lugares cada vez mais longínquos. Estaria preocupada, receosa de que algo de mal acontecesse com o filho dela. Ficaria com o coração apertado. Hoje, com as redes sociais se comunicaria comigo em todos os quadrantes da terra. Não soube que me tornei escritor, lancei livro, que escrevo para jornais de todo o Brasil. Certamente estaria feliz. Ficaria orgulhosa em saber que me tornei um homem destemido, que dominou o medo para alcançar seus objetivos. Contente em vê que aprendi com seus ensinamentos, a lidar com dinheiro, quantas lições: “Primeiro ganhe para depois gastar”, sigo a risca. “Não coloca teu braço onde não alcança”, “Com dinheiro não se brinca”.

São conselhos mais do que atuais, “De onde se tira e não se coloca, acaba”. “Não te empolga com o muito, não te abate com o pouco”. “Tudo passa: o bom e o ruim”. “Tenha equilíbrio e sabedoria diante das adversidades”, dizia ela. Mulher espiritualizada: “Nunca perde a fé em Deus, ele nos conhece melhor do que nós; sabe do que precisamos”. “Estuda, o conhecimento abre portas”. “Lê muito, nunca deixa de aprender”, lições atemporais que passei para Rodrigo e Frederico.
Ela me ensinou a ser forte, apesar de sua ausência. Tive que me reinventar para continuar na caminhada. Como um anjo torto sigo teimoso pela vida, mas a carência de mãe nunca passa. Quando o mundo encrespa, quando tudo fica toldado é de minha mãe que primeiro lembro. Como seria bom tê-la por perto. Quanto carinho, amor e atenção deixei de receber com sua precoce partida.
Quantas coisas boas deixamos de viver juntos. No crepúsculo da vida, continuo órfão do teu amor, querida mamãe. Obrigado, Maria da Conceição Nunes e Silva, fostes maravilhosa. Só poderias ter nascido em março, mês em que se celebra o Dia da Mulher. Fostes uma Super Mulher.


(*) Nenhuma descrição de foto disponível.Luiz Thadeu Nunes e Silva. Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas”, o latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes.



sexta-feira, 10 de março de 2023

O Trânsito do Engenheiro J. Palhano de Jesus pelas Terras do Curador em 1910


 

 

José Pedro Araújo(*)


A ligação da ilha de São Luís com os sertões sempre foi uma aspiração de todos os maranhense, e isso se daria através da construção de uma Ferrovia ligando o Itapecuru ao Tocantins, foi o que primeiro se pensou. Ou, mais precisamente, a ligação da ferrovia São Luís -Teresina à região tocantina através de um ramal ferroviário, fazendo-se a ligação definitiva entre essas duas partes do estado. Um projeto dessa natureza colocaria a esquecida região sudoeste do estado no mapa de uma vez por todas, e, de quebra, abria aos colonizadores a possibilidade de explorarem as terras de altíssimo potencial produtivo situadas no centro geográfico do território, a desconhecida região do Japão maranhense.

Vez por outra, os membros da assembleia provincial debatiam o assunto, como aconteceu nos anos que antecederam a 1910, quando o assunto da construção de uma ferrovia ligando Monção ao Tocantins esteve na ordem do dia e terminou o debate gerando ….

Contudo, foi em 1910 que esse assunto ganhou maior importância através do envolvimento do Ministro de Viação e Obras Públicas com o problema, colocando o engenheiro J. Palhano de Jesus no centro da causa. Palhano de Jesus era o engenheiro ferroviário responsável pela fiscalização da Estrada de Ferro São Luís – Caxias, e que ainda no começo daquele ano, receberia um telegrama controverso do seu chefe imediato, sediado no Rio de Janeiro, com determinações especificas para que ele procedesse o “reconhecimento da linha férrea de Monção a Grajaú, passando por Barra do Corda”. E ainda, que Palhano escolhesse o melhor local para o início da construção da citada estrada de ferro: ou partindo de Codó ou de Coroatá, que ficava ao critério dele a escolha do melhor local de intercessão das duas linhas férreas.

O chefe de Fiscalização das Estradas de Ferro se dirigia ao engenheiro Palhano em comunicado oficial do dia 27.01.1910, informando-lhe sobre a pressa do Ministro de Viação e Obras Públicas em obter informações e impressões sobre o melhor traçado para a citada ferrovia para que ele resolvesse sobre a “conveniência ou não de mandar proceder posterior estudo das linhas citadas”. Sim, das linhas citadas, pois eram duas as linhas: Monção a Grajaú e Codó ou Coroatá a Grajaú.

Somente no dia 19.02.1910, portanto, no mês seguinte, o citado engenheiro Palhano respondeu através de telegrama ao seu chefe imediato, Dr. Ernesto Antônio Lassance Cunha, Diretor da Repartição Federal de Fiscalização das Estradas de Ferro, desculpando-se por só naquele momento está respondo ao seu telegrama do mês anterior, por se achar todo aquele tempo em Caxias à serviço. Depois, diante da grande urgência do ministro, que queria que a sua viagem de reconhecimento se realizasse nos meses de fevereiro, março e abril, alegou que aqueles eram meses de maior precipitação pluviométrica na região, portanto, quase impossível para se realizar um trabalho de tal magnitude em um momento tão chuvoso quando rios, córregos e riachos transbordavam e obstavam a passagem de quem quer que procurasse transitar pela região que pretendiam estudar. Alegou ainda risco de vida em razão de trechos da região em causa ser habitada exclusivamente por selvagens. E não ficou somente nisto. Cobrou o pagamento de seus vencimentos atrasados há quatro meses, assim como o dos escriturários e serventes, sem receber pagamento há exatos sete meses. Informou ainda, que vinha realizando o pagamento de despesas oficiais através de recursos retirados do seu próprio bolso. Ainda alegou que precisava levar consigo um auxiliar diarista e pajens para realizar o serviço de cozinha durante a viagem, além de mais recursos para a aquisição de animais de montaria e de carga para fazer frente à viagem que empreenderiam. E, para finalizar, solicitou o fornecimento de bússolas portáteis, podômetros e aneroides, instrumentos usados para o levantamento de dados necessários a elaboração de relatórios sobre a situação física e geográfica da região.

A resposta do ministro de Viação, depois de algum tempo, foi dura e não comportava recusa. Determinava ele ao engenheiro Palhano, em 17/05/1910, e em resposta as suas alegações e cobranças, que ele, Palhano, começasse imediatamente os trabalhos de reconhecimento para o traçado da estrada de ferro e, aumentando mais o trecho a ser levantado, que a estrada deveria finalizar em Carolina, e não em Grajaú. E ainda mais. Que as despesas de toda a operação fossem custeadas com os recursos recebidos a título de diárias. Fora uma decisão realmente dura, pois o engenheiro alegava que os recursos recebidos como compensação pelos dias trabalhados, as ditas diárias, seriam insuficientes até mesmo para manter seus familiares, que ficariam na capital do estado, enquanto ele empreendia a viagem a serviço. Note-se que o Ministério de Viações deixou de lado a exigência da realização do levantamento expedito para o trecho da outra ferrovia, a que ligava Monção ao Tocantins. Mas, sobre isto, ninguém falou mais nada.

Por sua vez, ao que parece, o nosso engenheiro Palhano não era exatamente um inocente nesse jogo e, enquanto as discussões se desenrolavam, procurou junto ao governo do estado uma saída para o imbróglio que se constituía. E o governo, maior interessado na realização daquela obra ferroviária de grande magnitude para a sua região, responsabilizou-se logo no cobrimento de todas as despesas da viagem orçada pelo engenheiro. Só não se comprometeu em arranjar os equipamentos reclamados pelo engenheiro.

Em resposta, a seu chefe imediato no Rio, J. Palhano de Jesus afirmou que o Governador do Maranhão Luiz Domingues havia compreendido bem as suas justificativas que, diga-se, nunca e em tempo algum visaram a melhoria dos seus ganhos, mas unicamente a certeza da realização dos trabalhos pretendidos, tendo ele governador, despendido à conta do tesouro estadual os recursos necessários. E ainda mais. Afirmou que o chefe supremo do estado maranhense havia acreditado no seu trabalho e que o havia habilitado a dar início imediatamente àquela obra tão importante para o povo maranhense. Note-se ainda, que o engenheiro havia ganho tempo para iniciar os trabalhos somente quando as chuvas diminuíssem de intensidade na região visitada por ele.

E, assim, deram-se início aos trabalhos de levantamento do melhor roteiro para a construção de uma ferrovia que interligasse a região tocantina à capital do estado maranhense, passando pelas cidades de Pedreiras, Barra do Corda e Grajaú, até atingir as barrancas do rio Tocantins. A primeira decisão tomada foi a de iniciar o traçado da ferrovia a partir de Coroatá, e não da cidade de Codó. E justificou, dizendo que a extensão dos dois caminhos eram praticamente as mesmas, mas que havia escolhido Coroatá pelo simples fato desta cidade ficar mais próxima à capital do que aquela outra, situação mais apropriada aos sertanejos. E assim começou a caminhada da equipe incumbida pelo levantamento dos primeiros dados a respeito da melhor localização da ferrovia em questão. Viagem penosa sobre montarias, composta pelo próprio engenheiro Palhano, por um auxiliar de serviços e por um pajem responsável pelas ações domésticas do grupo, como a preparação de alimentos e outras ações necessárias ao conforto do grupo daquele grupo de trabalho.

Pelo roteiro que faz atualmente, poderíamos afirmar que a comitiva seguiu a mesma rota que leva até Peritoró pela MA-020, seguindo depois até a sede do município de Independência. E assim, deixando a estrada de Pedreiras à direita, seguiu a comitiva em direção a Capinzal, cabeceiras do rio Codozinho. A rigor, o traçado atual da BR-135 é o mesmo, salvo por algumas curvas eliminadas quando da melhoria da estrada, prova inequívoca que a dita rodovia seguiu um caminho já deveras conhecido pelos que transitavam em direção ao velho Curador. Seguindo ainda o roteiro dito pelo engenheiro no seu relatório, atravessaram a região conhecida como Califórnia, chegaram a Lagoa Nova(Santo Antônio dos Lopes), e de lá seguiram em direção ao cruzamento com a estrada que vem de Codó(Triângulo), avançando depois até a Serra da Boa Vista, divisor de águas dos rios Itapecuru e Mearim. Na descrição, o engenheiro não faz nenhuma citação do povoado Mata do Nascimento (D. Pedro), após ultrapassá-lo para chegar a Serra da Bela Vista. Cita ter passados por outras povoações, como Água Boa, Pão de Ouro, Cruzeiro e Tabocas, lugares hoje inexistentes ou desconhecidos por nós e sem citações nos mapas.

Depois de atravessar a Serra da Boa Vista, passarem pela Palma e seguiram até o povoado Sapucaia. De lá, seguiram adiante, passando pelo Curador( que não fez referência também), Tuntum, até pegarem a estrada para a Barra do Corda, sede do município. Como a BR-226 inexistia, o percurso até a Barra seguia a estrada velha do Tuntum, autênticos caminhos de tropeiros, virava para o sul em direção ao sertão das Areias, Lagoa D’anta, Cigana e seguia em frente. As melhores informações que podemos colher do relatório apresentado são relacionadas ao que se cultivava naquele tempo na região do Japão: o arroz, milho, mandioca, o algodão e o fumo. Além disto, segundo declaração do autor do trabalho, “Nas Matas do Japão e nas do Baixão, cria-se muito gado de boa qualidade, e muito superior ao gado dos campos (referia-se à região acima de Barra do Corda, e até a região tocantina), que se alimentam com capim agreste. Faz exceção o dos campos que se estendem do rio Lageado até perto de Porto Franco, aí o pasto é um capim mais nutritivo a que dão o nome de “Capinão””.

Por sua vez, apesar da falta de estradas, ferrovias ou rios navegáveis na região, já existiam caminhos conhecidos para os principais centros, como Codó, Pedreiras, Coroatá e Caxias, cujo trânsito com animais de montaria ou de carga era constante. Por lá também eram conduzidas as boiadas que seguiam para a feira de Caxias, da região ou que vinham da Barra do Corda, Grajaú, ou mesmo da região Tocantina.

A outra informação importante, é que em 1910 já haviam muitas fazendas espalhadas em toda a região do Japão, apesar das dificuldades de transporte para comercializarem seus produtos agrícolas e seus gados nas praças mais desenvolvidas. A propósito disto, o fazendeiro José Nunes de Almeida, meu bisavô, o mesmo que construiu a primeira casa coberta de telha no velho Curador, nesse mesmo período fazia viagens costumeiras para Caxias com o intuito de vender seus produtos. De lá, também trazia o que precisava para o seu consumo, como o querosene, o sal, o açúcar, além de tecidos e todo o aviamento necessário à costura das roupas e lençóis. E nessas viagens, demorava-se cerca de quinze dias para ir a Caxias, resolver suas coisas, e voltar para o Curador.

Apesar disto, o Engenheiro escolheu um outro roteiro para a construção da tal ferrovia tocantina: a velha estrada beirando o rio Mearim e que passava por Pedreiras. Não levou em conta o fato daquela região possuir um rio navegável, pelo menos em parte do ano, quando as águas do mesmo favoreciam o trânsito de barcos a vapor puxando seus batelões. A região do Japão, apesar dos rasgados elogios recebidos quanto à sua avultada possibilidade produtiva, ficaria mais uma vez esquecida.

O fato é que os políticos e administradores se envolveram mais uma vez nas suas querelas e a tal ferrovia nunca saiu do papel. A disputa entre grupos antagônicos pela primazia da construção e exploração da Tocantina atrasou por décadas o início da obra. Depois veio a primeira guerra mundial em 1918 e o país reduziu o ritmo das obras em todo o território nacional, e mais uma vez a Tocantina não foi iniciada.

Termino afirmando que na campanha eleitoral para presidente da república em 1950, sobre um palanque em Carolina, o Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato à presidência prometeu: “Prometo-vos, que se for eleito dar, no meu governo, todo o meu empenho para que no lustro em que dirigir os destinos da nação, a Tocantina se torne realidade concreta”. A promessa foi publicada no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Não foi eleitor e a Tocantina também jamais foi construída. 

(*) José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.